Capa da publicação Fim do usufruto ou fideicomisso extingue locação?
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Locador usufrutuário ou fiduciário

28/08/2024 às 17:00

Resumo:


  • A posse não se confunde com a propriedade, sendo direito autônomo, conforme jurisprudência do STJ.

  • A posse de um bem pode advir de um direito real, negócio jurídico ou fato, não sendo exclusivamente da propriedade.

  • O locador não-proprietário tem legitimidade para demandar ação de despejo, renovatória e revisional, com ressalvas legais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Como fica a locação em caso de extinção do usufruto ou do fideicomisso?

Não é raro que o locador não seja o proprietário do bem locado. Locador não precisa ser proprietário. Isso porque locação é transferência de posse, e não de propriedade. A posse não se confunde com a propriedade, é direito autônomo, como bem explica esse julgado do STJ:

Reconhece-se, pois, a autonomia existente entre o direito de propriedade e o direito de posse, bem como a expressão econômica do direito possessório como objeto de possível partilha entre os cônjuges no momento da dissolução do vínculo conjugal sem que haja reflexo direto às discussões relacionadas à propriedade formal do bem”. (REsp 1.739.042-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, pub.: 16/09/2020)

A propriedade é o mais amplo poder sobre um bem e abrange, em seu conteúdo, a posse (usar e gozar). Por isso, normalmente associa-se posse com propriedade. Até o próprio legislador de alguma forma complica esse entendimento ao dizer que “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade” (art. 1.196. CC).

Mas a posse de um bem não advém somente da propriedade, pode originar (i) de um direito real, como é o usufruto (usar e fruir/gozar); (ii) de um negócio jurídico, o que ocorre no fideicomisso; ou (iii) de um fato, quando uma pessoa simplesmente tem o poder sobre a coisa, por exemplo, uma ocupação.

O Enunciado 492, CJF, elucida a questão: “a posse constitui direito autônomo em relação à propriedade e deve expressar o aproveitamento dos bens para o alcance de interesses existenciais, econômicos e sociais merecedores de tutela”.

Tanto é que, como adverte Anderson Schreiber, “o Código Civil brasileiro trata da posse antes da propriedade, orientação que reforça a autonomia da posse em relação à propriedade1”.

Portanto, o possuidor, mesmo que não seja proprietário, pode alugar o imóvel que se encontra em seu poder, consoante entendimento sumulado pelo TJRJ, no Enunciado 356:

"A validade da locação prescinde da propriedade do bem pelo locador, bastando que ele garanta o exercício da posse direta, desembaraçada, pelo locatário, salvo com relação à comprovação para legitimidade da propositura da ação de despejo, quando deverão ser observadas as exceções legais."

Por fim, para ratificar, como consequência desse poder locativo, o locador não-proprietário tem legitimidade para demandar ação de despejo, renovatória e revisional - com algumas ressalvas legais2.


Usufruto

O proprietário tem consigo as faculdades de usar, gozar/fruir, dispor e reaver (art. 1.228. CC) sobre o bem. Ele pode dividir esses poderes com outrem. É o que ocorre no usufruto, onde entrega ao usufrutuário o direito de usar e fruir. Com isso, o usufrutuário passará a ter a posse direta, podendo usar, alugar, dar em comodato e tem legitimidade para ações possessórias.

O antigo proprietário, agora chamado de nu-proprietário, mantém a posse indireta e os poderes de dispor e reivindicar, não podendo mais usar e fruir da coisa3.

Usufruto é um direito real (art. 1.255, IV, CC) e significa o direito de usar e fruir o imóvel alheio sem pagamento ao proprietário.

Se o nu-proprietário vender o imóvel, o adquirente tem que respeitar o usufruto, que pode ser vitalício ou por prazo determinado (temporário), conforme estiver descrito no título que instituiu o usufruto.

O usufruto é intransmissível, tendo em vista sua natureza personalíssima. O direito finda com o usufrutuário, de modo que é inadmissível sua alienação seja em vida ou por herança (art. 1.393. CC).

As hipóteses de extinção do usufruto estão enumeradas no art. 1.410. CC, de maneira que, cancelado o usufruto, todos os poderes decorrentes da propriedade voltam e serão consolidados ao nu-proprietário, que retornará ao status de proprietário.


