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A responsabilidade civil dos influenciadores digitais

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O influenciador pode ser responsabilizado caso o produto ou serviço divulgado cause danos aos consumidores.

RESUMO: O presente trabalho visa compreender e conceituar o significado de influenciador digital, analisar a sua atribuição de responsabilidade civil pela publicidade efetuada, além de compreender as principais correntes jurídicas e doutrinárias existentes sobre o tema. Assim, este estudo pretende demonstrar, por meio da metodologia da pesquisa bibliográfica, que de acordo com a publicidade realizada, o influenciador dessa categoria pode ser responsabilizado no âmbito jurídico, caso o produto ou serviço divulgado cause danos aos consumidores, ou ainda, caso seja identificada uma publicidade antijurídica, que, como efeito, pode resultar na condenação do pagamento de uma indenização.

Palavras-chave: Influenciador digital. Responsabilidade Civil. Código de Defesa do Consumidor.


INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o mundo tem passado por diversas inovações tecnológicas que impactaram – e ainda impactam – a sociedade de um modo definitivo e global. Entre elas, uma se refere especialmente às relações comerciais por meio das redes sociais, que envolvem pessoas físicas e jurídicas, como é o caso da atividade publicitária.

A publicidade é produzida de diversas formas. Até algum tempo atrás, por exemplo, era feita somente por meio de itens impressos. Mais tarde, passou a ser realizada através da televisão, e, posteriormente, com o avanço das tecnologias digitais, passou a ser efetivada por meio de sites de grandes e pequenas empresas, e, principalmente, por meio das redes sociais.

Nesse sentido, cabe resgatar que, por um longo período, os meios digitais eram usados por poucas pessoas, devido à dificuldade técnica e financeira em acessá-los. Entretanto, o panorama mudou com o decorrer dos anos e, desse modo, essas ferramentas se tornaram acessíveis à maioria da população.

Assim, diante desse cenário, houve o surgimento e a ascensão das redes sociais, como exemplo, o Facebook, o Instagram e o TikTok. Atualmente, tais redes correspondem aos locais de maior acesso na internet, sendo visualizadas diariamente por milhares de pessoas e, consequentemente, tornando-se o espaço onde boa parte dos usuários da rede depositam a maior parte do seu tempo livre.

Ademais, o referido avanço dessas redes ocorre também pela facilidade em obter acesso a uma vasta gama de informações com apenas um clique, independente do lugar em que o usuário esteja e do aparelho utilizado. Ou seja, essa ferramenta possui um alcance significativamente superior à televisão, ao rádio e a qualquer outro mecanismo de divulgação de informações já desenvolvido.

Destarte, considerando o alto número de usuários, as plataformas supramencionadas passaram a ser utilizadas também – tanto por pessoas jurídicas, quanto físicas – como forma de divulgar produtos ou serviços para a maior quantidade de pessoas possível, a fim de que os usuários se tornem possíveis compradores ou adquirentes do que foi divulgado.

Por conseguinte, diante da urgência empresarial em divulgar seu produto ou serviço nessas plataformas, surgiu igualmente a necessidade de uma figura capaz de levá-lo ao conhecimento das pessoas que acessam esses espaços. Ou seja, é nesse contexto que, por meio de ações de marketing, promoções de vendas, cobrando preços variados – a depender de sua popularidade nesse meio – é que emerge a figura do influenciador digital.

Assim, ante ao aumento da atividade publicitária realizada por esses influenciadores nos últimos tempos, vários casos envolvendo danos causados por produtos ou serviços por eles divulgados chegaram ao guante do poder judiciário. Desse modo, em meio a várias lacunas legais e dúvidas entre os operadores do direito, que se questionavam se o influenciador poderia ser punido juridicamente por alguma de suas atividades publicitárias que viesse a causar algum dano ao consumidor, seja ele físico ou patrimonial.

Portanto, por meio do método da pesquisa bibliográfica, o presente trabalho buscará conceituar a figura do influenciador digital, bem como, trazer o significado de atividade publicitária, detalhando as formas de responsabilização jurídica a esse influenciador em caso de publicidade ilícita dolosa ou culposa e, dessa forma, dissecar as três principais correntes jurídicas existentes sobre o tema, sendo elas, a responsabilidade com base no Código Civil, com Base no Código de Defesa do Consumidor ou a excludente de responsabilidade, caso ocorra a publicidade de palco.

2. A FIGURA DO INFLUENCIADOR DIGITAL

Os influenciadores digitais são pessoas que dedicam a maior parte do seu tempo às redes sociais, e, desse modo, na maioria das vezes, mobilizam muitas pessoas sobre diversos temas, essas, por sua vez, são denominadas de seguidores.

Nesse viés, além do número de seguidores, os influenciadores geralmente têm uma elevada capacidade persuasiva, capaz de convencer seus seguidores a consumirem determinado produto ou serviço.

