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A aplicação do princípio da fungibilidade recursal nos embargos de declaração

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30/12/2007 às 00:00
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4.O PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL

Toda atividade jurídica exercida pelo Estado tem o objetivo maior da pacificação social. Assim, o processo é instrumento que visa ao alcance da paz social. [238]

Uma projeção dessa instrumentalidade é o princípio da instrumentalidade das formas, de acordo com o qual as exigências relativas à forma do processo só devem ser satisfeitas à risca, sob pena de invalidação dos atos processuais, quando isso for fundamental para a consecução dos objetivos almejados. [239]

Dessa forma, é preciso haver uma proporção entre fins e meios, para que haja equilíbrio na relação custo-benefício. Essa idéia está de acordo com o princípio da economia processual, o qual recomenda o máximo resultado do direito através do mínimo possível de atividades processuais. Desse princípio deriva o princípio do aproveitamento dos atos processuais (art. 250, CPC). [240]

Embora tenha grande importância, certamente o princípio da economia processual deve ser dosado conforme cada caso a que se aplique, para que haja a real efetividade judicial. [241]

Como hoje temos uma sociedade com tendência a um direito de massa, é preciso adequar o processo a essa situação, com o aumento dos meios de proteção a direitos supra-individuais e sem obstáculos econômicos e sociais ao acesso à justiça. Porém, também é preciso maior agilidade processual, inclusive com a relativização quanto ao valor das formas e sua utilização e exigência quando forem indispensáveis à consecução do objetivo a que se destinam. [242]

Assim, o que se busca é a efetividade do processo para melhor acesso à justiça, o que depende muito mais da postura dos operadores do direito do que das reformas legislativas. [243]

Diante disso tudo, temos a fungibilidade recursal como uma das várias maneiras de buscar maior celeridade, economia processual e efetividade com a relativização das formas.

A idéia da fungibilidade recursal traduz a possibilidade de substituição de um recurso interposto inadequadamente pelo que seria o correto para se recorrer de determinada decisão judicial. Para que isso aconteça, há condições e limites que precisam ser observados, pois essa troca não pode ser feita em qualquer situação. [244]

O princípio da fungibilidade recursal era consagrado no art. 810 do Código de Processo Civil de 1939, da seguinte forma: "art. 810. Salvo a hipótese de má-fé ou erro grosseiro, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro, devendo os autos ser enviados à Câmara, ou Turma, a quem competir o julgamento." [245]

Assim, em certos casos, havendo dúvida quanto ao recurso adequado para se buscar a reforma de uma decisão, seria possível o recebimento do recurso interposto, que não seria o correto para determinado caso, pelo recurso correto, através da aplicação da fungibilidade recursal. Isso se justificava pelas dificuldades que o jurista encontrava, freqüentemente, para identificar o recurso adequado para se buscar a reforma das decisões. [246]

O CPC atual não traz regra explícita como o Código de 1939.

Entretanto, os princípios são, normalmente, regras gerais, que muitas vezes vêm do próprio sistema jurídico e não necessitam estar previstos expressamente em lei para que tenham validade e eficácia, conforme já comentamos anteriormente neste trabalho. [247]

Mesmo sem disposição expressa, pode-se entender que a fungibilidade recursal não se opõe ao sistema do CPC, que tem algumas hipóteses que geram dúvida objetiva quanto ao recurso que deve ser interposto em certos momentos. [248]

A falta de regra explícita do CPC de 1973, juntamente com o fato de esse Código ter simplificado bastante o sistema recursal, num primeiro instante, fez com que alguns processualistas acreditassem que não existia mais a necessidade da aplicação do princípio da fungibilidade recursal, pois já não haveria dúvidas quanto à interposição dos recursos. [249]

Pontes de Miranda defendeu a referida idéia:

O Código de 1973 eliminou a regra jurídica que se concebera em 1939. Dela não precisava como dela precisara o Código de 1939, porque a redução do número de recursos simplificou o problema. Não há mais dúvidas quanto ao cabimento do recurso, como poderia ocorrer sob o Código de 1939 e o direito anterior. O art. 513 mostrou quais as matérias de cujo julgamento cabe apelação, e o art. 522 ressalvou o que se estatuiu no art. 504 e no art. 513, e disse que de todas as outras decisões proferidas no processo caberá agravo de instrumento. O art. 504 apenas frisou que dos despachos de mero expediente não cabe recurso. O interessado tem apenas de verificar se houve extinção do processo, pois seria caso de apelar-se. Se a resposta é negativa, ou há despacho de mero expediente, ou decisão agravável. [250]

No sistema do CPC/39, havia uma mistura desordenada de recursos. Além da dificuldade maior na identificação do recurso cabível, havia uma grande variedade prevista nesse código, o que dificultava o bom andamento do processo e confundia cada vez mais as partes para a interposição dos recursos. [251]

