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Mandado de injunção: o resgate da interpretação concretista

05/02/2008 às 00:00
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Animamo-nos a estas linhas sobre o mandado de injunção depois dos recentes julgamentos plenários do Supremo Tribunal Federal. Até o ano de 2007, tratava-se de matéria relegada a uma espécie de ostracismo jurídico, haja vista a interpretação que aquela Corte emprestava ao writ, mas agora, vivificado, torna a representar uma possibilidade concreta para aqueles que têm suas liberdades, prerrogativas e direitos tolhidos pela mora do Poder Público em produzir as normas integradoras da Constituição.

Eis os precedentes que motivaram a dita alteração de panorama:

Mandado de Injunção e Art. 40, § 4º, da CF. O Tribunal julgou parcialmente procedente pedido formulado em mandado de injunção impetrado, contra o Presidente da República, por servidora do Ministério da Saúde, para, de forma mandamental, adotando o sistema do regime geral de previdência social (Lei 8.213/91, art. 57), assentar o direito da impetrante à aposentadoria especial de que trata o § 4º do art. 40 da CF. Na espécie, a impetrante, auxiliar de enfermagem, pleiteava fosse suprida a falta da norma regulamentadora a que se refere o art. 40, § 4º, a fim de possibilitar o exercício do seu direito à aposentadoria especial, haja vista ter trabalhado por mais de 25 anos em atividade considerada insalubre — v. Informativos 442 e 450. Salientando o caráter mandamental e não simplesmente declaratório do mandado de injunção, asseverou-se caber ao Judiciário, por força do disposto no art. 5º, LXXI e seu § 1º, da CF, não apenas emitir certidão de omissão do Poder incumbido de regulamentar o direito a liberdades constitucionais, a prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, mas viabilizar, no caso concreto, o exercício desse direito, afastando as conseqüências da inércia do legislador. MI 721/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 30.8.2007.

Mandado de Injunção e Direito de Greve. O Tribunal concluiu julgamento de três mandados de injunção impetrados, respectivamente, pelo Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Espírito Santo - SINDIPOL, pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa - SINTEM, e pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado do Pará - SINJEP, em que se pretendia fosse garantido aos seus associados o exercício do direito de greve previsto no art. 37, VII, da CF ("Art. 37.. .. VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica;") — v. Informativos 308, 430, 462, 468, 480 e 484. O Tribunal, por maioria, conheceu dos mandados de injunção e propôs a solução para a omissão legislativa com a aplicação, no que couber, da Lei 7.783/89, que dispõe sobre o exercício do direito de greve na iniciativa privada. No MI 670/ES e no MI 708/DF prevaleceu o voto do Min. Gilmar Mendes. Nele, inicialmente, teceram-se considerações a respeito da questão da conformação constitucional do mandado de injunção no Direito Brasileiro e da evolução da interpretação que o Supremo lhe tem conferido. Ressaltou-se que a Corte, afastando-se da orientação inicialmente perfilhada no sentido de estar limitada à declaração da existência da mora legislativa para a edição de norma regulamentadora específica, passou, sem assumir compromisso com o exercício de uma típica função legislativa, a aceitar a possibilidade de uma regulação provisória pelo próprio Judiciário. Registrou-se, ademais, o quadro de omissão que se desenhou, não obstante as sucessivas decisões proferidas nos mandados de injunção. Entendeu-se que, diante disso, talvez se devesse refletir sobre a adoção, como alternativa provisória, para esse impasse, de uma moderada sentença de perfil aditivo. Aduziu-se, no ponto, no que concerne à aceitação das sentenças aditivas ou modificativas, que elas são em geral aceitas quando integram ou completam um regime previamente adotado pelo legislador ou, ainda, quando a solução adotada pelo Tribunal incorpora "solução constitucionalmente obrigatória". Salientou-se que a disciplina do direito de greve para os trabalhadores em geral, no que tange às denominadas atividades essenciais, é especificamente delineada nos artigos 9 a 11 da Lei 7.783/89 e que, no caso de aplicação dessa legislação à hipótese do direito de greve dos servidores públicos, afigurar-se-ia inegável o conflito existente entre as necessidades mínimas de legislação para o exercício do direito de greve dos servidores públicos, de um lado, com o direito a serviços públicos adequados e prestados de forma contínua, de outro. Assim, tendo em conta que ao legislador não seria dado escolher se concede ou não o direito de greve, podendo tão-somente dispor sobre a adequada configuração da sua disciplina, reconheceu-se a necessidade de uma solução obrigatória da perspectiva constitucional. Por fim, concluiu-se que, sob pena de injustificada e inadmissível negativa de prestação jurisdicional nos âmbitos federal, estadual e municipal, seria mister que, na decisão do writ, fossem fixados, também, os parâmetros institucionais e constitucionais de definição de competência, provisória e ampliativa, para apreciação de dissídios de greve instaurados entre o Poder Público e os servidores com vínculo estatutário. Dessa forma, no plano procedimental, vislumbrou-se a possibilidade de aplicação da Lei 7.701/88, que cuida da especialização das turmas dos Tribunais do Trabalho em processos coletivos. No MI 712/PA, prevaleceu o voto do Min. Eros Grau, relator, nessa mesma linha. Ficaram vencidos, em parte, nos três mandados de injunção, os Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que limitavam a decisão à categoria representada pelos respectivos sindicatos e estabeleciam condições específicas para o exercício das paralisações. Também ficou vencido, parcialmente, no MI 670/ES, o Min. Maurício Corrêa, relator, que conhecia do writ apenas para certificar a mora do Congresso Nacional. MI 670/ES, rel. orig. Min. Maurício Corrêa, rel. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, 25.10.2007. (MI-670) MI 708/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 25.10.2007. (MI-708)MI 712/PA, rel. Min. Eros Grau, 25.10.2007. (MI-712).

