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A proteção do trabalhador em face da automação.

A greve em Hollywood e as possibilidades de efetivação desse direito fundamental trabalhista no Brasil

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18/01/2024 às 17:52
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Proteger o trabalhador da automação por meio de negociações coletivas é válido, desde que proporcional, apesar de não ser um direito absoluto do empregador.

Resumo: Neste artigo, propõe-se a analisar o direito fundamental do trabalhador de proteção em face da automação, previsto no art. 7º, XXVII, da CF/88, no que tange a sua eficácia e a sua efetividade. A partir de lições extraídas de um evento relevante ocorrido no exterior (greve em Hollywood), argumenta-se que as convenções e os acordos coletivos de trabalho são, no Estado Democrático de Direito instituído pela Constituição Federal de 1988, instrumentos essenciais à concretização desse direito. Ao final, sustenta-se que as normas autônomas coletivas podem, se respeitado o princípio da proporcionalidade, restringir o uso da automação pelos empregadores, o que deveria ser observado pela jurisprudência trabalhista nacional.

Palavras-chave: Proteção em face da automação. Direito fundamental. Eficácia e efetividade de norma constitucional. Convenções e acordos coletivos de trabalho.

Sumário: 1. Introdução; 2. As evoluções tecnológicas e seus efeitos no mundo do trabalho; 3. Eficácia e efetividade do direito do trabalhador à proteção em face da automação; 4. Direito Coletivo do Trabalho – fontes autônomas de norma jurídica e os modelos de ordens justrabalhista; 5. A greve em Hollywood e suas lições para o Direito Coletivo do Trabalho no Brasil; 6. As possibilidades de efetivação do direito à proteção em face da automação por normas autônomas coletivas e decisões do TST e do STF relacionadas ao tema; 7. Conclusões. Referências.


1. Introdução

A Constituição Federal de 1988, de forma inovadora2, dispôs em seu art. 7º, inciso XXVII, que é direito do trabalhador urbano e rural “proteção em face da automação, na forma da lei”.

Porém, passados mais de 35 anos da promulgação da vigente Constituição, ainda pouco se avançou no tema, pois não há uma lei geral regulamentando esse direito do trabalhador e, mesmo na doutrina e na prática trabalhista, não há tantas discussões sobre o assunto.

No cenário atual de constantes e impactantes evoluções tecnológicas, com fortes mudanças no mundo do trabalho, este artigo busca contribuir com breves reflexões sobre a proteção do trabalhador em face da automação, buscando-se possibilidades de efetivação desse direito social, mesmo inexistindo uma lei ampla implementadora do art. 7º, XXVII, da CF/88.

Para tanto, entende-se necessário pesquisar o estágio de eficácia e efetividade da norma constitucional em questão, rememorar a importância do Direito Coletivo do Trabalho no Estado Democrático de Direito instituído pela Constituição Federal de 1988, realizar concisa descrição de um caso estrangeiro que pode trazer lições à prática do direito do trabalho nacional e analisar as principais e recentes decisões de tribunais superiores pertinentes ao tema.

Ressalve-se, por fim, que este artigo tratará a proteção em face da automação como uma “defesa do direito ao emprego digno”, ou seja, uma salvaguarda contra o risco de extinção massiva de postos de trabalho ou de precarização dos empregos atuais pelas novas tecnologias, pois este é um aspecto específico da garantia do art. 7º, XXVII, da CF/88. Destarte, a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” é, com a devida vênia, direito já tutelado pelo inciso XXII do mesmo art. 7º da CF/883, não carecendo estar inserido também no conceito de “proteção em face da automação”.


2. As evoluções tecnológicas e seus efeitos no mundo do trabalho

No decorrer da história, as inovações tecnológicas foram, com frequência, um dos fatores estruturantes e de reorganização dos sistemas de produção, influenciando, naturalmente, o trabalho realizado nas sociedades que vivenciaram essas mudanças.

