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Corrupção: prevenção como forma de vida

14/01/2008 às 00:00
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É na contraposição inevitável entre o bem individual e o bem comum que se encontra a razão de ser da situação calamitosa que estamos tratando: a corrupção. De fato, existe uma tendência muito forte para o bem individual se sobrepor ao comum, procurando cada qual tirar vantagem da própria posição em detrimento dos demais e do próprio grupo como um todo.

Não me estenderei aqui, por ocioso, sobre os malefícios da corrupção. Essa triste realidade de nossos tempos já é por demais conhecida de todos, e por certo sobre ela se manifestarão mais profundamente outros participantes desta Conferência Internacional. Só direi que esses males atingem especialmente os países menos desenvolvidos, aqueles que mais têm condições de sentir na própria carne seus efeitos danosos. Para ficarmos apenas na área da saúde, considere-se que a Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula que 25% dos medicamentos adquiridos por governos nas diversas partes do planeta são desviados de seus objetivos em proveito de fins escusos, e nada menos do que 60% deles somente chegam aos hospitais depois de terem sido filtrados por esquemas de corrupção [1].

A corrupção, de um modo ou de outro, em maior ou menor grau, sempre existiu na História da Humanidade, em todos os regimes políticos e econômicos e, infelizmente, sempre existirá. A tendência à corrupção é, pode-se dizer, inerente à nossa condição humana. Não se trata de uma doença esporádica nas sociedades, mas de um mal crônico, uma fraqueza congênita que, em certas épocas, pode até parecer extinta em algumas comunidades particularmente privilegiadas, mas cuja existência, mais cedo ou mais tarde, tornar-se-á patente.

Dessa doença crônica, estamos presenciando, na atual fase histórica, em âmbito mundial, uma crise de excepcional gravidade e intensidade. Entre os muitos fatores que favorecem esse lamentável fato, podemos lembrar o aumento da população, a intensificação do comércio interno e externo no mundo inteiro, o crescimento do meio circulante, a facilidade de comunicações e das transações comerciais, com recursos tecnológicos cada vez mais avançados e generalizados. Uma particularidade da atual situação negativa em termos de improbidade, que a agrava sobremaneira, é que cada vez mais se generaliza a tendência, por parte de muitos, de ver a corrupção já não como algo que deva ser evitado e combatido à outrance, mas como conduta tão inevitável e inseparável da política e da administração que, em última análise, a sociedade civil já não a censura e até a desculpa, ou com a qual pelo menos se habituou a conviver. Essa transformação axiológica profunda, notória nas entranhas da sociedade em vários países, denota um enfraquecimento realmente preocupante dos valores éticos – sobretudo para nós, professores e educadores, que temos a responsabilidade de preparar as gerações futuras para prosseguirem, depois da nossa, a dura busca da Humanidade por uma perfeição sempre sonhada e jamais alcançada.

São, pois, muito louváveis e necessários os esforços da Organização das Nações Unidas (ONU) no sentido da prevenção à corrupção. A Convenção da ONU contra a Corrupção, aprovada por unanimidade pela Assembléia Geral da Organização, entrou em vigor em dezembro de 2005. Foi assinada por 140 nações e 63 já a ratificaram. A realização da presente Conferência Internacional, promovida por prestigiosas entidades do âmbito da ONU, em cooperação com a Fundação Courmayeur, e destinada precisamente a estudar a luta contra esse mal enquanto meio habitual de vida, insere-se no conjunto desses esforços. Diz muito bem o programa da Conferência que, dada a amplitude do mal a ser combatido, não bastam medidas legislativas contra ele, mas faz-se indispensável "o surgimento de uma nova cultura contra a corrupção", para a qual trabalhem juntos "governos, a imprensa, a sociedade civil, a Universidade e o setor privado". De bom grado concorro comunicando algo de minha experiência como professor e educador.


As profundas origens da corrupção

No fundo, por trás da questão da corrupção, encontraremos o velhíssimo e sempre presente tema do entrechoque – quase dialeticamente inevitável – entre o bem individual e o bem comum.

É próprio da natureza humana que cada indivíduo busque, acima de tudo, o seu próprio bem pessoal. Isso decorre da essência racional e livre do homem e constitui o fundamento do trabalho, da riqueza, do bem-estar, enfim, de tudo aquilo que significa dignidade. Uma sociedade cujos indivíduos fossem coagidos no seu legítimo direito de procurar seus próprios bens pessoais seria, sem dúvida, um agrupamento doente, um imenso cárcere, odioso e antinatural. O bem individual, entretanto, não pode ser entendido sob um prisma extremado, a ponto de lesar o bem dos outros indivíduos nem o da comunidade como um todo, também chamado de bem comum.

