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Uma proposição para a tributação sobre o consumo no Brasil.

Reflexos com o atual modelo

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26/12/2007 às 00:00
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RESUMO

Centrado especialmente (não exclusivamente) sobre a tributação sobre o consumo, este trabalho tem o objetivo de apresentar uma proposta de reforma tributária não só no que se refere às espécies tributárias, mas, sobretudo, uma profunda reforma do modelo da Administração do Sistema Tributário Nacional.

O trabalho se desenvolve em três partes distintas e interconectadas. Na primeira, apresenta o sistema tributário como um universo dinâmico, diagnosticando e sinteticamente descrevendo graves problemas do sistema de tributação sobre o consumo em vigor no Brasil, em grande medida, travadores do desenvolvimento do país. Na segunda, apresenta o corpo da proposta. Na terceira parte, apresenta os resultados esperados e as possíveis vantagens comparativas da proposta, tanto para a Administração Pública quanto para os contribuintes - com destaque para os pequenos contribuintes - e a sociedade em geral, frente ao sistema em vigor.

Finalmente, expressando que não se deve considerar nada definitivo, o trabalho se diz um projeto ainda aberto a sugestões para possível aprimoramento.


1. DESCRIÇÃO DO PROBLEMA A SUPERAR:

O Brasil, entre mais de cem países, é o único que adota uma tributação sobre o consumo com titularidade tripartite (União: IPI, Estados: ICMS, Municípios: ISS).

Com relação ao ICMS - tributo de maior relevância no país -, se por um lado o sistema possibilitou uma maior autonomia financeira dos entes infranacionais frente ao Governo Central, por outro, a experiência nos tem apontado crescentes óbices para a administração e eficiência do tributo tanto no âmbito interno de cada uma das entidades federativas, como, e principalmente, nas relações entre elas.

É fato público e notório que, manipulando a potestade legislativa, os governos estaduais transformaram o ICMS em principal instrumento para a atração de investimentos produtivos para seus territórios. Sem querer entrar no mérito desta questão, evidencia-se que tal atitude provoca uma predatória concorrência entre os Estados e desvirtua a fiscalidade original do imposto.

Historicamente, as diversas tentativas de reformas na tributação do ICMS foram dificultadas pelo justo temor dos Estados em comprometer o federalismo fiscal, instituto tido como importante marco do Estado brasileiro. Entretanto, a história da tributação sobre o consumo no Brasil permite inferir a urgente necessidade de modernizar sua estrutura relativa à incidência, gestão e fiscalização (até para efeito de convergência com os sistemas de outros países), uma vez que a matéria tributária é, também, decisivo fator para a alocação dos investimentos produtivos no âmbito da concorrência internacional.

Não obstante o ICMS ter nascido a partir de uma concepção de uniformidade nacional, a sua instituição como imposto estadual permitiu o desenvolvimento isolado de diversos subsistemas, que, a despeito de tratar de uma mesma matéria, estando não integrados e divergindo entre si, evoluíram distintamente, acabando, assim, por também perturbar a eficácia do tributo no âmbito do território nacional. De pronto, é fato conhecido internamente a todas as administrações do ICMS que, em matéria de sonegação fiscal, são significativos os casos de vendas de créditos fiscais através de documentos "frios" e "calçados", operacionalmente facilitados, em boa medida, pelo isolamento de todos os sistemas tributários estaduais.

No aspecto legislativo, vivemos um estado muito assemelhado ao que passou a Alemanha antes da Ordenança Tributária de 1919, quando o Estado Alemão, coincidentemente, também contava com 27 Direitos Financeiros provenientes de seus entes infranacionais. A esse respeito, escreveu HANS NAWIASKI, importante colaborador da Lei Fundamental de Bonn:

"... tal vertiginosa corrente de legislação tributária se transformou em um agitado mar, no qual inclusive os próprios encouraçados do fisco estiveram a ponto de perder-se por falta de uma clara carta naval ..."

