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Princípios constitucionais da administração pública e a Lei nº 9.784/1999.

A nacionalização da legislação de regência do processo administrativo brasileiro

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20/01/2008 às 00:00
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3 A RELAÇÃO ENTRE OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A LEI FEDERAL Nº 9.784/99

Ao iniciar o presente capítulo entende-se necessário apresentar um resumo do conteúdo normativo da Lei Federal nº 9.784/99, de modo a possibilitar uma visão global, ainda que singela, da pré-citada lei.

3.1 Resumo do conteúdo normativo da Lei Federal nº 9.784/99

Conforme mencionado alhures, a Lei Federal nº 9.784/99 dispõe sobre normas atinentes ao processo administrativo na esfera da Administração Pública federal.

As disposições contidas em referida lei são assim resumidas por Meirelles (2000, p. 629-630):

a) suas regras aplicam-se às três esferas de administração – Executivo, Legislativo e Judiciário (cf. § 1º do art. 1º) – e, obviamente, também ao Ministério Público e aos Tribunais de Contas.

b) exigência da indicação dos pressupostos de fato e de direito da decisão; observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados; adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados; garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio; proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei; e impulsão, de ofício, do processo, sem prejuízo da atuação dos interessados (art. 2º, parágrafo único, VII, VIII, IX, X, XI e XII);

c) enumeração dos direitos e dos deveres dos administrados perante a Administração (arts. 3º e 4º);

d) indicação de regras sobre o início do processo, que ocorrer de ofício ou a pedido do interessado, bem como a previsão de vedação de recusa imotivada de documento, com o dever de o servidor orientar quanto ao suprimento de eventuais falhas, além da obrigatoriedade de se elaborarem ‘modelos ou formulários padronizados para assuntos que importem pretensões equivalentes’ (arts. 5º a 8º). Estas regras buscam facilitar a vida do administrado e aumentar a eficiência do serviço;

e) conceituação, para fins do processo administrativo, de quem é legitimado como ‘interessado’ e de quem é ‘capaz’ – no caso, os maiores de dezoito anos, salvo norma especial a respeito (arts. 9º e 10);

f) normas sobre competência e as hipóteses de impedimento e suspeição (arts. 11 a 19);

g) regras sobre a forma, o tempo, o lugar e a comunicação dos atos do processo (arts. 22 a 28);

h) normas sobre a instrução do processo, os prazos, o ‘dever de decidir’ e os recursos (arts. 29 a 49 e 56 a 67);

i) enumeração das hipóteses de desistência e de extinção do processo (arts. 51 e 52); e

j) a ressalva de que os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes, subsidiariamente, os preceitos dessa lei.

Como veremos adiante, diversas dessas normas representam o que chamamos de ‘princípios do processo administrativo’, pelo quê, na realidade, devem ser aplicadas em qualquer processo e não apenas em nível federal [grifos nossos].

O supratranscrito resumo da Lei Federal nº 9.784/99 é, pois, suficiente para demonstrar a sua excelência normativa e a preocupação do legislador federal em dar completude às principais normas de regência do processo administrativo. Não é por outra razão que Meirelles (2000) entende que várias de suas regras são princípios que devem ser aplicados a qualquer processo, em qualquer nível de Administração Pública e não apenas na esfera federal. Esse mesmo entendimento é propugnado no presente trabalho.

De fato, o que se procura demonstrar é a existência, no ordenamento jurídico brasileiro, da processualidade no âmbito administrativo, como resultado dos preceitos insculpidos na CRFB/88 e também na Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que veio disciplinar o processo administrativo para a Administração Pública Federal.

Na seção seguinte, abordam-se os princípios constitucionais próprios da Administração Pública, consoante referência do supramencionado autor.

