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Impossibilidade jurídica do pedido:

entre a teoria eclética Liebmaniana e o novo contexto do CPC/15

25/04/2024 às 08:00
Leia nesta página:

Debatemos a superação da teoria eclética de Liebman pela vigência do novo Código de Processo Civil.

INTRODUÇÃO

A possibilidade jurídica do pedido é, de fato, uma das três condições da ação que foram consagradas em um determinado momento. No entanto, essa condição sempre foi a mais polêmica e suscetível a confusões, principalmente devido à sua terminologia imprecisa e à sua sobreposição com outros conceitos, como interesse de agir e mérito.

Dessa forma, consolidou-se a ideia de:

  1. Legitimidade ad causam: Refere-se à qualidade da parte para propor a ação, ou seja, se ela é o titular da relação jurídica deduzida em juízo ou se está legalmente autorizada a pleitear em nome próprio o direito de outrem. É sobre quem tem direito de acionar o Judiciário em busca de uma solução para o problema apresentado.

  2. Interesse de agir: Diz respeito à necessidade e à utilidade da intervenção do Judiciário no caso concreto. Isso envolve a verificação da necessidade de se obter uma decisão judicial para resolver o conflito apresentado e se a via processual escolhida é adequada para alcançar o resultado desejado.

  3. Possibilidade jurídica do pedido: Este é o ponto mais controverso. Originalmente, a possibilidade jurídica do pedido se referia à compatibilidade do pedido com o ordenamento jurídico. Em outras palavras, se não havia uma proibição legal específica que impedisse o pedido de ser concedido. No entanto, essa condição muitas vezes se sobrepõe ao mérito da demanda, que é justamente o objeto do litígio em si. Isso levou a muitas críticas e à confusão entre a possibilidade jurídica do pedido e o próprio mérito da demanda.

Devido à imprecisão e à sobreposição com outros conceitos, a possibilidade jurídica do pedido acabou sendo gradualmente deixada de lado.

DESENVOLVIMENTO

De modo geral, aborda-se críticas à teoria eclética de Liebman que propõe a separação das "condições da ação" de um julgamento favorável e sua associação ao direito a um pronunciamento de mérito - independentemente do resultado. Antes de sua institucionalização no Brasil, a doutrina liebmaniana já enfrentava reprovação notadamente expressa por Calmon de Passos.

As críticas incluem:

  1. Juízo hipotético de verificação das condições da ação, circunscrito às alegações do autor.

  2. Falta de identificação da natureza da atividade do magistrado ao avaliar as condições da ação.

  3. Ausência de formação de coisa julgada e suposta possibilidade de repropositura da demanda após extinção por "carência de ação".

  4. Artifício na separação de legitimidade e impossibilidade jurídica do exame de mérito.

Os defensores da teoria eclética afirmam que as condições da ação seriam analisadas em juízo hipotético, pressupondo a veracidade das alegações do autor. No entanto, críticos argumentam que isso poderia reduzir o exame das condições a um teste de habilidades argumentativas na redação da petição inicial.

Outras críticas incluem a dificuldade em explicar a não formação de coisa julgada e a possibilidade de repropositura da demanda. A falta de esclarecimento sobre a natureza da atividade do juiz ao avaliar as condições da ação é apontada como uma inconsistência epistêmica.

A artificialidade das "questões intermédias" também é questionada, especialmente no exame de legitimidade e impossibilidade jurídica do pedido. A diferença entre falta de legitimidade e ausência do direito postulado é considerada problemática.

Apesar das críticas, a teoria eclética foi positivada no CPC/73 no Brasil, em parte devido à influência de Liebman. Contudo, o texto analisado argumenta que, com a ausência desses termos no CPC/15, a teoria eclética não deve mais ser considerada como uma categoria jurídica. Defende-se a adoção de um binômio de cognição judicial: admissibilidade e mérito, sem a necessidade de falar em "questões intermédias".

Além da possibilidade jurídica do pedido, o texto aborda a visão de diferentes autores da doutrina acerca desse conceito. Em geral, a possibilidade jurídica do pedido é discutida sob um viés negativo, referindo-se à impossibilidade jurídica do pedido. A abordagem em questão varia entre o direito privado e público, bem como entre os ramos processuais civis e penais, devido à reserva legal no direito penal.

Essencialmente, a discussão gira em torno de como entender a possibilidade jurídica do pedido, se como uma tutelabilidade abstrata pela ordem jurídica ou como a ausência de proibição explícita ou implícita pelo direito positivo. Diversos autores oferecem diferentes perspectivas sobre a possibilidade jurídica do pedido.