As invenções da máquina a vapor, da máquina de fiar e do tear mecânico, por exemplo, impulsionaram a chamada 1ª Revolução Industrial. Justamente nesse período, pelas transformações geradas no mundo laboral, surgiu o “Ludismo”, um dos primeiros movimentos coletivos de trabalhadores, caracterizado pela destruição de máquinas como forma de protesto pela modificação da vida laboral e pela substituição do ser humano por equipamentos.

Essa resistência às máquinas do movimento ludista é descrita, historicamente, como uma conduta irrefletida. Nas palavras de Karl Marx: “foi preciso tempo e experiência até que o trabalhador distinguisse entre a maquinaria e sua aplicação capitalista e, com isso, aprendesse a transferir seus ataques, antes dirigidos contra o próprio meio material de produção, para a forma social de exploração desse meio” (2013, p. 610).

Nesse ponto, é curioso notar que, hoje, é difundida a ideia de que não há como lutar contra e proibir o surgimento e o uso de novas tecnologias, sendo mais adequado e necessário regular suas consequências sobre a sociedade, inclusive, o mundo do trabalho.

Nas últimas décadas, as chamadas tecnologias disruptivas - microeletrônica, robotização, microinformática, internet e outras afetaram enormemente a relação capital-trabalho (LEME; RODRIGUES; CHAVES JÚNIOR, 2017). Uma das consequências do uso dessas novas tecnologias foi suscitar questionamentos sobre a própria existência de relação empregatícia nas atividades econômicas centradas nessas ferramentas. Como exemplo, é notória a discussão sobre a presença de vínculo de emprego no trabalho prestado por meio de plataformas digitais (TST, 2022 e STF, 2023).

Mais recentemente, as notícias (SORIMA NETO; NALIN, 2023) sobre os avanços da inteligência artificial trouxeram vários debates sociais (HARARI, 2023) e, no mundo do trabalho, uma específica preocupação sobre possível extinção massiva de empregos pela substituição do trabalhador, questão, porém, por si só, também controversa4.

Assim, ainda que, na década de 1980, também se vivenciasse avanços tecnológicos, os dilemas que essas inovações trazem atualmente demonstram que o legislador constituinte de 1988 foi visionário ao prever, de forma inédita na ordem constitucional brasileira, a proteção em face da automação como direito fundamental do trabalhador.

Por conseguinte, como a previsão do art. 7º, XXVII, da CF/88 parece cada vez mais relevante para a realidade dos trabalhadores, é importante estudar a situação jurídica de eficácia e efetividade dessa norma constitucional.


3. Eficácia e efetividade do direito do trabalhador à proteção em face da automação

Ainda que a proteção em face da automação, por estar inserida no art. 7º da Constituição Federal de 1988, seja direito fundamental do trabalhador, sua eficácia plena, nos termos da própria previsão constitucional, dependeria de lei regulamentadora.

Com efeito, segundo a clássica teoria do constitucionalista José Afonso da Silva5, o art. 7º, XXVII, da CF/88 contém norma de eficácia limitada, pois, em suma, é o legislador ordinário que lhe vai conferir executoriedade plena, mediante edição de leis integrativas (SILVA, 1998).

No ordenamento jurídico brasileiro, há leis esparsas que, para situações pontuais, acabaram por tratar dessa previsão constitucional.

Ainda antes da Constituição Federal de 1988, a Lei Federal 7.232/1984, conhecida como a Lei de Informática, previu, dentre os princípios que deveriam reger a Política Nacional de Informática, o “estabelecimento de mecanismos e instrumentos para assegurar o equilíbrio entre os ganhos de produtividade e os níveis de emprego na automação dos processos produtivos” (art. 2º, X). Mas a própria lei não trouxe regras específicas sobre os mecanismos e instrumentos por ela mencionados, tornando essa previsão legal inócua, sendo uma mera enunciação de princípio.