Considerando um sem-número de situações e circunstâncias que ao longo do tempo distorceram a tributação sobre o consumo, dificultando o controle administrativo dos contribuintes - especialmente com relação às operações interestaduais -, além do aspecto da grande capilaridade dos sujeitos passivos, entendo que o ICMS, na forma em que hoje é administrado pelos Estados e Distrito Federal, não obstante seja o tributo de maior participação percentual na receita tributária nacional, ainda opera abaixo de sua capacidade arrecadadora.


2. ENTENDIMENTO DO SISTEMA TRIBUTÁRIO COMO UNIVERSO DINÂMICO

O legislador original, ao elaborar um sistema tributário, deve fazê-lo com uma capacidade de oferecer ao Estado um volume de recursos tributários potencialmente suficiente para que este cumpra suas obrigações institucionais. Entretanto, o sistema tributário é um organismo dinâmico que, a partir da concepção, sofre um processo de erosão, o qual, conforme o movimento da conjuntura econômica, pode propiciar uma maior ou menor receita tributária inicialmente projetada.

Esse processo de erosão tem duas ordens. A primeira é uma ordem legal, positiva, natural, decorrente de normais ajustes na estrutura das espécies tributárias – ajustes esses forçados por situações de conjuntura econômica não previstas ou não conhecidas pelo legislador original. Essa erosão natural pode provocar eventual aumento ou diminuição de carga tributária, conforme o ajuste estrutural da espécie seja para mais (aumento de alíquota nos impostos regulatórios como os impostos de comércio exterior ou do mercado financeiro, instituição de tributos em decorrencia de necessidades emergênciais, por exemplo) ou para menos (concessão de desgravamentos tributários como, isenções, reduções de bases de cálculo ou alíquotas, benefícios fiscais etc.). A segunda ordem de erosão tem efeitos exclusivamente negativos e decorre de atítudes ilícitas de sujeitos envolvidos direta ou indiretamente com as relações tributárias ou em atos delas conseqüêntes.

Essa erosão negativa é produzida por dois elementos sempre presentes em todo e qualquer sistema tributário (podendo apenas variar de intensidade de um para outro), que são o não recolhimento do tributo devido por parte do contribuinte - mais conhecido como "Sonegação Fiscal" - e a malversação dos recursos tributários, que são os conhecidos desvios que ocorrem no momento da aplicação dos recursos públicos, a exemplo dos crimes de corrupção, superfaturamento de obras públicas e assemelhados. Por conseqüência desses dois elementos de erosão negativa, o volume de recursos que pode provir dos tributos, os quais significam a contribuição obrigatória das pessoas possuidoras da capacidade de contribuição tributária para colaborar com o Estado no cumprimento de seus fins em favor indistinto de toda a população, sofre duas reduções. A primeira ocorre antes de os tributos serem arrecadados; a segunda, após a arrecadação tributária. Por causa dessa erosão negativa, o volume do recurso tributário potencial do sistema é reduzido, em duas fases, para o Volume Tributário Real, que é o efetivamente aplicado em real benefício da sociedade.

Na primeira fase, a redução se processa quando o dinheiro ainda não ingressou nos cofres do Estado através da arrecadação. Nesse caso, é fácil perceber que é o contribuinte de fato (aquele que efetivamente suporta o custo do tributo - que pode coincidir ou não com o contribuinte de direito) quem está sendo diretamente lesado, uma vez que – se o tributo for o incidente sobre o consumo – o contribuinte de direito (empresário) a quem confiou o repasse da sua contribuição aos cofres públicos não fez o recolhimento, ficando indevidamente com o dinheiro da sua contribuição, ou – no caso do tributo não recolhido ser o incidente sobre a produção – o adquirente o pagou embutido no preço do produto. Esta situação é mais transparente na relação tributária sujeita ao Imposto sobre a Circulação de Mercadorias - ICMS. Neste caso, quando o consumidor adquire um bem, paga por ele um preço que é composto do custo de produção (em termos básicos, equivale ao valor da matéria prima + preço da mão de obra) + o lucro do empresário + o tributo, que é a parte que deve ser repassada pelo empresário (contribuinte de direito) aos cofres do Estado.