Na Exposição de motivos do Código de 1973, há menção ao princípio da fungibilidade, adotado pelo Código anterior, comentando também a nova simplificação do sistema recursal (itens 31 a 33). Isso também contribuiu para a idéia de que não haveria mais dúvida quanto ao cabimento dos recursos e assim, não teríamos mais a fungibilidade. [252]

Todavia, percebeu-se, pouco tempo depois, que o novo Código não eliminou todas as dificuldades quanto à escolha dos recursos cabíveis. As dúvidas continuaram e isso ainda ocorre mesmo nos dias atuais. Explica Nelson Nery Junior que algumas dessas dúvidas derivam, por exemplo, "das imperfeições e impropriedades terminológicas existentes no próprio código; outras, de divergências doutrinárias e jurisprudenciais". [253]

Assim, é muito importante que haja maneiras de solução desse problema para que a parte não fique prejudicada por algo a que não deu causa, sendo este o grande propósito da fungibilidade recursal. [254]

4.1.Requisitos

Por ausência de previsão legal, defende Nelson Nery Jr., que o mais importante pressuposto a se exigir para incidência do princípio da fungibilidade recursal é o da presença de dúvida objetiva quanto à identificação do recurso. Sempre que o juiz profere um pronunciamento em lugar de outro, ou o código contiver impropriedades e obscuridades quaisquer, ou ainda, o recorrente escolher um recurso com base em doutrina e jurisprudência que defendam ser esse o correto, e no momento da apreciação desse recurso, prevalecer o entendimento de que é inadequado, teremos a dúvida objetiva e a conseqüente aplicação da fungibilidade. [255]

Esse entendimento também é defendido por doutrinadores como Bernardo Pimentel Souza [256] e Luís Eduardo Simardi Fernandes [257], entre outros.

Vicente Greco Filho, porém, entende que pode existir fungibilidade entre os recursos, mas desde que não haja erro grosseiro ou má-fé, assim como era exigido no CPC de 1939. [258]

O erro grosseiro existe quando há a interposição de um recurso por outro contrariando expressa disposição legal ou quando a situação não apresenta dúvida alguma. [259]

A má-fé pode ser observada quando é interposto um recurso de prazo maior, sendo que o recurso correto seria outro de prazo menor, havendo assim um benefício para a parte recorrente. [260]

4.2.A questão do prazo

Há grande divergência quanto ao prazo de interposição do recurso na hipótese em que incidiria o princípio da fungibilidade.

Para alguns doutrinadores a interposição do recurso inadequado deve ocorrer dentro do prazo do recurso adequado como uma condição para a aplicação da fungibilidade. [261]

Vicente Greco Filho afirma que o prazo observado na interposição deve ser o mais curto entre os recursos possíveis, já que defende também, conforme já explicitado, que quando se interpõe um recurso inadequado de maior prazo e o correto seria um de menor prazo, há a má-fé e a não aplicação da fungibilidade. [262]

A maioria da jurisprudência tem esse entendimento, considerando o respeito ao prazo do recurso que seria o adequado como um pressuposto para a aplicação do princípio da fungibilidade. Vejamos:

Processual civil. Interposição simultânea de agravo retido e embargos de divergência contra decisão de relator. Recursos incabíveis. Fungibilidade recursal. Inadmissibilidade. Erro grosseiro. Intempestividade. Princípio da unirrecorribilidade ou singularidade dos recursos inobservado. Não conhecimento.

I. Da decisão que aprecia o agravo de instrumento, cabe agravo regimental, no prazo de cinco dias, nos termos do art. 258 do RISTJ e 545 do CPC, sendo, além de intempestivo, erro grosseiro a interposição de agravo retido no prazo de dez dias. Hipótese, em que, não se aplica o princípio da fungibilidade recursal. II. É incabível a interposição simultânea de agravo retido e de embargos de divergência, pois desafia mais de um pronunciamento judicial contra a mesma decisão. Inobservância do princípio da unirrecorribilidade ou singularidade dos recursos. III. Agravo retido não conhecido. [263]

Processual civil. Princípio da fungibilidade recursal. Erro grosseiro. Intempestividade. Não cabimento de agravo regimental contra decisão que defere ou indefere liminar em mandado de segurança. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Agravo desprovido. I - Nos termos dos arts. 258 e 259 do Regimento Interno desta Corte, a parte que se considerar agravada por decisão de relator poderá requerer, no prazo de cinco dias, a apresentação do feito em mesa para que a Corte Especial, a Seção ou a Turma sobre ela se pronuncie, confirmando-a ou reformando-a. Neste contexto, não seria cabível o agravo de instrumento interposto contra a decisão que indeferiu liminar em mandado de segurança.