Moacyr Amaral Santos a encara como uma pretensão que, abstratamente, seria tutelável pelo direito objetivo. Vicente Greco Filho adiciona a dimensão prática, considerando a inconveniência do desenvolvimento oneroso de uma ação processual quando a pretensão é prontamente inviável, seja pela falta de previsão legal igual à requerida ou pela proibição explícita ou implícita da ordem jurídica.

Sérgio Bermudes a define como a tutelabilidade abstrata do pedido autor, ou seja, o direito positivo, de forma explícita ou implícita, não proíbe a pretensão buscada. Nelson Nery Jr. refere-se a isso como exclusão apriorística, enquanto Luiz Fux o chama de princípio da liberdade jurídica. Autores como Humberto Theodoro Jr., Misael Montenegro Filho, J. E. Carreira Alvim, Daniel Assumpção A. Neves e Elpídio Donizetti também falam em um exame feito abstrata e idealmente.

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Essencialmente, a discussão gira em torno de como entender a possibilidade jurídica do pedido: como uma tutelabilidade abstrata pela ordem jurídica ou como a ausência de proibição explícita ou implícita pelo direito positivo.

O CPC/15 não menciona a "possibilidade jurídica do pedido", fortalecendo o argumento doutrinário de que houve confusão entre a impossibilidade e a improcedência. Além disso, o código não se refere à "carência de ação", reforçando a ideia de que a pretensão à tutela jurídica é incondicionada, ou seja, a tutela jurisdicional é prestada a todos, independentemente de terem ou não "razão". Alinha-se com a visão de Goldschmidt, que afirma que o processo transforma os direitos individuais em meras expectativas de direito, sendo impossível antecipadamente determinar quem tem "razão".

Em relação à legitimidade, apesar das críticas doutrinárias, o CPC/15 manteve a legitimidade como causa de extinção sem resolução de mérito, resguardando a possibilidade de correção do vício nos casos de ilegitimidade passiva. A categorização da legitimidade como condição ou mérito é um problema confinado à legitimação ordinária na tutela individual, enquanto na tutela coletiva, a atuação em prol da defesa dos interesses coletivos é confiada a pessoas, entes ou órgãos que não necessariamente se confundem com os titulares exclusivos dos direitos.

Quanto ao interesse processual, tratado como matéria estranha ao mérito pelo CPC/15, é destacado que a postulação em juízo requer a demonstração do interesse, cuja análise é orientada pelo binômio necessidade-utilidade. A adequação não faz parte desse exame e é uma questão afeta ao procedimento, podendo ser superada pelo magistrado mediante provocação fundamentada da parte.

CONCLUSÃO

Observou-se a transição da abordagem jurídica conhecida como "teoria eclética" para o novo contexto estabelecido pelo Código de Processo Civil de 2015 (CPC/15). Anteriormente, a teoria eclética, que vinculava o direito de ação à legitimidade das partes, interesse processual e (im)possibilidade jurídica do pedido, foi formalmente incorporada pelo Código de Processo Civil de 1973 (CPC/73). Nesse período, a análise do juiz envolvia um trinômio de questões: processuais, intermédias e de mérito.

As principais críticas à teoria eclética destacaram a artificialidade das "questões intermédias", argumentando que essa categorização era estranha ao exame do mérito. Apesar disso, a ideia de que o exame da legitimidade e (im)possibilidade jurídica do pedido seria separado do mérito não foi convincentemente refutada, com exceção do interesse processual.

O CPC/15, ao entrar em vigor, não reproduziu termos relacionados à teoria eclética, como "condições" ou "carência de ação". Além disso, a expressão "possibilidade jurídica do pedido" foi removida do texto legal. A partir desse novo código, as sentenças de extinção do procedimento sem resolução de mérito são consideradas excepcionais, não permitindo mais a justificativa de carência de ação, inviabilidade do pedido ou inépcia da inicial como razões para encerramento do processo. O enfoque agora é em um binômio formado pelos pressupostos processuais e o mérito.


REFERÊNCIA

GOUVEIA, Lúcio Grassi de; PEREIRA, Mateus Costa; LUNA, Rafael Alves de. (Im)possibilidade jurídica: pedido (de) mérito; estudo de caso. R. Bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 26, n. 102, p. 299-316, abr./jun. 2018. Disponível em <https://www.researchgate.net/publication/374873082_Impossibilidade_juridica_pedido_demerito_estudo_de_caso>

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Sobre a autora
Joana Beatriz dos Santos

Graduanda em Direito. Escritora. Pesquisadora. Monitora acadêmica em Dir. Civil, Dir. Constitucional, Dir. Penal e Teoria Geral do Processo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Joana Beatriz. Impossibilidade jurídica do pedido:: entre a teoria eclética Liebmaniana e o novo contexto do CPC/15. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7603, 25 abr. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/109114. Acesso em: 3 mai. 2024.

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