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Princípios constitucionais da administração pública e a Lei nº 9.784/1999.

A nacionalização da legislação de regência do processo administrativo brasileiro

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20/01/2008 às 00:00
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2 A LEI FEDERAL Nº 9.784, DE 29 DE JANEIRO DE 1999

A Lei nº 9.784, editada em 29 de janeiro de 1999, foi introduzida no ordenamento jurídico pátrio justo para regular o processo administrativo na esfera da Administração Pública Federal direta e indireta. É o que se depreende da dicção do art. 1º, caput, no Capítulo I "Das Disposições Gerais", como a seguir se transcreve:

Esta Lei estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração (BRASIL, 2005, p. 736).

É cediço que a Administração Pública, para edição de seus atos, controle da conduta de seus agentes e solução de controvérsias dos administrados em geral vale-se de diferentes procedimentos ou fases, disciplinados pelo ordenamento jurídico, comumente denominados de processo ou procedimento administrativo (MEIRELLES, 2003, p. 655).

Sobre a importância do processo administrativo no Estado Democrático de Direito, importante mencionar os ensinamentos de Ferreira (2004, p. 11-12):

A Constituição da República, atendendo aos anseios contemporâneos oriundos da vetusta e conflituosa relação entre Estado e indivíduo, entre interesse público e interesse privado, afirmou, logo no art. 1º, que nossa República constitui-se em Estado Democrático de Direito, no qual o poder emana do povo, tendo como um dos objetivos a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. [...]

Assim, no Estado Democrático de Direito, o processo administrativo exsurge como um instrumento que se presta a duas finalidades, garantir, de um lado, a proteção dos direitos dos administrados e, portanto, sua participação na formação da vontade estatal, e, de outro, o melhor cumprimento dos fins da Administração [grifos nossos].

Apesar da importância do processo administrativo no Estado Democrático de Direito, Ferreira (2004, p. 13) alerta para o incompreensível desdém do legislador pátrio para com esse fundamental instrumento de garantia e de proteção dos direitos fundamentais dos administrados, haja vista que a Carta Magna foi promulgada em 1988, portanto, mais de uma década antes da edição da Lei nº 9.784/99. Nas palavras do autor:

A lei que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal foi editada somente em meados de 1999, o que mostra a patente falta de atenção de nossos legisladores acerca do instrumento hábil a garantir, de um lado, o eficiente exercício das finalidades da Administração e, de outro, os direitos dos administrados ante as prerrogativas públicas [grifos nossos].

De fato, em razão de o processo administrativo ser um importante instrumento de garantia de direitos dos administrados assegurados constitucionalmente, não se pode conceber que somente depois de onze anos da promulgação da Constituição de 1988, uma norma federal tenha sido editada para definir seus princípios e normas gerais de regência. Pior ainda é a falta de edição de uma norma nacional a esse respeito - idéia que se defende neste trabalho -, pois é inaceitável a existência de tratamento jurídico diverso, no âmbito das Administrações Públicas dos entes federados, como de fato existe, com relação a normas que se destinam, por meio do processo administrativo, a assegurar os pertinentes direitos e garantias fundamentais do cidadão e a observância de princípios constitucionais fundamentais.

Exemplo que corrobora a assertiva acima é o fato de que no Estado de Santa Catarina existem três normas estatutárias que regulam a vida funcional dos seus servidores públicos civis, dentro das quais estão inseridas regras relativas ao processo administrativo (em especial ao processo disciplinar), que possuem distinções e omissões entre si, sem contar a lei estatutária dos militares estaduais. Ora, se os direitos fundamentais dos cidadãos e os princípios constitucionais da Administração Pública das entidades federadas são comuns a todos, não é possível admitir a existência de tratamento jurídico diferenciado por parte do ordenamento jurídico, sob pena de referidos cânones constitucionais serem, na prática, ineficazes.

2.1 O Processo Administrativo. Conceito e distinção entre processo e procedimento.

Meirelles (2000, p. 628) apresenta, de forma explícita e concisa, os conceitos de processo e de procedimento no âmbito administrativo, assim como a distinção entre ambos. Nas palavras do autor:

Processo e ProcedimentoProcesso é o conjunto de atos coordenados para a obtenção de decisão sobre uma controvérsia no âmbito judicial ou administrativo; procedimento é o modo de realização do processo, ou seja, o rito processual.

