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Mutação constitucional e STF.

Limites

22/01/2008 às 00:00
Leia nesta página:

1. Precisamos o conceito de mutação constitucional através de duas fontes doutrinárias. A primeira é Uadi Lammêgo Bulos, citado por Pedro Lenza, o qual disse:

"Mutação constitucional é o processo informal de mudança da constituição, por meio do qual são atribuídos novos sentidos, conteúdos até então não ressaltados à letra da constituição, quer através da interpretação, em suas diversas modalidades e métodos, quer por intermédio da construção (construction), bem como dos usos e dos costumes constitucionais". (Apud, Pedro Lenza. Direito Constitucional Esquematizado. 11ª ed. São Paulo: Método. 2007, p. 110).

2. Também fomos ouvir J.J. Gomes Canotilho, que sobre o tema transição constitucional ou mutação constitucional, assim se posiciona:

"Considerar-se-á como transição constitucional ou mutação constitucional a revisão informal do compromisso político formalmente plasmado na constituição sem alteração do texto constitucional. Em termos incisivos: muda o sentido sem mudar o texto." (Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Almedina: Coimbra. 2003, p. 1228). (Grifos meus).

3. O tema mutação constitucional cresce de importância no Brasil, máxime para o estudo do controle de constitucionalidade difuso ou incidental, quando se discute no seio da Reclamação 4335-5/AC (Relator Ministro Gilmar Mendes), ainda em trâmite no Supremo Tribunal Federal – STF, qual o sentido jurídico da norma a ser extraída do art. 52 X da Constituição Federal. Assim prescreve o art. 52, X:

"Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal.

(...)

X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.

4. Para o Min. Eros Grau, que, em voto-vista, acompanhou o Min. Rel. Gilmar Mendes, o sentido normativo do art. 52, X, seria este:

"passamos em verdade de um texto [pelo qual] compete privativamente ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, a outro texto: "compete privativamente ao Senado Federal dar publicidade à suspensão da execução, operada pelo Supremo Tribunal Federal, de lei declarada inconstitucional, no todo ou em parte, por decisão definitiva do Supremo". (Cf. Lenio Luiz Streck e outros, in A nova Perspectiva do Supremo Tribunal Federal sobre o Controle Difuso: Mutação constitucional e Limites da Legitimidade da Jurisdição Constitucional. Artigo acessado em 21/01/2008, e disponível no endereço: http://www.anamatra.org.br/geral/ArtigoconjuntoLenioMarceloMartoniovers%C3%A3ofinal.4dejulho.doc.

5. Em outras palavras, o Senado Federal, segundo esta construção normativa, passaria a ser um mero órgão chancelador das decisões do STF, ou no dizer de Lenio Streck, "significa reduzir as atribuições do Senado Federal à de uma secretaria de divulgação intra-legislativa das decisões do Supremo Tribunal Federal; significa por fim, retirar do processo de controle difuso qualquer possibilidade de chancela dos representantes do povo deste referido processo, o que não parece ser sequer sugerido pela Constituição da República de 1988" (cf. artigo já citado, p. 7). Neste sentido, a decisão do STF no controle difuso, em sede de recurso extraordinário, teria os mesmos efeitos de uma decisão proferida no controle concentrado. Seria isto possível à luz dos preceitos estampados nos arts. 5º, LIV e LV, da Constituição Federal?

6. O que está por trás desta alcunhada "mutação constitucional", assim denominada pelo Min. Eros Grau, é saber "quais os limites da interpretação conferida ao Direito em sede de Jurisdição Constitucional? Pode o STF extrair novas normas a partir de base textual inexistente, ou até mesmo criar o texto e a norma como se quer no caso em tela? Não estaremos aí frente a mais um exagero interpretativo perpetrado pelo Poder Judiciário nesta quadra de nossa história jurídica recente?".

7. Para o Min. Eros Grau, não. O STF pode não apenas mudar a norma como também mudar o texto. De fato, segundo a interpretação do Min. Gilmar Mendes, o texto do art. 52, X, foi efetivamente alterado. Vejamos o que diz Eros Grau, citado por Lenio Streck:

"O Ministro Eros Grau se pergunta se o Ministro Gilmar Mendes, ao proceder a "mutação constitucional", não teria ‘excedido a moldura do texto, de sorte a exercer a criatividade própria à interpretação para além do que ao intérprete incumbe. Até que ponto o intérprete pode caminhar, para além do texto que o vincula? Onde termina o legítimo desdobramento do texto e passa ele, o texto, a ser subvertido?’. E ele mesmo responde: ‘não houve qualquer anomalia de cunho interpretativo, pois o Ministro Gilmar teria apenas feito uma ‘autêntica mutação constitucional’: ‘Note-se bem que S. Exa. não se limita a interpretar um texto, a partir dele produzindo a norma que lhe corresponde, porém avança até o ponto de propor a substituição de um texto normativo por outro. Por isso, aqui mencionamos a mutação da Constituição.’’"

8. Note, caro leitor, que a mutação constitucional de que está a falar o Min. Eros Grau vai de encontro frontal ao que nos ensinou Canotiho linhas atrás, ou seja, entende-se por mutação constitucional a mudança de sentido da norma sem mudança de texto. Ora, o que o Min. Gilmar Mendes está a fazer é mudando o próprio texto do art. 52, X, de maneira que está agindo na verdade como um legislador positivo, o que é constitucionalmente vedado ao STF.

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9. Cabe ao Supremo Tribunal Federal "corrigir" a Constituição Federal via aplicação do conceito de "mutação constitucional"? Não. Parece-nos, sensibilizados pela leitura do texto de Lenio Streck, que se isto fosse permitido, estaríamos frente a um poder judiciário que teria as características de um poder constituinte permanente e ilegítimo. A questão posta neste breve artigo bem revela a atrofia dos demais poderes (executivo e legislativo) frente ao judiciário, e nos mostra que a atuação "contra-majoritária" da jurisdição constitucional deve ser repensada urgentemente por toda comunidade jurídica brasileira.

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Sobre o autor
Roberto Wagner Lima Nogueira

Mestre em Direito Tributário, Advogado tributarista, Procurador do Município de Areal (RJ), Membro do Conselho Científico da Associação Paulista de Direito Tributário (APET). Autor dos livros "Fundamentos do Dever Tributário", Belo Horizonte, Del Rey, 2003, e "Direito Financeiro e Justiça Tributária", Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2004; "Direito Financeiro e Direito Tributário", Multifoco: Rio de Janeiro, 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Mutação constitucional e STF.: Limites. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1665, 22 jan. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10876. Acesso em: 25 abr. 2025.

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