Sobre essa questão, Gasparoto; Freitas; Efing (2019) explicam:

Os influenciadores digitais são grandes formadores de opinião, sendo Capazes de modificar comportamentos e mentalidade de seus seguidores, visto que em razão da exposição de seus estilos de vida, experiências, gostos, preferências e, principalmente, da interação social acabam conquistando a confiança dos usuários ora consumidores (conhecidos como seguidores) (GASPAROTO; FREITAS; EFING, 2019, p. 75)

Desse modo, diante dessa capacidade exponencial de modificar comportamentos, basta, muitas vezes, que o influenciador faça uma simples e rápida explanação sobre algo relacionado ao produto ou serviço – por alguns segundos – para que uma grande quantidade de pessoas queira adquiri-lo. Em algumas situações, inclusive, a apresentação do produto, sem qualquer tipo de demonstração de funcionamento, é suficiente para que o desejo no consumidor seja induzido para uma possível compra.

Nessa esteira, essa capacidade de influenciar é mais bem detalhada por Bastos et al. (2017), que aduz:

Em virtude disso os novos profissionais da web exercem grande poder sobre as massas, pois eles possuem credibilidade diante de seus seguidores. Sendo assim, são verdadeiros formadores virtuais de opiniões. Aplicando estratégias empregadas pelas marcas que os contratam, ou então por eles mesmos, são capazes de atingir possíveis consumidores de forma mais natural/orgânica, promovendo a mudança comportamental e de mentalidade em seus seguidores, os quais, por se identificarem com o digital influencer, também se identificam com o conteúdo que é por ele divulgado Bastos et al. (BASTOS et al, 2017, p. 2).

Assim, impende ressaltar que não existem apenas grandes influenciadores digitais, existem também alguns que não possuem tantos fãs como os descritos acima. Ou seja, há também os microinfluenciadores digitais, definidos como pessoas comuns, com um menor número de fãs que os demais, mas, que, do mesmo modo, exercem certa influência com determinado público específico (RIOS, 2017).

Sob esse prisma, cabe destacar que a maioria dos influenciadores digitais não atua somente por meio de atividades publicitárias explícitas, mas, igualmente, por meio da exposição de situações básicas do seu dia a dia, ou mesmo, da exibição constante de suas rotinas. No entanto, essa exposição – mesmo que não revele abertamente a intenção de divulgar um produto ou serviço – mobiliza igualmente os seguidores do perfil a conhecerem determinado item e, consequentemente, a consumi-lo.

Averbe-se que não existe em nosso ordenamento jurídico uma regulamentação específica para a atividade do influenciador digital, mesmo com o fato de essa ter passado a ser uma das atividades mais lucrativas dos “grandes influencers”, que, com seus ganhos através da publicidade, conseguem aferir lucros maiores do que obteriam nos trabalhos tidos como tradicionais para a maior parte da população.

Entretanto, a atividade publicitária realizada por tais influenciadores digitais é regulamentada de forma indireta, através de analogias realizadas por meio da legislação vigente atualmente, criada, por sua maioria, antes mesmo de a referida atividade passar a existir, o que abriu espaço para diversas interpretações, muitas vezes, divergentes, conforme será adiante demonstrado.

3. A PUBLICIDADE

A publicidade está presente na sociedade há vários anos, e, consoante a todas as relações sociais, vem sofrendo constantes evoluções. Nesse sentido, para entender o presente trabalho, primeiramente, é importante que o conceito dessa atividade seja elucidado.

Para tanto, Carvalho (1996), há tempos, já conceituava que a publicidade é

(...) uma argumentação icônico-linguística que leva o consumidor a convencer-se consciente ou inconscientemente. Tem a forma de diálogo, mas 120 COMUM 25 possui uma relação assimétrica, na qual o emissor, embora use o imperativo, transmite uma expressão alheia a si própria. O verdadeiro emissor permanece ausente do circuito da fala; o receptor, contudo, é atingido pela atenção desse emissor em relação ao objeto. Organizada de forma diferente das demais mensagens, a publicidade impõe, nas linhas e entrelinhas, valores, mitos, ideais e outras elaborações simbólicas, utilizando os recursos próprios da língua que lhe serve de veículo, sejam eles fonéticos, léxicosemânticos ou morfossintáticos (CARVALHO, 1996, p. 13).

Para Muniz (2004, p. 2) “a publicidade contemporânea mitifica e converte em ídolo o objeto de consumo, revestindo-o de atributos que frequentemente ultrapassam as suas próprias qualidades e a sua própria realidade”.

Nos últimos anos, a publicidade começou a ser feita em um alto percentual, através das redes sociais, principalmente, dada à facilidade de acesso a esses meios, que comportam todas as classes sociais e, consequentemente, a maior parte do público alvo das empresas. Com efeito, a figura do influenciador digital é de suma importância para que, utilizando do seu poder persuasivo frente aos seus seguidores, expanda o nicho de divulgação de determinado produto ou serviço, atraindo, assim, uma maior quantidade de potenciais compradores.

Nesse viés, é imperioso destacar que:

Tem-se o registro de 105 milhões de brasileiros conectados à internet, considerando-se qualquer ambiente, ou seja, domicílio, trabalho, lan houses, escolas, locais públicos e outras localidades. O Ibope informa também que em relação aos “dois últimos anos, o número de pessoas com acesso à internet em casa passou de 57,9 milhões, em 2011, para 76,6 milhões, em 2013”, registrando aumento de 32%”. (PAMPLONA E FREITAS, 2015, p. 90, apud IBOPE, 2014)

Logo, a urgência das empresas em se inserirem nesse meio é inegavelmente compreensível, uma vez que ele se consolidou na maior expressão de divulgação de produtos e serviços, além do seu potencial incomparável de obter clientes e consumidores.

