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Suprema discricionariedade

01/08/2000 às 00:00
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O Brasil sofre com um sistema judiciário moroso, ou seja, a prestação jurisdicional para o cidadão que procura o judiciário é extremamente lenta. Nosso sistema jurídico, chamado de "positivo" ou "civil law", é derivado do sistema italiano, onde a processualística e a formalidade muitas vezes, infelizmente, se sobrepõe ao mérito.

Os Estados Unidos é o país com o melhor exemplo da fusão da "common law" com a "civil law" e consequentemente, de uma tradição jurídica diferente daquela encontrada no Brasil. Entretanto, a experiência norte americana, em certos aspectos jurídicos, podem servir de grande valia para outros países, inclusive de sistema diferente, como é o caso do Brasil.


Uma das contribuições estrangeiras que poderiam ser melhor estudadas por nosso país, é a adoção de um sistema parecido com o americano no que diz respeito a Suprema Corte, que corresponde ao nosso Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça. A Suprema Corte dos Estados Unidos possui poder discricionário. Ou seja, ela decide quais recursos irá julgar. Durante um ano são escolhidos de 80 a 100 casos em que a corte maior se pronuncia. Estes, geralmente são casos de importância nacional, como Brown vs. Board of Education, sobre discriminação racial em escolas. Esta decisão cria um precedente judicial que só poderá ser revisto pela própria Suprema Corte, composta por 9 juizes indicados pelo Presidente e aprovados pelo Senado.

Vários seriam os benefícios de termos um sistema semelhante no Brasil. Para a sociedade, o que importa é uma prestação jurisdicional ágil e segura. Se nossos 11 Ministros do STF e 33 do STJ tivessem um poder discricionário, poderiam trabalhar com mais atenção as questões que chegam as suas mãos. Temos grandes Ministros em nossos tribunais, porém, em função de seu acúmulo de trabalho, perdemos a oportunidade destes usarem toda sua sabedoria, com a calma necessária para uma prestação jurisdicional mais eficaz para a população.

Nosso sistema impede que usemos todo o grande potencial de nossos magistrados dos tribunais superiores. Em 1999, o STF recebeu 54.437 processos, já, no STJ, foram distribuídos 118.977. Um Juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos julga, em média, 12 processos a cada 360 dias, ou seja, 1 processo por mês. Assim, o juiz americano pode se dedicar a pesquisa e ao estudo aprofundado de cada caso e ao seu próprio aperfeiçoamento. Se este sistema fosse adotado no Brasil, teríamos um enorme acréscimo de qualidade nas decisões de nossos tribunais superiores, proporcionando condições para que os magistrados exercessem suas funções com a calma e a pesquisa necessária de cada caso. Harmonizariam-se questões polêmicas. Diferentemente de súmulas vinculantes, teríamos posicionamentos do Supremo em relação a casos pontuais, que estenderiam-se a todos os outros similares. Além de tudo, forteleceriam-se as decisões dos Tribunais de Justiça estaduais e dos Tribunais Regionais Federais. Assim as diferenças regionais de cada estado seriam melhor respeitadas, pois não se poderia recorrer facilmente aos tribunais superiores. A estes caberia a harmonização de questões relativas a constituição e leis federais.

Não sugere-se a simples importação de um instituto ou prática, porém devemos ter humildade suficiente para reconhecer o sucesso de alguns sistemas em outros países e adequá-los a realidade brasileira. Acredito que a discricionariedade dos Tribunais Superiores é algo que deve começar a ser debatido. Existem experiências ótimas fora do Brasil, mas para vê-las, é necessário abrir os olhos, enxergar e perceber que não estamos sozinhos no mundo.

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Sobre o autor
Márcio Chalegre Coimbra

advogado habilitado em Direito Mercantil pela Unisinos, especialista em Direito Internacional pela UFRGS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COIMBRA, Márcio Chalegre. Suprema discricionariedade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 44, 1 ago. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/109. Acesso em: 26 abr. 2024.

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