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Lei da parentalidade positiva: uma análise da Lei nº 14.826/2024

23/05/2024 às 13:26
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A nova Lei nº 14.826/2024 determina que a disciplina de crianças não pode ferir a sua dignidade. Incentiva a chamada "parentalidade positiva" e reforça a "Lei da Palmada".

Quase 10 anos após a implantação da "Lei da Palmada", vem aí a "Lei da Parentalidade Positiva". Neste artigo, trataremos dos aspectos desta medida legal e veremos como ela impactará a vida das crianças, além de analisar possíveis melhorias a serem feitas nesta norma adotada.

No dia 20/03/2024, o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou a Lei 14.826/2024, que já ganhou o nome de "Lei da Parentalidade Positiva". O texto final publicado incentiva os órgãos públicos a adotar iniciativas que garantam às crianças o direito a uma educação não violenta por meio da parentalidade positiva e também o direito ao brincar, o que nem sempre é respeitado da devida maneira. A ideia desta regulamentação é reforçar o texto da Lei 13.010/2014, vulgarmente conhecida como "Lei da Palmada", ressaltando a responsabilidade dos órgãos públicos em zelar pela integridade de crianças com até 12 anos incompletos.

Parentalidade positiva, no entendimento desta lei, é a parentalidade exercida de modo que crianças com até 12 (doze) anos incompletos sejam educadas de modo que sua dignidade seja respeitada. Isto quer dizer que os pais e/ou cuidadores têm o direito de disciplinar uma criança e corrigir comportamentos inadequados sempre que aplicável, mas isto deve ser feito de tal maneira que não fira a sua integridade, seja ela física, emocional ou o que for.

Dito isto, vamos a 6 (seis) problemas encontrados neste texto:

  • Não há uma definição clara do que seja violência contra crianças. A exemplo do que aconteceu na época da implantação da "Lei da Palmada", não há uma definição exata do que a jurisdição deverá entender como sendo violência contra crianças, o que poderá dar margem a pais, tutores e/ou juristas para que entendam que castigos físicos "moderados" e/ou outras formas de violência (i.e., gritos, xingamentos, ameaças, etc.) não são violência contra a criança (se é que se pode chamar de moderado um castigo no qual um adulto com força e tamanho desproporcionalmente maiores que os da criança inflige à mesma uma punição corporal que causa forte dor física e psicossomática, além de eventuais ameaças, xingamentos, etc., proferidos contra o infante antes, durante e/ou após a penalidade em questão, sem direito de resposta e/ou defesa).

    O ideal seria que não houvesse nenhuma brecha na definição de violência contra os menores e que fosse categorizada como violência qualquer forma de castigo físico e/ou agressão verbal, emocional, etc., tirando, assim, quaisquer chances de os cidadãos pró-palmada poderem se valer de brechas para continuarem abusando física e/ou emocionalmente de crianças e adolescentes.

  • Não fica clara a definição do que é parentalidade positiva. O conceito de parentalidade positiva, uma vez não tendo sido deixado claro, pode ser levianamente interpretado por pais, tutores e/ou juristas "pró-palmada" de inúmeras formas, que, de forma estarrecedora, incluam o uso de castigos físicos e/ou outras formas de abuso infantil na criação de nossos menores.

  • A medida legal em questão tem como alvo crianças de até, no máximo, 12 anos incompletos. A parentalidade positiva não beneficia apenas crianças, mas também adolescentes. Ao deixar de contemplar adolescentes com idade entre 12 anos completos e 18 anos incompletos, abre-se uma brecha para abusos cometidos contra menores nesta faixa de idade.

  • Há uma fortíssima apelação a direitos já garantidos em outras leis, gerando uma repetição um tanto desnecessária. O texto legal aponta para direitos da criança e do adolescente já previstos tanto na Lei 13.010/2014 quanto no Artigo 18 do ECA, como, por exemplo, o direito de a criança ser preservada contra quaisquer formas de abuso (inclusive físico). Esta repetição meio que "chove no molhado". A medida legal em questão poderia ter abordado mais a fundo o conceito jurídico de violência contra crianças e/ou adolescentes e proposto penas mais duras em caso de descumprimento, além de tornar inafiançável o crime de maus-tratos contra menores.

  • O texto legal incentiva os órgãos públicos a adotar medidas que visem a parentalidade positiva, ao invés de obrigá-los a isto. Incentivo dá a entender que uma pessoa, empresa, entidade, etc., se sente motivada a fazer e/ou dizer algo, mas que não é obrigada a fazê-lo caso não queira. No que diz respeito à educação de nossos infantes, a norma deveria obrigar os órgãos a adotar estratégias de introdução à parentalidade positiva, ao invés de deixá-los à mercê de quaisquer motivações.

  • A lei só entrará em vigor após seis meses da data de sua publicação. Uma lei que trata de combate ao abuso contra crianças precisa entrar em vigor a partir da data de sua publicação, e não meses depois. Neste intervalo de 180 (cento e oitenta) dias, muitas crianças ainda poderão (em sentido de "haver possibilidade de") ser vítimas de adultos que não apenas as castigarão de forma imoderada, o que, em alguns casos, pode vir a incluir a privação da criança ao direito de brincar (o que é crime de acordo com o Art. 1638 do Código Civil e o Art. 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente).

Pelo que podemos ver, a "Lei da Parentalidade Positiva" visa não apenas proteger as crianças contra abusos físicos e emocionais, como também procura conscientizar as famílias para a importância da parentalidade positiva como uma forma de educar nossos menores sem que haja prejuízos à sua integridade, em quaisquer aspectos. Mas ainda faltam alguns "retoques" para que os nossos infantes estejam devidamente protegidos pela lei.

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Sobre o autor
Ronaldo Duarte

Um ser humano em busca da equidade entre as pessoas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DUARTE, Ronaldo. Lei da parentalidade positiva: uma análise da Lei nº 14.826/2024. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7631, 23 mai. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/108825. Acesso em: 1 jul. 2024.

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