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Código de ética do servidor civil e sua inaplicabilidade ao militar

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21/12/2007 às 00:00
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DISTINÇÃO ENTRE CRIMES E INFRAÇÕES DISCIPLINARES MILITARES

A vida militar, diferente da civil, exige um aperfeiçoamento permanente, para fins de acesso aos postos e graduações, que somente ocorre através da aprovação em cursos de aperfeiçoamento, desde as Escolas Militares, caso, por exemplo, da Academia Militar das Agulhas Negras, onde durante vários anos, em regime de internato, ali permanece o pretendente a um posto de aspirante a oficial do Exército, início da carreira que pode levar, conforme o caso, até o generalato.

E, ao longo de sua formação como Oficial do Exército, na Academia Militar das Agulhas Negras, o aluno lê, diariamente, no lugar mais destacado do prédio, no pátio de formatura daquele estabelecimento de ensino militar, o seguinte preceito ético:

"IDES COMANDAR. APRENDEI A OBEDECER."

E mais tarde, como oficial, na formação de seus soldados, ensina a eles o Solene Juramento à Bandeira:

"Incorporando-me ao Exército Brasileiro, prometo cumprir rigorosamente as ordens da autoridade a que estiver subordinado. Respeitar os superiores hierárquicos e tratar com afeição os irmãos de armas e com lealdade os subordinados. E dedicar-me inteiramente ao serviço da Pátria, cuja honra, integridade e instituições defenderei, com o sacrifício da própria vida."

Para se ter uma apenas aproximada noção do que significa a ética do militar, que assume o compromisso solene de defender a Pátria com sacrifício até mesmo da própria vida, basta lembrar que não se pode fugir à luta, desertar, pois a deserção, entre nós, já foi punida com a pena de morte, conforme Regulamento de 1763, baixado pelo Conde De Lippe.

E, além do compromisso de não desertar, ou seja, de permanecer na guerra, para o militar é motivo do mais alto orgulho, ainda que depois de morto, oferecer seu corpo para servir ao menos como trincheira, para proteger seus irmãos de Força.

Para melhor compreender pelo menos um pouco do quanto existe de ética entre os deveres militares, bastaria meditar sobre a seguinte passagem do "Hino da Artilharia Brasileira", entre numerosos outros de igual sentido, Letra por Jorge Pinheiro, Melodia por Christian Zaihn, Hino que é cantado rotineira e solenemente durante as formaturas:

"Se é mister um esforço derradeiro

E fazer do seu corpo uma trincheira,

Abraçado ao canhão morre o artilheiro

Em defesa da Pátria e da Bandeira."

Bem se vê que a formação militar se assenta, afortunadamente, na disciplina e na hierarquia, na ética em seu sentido mais primoroso, o sentido de compromisso com a missão de defensor da Pátria, com renúncia a todos os bens materiais ou sentimentos outros por mais nobres que possam parecer.

A ética e a moral, nos meios militares, é tão real que deve ter inspirado a elaboração de um Código de Ética para o Servidor Civil, tal qual o existente.

Sobre este ponto, discorreu com pena de mestre Doutor JOÃO BATISTA FAGUNDES, que, tomando por referência a teoria do direito como mínimo ético, ensinou:

"O ideal seria que todas as normas de moral fossem transformadas em normas de direito; mas o que se verifica é que apenas algumas delas se transformaram em normas jurídicas, integrando o elenco de princípios consagrados do direito positivo.

"Conclui-se, pois, que é mais fácil ferir-se a moral do que se ferir o direito, já que o campo daquele é muito mais amplo.

"Na vida militar, porém, as peculiaridades especiais da profissão subordinam o militar a severas sanções, tanto no campo do direito quanto no campo da moral.

"A impunidade, que se verifica em outros ramos de atividade, para quem fere apenas os princípios da moral, é inadmissível para o oficial das Forças Armadas que, sendo forjado e educado para o exercício do comando, é obrigado a pautar sua conduta não só conforme a lei, mas, sobretudo, com honradez e com dignidade.