Em tal relação, é preciso ressaltar a importância de o consumidor sempre exigir a Nota Fiscal nas suas compras – ainda que, teoricamente, isto deveria ser desnecessário, vez que a legislação obriga o empresário a sempre emiti-la –, pois é a Nota Fiscal o mais importante elemento a possibilitar a recuperação do tributo pelo Estado, através da ação do Fisco. A propósito, o Fisco é composto de servidores especializados ingressados no serviço público exclusivamente através de seletivo concurso aberto a todos os brasileiros habilitados (Art. 37 da Constituição Federal), os quais são as únicas autoridades que têm a função institucional de, nos termos da lei, recuperar a contribuição do cidadão através do lançamento tributário de ofício. Este grupo, portanto, atua precipuamente, em favor da sociedade.

A segunda redução do Volume Tributário Potencial (já diminuído pela sonegação) ocorre quando o Recurso Tributário Arrecadado é aplicado com ocorrência de desvios, que nem sempre são identificados pelos órgãos responsáveis pela auditoria da execução do orçamento público, sejam órgãos internos do Poder Executivo, sejam os Tribunais de Contas auxiliares do Poder Legislativo.

Neste aspecto, é importante salientar que as funções institucionais do Fisco são a fiscalização aos contribuintes de direito e o gerenciamento dos recursos públicos enquanto estiverem no caixa do Estado, sendo a destinação e aplicação desses recursos competência dos Chefes do Poder Executivo, em responsabilidade compartilhada com o Poder Legislativo, que aprova o Orçamento Público e fiscaliza a sua execução. Neste particular, cabe observar que – ao contrário dos agentes do Fisco, que são permanentes e pertencem a uma das carreiras típicas de Estado, sendo seus atos plenamente vinculados à lei, sem qualquer margem de discricionaridade – os agentes políticos responsáveis pela aplicação do dinheiro público possuem poder discricionário transitório por exercerem mandato político periódico decorrente de eleição popular, estando, assim, sujeitos à substituição conforme a vontade social. Seus atos administrativos podem e devem ser fiscalizados pela sociedade através do uso concreto da cidadania própria do Estado Democrático de Direito.


3. DESCRIÇÃO DA SOLUÇÃO PROPOSTA:

Antes de mais nada, queremos afirmar que nossa proposta tem os seguintes pressupostos:

  • Não conflitar com as propostas em processo de geração tanto no Governo Federal como na esfera dos Estados, nem mesmo com as propostas que estão no Congresso nacional;
  • Ampliar e agregar valor a qualquer das propostas em discussão técnica que venha ser escolhida para apreciação parlamentar;
  • Centrar na tributação da produção e distribuição de bens e serviços destinados ao consumo (como também assim fazem as propostas conhecidas em discussão técnica) - mas sem exclusividade - e na reforma da administração fiscal tributária de competência dos Estados;
  • Contemplar poucas medidas objeto de Emenda Constitucional e muitas que podem ser implementadas por legislação infraconstitucional.

Feita essa observação preliminar, passemos à matéria.

Em qualquer análise que se faça do nosso sistema tributário atual, constatam-se os seguintes problemas:

    1. Complexo, ineficaz e de alto custo;
    2. Múltiplas legislações a dificultar a compreensão de contribuintes e operadores;
    3. Titularidade tripartite na tributação de bens e serviços (União: IPI, Estados: ICMS, Municípios: ISS), dificultando a gestão integral pelos entes tributantes e contribuintes;
    4. Falta de neutralidade para não interferir nas decisões tomadas pelos agentes econômicos;
    5. Incidência tributária cumulativa;
    6. Dificuldade para uso do crédito dos tributos não cumulativos;
    7. Guerra fiscal com eficiência esgotada;
    8. Alta carga tributária;
    9. Alta sonegação e defeitos na aplicação dos recursos;
    10. Desestimula a produção de bens.