3.2 Os princípios constitucionais da Administração Pública, latu sensu e strictu sensu, na Lei Federal nº 9.784/99

Após as análises realizadas nos capítulos precedentes sobre os institutos jurídicos relativos aos princípios; às normas gerais; à Administração Pública; ao processo administrativo; aos direitos e garantias fundamentais e aos direitos Individuais e coletivos, é necessário, agora, apreciar o direito materializado na ordem jurídica vigente, à luz da CRFB/88 e da Lei Federal nº 9.784/99, com instrumentos que norteiam a atividade administrativa do Estado.

Assim, nesta seção serão abordados os princípios constitucionais mais relevantes aplicáveis ao direito processual administrativo, em especial, na Lei em comento, com o intuito de apresentar a pertinência intrínseca existente entre tais princípios e a aludida lei federal. Nesse regramento, vale dizer, está inserida toda a principiologia que forma o arcabouço do "regime jurídico do processo administrativo".

Nesse norte, de início, destacam-se os princípios contidos na Lei Federal nº 9.784/99, que são aplicáveis a todas as atividades administrativas estatais. Tal abordagem é tomada em sentido mais geral, eis que, em seguida analisar-se-ão os princípios de maior destaque e relacionados ao presente trabalho, de índole meramente processual, sempre visando ao objetivo maior de tutelar o objeto central desta pesquisa.

Quanto aos princípios constitucionais latu sensu da Administração Pública, implícitos e explícitos na Lei Federal nº 9.784/99, podem ser destacados, com sustentáculo na doutrina aplicável e na ordem constitucional vigente, os seguintes:

a)do Estado Democrático de Direito;

b)da legalidade (proporcionalidade, razoabilidade);

c)da isonomia;

d)da moralidade (boa-fé e imparcialidade);

e)da publicidade;

f)da responsabilidade objetiva;

g)da eficiência.

Frisa-se que os princípios em relevo não são os únicos decorrentes, explícita ou implicitamente, do texto constitucional e da Lei Federal nº 9.784/99. Também, não são os únicos que possuem natureza prevalente de direito administrativo material em relação àqueles de natureza própria de direito administrativo processual. Como dito, vários outros princípios constitucionais aplicáveis à Administração Pública, de natureza material ou processual, podem ser encontrados na doutrina e na jurisprudência.

Quanto aos princípios de natureza processual, segundo o magistério de Bandeira de Mello (2003, p. 456-457), no ordenamento jurídico-positivo brasileiro existem onze princípios obrigatórios: da "audiência do interessado"; da "acessibilidade aos elementos do expediente"; da "ampla instrução probatória"; da "motivação"; da "revisibilidade"; da "representação e assessoramento"; da "lealdade e boa-fé"; da "verdade material"; da "oficialidade"; da "gratuidade" e do "informalismo". Os oito primeiros aplicam-se a todo e qualquer procedimento. Os princípios da "oficialidade" e da "gratuidade", por sua vez, não se aplicam necessariamente aos processos "ampliativos de direito" argüidos pelos interessados. Já o princípio do "informalismo" só não se aplica aos procedimentos "concorrenciais".

Apenas para relembrar a questão da distinção terminológica entre processo e procedimento administrativo apresentada neste trabalho, observa-se que Bandeira de Mello (2003) se refere a procedimento e não a processo, aplicando-os de forma sinônima.

Consoante os princípios constitucionais da Administração Pública acima apontados, cumpre dar relevo àqueles de maior destaque que se aplicam especificamente ao processo administrativo. Em rigor, como possuem índole meramente processual podem ingressar na categoria dos princípios constitucionais da Administração Pública strictu sensu. São princípios clássicos da Teoria Geral do Processo: o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.

Destacam-se, portanto, os três princípios constitucionais, mencionados no parágrafo anterior, previstos expressamente no Capitulo I, do Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), da CRFB/88, relativo aos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, realidade jurídica que aumenta sobremaneira a sua importância para o presente estudo. De igual modo os dois últimos (contraditório e ampla defesa), aparecem no texto da Lei Federal nº 9.784/99, em seu art. 2º.

Na seção 2.4 deste trabalho ficou assentado que os direitos fundamentais são "direito de defesa", que se destinam à proteção de certas situações subjetivas contra a intervenção indevida ou abusiva do Poder Público.

