Recentemente o CNJ decidiu arquivar a representação nº 0000282-28.2024.2.00.0000, através da qual foi requerido ao órgão fixar parâmetros para as viagens de juízes brasileiros a países em guerra, bem como os reflexos dessas viagens e manifestações de apoio no cotidiano profissional deles. Essa representação motivada pelo escandaloso comportamento do grupo de juízes liderados pelo Ministro André Mendonça que viajou para Israel a fim de apoiar o esforço militar genocida daquele país em Gaza (e eventualmente desautorizar uma decisão da Corte Internacional de Justiça favorável aos palestinos).
O arquivamento desta representação ocorreu mais ou menos na mesma data em que o Conselho de Segurança da ONU finalmente aprovou um cessar fogo na região. A perspectiva adotada pela relatora do caso (uma suposta inexistência de competência do CNJ para apreciar a questão) é simplesmente fantástica.
Nos últimos anos temos visto o CNJ baixar normas para regular todo tipo de coisa (desde o uso de inteligência artificial até a maneira como os juízes podem ou não utilizar redes sociais). Todavia, a conselheira que arquivou a representação nº 0000282-28.2024.2.00.0000 entende que aquele órgão não pode dizer se os juízes brasileiros podem ou não viajar para zonas de guerra a fim de apoiar politicamente um dos países em conflito, nem tampouco regular as consequências dessas viagens.
O comportamento do CNJ neste caso me parece escandaloso. É evidente que o órgão que pode o menos (censurar oa magistrados por manifestações publicadas na internet) pode o mais (impedir que eles se tornem "soldados ideológicos" de um país estrangeiro).
A Constituição Federal outorga privativamente ao presidente da república o poder/dever de definir e conduzir a política externa do Brasil (art. 84, VIII e VIII). Ao manifestar apoio público a um país em guerra, juízes brasileiros exercem uma competência que não têm e usurpam aquela que foi outorgada privativamente ao presidente da república. Isso obviamente poderia e deveria ser considerado uma infração administrativa passível de punição. Todavia, a conselheira do CNJ preferiu arquivar a representação nº 0000282-28.2024.2.00.0000 encorajando os juízes brasileiros a continuar a viajar para zonas conflituosas a fim de se tornar "soldados ideológicos" de países em guerra como se eles (os juízes) pudessem ter sua própria política externa, ou pior, como se o Judiciário pudesse desautorizar a política externa definida e conduzida pela presidência da república.
A decisão comentada foi objeto de recurso administrativo. Compete agora ao Colegiado do CNJ decidir se a representação permanecerá arquivada ou se o caso será levado adiante.
Enquanto não adotar uma posição em relação à matéria, o CNJ continuará a atuar de maneira absolutamente errática, ou seja, aplicando a Resolução nº 305/2019 para punir juízes por causa de opiniões expressadas na internet, mas deixando-os totalmente livres para viajar para zonas de conflito militar a fim de se tornar "soldados ideológicos" de uma causa ou de um país acusado de cometer crimes de guerra como se pudessem fazer política externa ou desautorizar aquela que foi definida pelo Brasil.