A razão de fundo do presente trabalho é utilizar a via tributária para o combate à pobreza e a diminuição das desigualdades sociais no Brasil (a nosso juízo, o maior dos muitos problemas do país [1], pois pensamos que todos os demais problemas sociais são corolários deste). Propõe-se um modelo mais eficaz para o sistema tributário nacional, mais incisivamente pensado no que se refere à sua administração fiscal-tributária, capaz de: a) reduzir o número de tributos; b) ampliar a base de incidência do ICMS/IVA; c) possibilitar menor custo de gestão tributária tanto para a Administração Pública como para o contribuinte; d) condicionar a redução da carga tributária do sistema sem perda de sua arrecadação; e) oferecer elementos de gestão indutores de redução da sonegação fiscal, conjugando na reforma um amplo programa de educação fiscal para modificar a cultura social relativa à nossa realidade tributária

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Neste trabalho, defendemos a tese de que a racionalização e redução dos "custos de complementação" do sistema fiscal, menor carga tributária e menos burocracia, podem funcionar como objetos de "justiça distributiva", convertendo-se em importantes instrumentos com os quais se pode minorar esta crucial questão nacional. A concretização da idéia possibilita implantar processos que simplificam os procedimentos de legalização e regulamentação dos negócios, reduzindo encargos tributários e financeiros que incidem sobre os contribuintes, especialmente, os médios e pequenos empreendedores, contribuindo para um ambiente favorável ao nascimento, fortalecimento e longevidade dos empreendimentos de micro e pequeno porte.

A idéia que apresentamos, cuja aplicação importa em baixo investimento financeiro, tem o objetivo de contribuir para a melhoria da atuação da Administração Pública dos Estados, evidenciando, precipuamente, uma racionalização do uso de recursos humanos e materiais já disponíveis no seio das Administrações Estaduais, mais especificamente no que diz respeito aos sistemas tributários.

É de fundamental valor observar que a consecução desses objetivos passa por explicar uma reformulação maior do nosso sistema tributário geral quanto à tributação sobre o consumo no país, que, conforme a constatação da grande maioria dos estudiosos da matéria, acha-se desgastado e ultrapassado para enfrentar as atuais demandas tributárias nesse âmbito. Poderíamos expressar que, em sentido figurado, a nossa proposição não pretende ser remédio para uma dor localizada do sistema tributário, mas o tratamento para este paciente, que, a partir de então, poderá usar os seus membros com saúde para trabalhar no projeto maior que o país necessita que, repetimos, é o combate à pobreza e a diminuição das desigualdades sociais.

Portanto, sob a nossa óptica, a redução/solução da desigualdade social, impreterivelmente, obriga a intervenções nas vertentes de arrecadação e aplicação dos recursos tributários, ressaltando-se o âmbito da aplicação de recursos nos serviços públicos prioritários, como saúde, educação, segurança pública, assistência social, infra-estrutura física e outros, criando um inovador instituto gestor da arrecadação. Esta engenharia há que ser transparente, apensando-se a ela um sistema de educação fiscal-tributária amplo e irrestrito para que a sociedade se conscientize sobre o seu "dever" de contribuir e seu "direito" de exigir a contraprestação pública de boa qualidade, o que significa incentivar o fortalecimento da cidadania.

É curioso o fato de as últimas eleições majoritárias em países como Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra e Espanha terem sido decididas a favor de programas políticos de partidos que contemplaram desonerações tributárias, sejam estas diretas ou indiretas. Para mim, isto é uma constatação de que a idéia de redução de carga tributária rende dividendos políticos por estar plenamente ambientada no seio das sociedades mais evoluídas. Em nosso caso, tenho a convicção de que uma reformulação do nosso sistema tributário, com ênfase no aspecto administrativo, pode melhorar sua eficiência e possibilitar redução da carga tributária que atualmente sobrecarrega os contribuintes.