De forma mais específica, a Lei 9.956/2000 proibiu “o funcionamento de bombas de auto-serviço operadas pelo próprio consumidor nos postos de abastecimento de combustíveis, em todo o território nacional”. Essa lei é um bom exemplo das teses em disputa quando se discute proteção em face da automação, pois, apesar de ser alvo de críticas por, alegadamente, impor ineficiência econômica e violar o princípio da livre iniciativa (PACHER, 2022), a lei ainda está em vigor, em especial, com o objetivo de preservar emprego de frentistas (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2022).

A Lei nº 14.970/2005, do Estado do Paraná, proibiu, por 25 anos, a utilização de catracas eletrônicas, máquinas de astick e de bilhetagem eletrônica para emissão de bilhetes nos veículos de transporte coletivo, com vista à preservação dos postos de serviço dos cobradores e emissores de bilhetes. Essa lei estadual chegou a ser objeto da ADI 3690, no STF, mas essa ação direta acabou sendo extinta, por perda de objeto, pela posterior revogação da norma questionada pela Lei estadual nº 15.140/2006.

Cabe mencionar ainda a Lei nº 3.923/20066, do Distrito Federal, que criou hipótese de verdadeira garantia de emprego para cobradores de ônibus, mesmo em caso de implantação de bilhetagem eletrônica. Porém, em setembro de 2023, essa lei foi julgada inconstitucional pelo STF, no julgamento da ADI 3.899 (rel. Min. Nunes Marques), sob o fundamento central de violação da competência da União para legislar sobre o direito do trabalho.

Dessa decisão, aliás, é pertinente citar o seguinte trecho do voto do rel. Min. Nunes Marques: “governantes e sociedade precisarão, em algum momento, discutir a fundo o tema e regulamentar a delicada relação entre automação e perda de postos de trabalho – no que, aliás, a nossa Constituição foi visionária (CF, art. 7º, XXVII). Não cabe, porém, que entes locais se adiantem ao governo central para tratar desse tipo de matéria, que foge completamente à sua competência legislativa” (STF, ADI 3.899, p. 4 do voto do Min. Relator).

Como se vê, ainda que diferentes leis tratem dos efeitos da automação sobre certo grupo de profissionais, não há, até hoje, uma lei geral regulamentando o art. 7º, XXVII, da CF/88 para todos os trabalhadores. No Congresso Nacional, houve e ainda há vários projetos de lei com propostas sobre o tema7, mas sem maiores avanços.

Nesse quadro, em julho de 2022, a Procuradoria Geral da República ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 73, apontando mora do Congresso Nacional em regulamentar o art. 7º, XXVII, da CF/88.

Na sua petição inicial, a PGR argumenta que “conquanto não proíba a automação, o art. 7º, XXVII, da CF exige que o ordenamento jurídico adote providências legislativas voltadas a proteger os trabalhadores diante desse inevitável fenômeno” e que “a proteção do trabalhador em face da automação há de gerar, portanto, em uma perspectiva atual, mecanismos que tutelem o emprego, a segurança e a saúde do trabalhador” (STF, ADO 73, petição inicial, p. 10/11).

É possível, assim, que o STF venha a discutir a omissão do legislador ordinário com mais profundidade, o que, com a devida vênia, não ocorreu quando do julgamento do Mandado de Injunção nº 618, de relatoria da Min. Carmen Lúcia8.

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Na doutrina, por sua vez, colhem-se várias sugestões de efetivação do art. 7º, XXVII, da CF/88, tais como propostas de alterações legislativas, reinterpretação de dispositivos já vigentes e possíveis condições para negociações coletivas9.

De toda forma, mesmo em eventual procedência da ADO 73, no STF (ainda não incluída em pauta para julgamento), é preciso reconhecer que a edição de lei geral de proteção em face da automação, se ocorrer, ainda pode demorar muitos anos.