O processo, portanto, pode realizar-se por diferentes procedimentos, consoante a natureza da questão a decidir e os objetivos da decisão. Observamos, ainda, que não há processo sem procedimento, mas há procedimentos administrativos que não constituem processo, como p. ex. os de licitação e concursos. O que caracteriza o processo é o ordenamento de atos para a solução de uma controvérsia; o que tipifica o procedimento de um processo é o modo específico do ordenamento desses atos. [grifos do autor].

Como mencionado, a distinção é incontroversa, ou seja, não exige maiores digressões a respeito. Basta enfatizar, no entanto, que na prática utiliza-se comumente o termo processo, tanto para fazer referência ao processo propriamente dito, como ao procedimento, inclusive, o ordenamento jurídico pátrio assim o admite.

Em rigor, dada a clareza da distinção entre ambos, entende-se que tal falha devesse ser evitada para não causar possíveis confusões de ordem teórica e prática quando da aplicação por parte dos juristas.

2.2 Distinção entre processo e procedimento no âmbito da competência constitucional para legislar.

A conceituação de processo e procedimento administrativo e a distinção respectiva, consoante as apresentadas, apesar de não serem cruciais, possuem importância para as conclusões da presente pesquisas, como adiante se demonstrará.

Não obstante, da mesma maneira como a doutrina reporta, a CRFB/88 também apresenta em seu contexto tal distinção terminológica. É o que se observa no Capítulo em que dispõe sobre as competências legislativas dos entes federados, mais especificamente, em seus artigos 22, I e 24, XI.

Nas transcrições desses preceitos nota-se a realidade jurídico-normativa, in verbis:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre

I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;

[...]

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

[...]

XI – procedimentos em matéria processual [grifos nossos] (BRASIL, 2005, p. 24,26).

Na introdução deste estudo foram apresentados alguns dispositivos constitucionais que apontam, explicitamente, as expressões "processo" ou "processo administrativo". Bem a propósito, não se poderia deixar de citar os preceitos constitucionais nos quais se pode observar o emprego do termo "procedimento", como instrumento de garantia de direito fundamental individual, inclusive, tema a ser abordado na seção seguinte.

A título de exemplo, são as hipóteses dos seguintes artigos: 5º, XXIV [08]; 24, XI [09]; 41, III [10]; 93, II, "d" [11]; 98,I [12]; 184, § 3º [13].

Sobre essa questão terminológica que poderia, em tese, causar obstáculos para se encontrar o caminho mais adequado à nacionalização da legislação de regência do processo administrativo no Brasil, os doutrinadores pátrios já se manifestam.

Nesse sentido Ferreira (2004, p. 14), assim preleciona:

Ao que parece, a doutrina vem uniformizando o uso da terminologia processo administrativo para designar o fenômeno da sucessão lógica e encadeada de atos administrativos tendentes a um resultado final e conclusivo, bem como a de procedimento para identificar o iter que vai da instauração à decisão do processo, ou seja, o rito formal.

Nesse contexto, além de o processo não ser privativo da função jurisdicional, e sim extensivo ao campo das funções legislativa e administrativa por razões lógicas apontadas pela doutrina moderna, também razões de cunho positivista impostas pelos legisladores constituinte e originário nos levam a crer que a terminologia adequada para tratar o objeto da lei em questão é processo.

Não obstante, mesmo reconhecendo a distinção atual e defendendo o melhor uso do termo processo, o ínclito jurista Celso Antônio Bandeira de Mello acaba utilizando aludidas expressões como sinônimos fossem, em respeito à consagração histórica da nomenclatura procedimento no Direito Administrativo.

Nesse passo, é importante observar que não há processo sem procedimento, e que o processo pode realizar-se por diferentes procedimentos, dependendo da natureza da questão a decidir e os objetivos da decisão.

Logo, uma vez ausente qualquer efeito pragmático na presente discussão, compartilhamos da advertência feita pelo pré-citado mestre Celso Antônio Bandeira de Mello de que ’não é o caso de armar-se um cavalo de batalha em torno de rótulos’ [grifos nossos].