Em nossa opinião, é mister que a Reforma Tributária em discussão desde há muito no Brasil, e que cada vez mais percebemos ser necessária, em simultâneo com modificações materiais nos tributos, exige profunda reforma do nosso modelo de Administração Tributária, em especial, no que diz respeito à tributação indireta de competência dos Estados e Municípios. O modelo de sistema tributário sobre o consumo que sugerimos, conforme veremos a seguir, ao tempo em que pode proporcionar maior e mais justa arrecadação tributária sem majorar a atual carga impositiva, também possibilita economizar, com facilidade, recursos na gestão tributária tanto pelas Administrações Públicas como pelos contribuintes.

3.1. Manifesto da proposta:

Em outras palavras, entendemos que a inserção do ICMS (ou IVA, como pretende a proposta do Governo) dentro de um novo modelo administrativo traria significativas vantagens comparativas para a sociedade frente ao modelo atual, tais como: ampliação da base de incidência; melhoria na seletividade do imposto e progressividade do sistema; instituição de alíquota por fora do preço da mercadoria; redução de alíquotas sem comprometimento do valor arrecadado; redução no custo de gestão dos ingressos tributários; liberação de pessoal de atividades burocráticas para atividades fins, entre outras.

Portanto, com um mínimo de bom senso e boa vontade dos Poderes Legislativo e Executivo, face às novas possibilidades administrativas e tecnológicas hoje existentes, é possível promover uma profunda reforma fiscal e administrativa que assegure a uniformidade nacional do ICMS (ou IVA), preservando o princípio federativo. Para tanto, desde já expressamos que nossa proposta não passa por qualquer transferência de competência arrecadadora e de gestão para a União, nem implica em prejuízo para os Estados – muito, e muito, pelo contrário: a idéia fundamental consiste em colocar os problemas que envolvem o ICMS no Brasil sob um organismo supra-estatal que exerça poder de decisão, assentando assim, as bases para prender as questões do imposto e consertar as já existentes disputas políticas, estabelecendo também as bases para uma cooperação que evite futuros problemas e conseqüentemente aumente a operação dos princípios previstos no artigo 37 da Constituição Federal (legalidade, impessoalidade, moralidade administrativa, publicidade e eficiência), bem como da efetividade do princípio de capacidade contributiva no nosso sistema, como previsto no parágrafo 1º do artigo 145 da Constituição Nacional.

Ora, se as megafusões estão demonstrando bons resultados no setor privado, reduzindo custos e melhorando sua eficiência, porque obstar a ocorrência deste fenômeno no setor público, ainda mais quando internamente as Administrações Tributárias estão enaltecendo a introdução de conceitos antes vistos como tipicamente privados?

Arrecadando em 2005 o equivalente a U$ 81.5 bilhões [2], o ICMS respondeu aproximadamente por 22% da nossa carga tributária total. Atente-se que estes 27 subsistemas se encontram em diversos e variados níveis de evolução tecnológico-administrativa e, em muitos casos, dentro ou à mercê de estruturas políticas atrasadas que, incorporando vícios, obstaculizam o seu progresso individual. Vê-se, assim, que nos termos da falta de sintonia em que nos encontramos, a harmonização da tributação sobre o consumo no Brasil é dificultada e compromete, em certa medida, o progresso social do país. Neste caso, a união integrada dos variados sistemas, sem qualquer prejuízo da competência constitucional, tende, a meu juízo, a reduzir as divergências entre os Estados. Neste conceito, a administração tributária concernente a cada Estado, também, tende a ser mais eficaz, uma vez que a integração forçada conduz as vantagens dos sistemas mais desenvolvidos para os menos desenvolvidos, com o estabelecimento de uma plataforma tecnológica e operativa única por força de uma administração unitária em um modelo de condomínio.