Desse modo, para manter determinado item ou marca em evidência, os influenciadores têm que se reinventar de forma constante, pois, os anseios sociais por novos produtos ou serviços se alteram constantemente, bem como, a forma de apresentá-los. Com efeito, esses profissionais precisam inovar frequentemente suas estratégias publicitárias de divulgação, além de buscar formas cada vez mais persuasivas e dinâmicas para atingir seu público-alvo.

Além disso, com a grande gama de produtos existentes, a forma pela qual a publicidade é realizada se torna crucial para que, de fato, um produto atinja seu efeito esperado. Isto é, o desejo do consumidor. Este, em regra, sempre está aguardando inovações para serem consumidas, uma vez que vivemos em uma sociedade que promove exponencialmente a manutenção desse comportamento.

Segundo o sociólogo Zygmunt Bauman (2009), atualmente, a sociedade vive em uma vida líquida, que

É uma vida de consumo. Projeta o mundo e todos os seus fragmentos animados e inanimados como objetos de consumo, ou seja, objetos que perdem a utilidade (e, portanto, o viço, a atração, o poder de sedução e o valor) enquanto são usados. Molda o julgamento e a avaliação de todos os fragmentos anima- dos e inanimados do mundo segundo o padrão dos objetos de consumo (BAUMAN, 2009, p. 17).

Ainda segundo o referido autor, esses objetos são projetados para que tenham uma vida útil muito inferior ao que poderiam ter, ficando, assim, impróprios para consumo, obsoletos e, automaticamente, ultrapassados.

Ou seja, para manter um referido produto em evidência, enquanto objeto de desejo, a publicidade deve, também, ser feita em um determinando momento. Em outras palavras, ela não pode deixar que a vida útil do que é objeto de propaganda chegue ao fim rapidamente. Por isso, a publicidade busca diversas vias para perpetuar os anseios sobre o que comercializado por mais tempo possível.

Diante disso, tem-se que a publicidade é o principal meio utilizado para levar um produto ou serviço ao conhecimento dos consumidores, sendo certo que, quem realiza a atividade publicitária deve se reinventar a todo momento, para ser capaz de manter aquilo que divulga sempre em evidência, principalmente, frente aos anseios da população por novidades.

Todavia, ocorre que, muitas vezes, tal atividade visa apenas o lucro, sem considerar os ditames legais.

3.1. PUBLICIDADE ILÍCITA

O Código Brasileiro de Autorregulamentação publicitária (CONAR, 2021) traz alguns preceitos que devem ser seguidos durante a atividade publicitária. Assim, neste ponto, merecem destaques os artigos 22 e 27, que apresentam ditames que devem ser observados durante a divulgação de algo.

O artigo 22 (ibdem) traz expressamente que a publicidade deve ser feita de forma honesta, não se beneficiando da ausência de familiaridade do consumidor com o que lá está sendo divulgado.

Dessa forma, para que seja respeitado o disposto no artigo anterior, deve-se, portanto, seguir a apresentação verdadeira, explicitada no artigo 27 (ibdem), onde é afirmado que os anúncios devem ser realizados com uma declaração exata sobre o produto ou serviço divulgado, de forma que “não deverá conter informação de texto ou apresentação visual que direta ou indiretamente, por implicação, omissão, exagero ou ambiguidade, leve o Consumidor a engano quanto ao produto anunciado”.

Nessa esteira, a publicidade, além de tutelada administrativamente pelo CONAR, também é tutelada judicialmente, com base no Código de Defesa do Consumidor (Brasil, 1990), em seu artigo 36, que afirma que a publicidade deve poder ser identificada facilmente pelo consumidor.

Ou seja, a “publicidade velada” é proibida em nosso ordenamento, sendo essa, uma forma de publicidade oculta, em que não é possível que o público alvo da divulgação perceba que aquilo se trata de um ato publicitário.

Sobre essa questão, o artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor (Brasil, 1990), ainda traz outras situações de publicidade ilícita sendo:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

 § 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

 § 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança (BRASIL, 1990).

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Sendo assim, observa-se que a publicidade pode ser ilícita caso se construa mediante a atos omissivos. Isto é, quando deixa de demonstrar informações importantes sobre o produto ou serviço, até comissivos, caso quem a esteja realizando, promova algo danoso ao consumidor, induzindo-o a erro, mesmo estando ciente das características negativas do produto ou serviço.

Destarte, fica visível que caso não seja assegurado ao consumidor o direito à informação correta, esse pode ser conduzido ao engano, seja por meio de artifícios com esse fito em relação à determinada qualidade do que está sendo divulgado, ou pela simples omissão quanto à alguma informação relevante. Logo, a atividade publicitária que apresentar essas características poderá ser considerada ilícita.

4. A RESPONSABILIDADE CIVIL

Inicialmente, é importante destacar que a responsabilidade civil dos influenciadores digitais não é regulamentada diretamente por uma legislação específica, o que traz espaço para diversas correntes de interpretação, que podem levar à responsabilização na forma subjetiva ou objetiva. Desse modo, com base no Código Civil, pode haver a responsabilização objetiva prevista no CDC ou, à ausência de responsabilização, com base na corrente que adota a publicidade de palco, tese adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, caso o influenciador digital não tenha agido como avalista daquilo que está divulgando.

