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A proteção do trabalhador em face da automação.

A greve em Hollywood e as possibilidades de efetivação desse direito fundamental trabalhista no Brasil

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18/01/2024 às 17:52

Resumo:


  • O direito do trabalhador à proteção em face da automação é garantido pelo art. 7º, XXVII, da Constituição Federal de 1988, mas sua eficácia e efetividade dependem de regulamentação.

  • Convenções e acordos coletivos de trabalho são instrumentos fundamentais para concretizar o direito à proteção contra a automação, mesmo na ausência de uma lei específica.

  • Normas autônomas coletivas podem restringir o uso da automação pelos empregadores, respeitando o princípio da proporcionalidade, e devem ser consideradas pela jurisprudência trabalhista.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

6. As possibilidades de efetivação do direito à proteção em face da automação por normas autônomas coletivas e decisões do TST e do STF relacionadas ao tema

Concluindo-se que a negociação coletiva é instrumento essencial, ainda que não exclusivo, para efetivação do direito fundamental do art. 7º, XXVII, da CF/88, é adequado avaliar algumas decisões de tribunais superiores pertinentes ao tema.

Em decisão proferida em abril de 2022, a Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu que a cláusula convencional que veda aos condomínios a substituição de empregados de portaria por centrais terceirizadas de monitoramento de acesso ou “portarias virtuais” é inválida, sob o argumento de que, além de afrontar os princípios constitucionais da livre iniciativa (art. 1º, IV, e 170, caput) e da livre concorrência (art. 170, IV), se colocaria em descompasso com as decisões do STF que reconheceram a ampla possibilidade de terceirização (ROT-7821-86.2018.5.15.0000, Rel. Min. Delaíde Miranda Arantes).

No acórdão desse recurso ordinário em ação anulatória ajuizada perante o TRT da 15ª Região, a motivação citou outra decisão da SDC, de relatoria do Min. Ives Granda filho (RO-1001907-21.2017.5.02.0000), em que, além de defender a liberdade de terceirização, se sustentou: “uma coisa é a Constituição Federal proteger o trabalhador frente à automação (art. 7º, XXVII) e outra muito diferente é proibir a automação, como se convencionou, não admitindo a contratação de empresas que operem centrais de monitoramento de acesso” (item 5 da ementa).

Como se vê, esse fundamento está associado à tese, já criticada acima, de que não seria válida a restrição do uso de automação, cabendo como proteção do trabalhador apenas medidas compensatórias pelos efeitos causados ao emprego (dispensa ou precarização).

Porém, o exemplo do teor das cláusulas dos acordos celebrados pelos profissionais de Hollywood, em especial, dos roteiristas, citado acima, demonstra que há circunstâncias em que a limitação do uso da automação é absolutamente pertinente.

É até juridicamente aceitável a discussão sobre se restrições ao uso da automação previstas em lei são compatíveis com o princípio constitucional da livre iniciativa (art. 1º, IV, da CF/88), pois, nessa hipótese, haveria intervenção estatal sobre atividade econômica privada, o que demanda justificativa constitucionalmente adequada (arts. 170 e 174 da CF/88).

Contudo, esse argumento não se aplica, da mesma forma, quando a limitação provém de norma autônoma coletiva, pois, nesse caso, o ente coletivo patronal participou da construção da regra proibitiva.

Evidentemente, as restrições criadas em convenções e acordos coletivos de trabalho devem respeitar a proporcionalidade, o que deve ser aferido no caso concreto. Por exemplo, em regra, é mais razoável limitar o uso da automação parcialmente (como aconteceu nos referidos acordos em Hollywood), pois proscrever inteiramente a tecnologia acabaria por retirar de toda a sociedade os benefícios da automação, com prejuízo mais elevado à eficiência econômica.

Ademais, geralmente, essas restrições devem ter caráter temporário (o que já é natural às normas autônomas coletivas – art. 613, II, da CLT), para que a limitação aos ganhos econômicos obtidos com a automação seja o suficiente para permitir uma transição suave aos trabalhadores afetados pela tecnologia.

Entretanto, sem adentrar no mérito do caso específico julgado pela SDC do TST, a tese abstrata de que, em qualquer contexto, proibir a automação, total ou parcialmente, mediante negociação coletiva, é necessariamente incompatível com a Constituição Federal de 1988 não deve ser acolhida. Ao contrário, vedar, de plano, restrições à automação em normas autônomas coletivas acabaria, aí sim, por violar o art. 7º, XXVII, da CF/88, afastando possibilidades de efetivação desse direito fundamental do trabalhador.

No ponto, lembre-se que, no julgamento do Recurso Extraordinário com agravo 1.121.633/GO, rel. Min. Gilmar Mendes, o STF fixou a seguinte tese de repercussão geral (tema 1046): “São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”.

Como é cediço, nessa decisão, o STF promoveu ampla defesa das normas coletivas autônomas, visando restringir a intervenção judicial sobre a validade de suas regras13. Por isso, como fixado na tese de repercussão geral, o objeto inalcançável à negociação coletiva estaria somente nos direitos (dos trabalhadores) absolutamente indisponíveis.