À primeira vista, pareceria que, se cada um desejasse o próprio bem, todos lucrariam e o bem comum já estaria suficientemente atendido. Essa ótica é um tanto simplista, visto que o bem comum não é a mera soma dos bens individuais, mas algo que transcende muito tal resultado.

Se quisermos procurar os fundamentos dessa afirmação, não será difícil achá-los nos três grandes mestres da Filosofia grega – Sócrates, Platão e Aristóteles – que assentaram as bases de todo o pensamento ocidental e que ainda hoje, decorridos bem mais de dois milênios, conservam impressionante atualidade.

Na sua Política, o estagirita compôs, a partir de um estudo de casos inteiramente empírico e documentado, o primeiro tratado formal de Ciência Política, com notáveis incursões em uma outra ciência que se corporificaria, em fins do século XIX, com o nome de Sociologia. Quando Filipe, Rei da Macedônia, pediu-lhe que escrevesse sobre o governo dos povos, Aristóteles não quis produzir uma obra teórica e cerebrina, a partir de lucubrações pessoais. Valendo-se das facilidades econômicas que lhe proporcionava o rei, porém, enviou mensageiros a todo o mundo então conhecido, com instruções para que redigissem relatos minuciosos de como se governavam os mais diversos povos e comunidades políticas. De posse de aproximadamente 230 relatórios, estudou-os detidamente e, somente então, teorizou a sua célebre Política, que, na Idade Média, foi ainda mais sistematizada e desenvolvida pelo grande gênio de Santo Tomás de Aquino, autor, entre muitas outras obras, do famoso tratado De Regimine Principum.

De acordo com o pensamento aristotélico-tomista, o bem comum e o bem particular de uma pessoa "não diferem somente como o muito do pouco, mas por uma diferença formal", já que o bem individual divide, ao passo que o bem comum une. O primeiro tem uma força centrífuga; o segundo a tem centrípeta [2], de tal sorte que, ainda mesmo quando o bem comum de uma sociedade é legítimo e são igualmente legítimos os bens dos indivíduos que a compõem, sempre pode haver oposição entre estes e aquele. Daí, conclui o aquinate, baseado no antigo mestre grego, a necessidade de haver governo entre os homens, pois ainda que todos fossem perfeitos, cada um cuidaria do que é seu antes de pensar no bem comum.

No meu modo de entender, é nessa contraposição inevitável entre o bem individual e o bem comum que se encontra a razão de ser da situação calamitosa que estamos tratando: a corrupção. De fato, existe uma tendência muito forte para o bem individual se sobrepor ao comum, procurando cada qual tirar vantagem da própria posição em detrimento dos demais e do próprio grupo como um todo. Em certos casos, para o indivíduo colocado pelas circunstâncias em uma posição na qual deva gerir o interesse comum – como governante, agente do governo, seja de que nível for, no âmbito do Executivo, Legislativo ou Judiciário ou, ainda, como negociador ou intermediário de contratos –, é muito difícil esquecer o interesse privado. Uma propina, uma comissão extra não contabilizada, um "presente de cortesia" representam sempre uma grande tentação. A partir daí, a rampa descendente não tem mais fim.

É teoricamente possível, mas é muito difícil, o desinteresse total de um indivíduo alçado ao poder, no que diz respeito aos seus interesses particulares, de sua família, de seu grupo político. Daí a veracidade do velho dito atribuído a Lord Acton, de que "power tends to corrupt, and absolute power corrupts absolutely" (o poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente).


Corrupção: prevenção e repressão

Sendo, como ficou consignado, tão inevitável a tendência à prática da corrupção, devemos desde logo descartar, para o terreno das utopias, quaisquer veleidades de sua eliminação total, pura e simples. Ela é como a doença, a pobreza ou a infelicidade: nós as sentimos, as lamentamos, as combatemos, desejaríamos que não houvesse, mas sabemos que existem e são inevitáveis. Devemos prevenir e reprimir acerrimamente esses males do modo mais inteligente, eficaz e aplicado que possamos, mas sem ter a pretensão infantil de vermos seu fim.


Como fazê-lo?

A princípio, atuando no plano legislativo; em seguida, mediante o pleno funcionamento dos mecanismos governamentais de controle às finanças públicas, pela mobilização da sociedade civil no sentido de fiscalizar tais finanças, e também pelo revigoramento dos princípios éticos que parecem tão esquecidos em nossos tempos.

a) No âmbito legislativo

Antes de mais nada, deve-se reprimir a corrupção pela utilização dos instrumentos legais pertinentes ao caso e pela elaboração de novas leis, sempre que se tornarem necessárias: o legislador deve estar atento aos abusos cometidos, suas novas formas de execução, procurando, por mecanismos legais, coibi-los e puni-los com rigor.