4.1. DEFINIÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL

Segundo Gandini e Salomão (2002):

A origem da palavra “responsabilidade" não nos auxilia no seu conceito atual, uma vez que seu significado original seria a "posição daquele que não executou o seu dever", ou, ainda, a ideia de fazer com que se atribua a alguém, em razão da prática de determinado comportamento, um dever. Juridicamente relevante seria a responsabilidade imposta àquele que, com sua conduta comissiva ou omissiva violou bem juridicamente protegido, gerando para ele uma sanção (GANDINI; SALOMÃO (2002, p. 4).

Trazendo-a para o âmbito da publicidade realizada pelos influenciadores digitais, tem-se que a responsabilização incidirá no âmbito jurídico, caso esses divulguem algum produto ou serviço, por meio da realização de alguma forma de prestação de garantias. Com isso, eles estariam agindo, em tese, como um avalizador daquilo que anunciam e, dessa forma, poderão ser responsabilizados por eventuais prejuízos causados ao consumidor, caso a compra realizada, com base na confiança nesses profissionais, traga danos. Logo, essa responsabilidade pode ser atribuída em decorrência da conduta comissiva do influencer.

Noutro vértice, se um influencer divulgar um produto e negligenciar algum direito do consumidor-alvo da publicidade - por exemplo, ocultando uma informação relevante da qual tenha conhecimento e induzindo o consumidor a erro como resultado - e isso prejudicar o consumidor de alguma forma, o influenciador será responsabilizado juridicamente. Essa responsabilidade decorre de sua conduta omissiva.

Entretanto, caso o influenciador divulgue algum produto ou serviço, sem agir como um garantidor, de fato, não recairá sobre ele qualquer dever de indenizar.

4.2. RESPONSABILIDADE DO INFLUENCIADOR COM BASE NO CÓDIGO CIVIL

Atualmente, muitas situações que envolvem a responsabilidade jurídica dos influenciadores digitais são julgadas sob a legislação existente no Código Civil (BRASIL, 2002), mais especificamente, de acordo com os artigos 186 e 927 da referida legislação.

Nesse caminho, caso entenda o julgador que a relação existente entre o influenciador digital e o destinatário da publicidade não se amolda à legislação prevista no Código de Defesa do Consumidor, ainda assim, mesmo excluído da cadeia de fornecimento, poderá ser o influencer responsabilizado juridicamente de acordo com as normas do Código Civil, geralmente, na forma subjetiva, ou, excepcionalmente, na forma objetiva.

Em regra, a responsabilidade é subjetiva, havendo a interpretação que não há risco da atividade inerente à publicidade exercida pelo influenciador no que concerte a eventuais vícios e defeitos relacionados ao que foi divulgado, muito embora, geralmente, preste garantias sobre o que divulgou, sendo assim, não recairia sobre ele a responsabilidade objetiva pelo risco da atividade.

De acordo com Santos (2022), nesses casos, para que haja a responsabilização do influenciador digital, é necessária a comprovação de dolo ou culpa desse.

Seguindo essa corrente de pensamento, o Tribunal de Justiça do Paraná, por ocasião do julgamento do recurso de inominado nº 0031564-51.2019.8.16.0182, reconheceu a responsabilidade subjetiva do influenciador digital, devido ao fato de ter prestado garantias pela divulgação. Vejamos o mencionado Acórdão:

RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ALEGAÇÕES DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE, DE INOVAÇÃO RECURSAL E DE NULIDADE DA SENTENÇA AFASTADAS. PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL QUE NÃO SE APLICA AOS JUÍZES LEIGOS. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. VIAGEM PARA O EGITO EM JORNADA ESPIRITUAL. CANCELAMENTO DA VIAGEM SEM RESTITUIÇÃO DOS VALORES ADIANTADOS. RECURSO INTERPOSTO PELA GUIA ESPIRITUAL CONVIDADA. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE REJEITADA. APLICAÇÃO DA TEORIA DA APARÊNCIA. DIVULGAÇÃO DA JORNADA REALIZADA PELA RECORRENTE. RESPONSABILIDADE CIVIL DO INFLUENCIADOR DIGITAL. RECORRENTE QUE, AO EFETUAR A PUBLICIDADE DA VIAGEM, AVALIZOU O SERVIÇO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJPR - 5ª Turma Recursal dos Juizados Especiais - 0031564-51.2019.8.16.0182 - Curitiba - Rel.: JUÍZA DE DIREITO DA TURMA RECURSAL DOS JUÍZAADOS ESPECIAIS MANUELA TALLÃO BENKE - J. 08.04.2021)

No caso acima, interpretou-se que, como a influenciadora digital divulgou o pacote de viagens, atuou como uma espécie de avalizadora do serviço. Ou seja, ela contribuiu diretamente para a formação da relação de consumo entre o fornecedor e o consumidor final. Este, por sua vez, comprovou ter se convencido a adquirir o pacote após ser atingido pela publicidade realizada, com base na teoria da confiança, tendo ocorrido uma situação em que possivelmente, a influenciadora poderia ter conhecimento sobre a divulgação de algo que causaria prejuízo a eventuais adquirentes, sendo assim, restou comprovada sua culpa.

