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Penas vedadas pela Constituição Federal de 1988

30/12/2007 às 00:00

Resumo:


  • A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 baseia-se no princípio da humanidade, aplicando-o ao Direito Penal para garantir que os condenados sejam tratados como seres humanos, com respeito às suas necessidades básicas, enquanto cumprem suas penas.

  • A CF/88 proíbe expressamente cinco tipos de penas: pena de morte (exceto em caso de guerra declarada), penas de caráter perpétuo, trabalhos forçados, banimento e penas cruéis, visando proteger a dignidade da pessoa humana e evitar excessos no direito de punir do Estado.

  • As vedações impostas pela Constituição quanto a esses tipos de penas são consideradas cláusulas pétreas, não podendo ser alteradas ou emendadas, e servem como um mecanismo de defesa contra injustiças e abusos no sistema penal brasileiro.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Sumário: 1 INTRODUÇÃO; 2 VEDAÇÕES CONSTITUCIONAIS; 2.1 Pena de morte; 2.2 Penas de caráter perpétuo; 2.3 Trabalhos forçados; 2.4 Banimento; 2.5 Penas cruéis; 3 CONCLUSÃO; 4 REFERÊNCIAS


1 INTRODUÇÃO

Sabe-se que o princípio da humanidade está na base da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88), devendo-se aplicá-lo, por extensão e logicamente, às disposições constitucionais relativas ao Direito Penal.

Tal princípio reforça, dentro da matéria relacionada às sanções penais, que o condenado deve ser tratado, acima de tudo, como uma pessoa humana, digna de um tratamento sensível às suas necessidades mais básicas, sem deixar de receber, obviamente, a pena prevista para a infração cometida. [01]

Durante a época iluminista, houve verdadeira transformação do Estado a partir da adoção de duas idéias fundamentais, quais sejam: a existência de direitos inerentes à condição humana, chamados de direito naturais, e o entendimento de que a origem do Estado está assentada numa espécie de contrato, de forma a assegurar o respeito a esses direitos naturais do homem. [02] Pode-se dizer que uma das extensões dessa transformação estatal foi justamente o processo de humanização das penas aplicadas, em busca de maior proporcionalidade entre o delito cometido e a sua respectiva sanção. Para essa mudança, torna-se quase imprescindível citar a colaboração de Cesare Beccaria, com a sua obra "Dos delitos e das penas".

No âmbito da CF/88, a princípio da humanidade pode ser observado em diversos momentos, principalmente no art. 5º. O inciso III deste artigo, por exemplo, ao dispor que "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante", está claramente a par do respeito devido à pessoa humana. O inciso XLIX, por sua vez, estabelece que "é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral". Já o L assegura às presidiárias "condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação". Enfim, percebe-se uma postura humanitária, adotada constitucionalmente em relação às pessoas que se encontram condenadas.

Porém, uma das maiores expressões do princípio da dignidade da pessoa humana corresponde às vedações impostas pela CF/88 quanto a cinco espécies de penas. Segundo o inciso XLVII do já citado art. 5º, são proibidas as penas: (a) de morte; (b) de caráter perpétuo; (c) de trabalhos forçados; (d) de banimento; e (e) cruéis.


2 VEDAÇÕES CONSTITUCIONAIS

2.1 Pena de morte

A pena de morte não está absolutamente proibida no Brasil. Existe a possibilidade de, em caso de guerra declarada, haver a sua utilização. Trata-se de uma situação excepcional, porém perfeitamente possível.

A declaração de guerra se dá apenas entre Estados soberanos. [03] Portanto, para que haja a aplicação da pena de morte, o cenário deve envolver uma guerra externa, e não meramente civil, pois, para esta última, não é necessária a declaração para que o Estado possa intervir. Isso também pode ser percebido a partir da leitura do art. 84, XIX, da CF/88, relacionado diretamente à pena de morte. Segundo ele, o Presidente da República apenas poderá declarar guerra "no caso de agressão estrangeira".

Ainda com base no inciso XIX do referido art. 84, a declaração de guerra feita pelo Presidente da República deve ser autorizada pelo Congresso Nacional ou por este referendada, quando do intervalo das sessões legislativas.

De acordo com o art. 56 do Código Penal Militar (CPM), a morte do condenado dar-se-á por fuzilamento. Antes da execução, a sentença deve ser comunicada ao Presidente da República, para que ele possa utilizar-se ou não da chamada clementia Principis, espécie de graça concedida ao condenado no sentido de comutar a pena (CF/88, art. 84, XII). Em regra, só depois de sete dias dessa comunicação, a execução poderá ser efetuada. [04]

O CPM traz uma lista de crimes militares cuja pena pode ser a capital. Por exemplo: traição (art. 355), favorecimento do inimigo (art. 356), covardia qualificada (art. 364), fuga em presença do inimigo (art. 365), insubordinação (art. 387) etc.