II - A aplicação do princípio da fungibilidade recursal decorre não só da interposição do recurso equivocado no mesmo prazo do correto, mas, também, da inexistência de dúvida objetiva acerca do recurso a ser interposto e da não ocorrência de erro grosseiro quanto à escolha do instrumento processual.

III - Ainda que se admitisse a aplicação do princípio da fungibilidade recursal, esta Corte, recentemente, secundando orientação do Eg. Supremo Tribunal Federal, se manifestou no sentido de que não é cabível agravo regimental contra decisão do relator que, em mandado de segurança, defere ou indefere liminar. Aplicação da Súmula 622/STF.Precedentes. IV - Agravo interno desprovido. [264]

Agravo regimental em embargos de divergência em recurso especial. Decisão monocrática que deu parcial provimento ao recurso especial. Incabimento. Aplicação do princípio da fungibilidade. Erro grosseiro. Não observância do prazo recursal.

1. Os embargos de divergência da competência deste Superior Tribunal de Justiça só serão cabíveis quando interpostos contra decisão de Turma que julgar recurso especial (artigos 546 do Código de Processo Civil e 266 do Regimento Interno deste Superior Tribunal de Justiça).

2. Em se tratando de embargos de divergência interpostos contra decisão monocrática exarada em processo de recurso especial, apresenta-se manifestamente incabível o recurso interposto.

3. A decisão monocrática do Relator que, com fundamento no artigo 557, parágrafo 1º-A, do Código de Processo Civil, dá parcial provimento ao recurso especial, embora tenha conteúdo meritório, deve ser atacada mediante agravo regimental - artigo 557, parágrafo 1º, do mesmo diploma legal - a ser julgado pelo órgão colegiado, quando, aí sim, poderá ser desafiada pela interposição dos embargos de divergência.

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4. Inaplicável o princípio da fungibilidade recursal, eis que este reclama dúvida na doutrina ou jurisprudência acerca do recurso cabível, bem como a obediência ao prazo para interposição do recurso adequado, pressupostos estes que não se configuram na espécie.

5. Agravo regimental improvido. [265]

Processual Civil. Princípio da fungibilidade. Existência de erro grosseiro. Inaplicabilidade.

A adoção do princípio da fungibilidade exige sejam presentes:

a) Dúvida objetiva sobre qual o recurso a ser interposto;

b) Inexistência de erro grosseiro que se da quando se interpõe recurso errado quando o correto encontra-se expressamente indicado na lei e sobre o qual não se opõe nenhuma duvida;

c) Que o recurso erroneamente interposto tenha sido agitado no prazo do que se pretende transforma-lo. agitar agravo de instrumento, quando o cabível seria agravo regimental, contra decisão de relator que indeferiu mandado de segurança, constitui erro grosseiro.

Recurso improvido. [266]

Pontes de Miranda teceu duras críticas a esse entendimento jurisprudencial ao comentar o Código de 1939: "Dir-se-á que se trata de jurisprudência assente, mas de jurisprudência que violaria a lei, jurisprudência que revela a procedência ditatorial de certos juízes e o ambiente de manda quem pode, peculiar aos tempos de opressão." [267]

Posição contrária ao entendimento majoritário dos tribunais também observamos em doutrinadores como Barbosa Moreira [268], Nelson Nery Jr. [269], Luís Eduardo Simardi Fernandes [270], Luiz Orione Neto [271], que bem explica ser a idéia de que é irrelevante o recorrente ter se utilizado de prazo maior entre os recursos cabíveis, sendo que o mesmo deve observar apenas o prazo do recurso efetivamente interposto, pois foi o tido como adequado pela parte.

Nas palavras de Luís Eduardo Simardi Fernandes: "Não é razoável que se exija de alguém que, certo de que o recurso adequado para se buscar a reforma de uma decisão judicial é a apelação, recorra no prazo previsto para a interposição do agravo." [272]

Se não for assim, haverá prejuízo para a parte, contrariando a finalidade do princípio da fungibilidade de que o recorrente não saia prejudicado ao interpor recurso que considera adequado. [273]

Segundo Luís Eduardo Simardi Fernandes, há também doutrinadores que acreditam que caso o recorrente interponha um recurso de prazo maior, mas respeitando o prazo menor, há indícios de má-fé. Contudo, não merece crédito essa idéia, já que a observância do prazo menor significa maior cautela da parte para assegurar que a fungibilidade recursal seja aplicada sem que haja a alegação de intempestividade. [274]

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Sobre a autora
Melina Silva Pinto

assistente de juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Melina Silva. A aplicação do princípio da fungibilidade recursal nos embargos de declaração. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1642, 30 dez. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10798. Acesso em: 19 dez. 2024.

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