Já nos tempos antigos, a legislação dos povos patenteava a preocupação de fiscalizar o exercício de funções públicas, a fim de evitar deslizes. No velho mundo romano, havia disposições muito claras a respeito, e análogos dispositivos encontram-se em muitas legislações do Ocidente e do Oriente. Por vezes, essa fiscalização atingia extremos realmente espantosos. Na República de Veneza, na Idade Média, o poder era nominalmente exercido pelo Doge, mas de fato o concretizavam diversas câmaras compostas por muitas pessoas, as quais equilibravam sua influência e se fiscalizavam umas às outras. Em casos de guerra ou de grave calamidade pública, obviamente, a multiplicidade de cabeças decidindo se tornava prejudicial. Atribuía-se, então, excepcionalmente e a título temporário, poder absoluto ao Doge, durante o período indispensável para o restabelecimento da normalidade. Uma vez repostas as coisas no seu estado habitual, o Doge devia renunciar e cumprir pena de prisão, para ser investigado com o maior rigor sobre o uso que fizera da autoridade absoluta.

Mesmo sem chegar a esses extremos, numerosos países modernos têm, nas últimas décadas, instituído leis muito severas e até draconianas para lutar contra a corrupção. Antigamente, o combate legislativo à corrupção podia ser feito meramente por leis nacionais, na esfera de cada país. O processo de globalização, sobre o qual já se falou anteriormente, exige medidas mais amplas na esfera internacional e, nesse sentido, cabe mais uma vez realçar a importância e oportunidade dos esforços da ONU.

b) No âmbito dos mecanismos governamentais controladores da sociedade

Em segundo lugar, devem ser incentivados os mecanismos de defesa da economia pública previstos no âmbito governamental. Estão nesse número os órgãos do Poder Legislativo – seja no plano nacional, estadual, provincial ou municipal – habitualmente encarregados de examinar o orçamento de gastos do Governo para o ano seguinte. Igualmente, os chamados Tribunais de Contas – organismos do Poder Legislativo encarregados, por dispositivo constitucional, de examinar, a posteriori, a aplicação das verbas, em adequação ao orçamento previamente aprovado – e também o Ministério Público (a Fiscalía, nos países de tradição hispânica) que, representando a sociedade civil, pode e deve zelar pela boa aplicação das verbas públicas de acordo com a legislação vigente, até mesmo, se necessário, acionando o Estado em defesa da sociedade.

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É muito importante, para a sanidade geral da coisa pública, que todos esses organismos gozem da mais plena liberdade para o exercício das funções que lhe são próprias, de modo a ser integralmente preservada a independência dos três Poderes e radicalmente proibida a interferência abusiva de um deles sobre os demais.

c) No âmbito da sociedade civil

A sociedade civil também deve ser estimulada a tomar uma atitude crítica e vigilante em relação à aplicação dos fundos do erário público. Apelos, partindo diretamente da sociedade ao Judiciário, por meio, por exemplo, das chamadas ações civis públicas, têm papel relevante nessa indispensável vigilância. Igualmente tem enorme importância a existência de uma imprensa livre, a ponto de ser designada informalmente por muitos autores de "o Quarto Poder" do Estado.

"A imprensa é a vista da nação. Por ela é que a nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que sonegam ou roubam, percebe onde lhe alvejam ou nodoam, mede o que lhe cerceiam ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que a ameaça" – escreveu a propósito Ruy Barbosa, um dos grandes luminares das letras jurídicas do Brasil [3].

Podem também ser de grande valia as Organizações Não-Governamentais (ONGs) que articulem e mobilizem a sociedade civil. Internacionalmente, é digno de nota o trabalho desenvolvido pela Transparency International (TI), ONG que mede, ano a ano, os índices de corrupção no mundo inteiro, apresentando um ranking e utilizando uma metodologia própria para a avaliação [4].

d) Importância dos valores éticos e morais

Por fim, the last but not the least, é preciso combater a corrupção pelo revigoramento dos princípios éticos e morais, de maneira a opor uma sólida barreira a quaisquer concessões que os violem ou atinjam. Esse é um ponto de primordial importância para o estabelecimento da verdadeira "cultura contra a corrupção", visada pelos organizadores desta Conferência Internacional, de modo a constituir tal objetivo uma "forma de vida".