"É certo que tais virtudes não devem ser apanágios do militar. Nele, as virtudes aparecem gizadas pela lei, pois toda a Organização Militar, ante o princípio atuante da solidariedade orgânica, tão bem exposto por Chrysólito de Gusmão com apoio na doutrina de Durkheim, repousa nas virtudes do homem e do soldado, e seu pleno ajustamento ao conjunto, impondo normas de conduta rígida, funcional e moral, para resguardo da honra pessoal, do seu pundonor e do decoro da classe." [44]

Outra ordem de argumentação é que relativamente aos militares, seu próprio Estatuto já estabelece que a violação a idênticos preceitos éticos pode constituir contravenção, transgressão disciplinar ou crime militar, de acordo com a gravidade da violação, o que evidentemente não se aplica ao servidor civil.

Para melhor aclarar a distinção, quanto às conseqüências da infração ética para o civil e o militar, pode ser lembrada a norma da Constituição Federal, inscrita no art. 5º, inciso LXI, a dispor que:

"ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei".

A partir da interpretação do art. 5º, inciso LXI, da Constituição Federal, a Professora TELMA ANGÉLICA FIGUEIREDO, Juíza-Auditora da Justiça Militar e Doutora em Direito Penal pela Universidade de São Paulo, faz a distinção do tratamento constitucional dado ao militar, onde se percebe claramente o maior rigor atinente a semelhantes condutas praticadas por servidor civil. [45]

Pode-se lembrar, por exemplo, que enquanto o servidor público civil, tendo cometido crime funcional, somente pode ser preso em flagrante delito ou por ordem judicial, o militar pode ser preso independente de flagrante e de ordem judicial, não só por crime propriamente militar, como por infração disciplinar, a depender apenas de ordem da autoridade militar competente.

Antes de tudo, pode ser lembrada a lição da Professora TELMA ANGÉLICA FIGUEIREDO, que, comentando o inciso LXI do art. 5º da Constituição Federal, ensina que:

"Tal inciso dispensa o flagrante delito ou a ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária nesse caso. Por conseguinte, o militar pode ser preso, independente de flagrante ou mandado de prisão expedido por juiz competente, se cometer crime propriamente militar. A norma constitucional excepciona as hipóteses de violar o direito fundamental de liberdade, quando o militar pratica um delito próprio de sua profissão. A exigência constitucional de só admitir a prisão de alguém, em flagrante delito, ou com ordem judicial, desaparece ao ferir o militar os princípios de hierarquia e disciplina, ou deixar de cumprir seus deveres militares. Quanto à transgressão disciplinar, a Constituição Federal amplia o direito de prender e manter preso, obstando a impetração de habeas corpus." [46]

Quanto ao óbice à impetração de habeas corpus, nos casos de prisão disciplinar, vem previsto no art. 142, § 2º, da Lei Maior, a dispor que:

"§ 2º Não caberá habeas-corpus em relação a punições disciplinares militares."

Apenas para argumentar, esta norma, que exclui a garantia de habeas corpus para o militar, para impedir a prisão por infração disciplinar nem tem qualquer sentido relativamente ao civil, porque não há de se cogitar desta espécie de sanção.

Adiante, discorre a Professora TELMA ANGÉLICA FIGUEIREDO sobre a denominada transgressão disciplinar militar, anotando, já de início, a dificuldade em fazer a distinção entre esta e o crime militar, nestes termos:

"A distinção entre crime militar e transgressão disciplinar apresenta grandes dificuldades, pois a linha divisória entre ambos se baseia em critérios de política criminal, ao desvalorar à ética mínima as transgressões, bem como o momento político do país. Em casos concretos, dada a imprecisão quanto ao estabelecimento dessa linha, cabe ao juiz a responsabilidade de distingui-los.

"Em oposição ao conceito de crime, não encontrado na legislação penal brasileira, a transgressão disciplinar aparece legalmente definida, como toda ação provocada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres e às obrigações militares mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe;118 toda ação ou omissão contrária ao dever militar, estatuídos nas leis, nos regulamentos, nas normas e disposições, não previstas no Código Penal Militar;119 toda ação ou omissão contrária ao dever militar, e como tal classificada nos termos do presente Regulamento.120

"A dificuldade de distinção entre os conceitos avoluma-se quando se trata de disciplina militar. A diferença estabelece-se de acordo com a maior ou menor gravidade do fato, determinando a existência do delito ou de transgressão disciplinar.