Mendes (2005, p. 03-05), ensina que na condição de "direitos de defesa", os direitos fundamentais garantem as liberdades individuais contra intromissões ilegítimas do Poder Público. Se porventura ocorre a sua violação por parte do Estado, o indivíduo poderá socorrer-se de uma das seguintes pretensões: de abstenção, de revogação ou de anulação e, também a outras duas pretensões adicionais, ou seja, a pretensão que exige do Estado o dever de considerar a situação do eventual ofendido, fazendo as devidas ponderações, e a pretensão de defesa ou proteção, que impõe ao Estado, em casos extremos, o dever de agir contra atos de terceiras pessoas.

Mendes (2005) afirma ainda que, não raras vezes, a Lei Maior outorga garantia a certos institutos. Em outras oportunidades, direitos relevantes dependem da intervenção do legislador para a sua realização, ao menos parcialmente, uma vez que carecem da existência de normas disciplinadoras. O autor cita como exemplos o direito de defesa (art. 5º, LV) e o direito ao juiz natural (art. 5º, XXXVII), ambos ínsitos na CRFB/88, típicas garantias de caráter institucional, dotadas de âmbito de proteção eminentemente normativa.

Nesses casos a atuação do legislador é imprescindível para a concretização do direito, em razão de surgir para este um dever constitucional de legislar e expedir atos normativos que se conformem e concretizem tais direitos (MENDES, 2005).

Com efeito, a doutrina já vem utilizando o conceito de "direito à proteção e ao procedimento" para indicar todos os direitos fundamentais que dependem, para a sua realização, de medidas do Estado necessárias à criação e conformação de seus órgãos, setores ou repartições (Direito de Organização). No mesmo sentido são observadas outras providências normativas destinadas a ordenar a fruição de certos direitos e garantias, com no caso das tutelas denominadas de "processuais-constitucionais" (MENDES, 2005).

O significado do direito à organização e ao procedimento é reconhecido como elemento primordial da realização e garantia dos direitos fundamentais, realidade aplicada de imediato aos direitos fundamentais que têm como objeto a garantia de postulados da organização e do procedimento, como no caso, dentre outras, das garantias processuais-constitucionais da defesa e do contraditório (art. 5º, LV) e do direito ao juiz natural (MENDES, 2005).

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Na projeção dos direitos fundamentais, enquanto normas de proteção de institutos jurídicos, como o direito à organização e ao procedimento, por estarem intimamente relacionados, acrescenta-se, aos exemplos oferecidos por Mendes (2005), o postulado do "devido processo legal" (art. 5º, LIV da CRFB/88).

Assim, passa-se a análise, ainda que sucinta, dos aspectos concebidos como mais relevantes para o presente estudo, relativos às definições e importância para o processo administrativo dos aludidos princípios constitucionais strictu sensu, em especial, na Lei Federal nº 9.784/99.

3.3 Princípios constitucionais strictu sensu. Definições e importância para o processo administrativo.

O princípio do devido processo legal é considerado o princípio fundamental do processo administrativo, eis que se configura a base sobre a qual os demais se sustentam. Representa, ainda, a garantia inerente ao Estado Democrático de Direito de que ninguém será condenado sem que lhe seja assegurado o direito de defesa (NEDER; LÓPEZ, 2004).

Não obstante, o princípio do devido processo legal é, dentre os demais, o que possui maior complexidade, inclusive, porque tal locução contém expressões abertas, com indefinição de significados de plano.

Com afirma Moreira (2005, p. 200, 222, 237-238), a doutrina brasileira é dissonante a respeito do devido processo legal, pois os estudiosos não alcançam unidade quanto a sua definição, conteúdo e limites, fato que demonstra sua amplitude e também aponta a impossibilidade de se chegar a uma definição. Para o autor, essa seria uma tarefa de pouca utilidade, pois poderia levar a uma limitação prática da grandeza da sua garantia. Assevera ainda que a definição dessa garantia, por ser difusa, só pode ser definida diante de uma situação fática, concreta, podendo-se, apenas, colacionar indícios e parâmetros que levem o intérprete ao alcance e sentido do mencionado princípio.