Todavia, a inércia do legislador ordinário não deve acarretar total ineficácia dessa norma, sobretudo, por se tratar de direito fundamental do trabalhador. De fato, apesar das diversas concepções sobre a aplicabilidade das normas constitucionais, a premissa sempre é de que inexiste norma constitucional completamente destituída de eficácia (SARLET, 2012).

Assim, a ausência de lei regulamentadora não deve acarretar a total inefetividade10 da proteção do trabalhador em face da automação, sobretudo porque, no Direito do Trabalho de um Estado Democrático de Direito, a produção normativa não é ato exclusivo estatal. Assim, o art. 7º, XXVII, da CF/88 pode guiar a produção de normas autônomas coletivas trabalhistas.


4. Direito Coletivo do Trabalho – fontes autônomas de norma jurídica e os modelos de ordens justrabalhistas

Segundo as lições de Maurício Godinho Delgado, as fontes autônomas de direito “seriam as regras cuja produção caracteriza-se pela imediata participação dos destinatários principais das regras produzidas” (...) e “caso coletivamente negociadas e construídas – consubstanciam uma autodisciplinamento das condições de vida e trabalho pelos próprios interessados, tendendo a traduzir um processo crescente de democratização das relações de poder existentes na sociedade” (DELGADO, 2014, p. 140).

Destaca ainda o professor que “na dimensão de suas fontes normativas, o Direito do Trabalho inscreve notável especificidade perante o Direito Comum – compreendido este como o estuário jurídico geral e obrigacional básicos do Direito Civil. É que o ramo justrabalhista desponta como o ramo jurídico contemporâneo (em particular nos países centrais) que mais se integra de regras autônomas” (Ibidem, p. 140).

A produção autônoma coletiva de normas é fato tão marcante ao Direito do Trabalho que a própria caracterização de modelos das principais ordens jurídicas trabalhistas, ainda de acordo com Maurício Godinho Delgado, está baseada na importância que as normas autônomas têm em cada ordenamento.

No modelo negociado (ou de normatização autônoma e privatística), típico dos EUA e do Reino Unido, o Direito do Trabalho é fundamentalmente centrado em regras elaboradas por negociações coletivas. Por sua vez, no modelo legislado (ou de normatização privatística subordinada), o Estado delimita a atuação dos agentes particulares (em amplitude que varia conforme histórico de cada país), subordinando sua criatividade normativa, mas sem suprimi-la. Já o modelo autoritário (ou de normatização subordinada estatal) caracteriza-se por negar o conflito privado e as soluções autônomas que poderiam ser produzidas, relegando ao Estado, quase que exclusivamente, o poder de criar regras trabalhistas (Ibidem, p. 102/103).

No Brasil, como é cediço, o Direito do Trabalho tem forte origem estatal, até pelos longos períodos ditatoriais que o país enfrentou. Entretanto, a partir da Constituição Federal de 1988 e seus avanços democráticos, a ordem jurídica nacional elevou a importância das fontes autônomas justrabalhistas – notadamente, convenções e acordos coletivos de trabalho – e a institucionalidade que lhe sustenta.

Com efeito, o art. 8º da CF/88 assegura a liberdade associativa e sindical (caput e inciso V), a não interferência administrativa do Estado no funcionamento dos sindicatos (inciso I), a ampla capacidade de representação dos sindicatos em questões administrativas e judiciais (inciso III), a obrigatoriedade da participação dos sindicatos nas negociações coletivas (inciso VI) e a garantia do emprego ao dirigente sindical (inciso VIII). Ademais, é direito fundamental do trabalhador o “reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho” (art. 7º, XXVI, da CF/88).

Nesse quadro, ainda que o art. 7º, XXVII, da CF/88 disponha que a proteção em face da automação ocorrerá “na forma da lei”, isso não deve significar que somente o ato normativo estatal tem o condão de proteger o trabalhador.

