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Inconstitucionalidade da gratuidade estabelecida na Lei nº 11.441/2007

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22/12/2007 às 00:00
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6- GRATUIDADE DO REGISTRO DE NASCIMENTO E ÓBITO

Sabe-se que o Supremo Tribunal Federal já examinou o assunto anteriormente ao julgar constitucional a gratuidade estabelecida na Lei n° 9.534/97, no tocante ao registro de nascimento e óbito (ADC-5-2 DF).

Prevaleceu, no referido julgamento, o entendimento de que os atos relativos ao registro de nascimento e óbito estão na base da cidadania e de seu exercício e que, como tal, a gratuidade é assegurada no art. 5°, LXXVII da Constituição:

LXXVII - são gratuitas as ações de "habeas-corpus" e "habeas-data", e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania     .  

Observa-se nos fundamentos da decisão um julgamento de cunho muito mais político-social que jurídico. Buscou-se um fundamento para a gratuidade, sacrificando o direito, com o fim de garantir aos cidadãos o pleno gozo do exercício da cidadania, como se a causa do sub-registro fosse exclusivamente a remuneração do serviço. Pelo contrário, sabe-se que a eliminação das sanções, com a conseqüente redução de custos, contribuiu para o seu aumento.

Chegou-se a fundamentar a decisão na competência da União para legislar sobre registros públicos (art. 22, XXV da CF), mesmo sabendo da natureza tributária dos emolumentos (taxa remuneratória de serviço público estadual), bem como da competência tributária dos entes estaduais para legislar sobre sua instituição e isenção.

Nada obstante, os fundamentos que ampararam a constitucionalidade da gratuidade de registro de nascimento e óbito não se repetem no caso da Lei n° 11.441/07, uma vez que a separação e o divórcio não estão na base da cidadania e do seu exercício, como o registro de nascimento e óbito.

A propósito, a via administrativa é apenas uma opção para o interessado, que poderá, caso assim deseje, recorrer ao Poder Judiciário. Como uma via mais célere e eficaz, a separação e o divórcio por escritura pública, na maioria dos casos, resolvem questão patrimonial de dissolução da sociedade conjugal e do estabelecimento de pensão alimentícia, interesses nitidamente privados, sem qualquer relação com o exercício da cidadania.

Em situação mais evidente, encontra-se a formalização do inventário e da partilha por escritura pública, ato que tem por fim exclusivamente a transmissão de bens aos herdeiros que são agraciados com o acréscimo patrimonial.

O próprio acréscimo patrimonial se revela incompatível com a gratuidade, visto que o beneficiário não pode se enquadrar legitimamente na condição de pessoa que não tem condições de prover os emolumentos, sem o prejuízo do seu sustento, posto que tal acréscimo patrimonial é gratuito e dele pode ser extraída a remuneração do serviço.

A título de comparação, registre-se que na transmissão hereditária incide outro tributo igualmente estadual, que é o imposto de transmissão causa mortis, sendo certo que a condição econômica dos herdeiros também não é causa de sua isenção.


7 – CONCLUSÃO

Dessa forma, podemos chegar à conclusão de que os emolumentos retribuem a utilização efetiva ou potencial do serviço notarial e de registro que tem natureza de serviço público específico (prestado em unidades autônomas) e divisível (suscetível de utilização, separadamente, por parte de cada usuário), prestado ao contribuinte.

Por via de conseqüência, possuem caráter tributário, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos prestados.

Em razão do Princípio Federativo, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição (art. 145, II).

No que tange à taxa de serviço público notarial e de registro, a União tem competência para editar normas gerais sobre os emolumentos, conforme previsto na Lei nº 10.169/00, mas jamais está autorizada a instituir isenções sobre tributo estadual.

De fato, qualquer isenção relativa à taxa só poderá ser concedida mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição (art. 150, §6° da CF).

A expressão lei específica, contida no art. 150, §6°, da CF, contrapõe-se às normas gerais de competência da União prevista no art. 236 da CF o que leva à inevitável conclusão de que a isenção de emolumentos somente pode ser feita por lei estadual que trate, especificamente, da matéria.

Como o objetivo da Lei n° 11.441/07 é alterar os dispositivos do Código de Processo Civil, possibilitando a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa, não há dúvida de que ela nem regula exclusivamente a isenção, porque trata de outros assuntos distintos da matéria tributária, nem regula a correspondente taxa de serviço.

A vedação de isenção heterônoma (art. 151, III da CF), como regra geral que é, não foi excepcionada pela própria Constituição, no que tange à taxa de serviço pela lavratura de escritura de separação ou divórcio. A única ressalva da Constituição é a relacionada com o registro de nascimento e óbito.

A isenção deve ser concedida pelo ente federativo competente para instituir o tributo, sob pena de invasão de competência e violação do princípio federativo e, conseqüentemente, a autonomia dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

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Conclui-se que a gratuidade estabelecida na Lei n° 11.441/07 contraria a exigência constitucional de lei específica, constituindo, também, forma de isenção heterônoma pela União de tributos estaduais, motivo pelo qual a referida lei, nesta parte, padece de vício insanável de inconstitucionalidade.

No exame da legalidade, verifica-se, que a Resolução n° 35/07 do CNJ extrapolou os limites da Lei n° 11.441/07, ao instituir isenção de emolumentos na lavratura de escritura de inventário e partilha, enquanto a lei somente fixou a gratuidade para as escrituras de separação e divórcio.

Conseqüentemente, como o poder regulamentar se deu contra legem, violando o conteúdo da lei, deve-se extrair que o mesmo padece do vício de ilegalidade.

No âmbito do Estado de Minas Gerais, a gratuidade estabelecida na Resolução n° 35/2007 é ilegal, uma vez que extrapolou os limites impostos na lei estadual específica sobre a taxa de serviço notarial e de registro.

Ademais, além do vício de inconstitucionalidade da Lei n° 11.441/07 no que tange à isenção de emolumentos, tendo em vista sua contradição com os arts. 150, §6°, e 151, III, da Constituição Federal, a Resolução n° 35/07, ao ampliar as hipóteses de isenção, extrapolou os limites do poder regulamentar, padecendo de vício de ilegalidade.

Finalmente, os fundamentos que amparam a constitucionalidade da gratuidade de registro de nascimento e óbito não se repetem no caso da Lei n° 11.441/07, uma vez que a separação, o divórcio, o inventário e a partilha não estão na base da cidadania e do seu exercício, como o registro de nascimento e óbito, tratando-se de atos em que prevalece o interesse privado.


8- BIBLIOGRAFIA:

CARVALHO FILHO, JOSE DOS SANTOS. Manual de Direito Administrativo, 13ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumem Júris, 2005.

ALEXANDRINO, MARCELO E PAULO, VICENTE. Direito Tributário na Constituição e no STF: teoria e jurisprudência. 9ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2005.

SABBAG, EDUARDO DE MORAES. Direito Tributário. 8 ed. São Paulo: Premier Máxima, 2006.

Site: http://www.stf.gov.br


Notas

01 Vide ADI 3694, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 06/11/06; ADI 2653, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 31/10/2003, e ADI/MC 1378, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 30/05/1997;

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Sobre o autor
Wellington Luiz Viana Junior

tabelião de notas em Juiz de Fora (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIANA JUNIOR, Wellington Luiz. Inconstitucionalidade da gratuidade estabelecida na Lei nº 11.441/2007. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1634, 22 dez. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10786. Acesso em: 24 nov. 2024.

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