No Brasil, o Código Criminal do Império chegou a prever a pena de morte. Entretanto, na década de 1850, D. Pedro II a revogou em virtude principalmente da execução do fazendeiro fluminense Mota Coqueiro, morto, como se soube após a execução, de maneira injusta. [05]

Uma constatação há de ser feita: a pena de morte sempre foi (ou é) utilizada por governos totalitários. No caso nacional, a Constituição Federal de 1937 estabelecia tal pena, e não apenas para as situações que envolvessem agressão estrangeira, de modo que ela poderia ser aplicada em vista de vários crimes de natureza política e de homicídios cometidos por motivo fútil e com requintes de perversidade. A Emenda Constitucional n. 1/1969, por sua vez, também trouxe um emprego menos restrito da pena de morte. [06]

Outra observação: inexiste relação obrigatória entre a extinção da pena de morte e a elevação dos níveis de delinqüência. Foi feita uma pesquisa nos EUA sobre a possível relação entre a pena de morte e os índices de homicídios. Como se sabe, nos EUA, a decisão a respeito da adoção ou não da pena de morte cabe particularmente a cada Estado-membro. Dessa forma, analisou-se a quantidade de homicídios em cada grupo de cem mil habitantes em Estados que adotavam a pena em epígrafe, caso do Texas e da Flórida, e em Estados que não a adotavam, caso de Nova York e de Massachusetts. Concluiu-se, a partir da obtenção dos resultados, que o emprego da pena de morte não reduziu os índices de criminalidade em comparação com os Estados que não a prescrevem. Ou seja, há fatores outros que influenciam mais de perto a taxa de crimes cometidos, caso de uma situação econômica precária e injusta. [07]

A proibição da pena de morte, por estar inserida no rol dos direitos e garantias individuais (CF/88, art. 5º), sendo, dessa forma, considerada cláusula pétrea (CF/88, art. 60, §4º, IV), não poderá sofrer qualquer tentativa de emenda ou alteração. Essa vedação consiste em verdadeiro escudo contra a exacerbação do direito de punir, devendo, portanto, ser imune a mudanças. [08]

2.2 Penas de caráter perpétuo

As penas de caráter perpétuo estão definitivamente fora do sistema penal brasileiro, segundo a CF/88. É praticamente unânime o entendimento de que esse tipo de pena não traz efeitos positivos para a sociedade e muito menos para os condenados. Os reflexos são totalmente negativos, tais como a manutenção da ociosidade e a transformação do condenado em pária social. [09]

Na experiência italiana, existe previsão para a pena de natureza perpétua, também conhecida por ergastolo. Porém, observa-se que tal pena é perpétua apenas teoricamente, porque, na prática, o preso, obedecidas certas condições, poderá obter livramento condicional após o cumprimento de 26 anos de sua condenação. [10]

Sabe-se que o retorno ao convívio social é fundamental quando se tem em mente a recuperação do condenado, sendo que é daí que nasce o princípio da natureza temporária, limitada e definida das penas. [11]

Uma questão que precisa debatida é a que gira em torno das penas que não se caracterizam exatamente pela perpetuidade, mas que são efetivamente longas. Percebe-se que penas excessivamente elevadas geram desestímulo e revolta nos condenados. É necessário que estes cumpram, de fato, a sua condenação; entretanto, a possibilidade de voltarem à sociedade deve sempre existir. Diante disso, o art. 75 do Código Penal brasileiro (CP) dispõe que as penas privativas de liberdades não podem superar 30 anos, tempo máximo de cumprimento.

2.3 Trabalhos forçados

A existência de trabalhos forçados é possível ou "admissível" num contexto de escravidão. Fora deste, não há qualquer cabimento ou sentido.

Para que se faça satisfatória distinção entre trabalho forçado e laborterapia, que está prevista no CP, é importante compreender a força, a extensão que o adjetivo "forçado" confere à palavra "trabalho". Esse adjetivo dá uma idéia de que o condenado terá que trabalhar nem que seja à base de violência, de socos e pontapés, não havendo, portanto, opção. Ou ele trabalha ou ele apanha. Situação definitivamente desumana.

Já a laborterapia, disposta no art. 39 do CP, oferece ao condenado uma vaga de trabalho remunerado. Repete-se: trabalho remunerado, além dos benefícios oriundos da Previdência Social. E, segundo o art. 29 da Lei de Execuções Penais (Lei n. 7.210/1984), o preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a 3/4 (três quartos) do salário mínimo, sendo que o produto desta remuneração deverá atender: (a) à indenização dos danos causados pelo crime; (b) à assistência familiar; (c) a pequenas despesas pessoais; (d) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado.

Não se pode confundir, por outro lado, trabalho forçado com prestação de serviços à comunidade, porque, apesar de ambos serem exercidos gratuitamente, sabe-se que, na prestação de serviços, não há privação da liberdade de locomoção, mas simples restrição. Além disso, essa prestação possui previsão constitucional e o seu objetivo é justamente evitar que o condenado seja segredado da sociedade, afastado de seus afazeres normais e de sua família. Está, portanto, bem distante das características degradantes comuns aos trabalhos forçados. E uma última peculiaridade da prestação de serviços à comunidade é o fato de ela ser opcional, podendo o condenado recusá-la para sofrer outras espécies de penas. [12]

2.4 Banimento

A pena de banimento corresponde à "retirada forçada de um nacional de seu país, em virtude da prática de determinado fato no território nacional". [13] Ou seja, é a extinção da possibilidade de um cidadão conviver entre os seus e em sua terra natal.