"O Código Penal Militar brasileiro não prevê as transgressões disciplinares,121 que são estatuídas em leis específicas, como os regulamentos disciplinares das três Armas. A transgressão disciplinar e o delito militar tratam, muita vez, dos mesmos preceitos, deveres e obrigações militares. O crime expressa uma conduta mais complexa e çrrave que a transgressão. Se houver concurso aparente de normas entre o crime e a transgressão, aplicar-se-á somente a sanção relativa ao crime, conforme os princípios que dirimem os conflitos aparentes de normas.122 Em caso de não ser reconhecido o fato como crime, pode-se apreciá-lo como transgressão, salvo se a absolvição resultar da inexistência do fato, ou negativa de autoria. Enquanto o crime militar pode ser praticado por civil, a transgressão só se realiza por militar.

"Se um militar, por um mesmo fato, houver sofrido punição disciplinar e, após receber condenação por prática de delito militar, o tempo da pena disciplinar privativa de liberdade cumprido deverá ser computado, ocorrendo a detração penal, para evitar bis in idem, não admitido em Direito. (...)

"O Regulamento Militar da Marinha, opondo-se aos do Exército e Aeronáutica, denomina as transgressões como contravenções disciplinares, nomenclatura adotada pelo Código Penal da Armada, de 1890;123 são palavras sinônimas, sem qualquer semelhança com a figura das contravenções do Direito Penal.

"A efetiva distinção entre crime militar e transgressão disciplinar fundamenta-se no princípio da legalidade, pois o Código Penal Militar, cumprindo o mandamento constitucional, estatui que só haverá crime se lei anterior o definir.124"

Ainda a propósito da dificuldade de distinção entre crime e transgressão disciplinar militar, não se pode olvidar a leitura do quanto dispõe o art. 28 da Lei n° 6.880, de 09.12.1980:

Art. 28. O sentimento do dever, o pundonor militar e o decoro da classe impõem, a cada um dos integrantes das Forças Armadas, conduta moral e profissional irrepreensíveis, com a observância dos seguintes preceitos de ética militar:

I - amar a verdade e a responsabilidade como fundamento de dignidade pessoal;

II - exercer, com autoridade, eficiência e probidade, as funções que lhe couberem em decorrência do cargo;

III - respeitar a dignidade da pessoa humana;

IV - cumprir e fazer cumprir as leis, os regulamentos, as instruções e as ordens das autoridades competentes;

V - ser justo e imparcial no julgamento dos atos e na apreciação do mérito dos subordinados;

VI - zelar pelo preparo próprio, moral, intelectual e físico e, também, pelo dos subordinados, tendo em vista o cumprimento da missão comum;

VII - empregar todas as suas energias em benefício do serviço;

VIII - praticar a camaradagem e desenvolver, permanentemente, o espírito de cooperação;

IX - ser discreto em suas atitudes, maneiras e em sua linguagem escrita e falada;

X - abster-se de tratar, fora do âmbito apropriado, de matéria sigilosa de qualquer natureza;

XI - acatar as autoridades civis;

XII - cumprir seus deveres de cidadão;

XIII - proceder de maneira ilibada na vida pública e na particular;

XIV - observar as normas da boa educação;

XV - garantir assistência moral e material ao seu lar e conduzir-se como chefe de família modelar;

XVI - conduzir-se, mesmo fora do serviço ou quando já na inatividade, de modo que não sejam prejudicados os princípios da disciplina, do respeito e do decoro militar;

XVII - abster-se de fazer uso do posto ou da graduação para obter facilidades pessoais de qualquer natureza ou para encaminhar negócios particulares ou de terceiros;

XVIII - abster-se, na inatividade, do uso das designações hierárquicas:

a) em atividades político-partidárias;

b) em atividades comerciais;

c) em atividades industriais;

d) para discutir ou provocar discussões pela imprensa a respeito de assuntos políticos ou militares, excetuando-se os de natureza exclusivamente técnica, se devidamente autorizado; e

e) no exercício de cargo ou função de natureza civil, mesmo que seja da Administração Pública; e

XIX - zelar pelo bom nome das Forças Armadas e de cada um de seus integrantes, obedecendo e fazendo obedecer aos preceitos da ética militar."