Assim, mesmo interpretando que não seria correto equiparar a influenciadora à figura de fornecedora, houve sua responsabilização com base na responsabilidade subjetiva prevista no Código Civil (BRASIL, 2002) sob a fundamentação de que ao avalizar o serviço, a influenciadora atraiu para si responsabilização por eventual falha na prestação desse, tendo ela o conhecimento de que divulgava algo ilícito.

Noutro vértice, existem situações, que muito embora ainda não se reconheça a existência da relação de consumo entre consumidor e o influenciador digital, este responde objetivamente por falha no cumprimento da obrigação por parte de algum dos fornecedores, que teve produto ou serviço divulgado, de acordo com o artigo 927, § único do Código Civil (Ibdem), que assim cinzela:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Para os adeptos dessa corrente, o fato de o influenciador digital aferir lucro com a publicidade, muitas vezes, recebendo comissões pelo engajamento gerado, faz com ele atraia para si o ônus da responsabilidade objetiva, de forma que passaria a ser responsabilizado por vícios relacionados a produtos ou serviços divulgados, independente de culpa.

Em tais situações, utiliza-se a fundamentação de que, ao obter lucro com a atividade publicitária realizada, deve também o influenciador ser compelido a arcar com os prejuízos que essa cause a terceiros, mesmo que de forma indireta, como em uma situação em que o fornecedor que teve algo divulgado não cumpra com suas obrigações frente aos consumidores.

Ademais, ainda se leva em consideração o risco da atividade, uma vez que, muitas vezes, pode ser presumível o fato de que o fornecedor divulgado possa vir a deixar de cumprir com suas obrigações, agindo o influenciador, de certa forma, ciente disso, que seria o risco interno de seu labor.

Um exemplo evidente da aplicação dessa corrente, é o caso envolvendo Virgínia Fonseca, uma famosa influenciadora digital, que foi condenada a efetuar o pagamento de R$ 2.639,90 (dois mil seiscentos e trinta reais e nove e noventa centavos) a uma mulher que adquiriu um celular de uma loja indicada em uma publicidade realizada pelo Instagram, entretanto, não recebeu o aparelho (Rodas, 2020). Vejamos um pequeno trecho da sentença que ilustra a aplicação dessa tese:

(...) TRATANDO-SE DE RELAÇÃO ENTRE PARTICULARES, NA ESPÉCIE SE REVELA EM VERDADEIRA AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL, NOS TERMOS DO ART.927 DO CC/02. (...) devendo RESPONDER PELOS RISCOS DO SEU EMPREENDIMENTO, CONSIDERANDO QUE QUEM RETIRA PROVEITO DE UMA ATIVIDADE DE RISCO, COM PROBABILIDADE DE DANOS, OBTENDO VANTAGENS, LUCROS, BENEFÍCIOS, DEVE ARCAR COM OS PREJUÍZOS DELES DECORRENTES. Assim restou patente a responsabilidade da revel nesse caso em tela. Afasto a reponsabilidade da plataforma instagram/facebook, consoante entendimento do Eg.STJ (...)

No caso acima explanado, segundo a magistrada, o CDC não seria aplicável por se tratar de uma relação entre particulares. Porém, também não seria justo eximir a influenciadora digital de toda responsabilidade jurídica, posto que com sua atividade exercida, ela, obviamente, visa lucro. Assim sendo, deve ser responsabilizada por eventuais reparações decorrentes de falhas no fornecimento do que divulgou, uma vez que, em tese, é provável que sua atividade possa causar danos.

Entretanto, a aplicação o referido posicionamento não é pacífica, por exemplo, caso ocorra um fato de produto ou serviço, que venha a causar danos físicos ou à saúde do consumidor, a responsabilidade objetiva não seria aplicada, ao menos, se tratando de Código Civil, conforme leciona JEZLER (2017):

Em se tratando de fato do produto ou do serviço – o acidente de consumo, que gera danos ao consumidor, ultrapassando a esfera do próprio bem –, é necessária a configuração dos elementos da responsabilidade civil relativamente a cada indivíduo componente da cadeia produtiva. Assim, ao nosso pensar, o influenciador digital responderá pelos danos que causar por sua conduta no mister de influenciar, mas não pela produção eventualmente falha do produto divulgado (JEZLER, 2017, p. 14).

Destarte, caso o dano causado por aquilo que foi divulgado pelo influenciador digital ultrapasse a esfera financeira do bem, é necessário observar se houve culpa por parte desse, uma vez que, nesses casos, o risco da atividade não se estende a ele, ficando em regra, atrelado somente ao fabricante, mesmo em casos em que se enquadraria a responsabilização na forma objetiva com base no Código Civil.

Portanto, é oportuno salientar que a tese que defende a aplicação do Código Civil às relações entre consumidores e influenciadores digitais é a mais adotada pelos tribunais em nosso ordenamento jurídico, principalmente, no que concerne à responsabilidade subjetiva, que é a regra, entendendo que não é correto equiparar o influenciador digital à figura do fornecedor. Entretanto, também, não seria justo deixar o consumidor completamente desamparado, eximindo o influencer de qualquer responsabilidade por reparação, posto que lucra de maneira elevada com a atividade exercida, e contribui de forma ativa para que terceiros adquiram o que foi divulgado, agindo como uma espécie de garantidor podendo, portanto, excepcionalmente responder objetivamente conforme a teoria do risco da atividade prevista no artigo 927 §º único do Código Civil, acima mencionada.