Fideicomisso

Fideicomisso é um negócio jurídico no qual o proprietário deixa um testamento nomeando uma pessoa (herdeiro ou legatário) com a incumbência de transferir o bem para um terceiro ainda não concebido (art. 1.951, e seguintes, CC).

Temos três figuras nessa operação: (i) o fideicomitente, o testador/proprietário, (ii) o fiduciário, o herdeiro ou legatário incumbido de traspassar o bem e o (iii) fideicomissário, beneficiário, pessoa ainda não concebida quando do testamento.

Por exemplo, A (fideicomitente) incumbe a B (fiduciário) transferir o imóvel para o primeiro filho de C (fideicomissário), ainda não fecundado. O professor José Fernando Simão leciona que:

será fideicomissária a substituição quando o testador (fideicomitente) nomear um certo herdeiro ou legatário (fiduciário), estabelecendo que este, com o advento de certo termo ou condição, transmita a herança à pessoa ainda não concebida quando da morte do testador (fideicomissário).

E complementa, “trata-se de modalidade indireta de substituição, pois o fiduciário recebe a herança que será transmitida ao fideicomissário4”.

O art. 1.952. CC dispõe que A substituição fideicomissária somente se permite em favor dos não concebidos ao tempo da morte do testador”. Complementa o § único “Se, ao tempo da morte do testador, já houver nascido o fideicomissário, adquirirá este a propriedade dos bens fideicometidos, convertendo-se em usufruto o direito do fiduciário.”

O fideicomisso se extingue caso o fideicomissário faleça antes do fiduciário, ou antes de realizar-se a condição resolutória do direito deste último; nesse caso, a propriedade consolida-se no fiduciário (herdeiro ou legatário, que serviria de “ponte” para a transmissão da propriedade), nos termos dos arts. 1.955. e 1.958 CC.


Consequências jurídicas no contrato de locação com a extinção do usufruto ou fideicomisso

Diante do que já estudamos, o locador pode perfeitamente ser um usufrutuário ou fiduciário. Ocorre que no curso da locação tanto o usufruto quanto o fideicomisso podem ser extintos, causando repercussões no contrato de locação.

Basta imaginar que o locador-usufrutuário faleceu ou que seu usufruto era por prazo determinado expirado durante o prazo contratual. O locador será alterado para o nu-proprietário, que assumirá a posição contratual.

No caso do fideicomisso, pode ocorrer que se implemente a condição e que o fiduciário tenha que transferir o bem ao fideicomissário, que passará a ser o novo locador.

O novo locador poderá denunciar a locação extinguindo o vínculo do locatário com o imóvel, causando-lhe graves prejuízos. O dispositivo legal que trata dessa matéria é o art. 7º da lei do inquilinato (L. 8.245/91):

“Nos casos de extinção de usufruto ou de fideicomisso, a locação celebrada pelo usufrutuário ou fiduciário poderá ser denunciada, com o prazo de trinta dias para a desocupação, salvo se tiver havido aquiescência escrita do nuproprietário ou do fideicomissário, ou se a propriedade estiver consolidada em mãos do usufrutuário ou do fiduciário.

Parágrafo único. A denúncia deverá ser exercitada no prazo de noventa dias contados da extinção do fideicomisso ou da averbação da extinção do usufruto, presumindo-se, após esse prazo, a concordância na manutenção da locação”.

Portanto, extinto o usufruto, o nu-proprietário tem até 90 dias para notificar o locatário e rescindir o contrato. A notificação, feita dentro dos 90 dias, é para desocupação em 30 dias, sob pena de despejo.

Passados esses 90 dias, sem o exercício do direito de rescisão, ele assume a posição contratual de locador, que era do antigo usufrutuário. O prazo de 90 dias conta da averbação de cancelamento do usufruto.

Como ensina o professor Luiz Antonio Scavone Junior:

Essa possibilidade decorre do princípio da relatividade dos efeitos dos contratos, vez que não há como exigir o cumprimento de uma avença por quem não tenha dela participado. Será irrelevante, nesta hipótese, que o contrato ainda não tenha expirado5.

Dessa forma, o locatário, por precaução, deve inserir uma cláusula de vigência no contrato, com anuência do nu-proprietário, para que a locação permaneça em vigor mesmo com o falecimento do usufrutuário.