De fato, diante do arcabouço constitucional que fortalece a normatização autônoma no Direito do Trabalho brasileiro, as convenções e acordos coletivos do trabalho devem ser vistos como instrumentos fundamentais à efetivação desse direito constitucional, ainda mais diante da inércia do legislador ordinário.

Nesse ponto, lembre-se que a evolução das novas tecnologias, com impactos no mundo laboral, é fenômeno global e que tende a ocorrer, primeiro, nos países de capacidade financeira e tecnológica mais avançada.

Assim, eventos ocorridos no exterior, no cenário de evolução tecnológica afetando milhares de empregos, merecem atenção, pois podem suscitar reflexões úteis sobre o que pode acontecer no ambiente trabalhista brasileiro em futuro próximo, não se olvidando, ainda, que o direito comparado é fonte subsidiária do Direito do Trabalho (art. 8º da CLT).


5. A greve em Hollywood e suas lições para o Direito Coletivo do Trabalho no Brasil

Em 2023, a indústria do entretenimento dos Estados Unidos, concentrada em Hollywood, se deparou com dois grandes movimentos paredistas: em 02 de maio, eclodiu a greve dos roteiristas e, em 14 de julho, começou a paralisação dos atores.

Nas tratativas que precederam a greve, houve discussões sobre remuneração e condições de contratação e trabalho, como geralmente acontece nos diálogos sindicais. Todavia, no decorrer das negociações, um aspecto novo acabou se tornando central para os grevistas: a utilização de inteligência artificial nas produções cinematográficas11.

De fato, como amplamente noticiado (SANCHEZ, 2023), no decorrer das paralisações, roteiristas e atores de Hollywood demonstraram severa preocupação com os efeitos do uso da inteligência artificial sobre seus empregos, em especial, com a possível eliminação de milhares deles.

As greves dos roteiristas e dos atores foram encerradas, respectivamente, após 148 e 120 dias, com desfecho considerado vitorioso pelos profissionais, sendo que a regulamentação do uso de inteligência artificial pelos estúdios foi um dos pontos mais difíceis a ser debatido, justamente, pelas incertezas por possíveis mudanças de cenário em poucos anos (G1, 2023).

No caso dos roteiristas, os principais pontos do acordo celebrado foram (ALMEIDA, 2023):

  • a) estúdios e produtoras deverão informar sempre se qualquer material fornecido aos roteiristas foi gerado ou complementado por inteligência artificial;

  • b) a inteligência artificial não poderá ser considerada fonte do material literário final (“receber créditos de escritor”);

  • c) a inteligência artificial não poderá escrever ou reescrever materiais como roteiros e diálogos;

  • d) roteiristas podem utilizar inteligência artificial em seu trabalho, caso a produtora consinta, mas eles não podem ser obrigados por seus superiores a utilizar essas ferramentas.

Quanto ao sindicato de atores, a convenção previu, em suma, a necessidade de consentimento dos atores para uso da inteligência artificial para a criação e a utilização de: i) “réplicas” (inclusive de falecidos); ii) personagens digitais baseados em artistas; iii) figurantes digitais criados a partir de um ator que não filmou as cenas; e iv) simulação de voz, movimentos e expressões faciais de atores, criando conteúdos. Ademais, fixou procedimentos para uso da inteligência artificial e formas de compensação pelo uso de dados (imagens, voz etc.) dos atores (BLUM, 2023).

Essas foram as primeiras grandes greves, de que se tem notícia no mundo ocidental, nas quais os efeitos da inteligência artificial sobre a empregabilidade foram objeto fulcral do litígio. Por isso, ainda que a ordem justrabalhista norte-americana seja diferente da brasileira, esses eventos podem servir de reflexão para a prática trabalhista nacional.

Primeiramente, as convenções e os acordos coletivos de trabalho devem ser aptos a, pontualmente, limitar o uso da automação (tal como a inteligência artificial), a depender das circunstâncias de cada atividade econômica.