Apartando a discussão de pertinência, é fato incontroverso que o incremento da tributação indireta em detrimento da direta é uma tendência mundial e as melhores experiências de controle dos tributos cujos lançamentos se dão por homologação do sujeito ativo fundam-se no rígido e rápido tratamento das informações fiscais que acessoriamente a legislação obriga ao contribuinte. Neste particular, o exemplo do Fisco Espanhol nos serve como referência: reconhecido como um dos mais eficientes e modernos da Europa, em apenas 72 horas é capaz de varrer as cerca de 56 milhões de declarações de tributos que controla. Atentem, ainda, que o IVA (imposto sobre valor agregado mais difundido mundialmente), na Espanha, possui maior abrangência que o nosso ICMS, vez que alcança todas as transações de venda de bens (inclusive de imóveis) e todas as prestações de serviços profissionais.

Em que pese ser o IVA espanhol um imposto de competência da Administração Central, o bom nível de seu Fisco se sustenta basicamente em quatro pilares:

1º) número único para identificação Fiscal do contribuinte em todos os tributos do sistema;

2º) ausência de sigilo bancário para efeitos fiscais no Sistema Legal (todas as contas bancárias abertas são informadas ao Fisco e qualquer pagamento e recebimento acima de determinado valor é informado ao Fisco, tanto pelas instituições bancárias quanto pelo contribuinte por ocasião de suas declarações, e estas informações são lançadas no banco de dados do Fisco para cruzamento pela fiscalização);

3º) intensiva exigência de informações econômico-fiscais e seu efetivo tratamento informatizado para utilização nas áreas de gestão e inspeção tributária; e,

4º) como instrumento principal, existência de uma Agência Estatal de Administração Tributária com suficiente autonomia financeira que lhe possibilita uma pronta atualização tecnológica e especialização de pessoal.

Ora, se adequadas tecnologias de informação e novos modelos administrativos que se apresentam com melhor eficiência estão postos para pronta utilização, já carece de inteligência a perpetuação da discussão federativa que impede a uniformização da tributação sobre o consumo no Brasil. Se os administradores do ICMS no país estão deveras sintonizados com as mais modernas técnicas e tecnologias para a administração tributária, como querem transparecer nos discursos, não mais devem permitir a manutenção e desenvolvimento paralelo de 27 subsistemas que operam de forma desintegrada, como se cada um procurasse reinventar uma roda para mover o mesmo carro. E em isto não vale a escusa das diferenças regionais existentes no país, vez que soluções para estas, no que se aplica ao ICMS, serão melhor encaminhadas dentro de um foro único de administração.

Da perspectiva da sociedade brasileira, que deve ser o verdadeiro promotor e beneficiário do Estado, nosso atual modelo administrativo para o ICMS representa, no melhor dos casos, desperdício de recursos públicos e perda de eficiência administrativa do setor público no Brasil. Por isso, entendemos que o nosso federalismo fiscal, obrigatoriamente, não obsta a uniformização nacional do ICMS (ou IVA). Ao contrário, se bem analisado pode até ser o mais importante estímulo para mais uma vez, e pioneiramente, inovarmos na tributação sobre o consumo, uniformemente otimizando a tributação sobre o consumo em todo o país, sem comprometer a competência tributária originalmente concedida aos Estados e Distrito Federal.

3.2. O novo modelo em si:

Entendemos, que o modelo de reforma ora proposto é capaz de revolucionar nosso sistema com os meios e recursos que já dispomos - ainda que desconexos entre si - através das possibilidades que permite.

Resumidamente, o que sugerimos não é passe de mágica, mas a factível adaptação às nossas peculiaridades de duas experiências de comprovado sucesso: modelo administrativo tributário como o espanhol em conjunção com fundamentos do modelo de gestão da União Européia.