Todavia, é curioso notar que, nas discussões sobre as possibilidades normativas dos acordos e das convenções coletivos, não se debate, salvo excepcionalmente, se direitos dos empregadores poderiam ser amplamente negociados nas pactuações coletivas.

Haveria direitos absolutamente indisponíveis pelos empregadores? É até possível sustentar que sim, mas não consta que o uso de novas tecnologias seja um direito fundamental inalienável do empreendedor.

Implementar a automação no processo produtivo, ou não, é, ao cabo, uma escolha estritamente econômica do empresário, tais como várias outras decisões adotadas na condução de sua atividade.

Assim, afirmado o princípio da equivalência dos negociantes (também mencionado no acórdão do RE 1.121.633 / GO como uma das balizas ou premissas básicas para a revisão judicial de normas coletivas), é possível ao ente representante dos empregadores dispor desse direito de usar a automação, total ou parcialmente.

Ato contínuo, apenas excepcionalmente, se demonstrado, no caso concreto, que a cláusula coletiva restritiva do uso da automação fere o princípio da proporcionalidade14, poderia o Poder Judiciário invalidá-la.

Por fim, em outro aspecto pertinente à proteção em face da automação, não se deve olvidar que, no julgamento do Recurso Extraordinário 999.435 / SP, rel. Min. Edson Fachin), o STF fixou esta tese de repercussão geral (tema 638): “A intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores, que não se confunde com autorização prévia por parte da entidade sindical ou celebração de convenção ou acordo coletivo”.

No inteiro do acórdão do RE 999.435/SP, verifica-se que, no debate do julgamento, em 08/06/2022, a maioria dos Ministros do STF entendeu, expressamente, que essa intervenção sindical prévia é procedimento diverso da negociação coletiva.

Nesse quadro, é forçoso reconhecer que os projetos de lei que contém previsão de negociação coletiva prévia obrigatória em caso de dispensa em massa por automação (PL 4035/2019, de autoria do Senador Paulo Paim15) ou, até mesmo, para adoção da automação pelo empregador (PL 1091/2019, de autoria do Deputado Wolney Queiroz16), ainda que aprovados e sancionados, poderão ter sua constitucionalidade posteriormente questionada no STF.


7. Conclusões

As inovações tecnológicas são fonte de mudanças nas sociedades, nas atividades econômicas e, indubitavelmente, no mundo trabalho. Nos últimos anos, essas alterações afligem os trabalhadores, cada vez mais, pelo risco de extinção massiva de empregos ou de precarização do labor como hoje é realizado.

Assim, o constituinte de 1988, ao prever o direito fundamental de “proteção em face da automação” (art. 7º, XXVII, da CF/88) foi visionário, apesar de dispor que sua eficácia seria “na forma da lei”. De toda forma, na perspectiva constitucional de um Estado Democrático de Direito, exige-se a máxima efetivação dos direitos fundamentais.

Por isso, a despeito da inércia legislador ordinário em tratar da proteção em face da automação, a norma autônoma coletiva é instrumento adequado e essencial para se efetivar o art. 7º, XXVII, da CF/88, sobretudo, pela valorização que as convenções e os acordos coletivos de trabalho receberam na ordem jurídica nacional, a partir da Constituição Federal de 1988.

Como a evolução das novas tecnologias e seus impactos no mundo trabalho é um fenômeno global, as experiências de outros países, inclusive aqueles cuja ordem justrabalhista é centrada na negociação coletiva, são úteis ao Direito Coletivo do Trabalho no Brasil.

As recentes greves de roteiristas e de atores em Hollywood e os acordos celebrados ao final desses movimentos mostram que restrições ao uso da automação podem ser medidas válidas e adequadas para se adotar em negociações coletivas.

Portanto, a proposição abstrata de que, em qualquer contexto, proibir a automação, total ou parcialmente, mediante negociação coletiva, é incompatível com a Constituição Federal de 1988 não merece acolhida.

Conforme decidiu o STF, ao fixar a tese de repercussão geral no tema 1046, a CF/88 garante ampla liberdade negocial aos entes coletivos econômicos e profissionais, respeitados os direitos absolutamente indisponíveis, e o uso de automação não é um direito absolutamente inalienável do empregador.

Na esteira desse raciocínio, vedar, de plano, restrições ao uso da automação em normas autônomas coletivas viola o art. 7º, XXVII, da CF/88, afastando possibilidades válidas de efetivação desse direito fundamental do trabalhador.

Por conseguinte, o Poder Judiciário só deve invalidar regras dessa espécie inseridas em convenções e acordos coletivos de trabalho excepcionalmente, se demonstrado, no caso concreto, que a cláusula coletiva restritiva do uso da automação é desproporcional.


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Sobre a autora
Tarsila Vaz Ribeiro

Pós-graduada (lato sensu) em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Universidade Anhanguera – Uniderp (2011). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (2009). Analista Judiciária de Área Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Tarsila Vaz. A proteção do trabalhador em face da automação.: A greve em Hollywood e as possibilidades de efetivação desse direito fundamental trabalhista no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7505, 18 jan. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/108105. Acesso em: 22 dez. 2024.

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