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Nem seria demasia lembrar que praticamente todas estas normas éticas servem como substância para figuras típicas tanto de natureza disciplinar como de natureza penal.

Para complicar mais ainda as dificuldades do intérprete, na distinção entre crimes militares e transgressões disciplinares, ainda vêm os arts. 42, 46 e 47 do Estatuto dos Militares, dispondo que:

"Art. 42. A violação das obrigações ou dos deveres militares constituirá crime, contravenção ou transgressão disciplinar, conforme dispuser a legislação ou regulamentação especificas.

§ 1º A violação dos preceitos da ética militar será tão mais grave quanto mais elevado for o grau hierárquico de quem a cometer."

......................................................................................

"Art. 46. O Código Penal Militar relaciona e classifica os crimes militares, em tempo de paz e em tempo de guerra, e dispõe sobre a aplicação das penas correspondentes aos crimes por eles cometidos."

..........................................................................

"Art. 47. Os regulamentos disciplinares das Forças Armadas especificarão as contravenções ou transgressões disciplinares e estabelecerão as normas relativas à amplitude e aplicação das penas disciplinares, à classificação do comportamento militar e à interposição de recursos contra as penas disciplinares.

§ 1º As penas disciplinares de impedimento, detenção ou prisão não podem ultrapassar 30 (trinta) dias."

À vista desta tábua de valores, o Militar não poderá ser submetido validamente às normas do Regimento Interno da Comissão de Ética do Servidor Civil, porque, conforme a legislação militar, já responde por falta de natureza ética, em tudo idênticas, que pode, segundo a gravidade da infração, ser considerada infração funcional ou até crime.

Também não se pode olvidar que uma pessoa não pode responder pela mesma infração, quer de natureza ética, disciplinar ou penal, perante dois tribunais distintos, ou seja, ao mesmo tempo, perante a Comissão de Ética do Ministério da Defesa e perante o Conselho de Justificação, no caso dos Oficiais das Forças Armadas, ou perante o Conselho de Disciplina, no caso do Guarda-Marinha, do Aspirante a Oficial e das demais praças das Forças Armadas com estabilidade assegurada, conforme o disposto nos arts. 48 e 49 da Lei nº 6.880, de 09.12.1980, nestes termos:

"Art. 48. O Oficial presumivelmente incapaz de permanecer como militar da ativa será, na forma da legislação específica, submetido a Conselho de Justificação."

"Art. 49. O Guarda-Marinha, o Aspirante-a-Oficial e as praças com estabilidade assegurada, presumivelmente incapazes de permanecerem como militares da ativa, serão submetidos a Conselho de Disciplina e afastados das atividades que estiverem exercendo, na forma da legislação específica."

Por sua vez, o Conselho de Justificação, baixado pela Lei nº 5.836, de 05.12.1972, em seus arts. 1º e 2º, dispõem:

"Art. 1º O Conselho de Justificação é destinado a julgar, através de processo especial, da incapacidade do oficial das Forças Armadas – militar de carreira – para permanecer na ativa, criando-lhe, ao mesmo tempo condições para se justificar.

Parágrafo único. O Conselho de Justificação pode, também, ser aplicado ao oficial da reserva remunerada ou reformado, presumivelmente incapaz de permanecer na situação de inatividade em que se encontra."

"Art. 2° É submetido a Conselho de Justificação, a pedido ou ex officio, o oficial das Forças Armadas:

I - acusado oficialmente ou por qualquer meio lícito de comunicação social de ter: (...)

c) praticado ato que afete a honra pessoal, o pundonor militar ou o decoro da classe."