4.2.1 PUBLICIDADE DE PALCO

Fazendo um contraponto à corrente explanada acima, existe também a publicidade de palco, que excluiria a responsabilidade do influenciador digital caso se entenda que não houve prestação de garantia sobre o produto ou serviço divulgado por sua parte.

A referida corrente jurisprudencial é a mais adotada em nosso ordenamento pátrio, e foi trazida ao mundo jurídico pelo STJ, que rechaçou a hipótese de enquadramento do influenciador digital às normas do Código de Defesa do Consumidor, por ocasião do julgamento do RESP 1157228/RS, que foi julgado da seguinte forma:

CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE COBRANÇA, CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO JUNTO A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DEPÓSITO DE IMPORTÂNCIA A TÍTULO DE PRIMEIRA PRESTAÇÃO. CRÉDITO MUTUADO NÃO CONCEDIDO. ATRIBUIÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL AO PRESTADOR DO SERVIÇO E À REDE DE TELEVISÃO QUE, EM PROGRAMA SEU, APRESENTARA PROPAGANDA DO PRODUTO E SERVIÇO. "PUBLICIDADE DE PALCO". CARACTERÍSTICAS. FINALIDADE. AUSÊNCIA DE GARANTIA, PELA EMISSORA, DA QUALIDADE DO BEM OU SERVIÇO ANUNCIADO. MERA VEICULAÇÃO PUBLICITÁRIA. EXCLUSÃO DA LIDE. MULTA PROCRASTINATÓRIA APLICADA PELA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. PROPÓSITO DE PREQUESTIONAMENTO. EXCLUSÃO. SÚMULA N. 98-STJ. CDC, ARTS. 3º, 12, 14, 18, 20, 36, PARÁGRAFO ÚNICO, E 38; CPC, ART. 267, VI.

I. A responsabilidade pela qualidade do produto ou serviço anunciado ao consumidor é do fornecedor respectivo, assim conceituado nos termos do art. 3º da Lei n. 8.078/1990, não se estendendo à empresa de comunicação que veicula a propaganda por meio de apresentador durante programa de televisão, denominada "publicidade de palco".

II. Destarte, é de se excluir da lide, por ilegitimidade passiva ad causam, a emissora de televisão, por não se lhe poder atribuir co-responsabilidade por apresentar publicidade de empresa financeira, também ré na ação, que teria deixado de fornecer o empréstimo ao telespectador nas condições prometidas no anúncio.

III. "Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não tem caráter protelatório" (Súmula n. 98/STJ).

IV. Recurso especial conhecido e provido. (REsp n. 1.157.228/RS, relator Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 3/2/2011, DJe de 27/4/2011.)

O caso acima se tratava de uma propaganda realizada em um programa de televisão, que promovia uma agência financeira fornecedora de empréstimos. Todavia, o serviço não foi cumprido conforme o divulgado, não tendo sido concedido o mencionado empréstimo ao consumidor contratante, mesmo esse tendo depositado um valor previamente requerido e tendo esse comprovado ter se decidido a contratar os serviços, somente após ver a propaganda no programa de televisão.

Desse modo, ante o não cumprimento da obrigação por parte da agência financeira, o consumidor ingressou judicialmente contra a fornecedora e, também, contra o programa de televisão, afirmando que a relação jurídica existente entre as três partes envolvidas seria regida pelas normas do Código de Defesa do Consumidor.

Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça excluiu o programa de televisão da lide, sob a fundamentação de que ocorrera somente uma divulgação sobre o serviço, sem qualquer tipo de prestação de garantia por parte do fornecedor. Sendo assim, a emissora não integraria a relação de consumo existente entre fornecedor e consumidor, tampouco, poderia ser de alguma outra forma responsabilizada pelo ilícito cometido por parte do consumidor, uma vez que não agiu como avalista do serviço divulgado.

Nessa senda, muito embora tenha a jurisprudência sido aplicada a um caso envolvendo emissora de televisão, os tribunais aplicam a tese explanada de forma recorrente aos influenciadores digitais que efetuam a publicidade por meio de suas redes sociais.

Desse modo, para a adoção de tal corrente, tem-se que, não pode haver qualquer tipo de prestação de garantia pela parte que efetua a publicidade.

Consequentemente, ao não avalizar o que foi divulgado, o influenciador deixa de integrar a cadeia de fornecimento e afasta também a responsabilidade objetiva do Código Civil, e, não tendo culpa por eventuais danos ocasionados, uma vez que não induz, nesses casos, o consumidor a adquirir aquilo que divulga.

Frente ao mencionado, tem-se que a publicidade de palco serve como matéria de defesa para procedimentos julgados sob a égide tanto do Código Civil, quanto do Código de Defesa do consumidor.

Impende ressaltar, que no mesmo julgamento do Recurso Especial mencionado acima, muito embora todos tenham acompanhado o voto do relator, reconhecendo a aplicação da Publicidade de Palco, que afastaria a responsabilidade de quem realizou a publicidade, foi feita uma ressalva por parte do Ministro Luis Felipe Salomão, que em seu voto argumentou que nem sempre a responsabilidade do veículo de comunicação pode ser afastada, devendo sempre ser realizada uma análise subjetiva do caso concreto e, que caso exista um abuso na publicidade, poderia ocorrer o enquadramento de quem a realizou às normas do Código de Defesa do Consumidor.