É neste ponto que eu, como professor e educador há décadas, julgo ter algo a dizer.

Sou de um tempo em que as crianças eram educadas em casa e instruídas na escola, na estrita observância de princípios éticos e morais. Independentemente de qual se professa, a Religião tem importante papel nesse particular – as crianças aprendiam que pessoas de bem devem respeitar determinados princípios de boa convivência, não lesando o próximo.

As regras do velho Direito Romano, que estabeleceu a fórmula lapidar de "alterum non laedere et suum cuique tribuere" (não lesar a outrem e atribuir a cada qual o que lhe é devido), achavam-se entranhadas em nossa sociedade. Assim, até mesmo nossas mães, nossas avós, professoras de escola primária, que jamais o estudaram, ensinavam-nos que não é correto ficar com o que não nos pertence, que não é lícito tirar vantagens pessoais em detrimento de outras pessoas.

Quantas vezes, na minha infância, vi mães – a minha ou a de meus colegas – mandando seus filhos de volta a uma padaria ou a um empório para devolver uma insignificante quantia que, por engano ou bondade do comerciante, fora mandada a mais no troco. Em uma sociedade assim formada, por certo já havia corrupção, mas ela era encolhida, envergonhada, sentia necessidade de se esconder, hipocritamente, sob o manto da virtude. "A hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude" – escreveu La Rochefoucauld.

A hipocrisia, sem dúvida, é algo muito ruim. Pior ocorre quando os valores morais estão de tal modo corroídos que o delinqüente nem mais sente necessidade de ser hipócrita. Ora, precisamente a esse ponto chegou a sociedade moderna nas últimas décadas, em um processo cujas etapas e causas seria demasiado longo estudar aqui, mas que é patente aos olhos de todos nos mais diversos países.

Um exemplo entre muitos outros: há cerca de três anos, em São Paulo, um varredor de metrô encontrou um pacote perdido contendo vultosa quantia em dólares e sem nenhuma indicação que permitisse encontrar seu dono. Consciencioso, procurou a direção do Metrô e entregou o achado. O fato, que em outros tempos pareceria absolutamente corriqueiro e normal, foi amplamente noticiado pela imprensa, e o varredor viu-se transformado, por sua honestidade surpreendente para a nossa época, em objeto das atenções do Brasil inteiro. Entrevistado pelos grandes jornais, apareceu na TV como herói e foi condecorado pelo Presidente da República. O mais espantoso é que pesquisas de opinião, realizadas a propósito do fato, revelaram que a imensa maioria dos entrevistados, em iguais circunstâncias, teria embolsado o dinheiro e a ninguém contaria o ocorrido.

Há alguns anos, uma emissora brasileira de TV, em um programa chamado Você decide, após narrar a história de um homem que havia encontrado no lixo uma grande quantidade de dinheiro, lançou uma pergunta: você ficaria com a quantia ou a devolveria ao dono? Setenta e cinco por cento das respostas, entre milhares, foram no sentido da não-devolução.

O episódio da vida real e o questionamento coletivo são suficientes para ilustrar uma imensa transformação psicológica, ou psicossociológica, ocorrida em numerosos países.

Se queremos prevenir eficazmente a corrupção administrativa, se pretendemos fazer desse desejo uma verdadeira forma de vida, é indispensável revalorizar os princípios éticos e morais. Somente quando tais princípios estiverem regendo estável e habitualmente nossas vidas privadas, no seu dia-a-dia, haverá condições mínimas para, na esfera da vida pública, ser lançado um movimento eficaz contra a corrupção. Essa revalorização constitui, a meu ver, um verdadeiro desafio para as sociedades modernas. Se ela não for realizada, é de se temer que, cada vez mais, prevaleça a iníqua lei das selvas, em que homo homini lupus.

Pais de família, professores, ministros religiosos, filósofos, psicólogos, todos têm uma importante contribuição a dar para que esse desafio seja superado, e o mal, em parte vencido.

e) O papel formativo das grandes figuras nacionais

De minha parte, e mais uma vez pedindo vênia para lembrar uma simples e longa experiência profissional como professor, gostaria humildemente de chamar a atenção para um ponto concreto: o papel dos "grandes homens" em face das novas gerações e, de modo particular, na formação de lideranças – tema específico desta comunicação.