Não se trata de impedir a criação, a pesquisa e o desenvolvimento de novas tecnologias (respeitados os limites legais e éticos aplicáveis, obviamente), mas, sim, uma restrição negociada e justificada sobre seus usos e seus efeitos sobre o mundo do trabalho.

Portanto, a ideia corrente, em certo grau fatalista, de que a precarização e a extinção massiva de empregos por novas tecnologias são fatos inexoráveis, sendo inútil lutar contra eles, não deve ser aceita irrefletidamente.

De fato, com a devida vênia, há mais possibilidades de proteção em face da automação do que só orientar o trabalhador a se adaptar à realidade, buscando nova instrução e/ou outros empregos, e relegar ao Estado a função de socorrer os trabalhadores com programas de capacitação profissional e benefícios de seguro-desemprego (ESTEVES, 2013).

Outra lição que se pode extrair da greve em Hollywood: os sindicatos profissionais devem ficar cada vez mais atentos, pois a inteligência artificial e outras tecnologias evoluem constantemente e tendem a ser utilizadas nas mais diferentes atividades econômicas. Por isso, sempre que pertinente, o uso de tecnologias deve ser objeto de futuras negociações coletivas.

A especificidade e o grau de detalhamento das cláusulas dos acordos celebrados pelos roteiristas e atores de Hollywood podem trazer mais um ensinamento útil à realidade brasileira: nas disputas relativas aos efeitos dos avanços tecnológicos sobre a existência e a não-precarização de empregos, as regras criadas por normas autônomas têm claras vantagens sobre eventual proteção instituída por lei.

Naturalmente, a legislação não consegue acompanhar cada passo da evolução tecnológica, prever todas as hipóteses de incidência da automação nas atividades econômicas, quais consequências a automação trará para cada mercado de trabalho e quais as medidas mais adequadas para proteção dos profissionais em cada caso.

Nesse quadro, o contexto de evolução tecnológica é exemplarmente propício para exercício da autoregulação das condições de trabalho pelos próprios envolvidos no conflito, pois permite aos trabalhadores afetados pelas tecnologias avaliar as soluções mais adequadas a seus interesses e promover adaptações dessas condições ao longo do tempo.

Ressalve-se, porém, que a defesa de convenções e acordos coletivos de trabalho como forma de proteção do trabalhador em face da automação não significa dizer que eventual lei geral regulamentadora do art. 7º, XXVII, da CF/88 seria inútil. Em um Estado Democrático de Direito, a relação entre a normatização laboral estatal e a privada é de complementariedade, visando elevar o padrão de vida dos trabalhadores12.

Ademais, há que se reconhecer que, a depender da área de atividade econômica, os sindicatos profissionais respectivos podem ter força social e capacidade de negociação diversas. No exemplo estrangeiro acima oferecido, sabe-se que os sindicatos de roteiristas e os de atores têm muita relevância social e histórica em Hollywood, além de forte influência na mídia.

Em várias atividades empresariais no Brasil, entretanto, é possível que os sindicatos de trabalhadores, ao discutir sobre proteção em face da automação, não tenham capacidade para sustentar uma greve, por exemplo. Nesse cenário, a norma estatal torna-se mais importante como instrumento de defesa dos trabalhadores.

De toda forma, não se pode esperar, por ainda mais tempo, a edição de lei ordinária para, só então, se efetivar a garantia do art. 7º, XXVII, da CF/88, sendo o fortalecimento das negociações coletivas no tema uma medida indispensável.

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Sobre a autora
Tarsila Vaz Ribeiro

Pós-graduada (lato sensu) em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Universidade Anhanguera – Uniderp (2011). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (2009). Analista Judiciária de Área Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Tarsila Vaz. A proteção do trabalhador em face da automação.: A greve em Hollywood e as possibilidades de efetivação desse direito fundamental trabalhista no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7505, 18 jan. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/108105. Acesso em: 21 nov. 2024.

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