A seu talante, os Regulamentos Disciplinares das Forças Armadas já incluem, na especificação das infrações disciplinares as condutas contrárias à ética e à moral, conforme se lê, por exemplo, nos arts. 1º e 6º do Regulamento Disciplinar da Marinha, 1º, 6º e 14 do Regulamento Disciplinar do Exército e 1º, 8º e 10, parágrafo único, do Regulamento Disciplinar da Aeronáutica, conforme a seguir transcritos:

a) "Art. 1° O Regulamento Disciplinar para a Marinha tem por propósito a especificação e a classificação das contravenções disciplinares e o estabelecimento das normas relativas à amplitude e à aplicação das penas disciplinares, à classificação do comportamento militar e à interposição de recursos contra as penas disciplinares."

"Art. 6° Contravenção disciplinar é toda ação ou omissão contrária às obrigações ou aos deveres militares estatuídos nas leis, nos regulamentos, nas normas e nas disposições em vigor que fundamentam a Organização Militar, desde que não incidindo no que é capitulado pelo Código Penal Militar como crime." [47]

b) "Art. 1° O Regulamento Disciplinar do Exército tem por finalidade especificar as transgressões disciplinares e estabelecer normas relativas a punições disciplinares, comportamento militar das praças, recursos e recompensas."

"Art 6° Para efeito deste Regulamento, deve-se, ainda, considerar:

"I - honra pessoal: sentimento de dignidade própria, como o apreço e o respeito de que é objeto ou se torna merecedor o militar, perante seus superiores, pares e subordinados;

"II - pundonor militar: dever de o militar pautar a sua conduta como a de um profissional correto. Exige dele, em qualquer ocasião, alto padrão de comportamento ético que refletirá no seu desempenho perante a Instituição a que serve e no grau de respeito que lhe é devido; e

"III - decoro da classe: valor moral e social da Instituição. Ele representa o conceito social dos militares que a compõem e não subsiste sem esse."

"Art. 14. Transgressão disciplinar: é toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres e às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe." [48]

c) "Art. 1º As disposições deste Regulamento abrangem os Militares da Aeronáutica, da ativa, da reserva remunerada e os reformados."

"Art 8° Transgressão disciplinar é toda ação ou omissão contrária ao dever militar, e como tal classificada nos termos do presente Regulamento."

"Art. 10. São transgressões disciplinares, quando não conitituirem crime: (...)."

"Parágrafo único. São consideradas, também, transgressões disciplinares as ações ou omissões não especificadas no presente artigo e não qualificadas como crime nas leis penais militares, contra os Símbolos Nacionais; contra a honra e o pundonor individual militar; contra o decoro da classe, contra os preceitos sociais e as normas da moral; contra os princípios de subordinação, regras e ordens de serviço, estabelecidos nas leis ou regulamentos, ou prescritos por autoridade competente." [49]

Como se trata de um Código de Ética do Servidor Civil, a própria interpretação gramatical já conduz a uma resposta negativa quanto à sua aplicação aos militares da ativa e da reserva com atribuições funcionais perante o Ministério da Defesa.

Não se pode negar que foi o próprio Decreto Presidencial que procedeu à discriminação, ou seja, que fez a separação entre os civis e os militares e dispôs que o Código de Ética seria aplicável ao servidor civil do poder executivo federal.

Aplica-se o brocardo que diz que onde a lei não distingue, não pode o intérprete fazer a distinção. E, logo, a contrario sensu, onde a lei distingue, não cabe ao intérprete desfazer a distinção, a não ser que se admita que o simples intérprete da lei possa agir, substituindo o legislador, criando normas de que não cogitou o legislador. Enfim, o intérprete não pode incluir na norma jurídica o que nela não foi incluído antes pelo legislador, sob pena de avocar a si o poder de fazer as leis.

No caso de que se trata, a questão surge porque o Regimento Interno, aprovado por Portaria Ministerial, estipulou a pena de censura, prevista no Código de Ética do Servidor Civil, para o militar, com atribuições perante o Ministério da Defesa, quer da ativa quer da reserva, o que ofende a hierarquia própria das normas jurídicas, que é uma ordem segundo a qual as normas de hierarquia inferior necessitam encontrar fundamento de validade nas normas de hierarquia superior.