Deve-se estar atento à diferença que existe entre o banimento e a extradição, a deportação e a expulsão. Estas três últimas medidas recaem sobre estrangeiros, enquanto que o primeiro sobre nacionais. [14]

No entanto, uma ressalva há de ser feita: o inciso LI do art. 5º da CF/88 dispõe que brasileiro naturalizo poderá ser extraditado, "em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins".

Dois argumentos colaboram, por fim, para que essa pena não prospere, a saber: (a) não se pode exigir que cidadãos nacionais convivam compulsoriamente com povos estranhos e de cultura diversa; e (b) Estados estrangeiros não devem aceitar um delinqüente em suas terras, fato que colocaria em perigo os seus tutelados. [15]

2.5 Penas cruéis

Logo no art. 1º, III, da CF/88, está disposto que um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é a dignidade da pessoa humana. Em seguida, o art. 5º, III, veda a prática de tortura, já que, afinal, o delinqüente não deixa de pertencer ao gênero humano. [16] Têm-se aqui, então, as bases que repudiam as penas manchadas pela crueldade, pelo sofrimento desnecessário.

A título de ilustração, o Livro V das Ordenações Filipinas estabelecia que certos condenados tinham que sair à rua portando uma capela de chifres, outros deveriam ter os seus pés amarrados com bolas de ferro, ou ter os seus corpos marcados com fogo etc. [17] Penas nitidamente marcadas pela crueza.

Casos em que mulheres são postas em celas destinadas a homens, tendo que se prostituírem em troca de comida, demonstram verdadeira ofensa à pessoa humana, situação inconcebível à luz daquilo que a Carta Magna nacional defende e propõe como suas bases, que excluem, de plano, tamanho ultraje.

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3 CONCLUSÃO

A CF/88, em nenhum momento, afirma que os delinqüentes não devem condenados, que não devem sofrer punição em decorrência do mal que cometeram à sociedade. Porém, é fundamental que haja proporcionalidade entre a infração penal cometida e a sua respectiva pena, sendo a dignidade da pessoa humana um princípio indispensável quando da escolha desse mesmo castigo.

Para tanto, a atual Constituição estabeleceu um rol de penas que jamais poderão ser aplicadas sob a sua vigência, salvo raras exceções que se referem à pena de morte. Trata-se, portanto, de mandamento de força constitucional que serve como verdadeiro muro contra eventuais injustiças e barbaridades derivadas do direito de punir pertencente ao Estado.

O delinqüente é, ou melhor, nunca deixou de pertencer à humanidade. A sua conduta delituosa deve certamente ser punida por uma série de justificativas, que vão desde a retribuição pelo mal que causou até a tentativa de recuperá-lo a fim de enviá-lo novamente ao convívio social. Entretanto e por fim, punir não significa, pelo menos hodiernamente, ofender a dignidade, intrínseca a todo ser humano.


4 REFERÊNCIAS

CERNICCHIARO, Luiz Vicente; COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito penal na constituição. 2. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.

LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2. ed. rev. e aum. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003.

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

SHECARIA, Sérgio Salomão; CORRÊA JUNIOR, Alceu. Teoria da pena. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.


NOTAS

01 Cf. LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2. ed. rev. e aum. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003. p. 46.

02 Ibid., p. 46-47.

03 Cf. SHECARIA, Sérgio Salomão; CORRÊA JUNIOR, Alceu. Teoria da pena. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 112.

04 Cf. MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 330.

05 Cf. LUISI, op. cit., p. 49.

06 Cf. SHECARIA; CORRÊA JÚNIOR, op. cit., p. 112.

07 Ibid., p. 114.

08 Cf. CERNICCHIARO, Luiz Vicente; COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito penal na constituição. 2. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 111-112; SHECARIA; CORRÊA JÚNIOR, op. cit., 116.

09 Cf. CHERNICCHIARO; COSTA JÚNIOR, op. cit., p. 112; SHECARIA; CORRÊA JÚNIOR, op. cit., p. 117.

10 Cf. CHERNICCHIARO; COSTA JÚNIOR, op. cit., p. 112; SHECARIA; CORRÊA JÚNIOR, op. cit., p. 118.

11 Cf. MORAES, op. cit., p. 331.

12 Cf. CHERNICCHIARO; COSTA JÚNIOR, op. cit., p. 118-119; SHECARIA; CORRÊA JÚNIOR, op. cit., p. 120-121.

13 MORAES, op. cit., p. 332.

14 Cf. SHECARIA; CORRÊA JÚNIOR, op. cit., p. 122.

15 Ibid.

16 Cf. MORAES, op. cit., p. 333.

17 Cf. CHERNICCHIARO; COSTA JÚNIOR, op. cit., p. 124.

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Sobre o autor
Gabriel Luiz de Carvalho

bacharelando em Direito pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Gabriel Luiz. Penas vedadas pela Constituição Federal de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1642, 30 dez. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10802. Acesso em: 23 dez. 2024.

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