Com efeito, a discussão que ser quer provocar no presente trabalho monográfico, a par das distinções terminológicas existentes na doutrina e do emprego oportuno e com significados diversos na CRFB/88, não passa pela modificação pura e simples do texto de um ou de ambos preceitos constitucionais transcritos nesta seção 2.2 (artigos 22, I, e 24, XI), ou mesmo de outros nela inseridos.

Em rigor, é necessário buscar outra alternativa de modificação constitucional (como a inclusão de inciso de teor semelhante ao do art. 22, XXVII, da CRFB/88), obedecendo-se, sempre, o âmbito de competência constitucional para legislar dos entes federados, a fim de que se chegue, in concreto, à compilação, à uniformização e, via de conseqüência, à nacionalização dos princípios fundamentais e normais gerais que regem o processo administrativo.

2.3 A previsão constitucional do processo administrativo como instrumento de direito e garantia fundamental individual

Como já asseverado, o processo administrativo foi alçado à condição de norma constitucional e inserido no Título relativo aos "Direitos e Garantias Fundamentais", no Capítulo que trata dos "Direitos e Deveres Individuais e Coletivos".

Pelo que se observa, não há, no meio jurídico, quaisquer dúvidas sobre a importância e a relevância do atual status constitucional do processo administrativo para a Administração Pública e, em especial, para os administrados.

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Moreira (2003, p. 63-64) demonstra, de forma bem precisa, que o processo administrativo é um indispensável instrumento garantidor dos direitos individuais dos administrados. É o que se depreende dos seguintes ensinamentos:

A existência e a celebração do processo administrativo fazem parte da busca por um Estado Democrático de Direito. È atividade pela qual o particular contribui com a formação da ‘vontade’ estatal, de forma direta e imediata. Como decidiu o Tribunal Regional Federal da 5ª Região: ‘A homenagem ao devido processo legal é um comportamento da Administração Pública que se insere no cultivo à democracia e respeito ao direito do cidadão’.

Talvez a atividade processual seja a maneira mais democrática de se chegar à prolatação de um ato administrativo. Então, o processo caracteriza-se como instrumento de garantia dos direitos individuais. Ao administrado não será apenas dado o dever de submeter-se aos atos estatais, pois o caminho processual prestar-se-á a proteger o direito material dos particulares.

Daí porque o processo não merece ser vislumbrado unicamente como ‘rito’ ou ’procedimento’. Ao serem utilizados tais termos, é imediata a conexão a idéias puramente formais. Através do processo administrativo não se pretende mera proteção a prazos, publicações, vistas, protocolos e demais perfis burocráticos da atividade estatal. O processo é instrumento de participação, proteção e garantia dos direitos individuais. Caso prestigiado, o cidadão terá convicção de que o ato administrativo é legítimo e perfeito. [...]

O processo administrativo pode ser encarado sob duas ópticas: (a) rito e seqüência de atos meramente formais, a serem obedecidos pelos agentes, sem qualquer finalidade substancial; e (b) instrumento de garantia e satisfação dos direitos individuais celebrados na Constituição e leis infraconstitucionais. Essa segunda visão – que não descarta, mas contém, a primeira – parece-nos a única que deve ser prestigiada pela ciência do Direito [grifos nossos].

Isso posto, é importante discorrer com mais atenção sobre os direitos e garantias fundamentais das pessoas, em especial, acerca dos direitos e deveres individuais e coletivos, digressão que emerge a seguir.

2.4 Direitos e garantias fundamentais e direitos e deveres individuais e coletivos. Breves considerações

Muito se pode discutir sobre a questão dos direitos e garantias fundamentais e direitos e deveres individuais e coletivos, sobretudo quando se analisam os bens da vida da sociedade contemporânea. No entanto, para o presente estudo, importam apenas breves considerações necessárias para demonstrar o nível de importância que assumiu o processo administrativo no ordenamento jurídico brasileiro, após a promulgação da CRFB/88.

Branco (2005, p. 40-41) realiza importante análise das dimensões subjetiva e objetiva dos direitos fundamentais e das conseqüências delas despontadas para o ordenamento jurídico e para os seus destinatários. O autor discorre, exaustivamente, da seguinte maneira:

A dimensão subjetiva dos direitos fundamentais corresponde à característica desses direitos de, em maior ou menor escala, ensejarem uma pretensão a que se adote um dado comportamento ou um poder da vontade de produzir efeitos sobre certas relações jurídicas.