Sendo assim, apenas para exemplificar, pode-se afirmar que uma Ordem de Serviço somente terá validade se não contrariar uma Portaria Ministerial, que, por sua vez, não pode dispor em contrário ao que dispõe o Decreto do Presidente da República. E este, a seu talante, igualmente não terá validade se contrariar a uma Lei, sendo certo, da mesma forma, que a Lei, se não encontrar respaldo na Constituição, também será inválida.

Entre nós, como do conhecimento comum, o Decreto, por si só, não tem poderes para inovar na ordem jurídica. Temos apenas o decreto regulamentar, que é aquele que se limita a explicitar a lei. Regulamenta a lei, apenas. Não tem poderes para dispor sobre normas situadas nas denominadas áreas de reserva legal.

A propósito, dispõe o art. 84, inciso IV, da Constituição Federal que ao Presidente da República compete, privativamente, "sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução".

Algumas exceções foram introduzidas pela Emenda Constitucional nº 32, de 11.09.2001, o que vem a confirmar a regra, e que são aquelas inscritas no art. 84, inciso VI, que estipulam que compete privativamente ao Presidente da República "dispor, mediante decreto, sobre: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos" (...).

O que mais releva anotar é que, entre nós, vige o princípio da legalidade, inscrito no art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, que dispõe que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

E, no caso dos militares, a infração a norma de natureza ética já vem prevista em lei, que estipula penas disciplinares. Logo, a norma do Regimento Interno que vem a acrescentar mais uma penalidade, além daquelas estipuladas na lei, incide no vício de ilegalidade.

Na espécie, temos a impressão que mesmo o decreto presidencial não poderia estipular penalidade para a infração a normas e preceitos éticos, aplicáveis aos militares, pois a lei já tomou esta iniciativa, a de estabelecer sanção para a infração a preceitos éticos, que, como visto, pode configurar transgressão disciplinar e até figura típica criminal, a depender de cada caso.

E mesmo um outro decreto, no caso dos militares, para instituir sanção por inobservância de preceito ético, seria insuficiente, porque, entre nós, a Constituição Federal não admite os denominados regulamentos autônomos tal qual previstos no Direito Francês, atos do Poder Executivo que complementa o vazio normativo até que venha a ser preenchido por lei:

"Os regulamentos autônomos não são editados no desenvolvimento de nenhuma lei e se expressam com base no exercício de prerrogativas legislativas, sustentados numa concessão de índole constitucional. Seu fundamento jurídico imediato é portanto constitucional. Permite ao Executivo legislar sem qualquer apoio em lei ordinária. Com tais características, podem ser editados para preencher o espaço porventura deixado vazio pelas leis vigentes." [50]

Concluindo quanto ao Regimento Interno, temos a impressão que sua validade está a depender de sua necessária adequação às normas de hierarquia superior, a sugerir alteração legislativa, no Estatuto dos Militares, já que o Decreto Presidencial que aprovou o Código de Ética do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, que não contempla os militares em seu raio de eficácia. E mesmo que contemplasse, seria contrário ao Estatuto dos Militares, que já legislou sobre as conseqüências da infração a preceitos éticos que denigrem a imagem do militar, reservando-lhe penalidades de natureza disciplinar e até mesmo criminal, a depender da gravidade da infração.

Em síntese, para nós, o Regimento Interno do Ministério da Defesa não pode ser tido como válido, quando legisla originariamente e inova na ordem jurídica, ao incluir no Código de Ética destinatários sequer cogitados quando de sua elaboração, por isso que não incluídos como tais.

Os destinatários do Código de Ética do Servidor Civil do Poder Executivo Federal, como a própria denominação está a indicar, são apenas aqueles expressamente previstos no Decreto do Presidente da República que o aprovou, vale esclarecer, apenas os Servidores Civis do Poder Executivo Federal.

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Sobre o autor
Brasilino Pereira dos Santos

procurador regional da República, mestre em Direito e Estado pela Universidade de Brasília

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Brasilino Pereira. Código de ética do servidor civil e sua inaplicabilidade ao militar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1633, 21 dez. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10785. Acesso em: 29 dez. 2024.

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