Assim, apresentamos a proposição de ICMS/IVA nacional, sem quebra do princípio da autonomia federativa a respeito da matéria, cujo desenho fundamental a ser desenvolvido consiste em:

  1. Legislação e regulamentação única para aplicação nacional;
  2. Instituição de um número nacional para identificação do contribuinte em Cadastro Único para as Esferas Federativas;
  3. Ambiente estrutural único para compartilhamento de informações;
  4. Quebra do sigilo bancário para efeitos fiscais;
  5. Instituição de uma Agência Supra-Estatal para a Administração do ICMS-IVA, formada em consórcio pelos Estados e o Distrito Federal, mediante gestão representativa de todos os entes que a compuserem e presidência de turno a ser exercida pelos Estados, cujas linhas gerais são as seguintes:
  • Organismo de Direito Público com personalidade jurídica própria e plena capacidade pública e privada, formada a partir da integração de todos os Fiscos Estaduais e do Distrito Federal, cuja função principal será a execução da função arrecadadora e fiscalizadora hoje atribuídas aos sistemas tributários destes entes federativos.

Um outro aspecto positivo e oportuno, que entendemos somente ser possível voltar a ser discutido técnica e democraticamente em suas vantagens e desvantagens para a sociedade brasileira, é a pertinência ou não de um tributo com as características da CPMF dentro do nosso sistema tributário, logicamente com alíquota menor.

Especificamente nesse tema, vale nosso comentário abaixo, produzido como conteúdo de artigo:

Sou contribuinte e sei que nosso sistema tributário é injusto, complexo e bagunçado. Quase não dependo dos serviços públicos: pago escolas, plano de saúde, tenho transporte particular e agradeço a Deus, pois se dependesse do Estado sofreria como a maioria do povo brasileiro, fato indigno em nossa sociedade.

Consciente, também sei que não podemos prescindir do Estado e este necessita do tributo para cumprir seus fins. Os fins determinam as funções do tributo. O primeiro, e principal, é satisfazer as necessidades públicas e, subsidiariamente, ordenar a vida em sociedade. Sou crítico do uso político do tributo, seja na captação ou aplicação dos recursos. Nas duas pontas isto é injusto. Tanto a sonegação dos contribuintes como os desvios na aplicação dos recursos, provocam erosão no montante arrecadável e o que sobra não é aplicado com eficiência em benefício do povo. Entretanto, ainda me alivia saber que sem eles a miséria seria maior.

Um país onde 1% da população rica (1,7 milhão de pessoas) detém renda igual à dos 50% mais pobres (86,5 milhões) e onde se capta dos assalariados um IR 50% maior do que o proveniente das pessoas jurídicas, não é justo.

Descontenta-me a CPMF de meu movimento financeiro, mas sinto-me lesado quando no preço das compras entrego ao empresário o valor do meu tributo para que repasse ao Estado e não o faz. É injusto o Estado autorizá-lo a ficar com meu tributo sob o rótulo de benefício fiscal sem que eu tenha redução no valor do bem e me indigno ao ver retido IR de 27,5% do meu salário quando os números informam que o sistema financeiro, as pessoas jurídicas e não-assalariados, ganhando indefinidamente mais, pagam menos IR que os assalariados.

A maior queixa da CPMF vem daqueles que, tendo melhor capacidade contributiva, negam-se a assumir suas reais responsabilidades tributárias. Não admitem serem tributados e, na prática, modelam um sistema tributário que lhes é concretamente benéfico. A tributação indireta que se caracteriza pelo repasse aos preços ao consumidor prepondera no Brasil. Os dados de 2005 revelam que cerca de 47% da receita de uma carga tributária de aproximados 38% do PIB provieram da tributação sobre mercadorias, bens e serviços que, somada a 24% do IR sobre salários, forma o montante de 71% do total arrecadado, contra 20% oriundo da renda de capital e apenas 3% do patrimônio.

