Determinada cooperativa de crédito está a sofrer execução fiscal por conta de multas advindas do "atraso na entrega das declarações da CPMF".
Nos embargos, sustentou-se que a executada está disposta a pagar a dívida, mas não pelo valor executado, dado que boa parte do que é executado sofreu significativa redução, o que não vem sendo considerado pelo Fisco, sendo caso de tudo ser corrigido pelo Judiciário.
Para a situação em que o atraso na entrega de documentos à Receita Federal se deu a partir de 28.08.00, a multa foi no valor (já reduzido de 50%, pelo cumprimento da intimação no prazo) de R$ 70.000,00, por conta de 14 meses de atraso (de 31.10.00 a 19.12.01, relativamente à Declaração Trimestral), e mais R$ 70.000,00, por conta de outros 14 meses de atraso (de 31.10.00 a 19.12.01, relativamente à Declaração Mensal).
Quanto a esses valores (total: R$ 140.000,00) houve alteração, para menor, o mesmo não ocorrendo quanto aos demais valores (que perfazem o total de R$ 6.651,44).
A novidade, então, é que em dezembro/2003 surgiu a Lei Federal 10.833, que no art. 83 reduziu a multa fiscal em discussão (especificamente quanto ao valor de R$ 140.000,00), para o valor de R$ 200,00 ao mês-calendário ou fração, o que equivale dizer que hoje aqueles R$ 140.000,00 representam o valor de R$ 5.600,00, sem correção.
O que se afirma é constatado pela informação contida no Auto de Infração, onde, ao se lançar cada multa de R$ 70.000,00, fez-se referência à base jurídica, qual seja: a Medida Provisória 2158, art. 46, que continua em tramitação no Congresso Nacional (porque foi editada antes da Emenda Constitucional 32/2001). Do texto dessa MP se vê que a multa é originária do descumprimento das obrigações dos arts. 11 e 19 da Lei 9.311/96.
A Lei Federal 10.833/03, por sua vez (fazendo menção específica à mesma situação: multa derivada do não cumprimento das obrigações indicadas nos arts. 11 e 19 da Lei 9.311/96), REDUZIU O VALOR DA MULTA, de maneira significativa.
Em resumo: pela lei nova, a multa questionada, sem correção, alcança a quantia de R$ 12.251,44.
O que cabe avaliar é se o dispositivo da lei tributária nova, mais benéfico, é aplicável ou não à situação enfocada.
E disso não se duvida, porque o Código Tributário (fundado no disposto no art. 5º, inciso XL, da Constituição Federal) tem regra específica para o assunto, que diz que a lei se aplica a fato ou ato pretérito, tratando-se de ato não definitivamente julgado, QUANDO LHE COMINE PENALIDADE MENOS SEVERA QUE A PREVISTA NA LEI VIGENTE AO TEMPO DA SUA PRÁTICA (art. 106, inciso II, alínea "c").
A respeito disso, eis o que sustenta a melhor e mais respeitada literatura jurídica:
"Sempre que a lei nova comine penalidade mais branda que aquela aplicada ao ensejo da prática da infração, há de ser observada a alínea ‘c’ do inc. II, seja a requerimento do interessado, seja de ofício, por iniciativa da própria autoridade que intervenha no julgamento do feito. É um direito do sujeito passivo e quer-se acatado" (PAULO DE BARROS CARVALHO, "Curso de Direito Tributário", Saraiva, 5ª ed., 1991, p. 71).
"No que tange à alínea ‘c’, acolhe-se tradicional diretriz dos códigos penais de que a lei mais benéfica tem cunho retroativo para alcançar situações passadas. Se o fabricante é multado em R$ 100,00, por não ter declarado suas operações ao fisco, a lei que diminuir esta penalidade (para R$ 50,00, por exemplo), terá que ser considerada em seu benefício" (JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO, "Curso de Direito Tributário", Ed. Dialética, 2ª ed., 2001, p. 148).
Sendo assim, é seguro afirmar que a multa fiscal da cooperativa de crédito, que no passado representava R$ 146.651,44, na atualidade vale apenas R$ 12.251,44.
Este assunto foi apresentado à Receita Federal, mas houve negativa, fundada unicamente na consideração de que, quando surgiu a lei que reduziu o valor da multa, a dívida fiscal já havia sido julgada na esfera administrativa, que aqui pode ser configurada como EQUIVOCADA e ILEGAL, porque o Código Tributário Nacional, ao falar que somente se aplica a retroatividade da lei tributária benigna a "atos não definitivamente julgados", segundo o que vem apontando a jurisprudência, na verdade está se referindo ao ato que ainda não foi definitivamente julgado pelo Poder Judiciário, o que somente ocorrerá, em definitivo, quando forem apreciados os embargos.
Eis a confirmação pela transcrição de várias ementas:
"Execução fiscal. Lei posterior. Aplicabilidade. Multa moratória. Redução. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito quando lhe cominar punibilidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo de sua prática. A lei não faz distinção entre multa moratória e punitiva. Tratando-se de execução fiscal ainda não definitivamente julgada, pode a Lei 9.399/96, do Estado, ser aplicada ao caso concreto" (STJ, 1ª Turma, REsp 189292-98/SP, rel. Min. Garcia Vieira, j. 17/11/1998, DJ 1º.03.1999, p. 254).