Por seu lado, a Lei Federal nº 9.784/99 não prevê expressamente o princípio do devido processo legal, pois tal já está consagrado na CRFB/88. A propósito, a prefalada lei, em sua integralidade, apesar de nela não se exaurir, traduz em normas infraconstitucionais o conteúdo dessa garantia constitucional (MOREIRA, 2005, p. 238).

Em rigor, o significado do devido processo legal, para o ordenamento jurídico pátrio, está na compreensão da sua magnitude. Primeiro, por estar previsto na Carta Política, não permitindo, assim, interpretações restritivas a seu respeito, ao contrário, deve ser compreendido em seu sentido mais lato, para que possa configurar garantia destinada em igualdade de condições aos direitos e interesses individuais e coletivos, gerais e individuais. Segundo, porque para a sua aplicação não é preciso nem se exige previsão textual, entendendo possível, em razão disso, negar-se validade a uma lei em sentido formal cujo conteúdo afronte o devido processo, nos termos especificados no art. 5º, LIV, da CRFB/88 (MOREIRA, 2005, p. 257).

Outra questão a destacar alude à exigência de que a atuação administrativa deve ser processualizada. É o que se depreende do preceito do inc. LV, art. 5º, da CRFB/88, que assim dispõe: "Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes" (BRASIL, 2005, p. 17).

Nesses termos, ficou instituída no ordenamento jurídico pátrio a concepção de que para se solucionar um conflito de interesses no âmbito administrativo será necessário um processo legalmente disciplinado (MEDAUAR, 2003).

As razões acima mencionadas fundamentam a percepção de que o Direito pátrio acolhe os aspectos processual e substancial do devido processo legal. Por tal motivo, em situações nas quais, direta ou indiretamente, houver restrições à liberdade ou a bens dos cidadãos, esse cânone processual assegura submissão a prévios e determinados ritos processuais e limitações de cunho substancial, sendo, portanto, necessário se confrontar o interesse público e os direitos fundamentais protegidos constitucionalmente (MOREIRA, 2005, p. 257).

Outro importante fundamento constitucional de aplicação strictu sensu ao processo administrativo é o do princípio do contraditório, consoante previsão do inciso LV, art. 5º da CRFB/88, como anteriormente mencionado.

Esse princípio assegura a participação do administrado em todo o processo administrativo, oportunidade em que exerce o direito de influenciar ativamente em sua decisão final, haja vista a característica de atividade dialética que exige a definição das suas premissas de forma clara, desde o seu início, sem que seja possível modificação unilateral posterior. Em outras palavras, o "contraditório" configura uma garantia de que o interessado deva tomar conhecimento incontroverso da existência do processo e de todo o seu conteúdo para poder manifestar-se, formalmente, querendo, sobre todos os atos e fatos processuais, com a conseqüente obrigação do órgão julgador de levar em conta essas manifestações ao proferir sua decisão. É direito que pode ser titularizado pelo pólo passivo ou pelo pólo ativo da relação processual (MOREIRA, 2005, p. 276-277).

Na interpretação de Nery Junior (2002, p. 130):

O princípio do contraditório, além de fundamentalmente constituir-se em manifestação do princípio do Estado de direito, tem íntima relação com o da igualdade das partes e o do direito de ação, pois o texto constitucional, ao garantir aos litigantes o contraditório e a ampla defesa, quer significar que tanto o direito de ação quanto o direito de defesa são manifestações do princípio do contraditório.

Nesse mesmo diapasão, o vínculo existente nos princípios do Estado Democrático de Direito, como o do contraditório, no que alude ao processo administrativo é de grande evidência, pois este é uma das formas de "exteriorização do direito de participação dos particulares" diante do poder estatal constituído.