No passado, um elemento destacado na educação dos jovens era a exaltação das grandes figuras pátrias que se haviam salientado pelo seu idealismo e por sua dedicação ao bem comum. Os "varões ilustres" biografados por Plutarco, por exemplo, constituíram modelos humanos que formaram os jovens por séculos a fio, tanto na Antigüidade quanto nos Tempos Modernos. Sem dúvida, Plutarco idealizou seus heróis, apresentando-os sem jaça, quase semideuses, ao arrepio de uma crítica histórica menos complacente. Isso, entretanto, não tira nem um pouco o imenso mérito de sua obra, que produziu os melhores frutos. Por meio da admiração, os princípios éticos e morais representados por aqueles heróis eram assimilados pelos jovens e influenciavam beneficamente suas vidas e, de modo mais amplo, toda a sociedade.

Na realidade, um bom exemplo de vida convence mais do que um longo arrazoado doutrinário, do que um pomposo sermão... "Longum iter est per praecepta, breve et efficax per exempla" (o caminho da sabedoria é longo pelos preceitos, é breve e eficaz pelos exemplos), ensinou Sêneca.

No mesmo sentido, cantou Longfellow:

"Lives of great men all remind us.

We can make our lives sublime,

And, departing leave behind us,

Footsprints on the sands of time." [5]

Ora, em livros escolares de meu País – tenho informações preocupantes que mostram que essa é uma tendência generalizada em muitos outros países –, com freqüência, nos últimos anos, figuras consagradas de personagens históricos são caricaturizadas e ridicularizadas. Com o pretexto de que é preciso despertar o senso crítico nos jovens, "reescreve-se" a História de um modo destrutivo, que tem precisamente o efeito contrário ao dos escritos de Plutarco: em vez de predispor os espíritos para a prática de grandes feitos, predispõe-nos a aceitar o crime, o vício, a rapina, como algo natural e impossível de ser evitado. Seriados de televisão, quando tratam de temas históricos do passado, não raras vezes adotam o mesmo tom debochado, caricato e, ressalte-se, inteiramente gratuito e sem nenhuma base séria. Não posso deixar de externar minha profunda preocupação diante dessa tendência pelos males que já foram produzidos e pelos ainda piores que pode nos reservar o futuro.

Não gostaria de concluir minha modesta contribuição sem deixar registrado que nós, no âmbito da nossa Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus, em São Paulo, temos especial empenho em não apenas formar advogados mas, sim, juristas e cultores do Direito no sentido mais pleno da expressão, futuros dirigentes da sociedade, exponenciais de sua geração. E, assim, procuramos incutir em nossos alunos, o apreço e o amor aos princípios éticos e morais. Consideramos esse amor nem um pouco inferior ao conhecimento jurídico em si, e até mesmo algo intrinsecamente indissociável do verdadeiro espírito humano.

Acredito que, se todos nós, mestres e educadores, empenharmo-nos nesse particular, estaremos poderosamente colaborando com os esforços da humanidade para prevenir e reprimir a corrupção.


Notas

[1] Cf. CHADE, Jamil. OMS avaliará corrupção no País. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 1.º nov. 2006.

[2] Cf. Summa Theologica, II-IIae, q. 58, a.7, e De Regimine Principum, 6-7.

[3] A Imprensa e o Dever da Verdade, apud RÓNAI, Paulo. Dicionário Universal Nova Fronteira de Citações. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

[4] Em novembro de 2006, a TI divulgou seu levantamento correspondente ao ano corrente (2006), ficando meu País, o Brasil, em um pouco honroso 70.º lugar no ranking da corrupção. Em uma escala de 0 a 10, na qual o melhor desempenho anticorrupção coube à Finlândia, Islândia e Nova Zelândia (empatadas com nota 9,6), o Brasil obteve apenas nota 3,3 (cf. LEAL, Luciana Nunes. Brasil fica em 70.º no ranking da corrupção. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 7 nov. 2006).

[5] As vidas dos grandes homens lembram-nos/Que podemos tornar nossas vidas sublimes,/E, ao partirmos, deixar atrás de nós/Pegadas na areia do tempo. LONGFELLOW. In: Um salmo de vida.

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Sobre o autor
Damásio E. de Jesus

advogado em São Paulo, autor de diversas obras, presidente do Complexo Jurídico Damásio de Jesus

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JESUS, Damásio .. Corrupção: prevenção como forma de vida. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1657, 14 jan. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10848. Acesso em: 23 nov. 2024.

Mais informações

Comunicação do autor à Conferência Internacional sobre a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção como Forma de Vida, em Courmayeur Mont Blanc, Itália, de 15 a 17 de dezembro de 2006, a convite do International Scientific and Professional Advisory Council of the United Nations, Crime Prevention and Criminal Justice Programme (ISPAC).<br>Originalmente publicado em <a href="http://www.damasio.com.br/">www.damasio.com.br</a>, reproduzido mediante permissão.

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