Portanto, o voto do Ministro nos dá azo para a próxima corrente existente sobre o tema, que é justamente, a equiparação do influenciador digital a qualidade de fornecedor.

4.2.2 RESPONSABILIDADE COM BASE NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

Para uma das correntes que trata sobre o tema, a responsabilidade do influenciador digital, incide com base no Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 1990).

Preliminarmente, necessário delimitar que conforme artigo 2º do referido diploma legal “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” (ibdem). Sendo, portanto, o referido dispositivo aplicável ao destinatário da publicidade como possível adquirente do que lá está sendo divulgado.

Para a corrente que apoia a equiparação do influenciador digital que realizou a publicidade de determinado produto ou serviço, sua conduta estaria prevista no artigo 3º do CDC, posto que este, auxilia, de certa forma, na distribuição daquilo que divulga.

Destaca-se, que para essa corrente, o influenciador digital faria parte da cadeia de fornecimento, tendo uma responsabilidade objetiva e solidária em relação ao fabricante e ao vendedor, com base no artigo 25, §1º da referida Lei, que afirma que “Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores”.

Nesse caso, segundo Santos (2022), a responsabilidade jurídica seria imposta ao influenciador

Sem a necessidade de aferição de culpa, baseada na teoria do risco, adotada pelo CDC. A teoria do risco prevê a responsabilização objetiva aos fornecedores pelo fato de, através da sua atividade profissional, gerar riscos ao grupo oposto e, aferir, deste mesmo grupo, benefícios e ganhos (SANTOS, 2022, p. 21).

Adepto dessa ideia, Filho (2014) aduz o seguinte:

Todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser garante dos produtos e serviços oferecem no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança deles (FILHO, 2014, p. 3).

Sendo assim, segundo essa corrente, é correto pensar que, sendo o influenciador digital, um intermediário da relação de consumo, vez que auxilia na publicidade de determinado produto ou serviço, levando consumidores a adquiri-los, torna-se, então, parte da cadeia de fornecimento, haja vista atuar diretamente nela, respondendo por eventuais vícios ou defeitos ocorridos por ocasião do que foi divulgado na forma objetiva.

Por conseguinte, existem ainda, adeptos da ideia de que para que de fato possamos enquadrar o influenciador digital na cadeia de fornecimento, é necessário analisar se de fato, ele aferiu lucro com a atividade publicitária, ganhando porcentagem por eventuais vendas, por exemplo, pois, o que caracterizaria uma participação ativa relação de consumo. Segundo QIXUAN (2022, p.44) “O influencer, ao auferir lucro, participa da cadeia de consumo, caracterizando-se como um fornecedor equiparado”.

Nesse viés, em complemento ao posicionamento explanado acima, merece destaque o posicionamento de Gasparotto, Freitas e Effing (2019), que destacam que o influenciador digital pode ser demandado caso exerça uma posição de garantia em relação ao que está divulgando, pois, sua divulgação, muitas vezes, é o que de fato leva o consumidor a adquirir determinado objeto ou contratar algum serviço.

Logo, destaca-se que, aplicável à corrente que enquadra o influenciador digital na cadeia de fornecimento, esse também tem diversos deveres para que sua publicidade esteja dentro dos ditames legais, como o dever de prestar informações adequadas, por exemplo, para que sua publicidade não se considere falha.

Sobre o tema, Marques e Miragem (2011), afirmam o seguinte:

Tratando-se de risco profissional (responsabilidade própria do profissional), tratando-se de atuação à qual a lei impõe deveres especiais (através de normas de ordem pública) não transferíveis aos consumidores, nem mesmo através de previsão contratual (ex vi arts. 1º, 51, I, e 25 do CDC), terá o fornecedor de suportar a sua falha, responder pela informação mal transmitida, pelo inadimplemento contratual ou pelo ato ilícito eventualmente resultante da publicidade falha. E note-se que a jurisprudência do STJ tem considerado solidária a responsabilidade daquele que veicula e daquele que se aproveita da publicidade (art. 30 c/c 35 e art. 37 do CDC) (MARQUES; MIRAGEM, 2011, P. 629).

Destarte, para os referidos autores, a responsabilidade desses influenciadores seria objetiva, não se enquadrando, portanto, na definição de profissionais liberais, posto que sua contratação para a atividade publicitária não se dá através de suas técnicas profissionais, mas, sim, de fatores como o engajamento proporcionados pela sua divulgação.

Assim, segundo Gasparotto, Freitas e Effing (2019, p. 20), os influenciadores digitais “a) fazem parte da cadeia de consumo, respondendo solidariamente pelos danos causados, b) recebem vantagem econômica; e c) relacionam-se diretamente com seus seguidores que são consumidores”.

Sendo assim, incidente ao CDC (BRASIL, 1990), a responsabilidade desses influenciadores seria objetiva e não subjetiva, diferente seria caso fossem equiparados a profissionais liberais, situação em que a responsabilidade seria subjetiva, com base no artigo 14, §4º.