Como fundamento do Estado Democrático de Direito o princípio do contraditório garante a participação do cidadão na atividade pública, de acordo com as normas jurídicas correlativas, nesse caso, no decorrer do processo administrativo, pois os cidadãos possuem o direito de, especialmente, controlar a atividade da Administração Pública.

Nas palavras de Cintra, Grinover e Dinamarco (2004, p. 55) o princípio do contraditório é uma garantia fundamental à noção de processo. Para os autores:

[...] a bilateralidade da ação gera a bilateralidade do processo. Em todo processo contencioso há pelo menos duas partes: autor e réu. O autor (demandante) instaura a relação processual, invocando a tutela jurisdicional, mas a relação processual só se completa e põe-se em condições de preparar o provimento judicial com o chamamento do réu a juízo.

Nesse sentido, Moreira (2005, p. 278) transcreve decisão prolatada pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em cujo excerto se extrai: "Em Estado Democrático de Direito não são aceitáveis decisões proferidas sem observância aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa" [grifos nossos].

O autor acima mencionado afirma ainda que é necessário modificar a antiga visão meramente burocrática acerca do processo administrativo para visualizar o contraditório como efetivo instrumento democrático, através do qual o cidadão pode participar e colaborar com a eficiência da atividade do Estado, cabendo a este, por outro lado, valorizar e analisar as manifestações processuais daquele, acolhendo-as ou rejeitando-as (MOREIRA, 2005, p. 279).

Prossegue-se com algumas precisas lições retiradas da doutrina no trato do princípio constitucional da ampla defesa, quiçá, o mais relevante de todos, concernente ao processo administrativo e aos processos em geral.

Não obstante o preceito insculpido na Constituição, o princípio garantidor da ampla de defesa está previsto na Lei 9.784/99, em seu art. 2º, inciso X, que assim prescreve, in verbis: "garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio" (BRASIL, 2005, p. 736).

De acordo com Moreira (2005, p. 295-297), o princípio da ampla defesa é consagrado constitucionalmente desde a promulgação da primeira Carta Política brasileira, razão pela qual, tratando-se de garantia clássica do cidadão, assumiu maior destaque, sobretudo, após a previsão do inc. LV, do art. 5º, da CRFB/88. Assim é que, em face da extrema abrangência que a Lei Maior lhe conferiu, esse princípio terá estrita observância em qualquer modalidade de processo, sempre que houver interesses em conflito ou imputações de fatos ilícitos. Mais ainda. Tal preceito é tratado pela ordem constitucional vigente como "direito subjetivo público", outorgado a todo e qualquer cidadão, e seu exercício funda-se na própria Constituição da República.

De acordo com a terminologia jurídica, a "defesa" dá-se com o exercício, pelo acusado, da sua pretensão à tutela jurídica. Assim, o pedido do autor e a defesa relacionam-se com o direito do cidadão de ver suas pretensões apreciadas pelo Estado, por meio de um processo idôneo e imparcial. A "ampla defesa", portanto, é garantia de legitimidade da atuação estatal, não se esgotando nos direitos subjetivos das partes envolvidas na relação processual, mas, acima de tudo, assegura o próprio processo, considerado como atividade de Estado voltada para determinado fim público (MOREIRA, 2003, p. 295).

Dito de outro modo, pela ampla defesa infere-se a necessidade de o réu, em uma lide processual, administrativa ou qualquer outra, apresentar as mesmas condições do autor. Essa é, pois, a exata medida para se garantir a igualdade entre as partes e a justiça que dela emana. Importante destacar, porém, que essa garantia de igualdade não há de ser absoluta em todos os casos, eis que em algum momento pode causar prejuízo e injustiça a uma das partes (BASTOS, 2004, p. 288).

Em relação ao processo administrativo e aos processos em geral, bem como sobre o fundamento do Estado Democrático de Direito, importante registrar, dada a excelência das suas colocações, o seguinte magistério de Moreira (2003, p. 298-299):

Importante também é destacar que o princípio da ampla defesa somente encontra sua real significação em um Estado Democrático de Direito. Melhor, trata-se de uma das manifestações dinâmicas desse cânone constitucional.