Esse entendimento é o que melhor se coaduna com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Estaduais, a saber:

Ocorrendo a extinção do usufruto, o nu-proprietário reveste-se do pleno domínio do imóvel, estando, portanto, apto a ajuizar ação de despejo em face da locatária.

(STJ, REsp 736.954/MG, Rel. Min. Laurita Vaz, publ. 28/05/2007).

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LOCAÇÃO PREDIAL. EXTINÇÃO DO USUFRUTO. AÇÃO DE DESPEJO. DIREITO DO NU-PROPRIETÁRIO. ACÓRDÃO EM SINTONIA COM O ENTENDIMENTO FIRMADO NO STJ.

(STJ, AgInt nos EDcl no AgInt no AREsp 1.561.211/SP, Rel. Min Luis Felipe Salomão, publ. 03/08/2020)"

Apelação. Locação. Ação de despejo. Denúncia vazia. Sentença de procedência da ação. Irresignação da Ré que não se sustenta. Preliminares de inépcia da petição inicial e incompetência do Juízo afastadas. Contrato de locação celebrado pela usufrutuária do imóvel locado. Constitui direito potestativo do nuproprietário denunciar a locação nos casos de extinção do usufruto em razão do falecimento da usufrutuária locadora. Inteligência do art. 7º da Lei 8.245/91. Relação locatícia estabelecida entre a Ré e a usufrutuária falecida incontroversa, que independe de eventual modificação da titularidade do imóvel na ação de anulação de partilha mencionada em sede contestatória. Desnecessidade da figura do locador coincidir com a do legítimo proprietário do imóvel locado. Despicienda a discussão acerca da propriedade do imóvel. Relação "ex locato" de natureza pessoal, bastando a comprovação da posse direta do locador e sua transmissão ao locatário. Despejo corretamente decretado. Sentença mantida. Honorários majorados. RECURSO DESPROVIDO.

(TJSP, processo 1008125-78.2018.8.26.0625 SP 1008125, Rel. Des. L. G. Costa Wagner, publ.: 30/04/2021)

AÇÃO DE DESPEJO - FALTA DE PAGAMENTO - LOCAÇÃO RESIDENCIAL FIRMADA POR USUFRUTUÁRIO - EXTINÇÃO DO USUFRUTO - LEGITIMIDADE DO NU-PROPRIETÁRIO - CONFIGURAÇÃO - INTELIGÊNCIA DO ART. 7º DA LEI Nº 8.245/91. Conforme disposto no artigo 7º da Lei nº 8.245/91, nos casos de extinção de usufruto, é legitimo o nu-proprietário para ajuizar ação de despejo, com base no artigo 7º da Lei nº 8.245/91.

(TJMG, processo 10000170902472001, Rel. Des. José de Carvalho Barbosa, publ.: 16/02/2018)


Notas

1 Manual de Direito Civil Contemporâneo, Ed. Saraiva, 2ª edição, p. 713.

2 Exemplo: arts. 47, §2º e 53, II, L. 8.245/91. Por esses dispositivos, o locador não-proprietário não pode retomar o imóvel para uso próprio, de cônjuge ou companheiro, para o uso residencial de

3 DESPEJO. USUFRUTO. NU PROPRIETÁRIO. ILEGITIMIDADE. Falece legitimidade ao nu proprietário para o ajuizamento de ação de despejo, pois somente o usufrutuário possui direito de uso e gozo sobre o bem. (TJMG, processo 10567140040559001, Rel. Des. Estevão Lucchesi, publ.: 20/10/2017)

4 Código Civil Comentado Doutrina e Jurisprudência, Ed. Forense, livro digital, p. 1.521

5 Direito imobiliário: teoria e prática, Ed. Forense, 19ª. edição, livro digital, p. 3.274

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Sobre o autor
Luis Perez Arechavala Junior

Advogado, sócio fundador do escritório Arechavala Advogados, membro da comissão especial de direito urbanístico e imobiliário da OAB/RJ, membro da comissão de direito imobiliário da ABA Nacional, autor dos livros CONDOMÍNIO EDILÍCIO E SUAS INSTITUIÇÕES e ALIENAÇÃO DE IMÓVEIS – MANUAL DE COMPRA E VENDA, PERMUTA E DOAÇÃO (Ed. Lumen Juris).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARECHAVALA JUNIOR, Luis Perez. Locador usufrutuário ou fiduciário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7728, 28 ago. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/108154. Acesso em: 22 dez. 2024.

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