4.2.3 O PROFISSIONAL LIBERAL

O Código de Defesa do Consumidor, trouxe em seu artigo 14, §4º (Ibdem) a figura do profissional liberal, que seria uma exceção à responsabilidade objetiva, que em regra, recai sobre todos os integrantes da cadeia de fornecimento. Sendo assim, caso o influenciador digital fosse enquadrado como profissional liberal, seria necessária a aferição de sua culpa por eventual evento danoso.

Entretanto, conforme citado alhures, em regra, o influenciador digital não pode ser considerado como profissional liberal.

Caldeira (2004) assim define o profissional liberal:

O que diferencia um profissional liberal dos demais profissionais é, principalmente, o seu conhecimento técnico, que engloba o conhecimento científico e/ou manual de cada profissão. Vale dizer, toda profissão requer um conhecimento acerca de suas técnicas, sendo certo que, dependendo da profissão, esse conhecimento será científico e/ou manual. Daí dizermos que o conhecimento técnico é gênero, do qual os conhecimentos científico e manual são espécies (Caldeira, 2004, p. 2).

Ou seja, normalmente, a contratação de uma pessoa para a divulgação de determinado produto ou serviço mediante remuneração, seja por porcentagem de vendas ou por valor pré-ajustado por ato publicitário, não se dá com base em seu conhecimento técnico em relação àquilo, mas, tão-somente com base no engajamento que possa vir a gerar com sua divulgação.

Sendo assim, tem-se que o influenciador digital não é equiparado ao profissional liberal, levando ao resultado prático de que, fazendo parte da cadeia de fornecimento o influenciador digital, sua responsabilidade incidirá objetivamente, não se enquadrado esse nas exceções previstas no Código de Defesa do Consumidor.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Frente ao até aqui exposto, conclui-se que para atribuir responsabilização no âmbito jurídico ao influenciador digital, é necessário analisar se por parte dele houve alguma forma de prestação de garantia em relação ao que foi divulgado.

Assim, caso tenha ocorrido alguma forma de garantia, poderá recair sobre ele a responsabilização com base no Código de Defesa do Consumidor, caso o magistrado, acolhendo a tese que vem sendo aderida pela maioria doutrinária, entenda que o influenciador integrou de forma ativa a cadeia de fornecimento, sendo, em regra, essa responsabilidade objetiva, tanto por fato de produto ou serviço, quanto por vícios.

Entretanto, a regra no ordenamento pátrio é a responsabilização com base no Código Civil, sendo ela, normalmente subjetiva, necessitando da existência de culpa por parte do influenciador.

No entanto, a depender das circunstâncias fáticas do caso concreto, pode entender o julgador que, por receber grandes lucros com a sua atividade publicitária, o influenciador deve responder na forma objetiva, pela teoria do risco da atividade, sendo certo, que essa responsabilidade objetiva do Código Civil não é absoluta para parte da doutrina, devendo ser afastada em caso de fato de produtos ou serviços, uma vez que, nesses casos, o risco da atividade não poderia ser atribuído ao influenciador digital.

No entanto, caso seja identificada uma publicidade sem qualquer forma de prestação de garantias, não deve ser o influenciador digital responsabilizado, vez que não agiu como garantidor daquilo que divulgou, podendo ser adotada, a publicidade de palco, que serviria como uma espécie de excludente de responsabilidade, tanto no que concerne ao Código Civil, quanto no atinente ao Código de Defesa do Consumidor.

Sendo assim, ante às diversas correntes existentes sobre o tema, torna-se necessária a criação de uma legislação específica, que tutele de forma direta a atividade publicitária exercida pelo influenciador digital, com o fito de evitar decisões completamente diferentes, em casos semelhantes, garantindo, assim, maior previsibilidade das sentenças relacionadas ao tema, objetivando maior segurança jurídica aos litigantes de processos judiciais.

Por fim, fato é que a atividade publicitária exercida pelo influenciador digital, muito embora não seja regulamentada por uma legislação específica, pode lhe acarretar responsabilização no âmbito jurídico caso seja ilícita, ou venha, de certa forma, causar danos aos consumidores, promovendo produto ou serviço danoso e prestando garantia sobre esses.


6. REFERÊNCIAS

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SANTOS, Rafaella Colins Mariz dos. A responsabilidade civil e os influenciadores digitais. Brasília, 2022. Disponível em: https://encurtador.com.br/fjrxE

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Sobre os autores
Fábio Ferreira Bueno

Possui graduação em Direito pela Universidade Paranaense - UNIPAR (1997). Pós-graduação em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Paranaense - UNIPAR (2001). Mestrado em Direito Processual e Cidadania pela Universidade Paranaense - UNIPAR (2005). Advogado em exercício desde 1998. Foi docente da Escola da Magistratura do Paraná. É Professor da Universidade Paranaense - UNIPAR, Umuarama/PR, no Curso de Graduação em Direito, desde 2000, ministrando as disciplinas de Direitos Difusos e Coletivos e Direito Processual Civil. Professor em cursos de Pós-graduação ofertados pela Universidade Paranaense - UNIPAR.

Vinicius Augusto Viscardi Rodrigues

Acadêmico do Curso de Direito da Universidade Paranaense - UNIPAR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BUENO, Fábio Ferreira ; RODRIGUES, Vinicius Augusto Viscardi. A responsabilidade civil dos influenciadores digitais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7521, 3 fev. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/108280. Acesso em: 28 abr. 2024.

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