Nessa perspectiva, os direitos fundamentais correspondem à exigência de uma ação negativa (em especial, de respeito ao espaço de liberdade do indivíduo) ou positiva de outrem, e, ainda, correspondem a competências – em que não se cogita de exigir comportamento ativo ou omissivo de outrem, mas do poder de modificar-lhes as posições jurídicas.

Conquanto essa seja a perspectiva de maior realce dos direitos fundamentais, ela convive com uma dimensão objetiva – ambas mantendo uma relação de remissão e de complemento recíproco.

A dimensão objetiva resulta do significado dos direitos fundamentais como princípios básicos da ordem constitucional. Os direitos fundamentais são da essência do Estado de Direito Democrático, operando como limite do poder e como diretriz para a sua ação. As constituições democráticas assumem um sistema de valores que os direitos fundamentais revelam e positivam. Esse fenômeno faz com que os direitos fundamentais influam sobre todo o ordenamento jurídico, servindo de norte para a ação de todos os poderes constituídos.

Os direitos fundamentais, assim, transcendem a perspectiva da garantia de posições individuais, para alcançar a estatura de normas que filtram os valores básicos da sociedade política e os expandem para todo o direito positivo. Formam, pois, a base do ordenamento jurídico de um Estado Democrático [grifos nossos].

Sobre as conseqüências da dimensão objetiva o mesmo autor ainda preleciona que:

Ela faz com que o direito fundamental não seja considerado exclusivamente sob perspectiva individualista, mas, igualmente, que o bem por ele tutelado seja visto como um valor em si, a ser preservado e fomentado.

A perspectiva objetiva, nesse sentido, legitima até restrições aos direitos subjetivos individuais, limitando o conteúdo e o alcance dos direitos fundamentais dos indivíduos em favor deles próprios. [...]

Outra importante conseqüência da dimensão objetiva dos direitos fundamentais está em ensejar um dever de proteção pelo Estado dos direitos fundamentais contra agressões dos próprios poderes públicos, provindas de particulares ou de outros Estados. [...]

Sob esse enfoque, os direitos de defesa apresentariam um aspecto de direito a prestação positiva, na medida em que a dimensão objetiva dos direitos fundamentais cobra a adoção de providências, quer materiais, quer jurídicas, de resguardo dos bens protegidos. Isso corrobora a assertiva de que a dimensão objetiva interfere na dimensão subjetiva dos direitos fundamentais, neste caso atribuindo-lhe reforço e efetividade.

Observe-se que esse mesmo propósito de reforço de posições jurídicas fundamentais pode exigir a elaboração de regulamentações restritivas de liberdades. [...]

Respeita-se, contudo, em princípio, a liberdade de conformação do legislador, a quem se reconhece discricionariedade na opção normativa tida como mais oportuna para a proteção dos direitos fundamentais. Cabe aos órgãos políticos, e não ao judiciário, indicar qual a medida a ser adotada para proteger os bens jurídicos abrangidos pelas normas definidoras de direitos fundamentais. A dimensão objetiva cria um direito a prestação associado a direito de defesa, e esse direito a prestação há de se sujeitar à liberdade de conformação dos órgãos políticos e ao condicionamento da reserva do possível. [...]

Além do dever de proteção dos direitos fundamentais, a sua dimensão objetiva desvenda, ainda, um sentido qualificativo [grifos do autor] das normas que os prevêem. Os enunciados normativos que proíbam ou dificultem a ação descrita na norma de direito fundamental são qualificados como inválidos, independentemente de chegarem a produzir, em concreto, constrangimento sobre algum indivíduo.

O aspecto objetivo dos direitos fundamentais leva, também, a que se lhes atribua uma eficácia irradiante, servindo de diretriz para a interpretação e aplicação das normas dos demais ramos do direito. Enseja, ainda, a discussão sobre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais – a eficácia desses direitos na esfera privada, no âmbito das relações entre particulares [grifos nossos] (BRANCO, 2005, p.41-42).

Vê-se, pois, a predominância que a dimensão objetiva dos direitos fundamentais exerce sobre a subjetiva, dada a sua relevância e aplicação prática em prol das garantias constitucionais conferidas aos cidadãos, realidade que, em última análise, de fato é o que importa, tendo em vista que esses são os seus verdadeiros destinatários.