Ora, ao assegurar o respeito à cidadania e dignidade da pessoa humana (art. 1º, II e III), bem como a participação popular segundo um plexo de normas preestabelecidas (art. 1º, caput), a Constituição torna positiva a garantia de os administrados integrarem os processos decisórios estatais, especialmente aqueles que possam ter desdobramentos imediatos em face deles.

Assim deve ser compreendida a ampla defesa: garantia de poder defender-se e articular suas razões, garantia de que essas razões serão apreciadas e levadas em conta, garantia de um processo legítimo e garantia do respeito a um Estado Democrático de Direito. O princípio representa o todo dessa escala ascendente de direitos do particular em face da Administração Pública. Não apenas a prerrogativa de manifestação em processos que incidam sobre sua liberdade e/ou bens, mas garantia de participar ativamente na tomada de decisões estatais.

Essa imbricação entre a manifestação dos interessados, o processo administrativo e as decisões estatais resultam em prestígio ainda maior a idéia de democracia participativa. Conforme já decidiu o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em acórdão cuja ementa representa síntese dos princípios constitucionais do processo administrativo: ‘O princípio do devido processo legal (due process of law) é uma das vigas-mestras do Estado Democrático de Direito, quando assegura a todos os cidadãos o direito fundamental de não serem privados de sua liberdade ou de seus bens sem a observância do contraditório e da ampla defesa, seja na esfera judicial, seja na administrativa (CF/1988, art. 5º, LIV)’.

Aliás, Edgard Silveira Bueno Filho frisa a lição de Geraldo Ataliba no sentido de que ‘o direito de defesa, que se insere dentre os direitos individuais e coletivos, só pode ostentar o seu significado e se tornar efetivo num Estado de Direito’ [grifos nossos].

Consoante as considerações sobre os princípios constitucionais strictu sensu ora apresentadas, delas se pode inferir a importância para o processo administrativo.

Tal relevância, em rigor, está estribada no fato de que os respectivos preceitos não se aplicam somente ao processo administrativo, como dito alhures, mas a toda e qualquer modalidade de processo. São eles mais do que princípios comuns, eis que se apresentam como verdadeiros direitos fundamentais do cidadão, esteio do Estado Democrático de Direito, positivados no ordenamento jurídico-constitucional em vigor.

Vale frisar que desses três cânones constitucionais - o "devido processo legal", o "contraditório" e a "ampla defesa" - irradiam os demais princípios aplicáveis aos processos em geral, aí incluído o processo administrativo. Ainda, além de ‘princípios", fazem parte do rol de direitos e garantias fundamentais do cidadão (art. 5º, da CRFB/88).

Ante o exposto, afigura-se procedente outorgar-lhes o devido destaque nesta seção, a fim de que não pairem dúvidas a respeito da sua condição, in casu, de princípios maiores do processo administrativo e da necessidade da sua correta aplicação e estrita observância. Ademais, esses objetivos podem ser mais facilmente alcançados se tais princípios, em consonância com outros preceitos e normas gerais, estiverem compilados em única norma legal de âmbito nacional, aplicável, portanto, de maneira uniforme e igualitária pelos entes federados.

Bem a propósito, é nesse sentido que se vislumbram as vantagens em tal proposição, aplicável à Administração Pública em geral e aos administrados.

Dessarte, o detalhamento e a discussão da proposta passam a ser apresentados no capítulo seguinte, a título de alternativa e meios viáveis para os propósitos da presente pesquisa.

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Sobre o autor
Adriano da Luz

Delegado de Polícia Civil no Estado de Santa Catarina. Especialista em Direito Constitucional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LUZ, Adriano. Princípios constitucionais da administração pública e a Lei nº 9.784/1999.: A nacionalização da legislação de regência do processo administrativo brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1663, 20 jan. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10871. Acesso em: 27 abr. 2024.

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