"Tributário. Multa. Redução. Lei mais benigna. A expressão ‘ato não definitivamente julgado’, constante do art. 106, II, c, alcança a âmbito administrativo e também judicial; constitui, portanto, ato não definitivamente julgado o lançamento fiscal impugnado por meio de embargos do devedor em execução fiscal. Recurso especial não conhecido" (STJ, 2ª Turma, REsp 187051-98/SP, rel. Min. Ari Pargendler, j. 15/10/1998, DJU 23.11.1998, p. 172).
"Tributário. Multa. Redução. Lei mais benigna. Constitui ‘ato não definitivamente julgado’ o lançamento fiscal impugnado por meio de embargos do devedor em execução fiscal (CTN, art. 106, II, c); mas o lançamento fiscal que já não pode sofrer ataque por meio de embargos do devedor, porque decorrido o prazo deste, é ato definitivamente julgado, que não pode ser revisto por petição atravessada nos autos da execução fiscal. Recurso especial conhecido e provido" (STJ, 2ª Turma, REsp 184.642-98/SP, rel. Min. Ari Pargendler, j. 27/10/1998, DJU 07.12.1998, p. 78).
"Execução fiscal. Redução de multa em face do Decreto-lei 2.471/88. Art. 106, II, c, CTN. Retroatividade da lei mais benigna ao contribuinte. Possibilidade. O art. 106 do CTN admite a retroatividade, em favor co contribuinte, da lei mais benigna, nos casos não definitivamente julgados. Sobrevindo, no curso da execução fiscal, o Decreto-lei 2.471/88, que reduziu a multa moratória de 100% para 20% e, sendo possível a reestruturação do cálculo de liquidação, é possível a aplicação da lei mais benigna, sem ofensa aos princípios gerais do direito tributário. Na execução fiscal, as decisões finais correspondem às fases de arrematação, da adjudicação ou remição, ainda não oportunizadas, ou, de outra feita, com a extinção do processo, nos termos do art. 794, CPC. Recurso não provido. Decisão unânime" (STJ, 1ª Turma, REsp. 94511-96/PR, Processo 96/0025972-0. rel. Min. Demócrito Reinaldo, j. 21/10/1996, DJU 25/11/1996, p. 46.154).
"Tributário. Benefício da Lei 1.687/79, art. 5º. Redução da multa para 5%. Ato definitivamente julgado. Art. 106, II, c, do CTN. Se a decisão administrativa ainda pode ser submetida ao crivo do judiciário, e para este houve recurso do contribuinte, não há de se ter o ato administrativo ainda como definitivamente julgado, sendo esta a interpretação que há de dar-se ao art. 106, II, C, do CTN. E não havendo ainda julgamento definitivo, as multas previstas nos arts. 80 e 81 da Lei 4.502/64. com a redação dada pelo art. 2º, alterações 22 e 23 do Decreto-lei 34/66, ficam reduzidas para 5%, se o débito relativo ao IPI houver sido declarado em documento instituído pela Secretaria da Receita Federal ou por outra forma confessado, até à data da publicação do Decreto-lei 1.680/79, segundo o benefício concedido pelo art. 5º da Lei 1.687/79. Acórdão que assim decidiu é de ser confirmado. Decisão unânime" (STF, 2ª Turma, RE 95900/BA, rel. Min. Aldir Passarinho, j. 04/12/1984, DJU 08/03/1985. p. 2.602).
A doutrina também tudo confirma:
"Resta esclarecermos o que se deve entender por não definitivamente julgado, se o que ainda não foi objeto de julgamento definitivo na esfera administrativa ou o que ainda não foi objeto de julgamento por sentença com trânsito em julgado.
O Superior Tribunal de Justiça manifestou-se já no sentido de que ‘a expressão ato não definitivamente julgado, constante do art. 106 do Código Tributário Nacional, alcança o âmbito administrativo e também o judicial’ (STJ – 2ª Turma, REsp nº 180.979-SP, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 27-10-98, DJU I de 15-3-99 e RIJ nº 10/99, c 1, p. 288, texto nº 1/13499. E o Supremo Tribunal Federal também manifestou o mesmo entendimento, pois realmente, ‘se a decisão administrativa ainda pode ser submetida ao crivo do Judiciário, e para este houve recurso do contribuinte, não há de ser ter o ato como definitivamente julgado, sendo esta a interpretação que há de dar-se ao art. 106, III, c, do CTN’ (STF, 2ª Turma, RE 95.900/BA, Rel. Ministro Aldir Passarinho, RTJ nº 114, p. 249).
Ato não definitivamente julgado, portanto, é aquele que ainda pode ser questionado. E assim há de ser considerado tanto aquele que não foi colocado como objeto de controvérsia administrativa ou judicial, como aquele que, tendo sido questionado, não é ainda objeto de decisão judicial com trânsito em julgado.
O ato apreciado em processo administrativo, mesmo com decisão definitiva na via administrativa, ainda não é definitivamente julgado, mesmo que não tenha havido iniciativa do contribuinte de ingressar em juízo para questioná-lo. Basta que ainda seja possível o questionamento. Assim, promovida a execução fiscal de crédito tributário no qual se incluem penalidades, se surge lei nova que as torna menos onerosa, essa lei nova retroage. O limite à aplicação retroativa, portanto, é na verdade a coisa julgada" (HUGO DE BRITO MACHADO, "Comentários ao Código Tributário Nacional", Atlas, 2004, vol. II, p. 178/179, destaques nossos).
Correto, então, será considerar que o princípio da benignidade das multas fiscais deve ser utilizado para solução da questão apresentada, havendo que se legitimar a retroatividade da lei nova mais benéfica ao contribuinte.