Com relação, ainda, aos direitos fundamentais, Branco (2005, 42-45) apresenta distinta classificação, considerada de grande importância para os propósitos do presente estudo, conforme segue:

9. DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA: CLASSIFICAÇÃO

Conquanto a distinção dos direitos fundamentais conforme se refiram a direito a prestação ou a direito de defesa apresente notável utilidade prática, não foi esse o critério taxinômico adotado pelo constituinte. Conforme noticia José Afonso da Silva, o agrupamento dessas posições fundamentais buscou respaldo no seu conteúdo, na natureza do bem protegido.

Assim, segundo o autor, considerou-se num primeiro grupo a condição do homem-indivíduo, independente dos demais e do próprio Estado, daí resultando os direitos individuais. A situação do homem como membro de uma coletividade inspirou os direitos coletivos. Uns e outros foram enumerados no art. 5º da Constituição.[...]

9.1 Direitos Individuais e Direitos Coletivos

A Constituição cogita, no art. 5º, de direitos individuais e coletivos. Distingui-los a partir dos critérios da Constituição em vigor não é tarefa tranqüila, mas pode produzir conseqüências relevantes, na medida em que o art. 60, § 4º, da Constituição fala apenas em direitos individuais como cláusulas pétreas.

Uma classificação lastreada apenas na distinção entre homem-indivíduo e o homem na coletividade, embora represente um ponto de partida, nem sempre gera resultados seguros.

A Constituição abre o Capítulo I do Titulo dos Direitos e Garantias fundamentais para cuidar dos direitos individuais e coletivos, que estariam, assim, dispersos nos setenta e sete incisos do art. 5º, No entanto, também em outros capítulos do mesmo Título da Constituição encontram-se direitos que respondem a essa característica de se referirem ao homem enquanto integrante da coletividade. [...]

O certo é que o constituinte não deu entrada a uma definição precisa do que sejam os direitos coletivos. Não parece que o constituinte tenha desejado se referir aos direitos de titularidade coletiva. Direitos de titularidade entregue à coletividade são os direitos fundamentais de terceira geração, como o direito à paz, ao desenvolvimento, à autodeterminação dos povos, que não constam do art. 5º da Carta. O que há, ali, são direitos individuais de expressão coletiva, direitos de que o indivíduo é o titular, ainda que não possam ser exercitados pelos indivíduos isoladamente, ‘pressupondo a atuação convergente ou concertada de uma pluralidade de sujeitos’, como as liberdades de reunião e de associação. [...]

9.2 Direitos e garantias

No âmbito das classificações dos direitos fundamentais que resultam dos termos utilizados no Título II da Constituição, intenta-se distanciar os direitos das garantias [grifos do autor].

Há, no Estatuto Político, direitos que têm como objeto imediato um bem específico da pessoa (vida, honra, liberdade física). Há também outras normas que protegem esses direitos indiretamente, ao limitarem, por vezes procedimentalmente, o exercício do poder. São estas normas que dão origem aos direitos-garantia, as chamadas garantias fundamentais [grifos do autor].

As garantias fundamentais asseguram aos indivíduos a possibilidade de exigir dos poderes públicos o respeito ao direito que instrumentalizam. Vários direitos previstos nos incisos do art. 5º da Constituição se ajustam a esse conceito. Vejam-se, por exemplo, as normas ali consignadas de direito processual penal.

Nem sempre, contudo, a fronteira entre uma e outra categoria se mostra límpida – o que, na realidade, apresenta maior importância prática, uma vez que a nossa ordem constitucional confere tratamento unívoco aos direitos e garantias fundamentais [grifos nossos].

A classificação apresentada por Branco (2005) demonstra bem a relevância dos direitos e garantias fundamentais na ordem constitucional vigente e, independentemente de se classificar o processo administrativo como um direito ou uma garantia, individual ou coletivo, o que impende destacar é que a CRFB/88 preocupou-se em dar-lhes o mesmo tratamento jurídico, pelo simples fato (obviamente dentre muitos outros), de inseri-los em um mesmo Título.