Não entro no mérito da má aplicação dos seus recursos, mas no revolto mar em que se tornou nosso sistema tributário, entendo a CPMF como um dos poucos tributos a atender a teoria da difusão de Canard, que compara a distribuição do imposto como se fora água em vasos comunicantes. Ao se encher um deles a água se distribui entre todos até chegar ao mesmo nível. A água de cada vaso fica proporcional ao respectivo diâmetro. Assim, também um imposto justo se distribui aos contribuintes na proporção à produtividade de seu trabalho. Desta forma, se, sendo assalariado, não consigo fugir da CPMF - como não consigo fugir do IR - ao menos sei que da CPMF também não fogem os que mais deveriam contribuir pela renda e patrimônio que possuem. Como têm maior movimento financeiro, a CPMF é o único tributo pelo qual pagam mais que eu. Ademais disso, o rastreamento da CPMF faculta melhor atuação do FISCO no combate à sonegação fiscal que tanto mal causa à população que mais necessita dos serviços públicos. Infelizmente, o Governo, mesmo tendo fortes elementos de convicção – que, diga-se de passagem, quase não foram usados –, foi ineficiente para convencer a sociedade da importância estratégica da manutenção da CPMF e acabou sendo vencido pelo marketing do grande capital que domina o Estado brasileiro, a quem não interessa um tributo com as especificidadades da CPMF.

A ausência da CPMF no nosso sistema tributário pode até não prejudicá-lo em um primeiro momento, já que o FISCO pode usar suas informações fiscais dos últimos cinco anos para coibir eventuais intenções de sonegação nos demais tributos, porque a CPMF, além de outras, tem a vantagem de indicar indicios de sonegação fiscal de outros tributos. Também, com menos dinheiro em caixa, o Governo deve promover ajuste em seu orçamento, tendo oportunidade de melhor classificar parte dos gastos previstos de modo a não prejudicar os mais essenciais.

Entretanto, numa análise técnica, entendo que a queda da CPMF prejudica a eficiência do sistema tributário e é ruim para a sociedade, uma vez que a perda de seus dados para uso como intrumento de fiscalização pode facilitar a sonegação fiscal de outros tributos, reduzindo proporcionalmente a arrecadação tributária a médio e longo prazo, além de prejudicar, imediatamente, a alocação de recursos em serviços de grande demanda social, como saúde, bolsa família e outros, o que maltrata ainda mais aqueles que mais necessitam do Estado.

Também desconfio que, agora refém de uma opinião pública negativa a respeito da CPMF emplacada na sociedade pela ideologia neoliberal graças à uma imprensa manipulada e à ineficiente comunicação do Governo, dando, de certo modo, guarida à vitória que obteve no Senado usando sua representação parlamentar, dificilmente o Governo poderá voltar ao tema CPMF, a não ser dentro de um amplo projeto de Reforma Fiscal-Tributária.

Depois disso, meus amigos, o triste é saber – e podem apostar nisso – que o projeto neoliberal neste tema ainda não está concluído. Seu seu próximo passo – por sinal, já iniciado – é formar a opinião que a melhor forma de o Estado recuperar o que perderá da CPMF é gastar menos com o funcionalismo público e, possivelmente, tributar mais a classe média assalariada, que é quem verdadeiramente paga imposto sobre a renda no Brasil, haja vista que, por exemplo, falar em redução de gasto fiscal como corte de "benefícios tributários" (mesmo que sejam alguns terminologicamente equivocados vez que, na prática, são verdadeiros maléficios tributários por serem meros intrumentos de transferências de recursos públicos legalmente auferidos por alguns detentores de poder econômico em razão de "lobbies" ou outras atitudes indizíveis exercidas junto a parlamentares ou diretamente a administradores públicos) deve soar-lhes como uma "ameaça terrorista" que pretende pôr abaixo o desenvolvimento da nação.

Diante deste quadro, só resta lamentar mais uma vitória pírrica plantada em grave prejuizo da sociedade brasileira que, com urgência, necessita ser educada fiscalmente para não mais admitir fatos como esse relatado.

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Sobre o autor
Jorge Inácio de Aquino

Doutorando em Direito Tributário pela Universidad de Salamanca. Auditor Fiscal membro do Conselho de Contribuintes do Estado da Bahia. Diretor de Assuntos Fiscais e Tributários do Instituto dos Auditores Fiscais da Bahia – IAF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AQUINO, Jorge Inácio. Uma proposição para a tributação sobre o consumo no Brasil.: Reflexos com o atual modelo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1638, 26 dez. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10797. Acesso em: 19 nov. 2024.

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