No mesmo diapasão é o magistério de Mendes (2005, p. 01-03):

Se se pretende atribuir aos direitos individuais eficácia superior à de normas meramente programáticas, então devem-se identificar precisamente os contornos e limites de cada direito, isto é, a exata definição do seu âmbito de proteção

. Tal colocação já é suficiente para realçar o papel especial conferido ao legislador tanto na concretização de determinados direitos quanto no estabelecimento de eventuais limitações ou restrições. Evidentemente, não só o legislador, mas também os demais órgãos estatais com poderes normativos, judiciais ou administrativos cumprem uma importante tarefa na realização dos direitos fundamentais.

A Constituição brasileira de 1988 atribuiu significado ímpar aos direitos individuais. Já a colocação do catálogo dos direitos fundamentais no início do texto constitucional denota a intenção do constituinte de emprestar-lhes significado especial. A amplitude conferida ao texto, que se desdobra em setenta e sete incisos e dois parágrafos (art. 5º), reforça a impressão sobre a posição de destaque que o constituinte quis outorgar a esses direitos. A idéia de que os direitos individuais devem ter eficácia imediata ressalta a vinculação direta dos órgãos estatais a esses direitos e o seu dever de guardar-lhes estrita observância.

O constituinte reconheceu ainda que os direitos fundamentais são elementos integrantes da identidade e da continuidade da Constituição, considerando, por isso, ilegítima qualquer reforma constitucional tendente a suprimi-los (art. 60, § 4º).

A complexidade do sistema de direitos fundamentais recomenda que se envidem esforços no sentido de precisar os elementos essenciais dessa categoria de direitos, em especial no que concerne à identificação dos âmbitos de proteção e à imposição de restrições ou limitações legais.

Os direitos fundamentais são, a um só tempo, direitos subjetivos e elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva. Enquanto direitos subjetivos, os direitos fundamentais outorgam aos titulares a possibilidade de impor os seus interesses em face dos órgãos obrigados. Na sua dimensão como elemento fundamental da ordem constitucional objetiva, os direitos fundamentais – tanto aqueles que não asseguram, primariamente, um direito subjetivo quanto aqueloutros, concebidos como garantias individuais – formam a base do ordenamento jurídico de um Estado de Direito Democrático.

É verdade consabida, desde que Jellinek desenvolveu a sua Teoria dos quatro ‘status’, que os direitos fundamentais cumprem diferentes funções na ordem jurídica.

Na sua concepção tradicional, os direitos fundamentais são direitos de defesa (Abwehrrechte), destinados a proteger determinadas posições subjetivas contra a intervenção do Poder Público, seja pelo (a) não-impedimento da prática de determinado ato, seja pela (b) não-intervenção em situações subjetivas ou pela não-eliminação de posições jurídicas.

Nessa dimensão, os direitos fundamentais contêm disposições definidoras de uma competência negativa do Poder Público (negative Kompetenzbestimmung), que fica obrigado, assim, a respeitar o núcleo de liberdade constitucionalmente assegurado.

Outras normas consagram direitos a prestações de índole positiva (Leistungsrechte), que tanto podem referir-se a prestações fáticas de índole positiva (faktische positive Handlungen), quanto a prestações normativas de índole positiva (normative Handlungen).

Tal como observado por Hesse, a garantia de liberdade do indivíduo, que os direitos fundamentais pretendem assegurar, somente, é exitosa no contexto de uma sociedade livre. Por outro lado, uma sociedade livre pressupõe a liberdade dos indivíduos e cidadãos, aptos a decidir sobre as questões de seu interesse e responsáveis pelas questões centrais de interesse da comunidade. Essas características condicionam e tipificam, segundo Hesse, a estrutura e a função dos direitos fundamentais. Estes asseguram não apenas direitos subjetivos, mas também os princípios objetivos da ordem constitucional democrática. [grifos nossos].

Apresentadas tais considerações, fica fácil inferir a importância e o destacado status que atualmente se atribui ao processo administrativo na ordem jurídica pátria.

No capítulo que segue discorre-se sobre a relação direta e intrínseca existente entre os princípios constitucionais da Administração Pública e as normas contidas na Lei Federal nº 9.784/99.

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Sobre o autor
Adriano da Luz

Delegado de Polícia Civil no Estado de Santa Catarina. Especialista em Direito Constitucional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LUZ, Adriano. Princípios constitucionais da administração pública e a Lei nº 9.784/1999.: A nacionalização da legislação de regência do processo administrativo brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1663, 20 jan. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10871. Acesso em: 26 abr. 2024.

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