Repassemos ainda, e por necessário, a literalidade do texto magno:

Art. 5º. LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

Sobressai, da leitura do dispositivo, uma exegese natural [01], a saber, que se trata de providência solicitada no âmbito judiciário [02], via ação civil de estatura constitucional, promovida em desfavor da(o) entidade/autoridade ou órgão moroso, pela pessoa que não possa exercer direito, liberdade ou prerrogativa que esteja na dependência de regulamentação infraconstitucional.

Nada obstante, prevalecia desde o advento da Carta de 1988, o entendimento de que o Judiciário não reunia competência para suprir a inércia de outro Poder, limitando-se a proferir, no bojo do mandado de injunção, uma decisão de simples ciência ao Poder competente a fim de que o mesmo produzisse a norma faltante. Veja-se como julgava o STF, composição anterior:

"Esta Corte, ao julgar a ADIN 4, entendeu, por maioria de votos, que o disposto no § 3º do artigo 192 da Constituição Federal não era auto-aplicável, razão por que necessita de regulamentação. Passados mais de doze anos da promulgação da Constituição, sem que o Congresso Nacional haja regulamentado o referido dispositivo constitucional, e sendo certo que a simples tramitação de projetos nesse sentido não é capaz de elidir a mora legislativa, não há dúvida de que esta, no caso, ocorre. Mandado de injunção deferido em parte, para que se comunique ao Poder Legislativo a mora em que se encontra, a fim de que adote as providências necessárias para suprir a omissão, deixando-se de fixar prazo para o suprimento dessa omissão constitucional em face da orientação firmada por esta Corte (MI 361)." (MI 584, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 29-11-01, DJ de 22-2-02)

Mandado de injunção: natureza mandamental (MI 107-QO, M. Alves, RTJ 133/11): descabimento de fixação de prazo para o suprimento da omissão constitucional, quando, por não ser o Estado o sujeito passivo do direito constitucional de exercício obstado pela ausência da norma regulamentadora (v.g., MI 283, Pertence, RTJ 135/882) —, não seja possível cominar conseqüências à sua continuidade após o termo final da dilação assinada. (MI 361, Rel. p/ o ac. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 8-4-94, DJ de 17-6-94)

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O mandado de injunção nem autoriza o Judiciário a suprir a omissão legislativa ou regulamentar, editando o ato normativo omitido, nem, menos ainda, lhe permite ordenar, de imediato, ato concreto de satisfação do direito reclamado: mas, no pedido, posto que de atendimento impossível, para que o Tribunal o faça, se contém o pedido de atendimento possível para a declaração de inconstitucionalidade da omissão normativa, com ciência ao órgão competente para que a supra. (MI 168, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 21-3-90, DJ de 20-4-90)

Assim é que, a duradoura prevalecência da corrente não-concretista, cujo efeito mais profundo que emprestava ao instituto era tornar cabal o reconhecimento da inércia da(o) entidade/autoridade/órgão público(a) [03], em verdade esterilizava o writ, e criava, por demais peculiar, verdadeira sobreposição deste com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º, CRFB [04]), quando, na verdade, a massiva doutrina entende tratar-se de actios fundamentalmente distintas.

O quadro que segue ajudará a acentuar o dimorfismo, agora chancelado pela nova composição da Corte Suprema:

Mandado de Injunção

Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão

Fundamento normativo: CF, art. 5º. LXXI

Fundamento normativo: CF, art. 103, § 2º.

Auto-aplicável? Sim.

Auto-aplicável? Sim.

Natureza jurídica: ação constitucional, de feições civis e constitutivas, integrante do controle difuso. Cunho subjetivo e destinado ao caso concreto. Resulta em mandamento, ordem.

Natureza jurídica: ação integrante do controle concentrado de constitucionalidade. Cunho objetivo e destinado à proteção da própria norma constitucional. Resulta em simples declaração, salvo no caso dos órgãos administrativos.

Cabimento: quando a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

Cabimento: em face de omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional.

Legitimidade Ativa: qualquer pessoa afetada pela inércia estatal

Legitimidade Ativa: apenas os elencados no rol do art. 103 da Constituição

Legitimidade Passiva: a entidade/órgão/autoridade morosa.

Legitimidade Passiva: a entidade/órgão/autoridade que omite a medida.

Competência: STF, STJ, Tribunais Superiores.

Competência: STF.

Procedimento: o mesmo do mandado de segurança.

Procedimento: o da Lei nº 9.868/99

Verdadeira interface: o caráter integrador de norma constitucional de eficácia limitada

Cremos, então, que uma importante garantia constitucional foi aviventada, e o texto magno recobrou o sentido almejado pelo constituinte, possibilitando àquelas pessoas diretamente afetadas pela inércia estatal, inclusive por intermédio de substitutos processuais (a jurisprudência do STF admite o manejo da ação de injunção na modalidade coletiva), a fazer valer ainda outros direitos que estão cristalizados no texto, mas que até o momento não eram exercidos e não encontravam o respaldo no poder judiciário.


Notas

01 Injunção, segundo o vernáculo, consiste em ordem expressa e formal.

02 Ao STF, originariamente, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, q). Ao STJ, originariamente, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, excetuados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal (art. 105, I, h). Aos Tribunais Superiores, com recurso ordinário para o STF, se denegatória a decisão, nos demais casos (art. 102, II, a).

03 Talvez com direito a uma indenização. Neste sentido, acompanhar julgamento, inconcluso até a presente, do REXT nº 424.584/MG (Responsabilidade Civil do Estado e Omissão Legislativa – Informativo nº 404 – turmário – 1 x 1, em vista com o Min. Gilmar Mendes).

04 Art. 103, § 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

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Sobre o autor
Fabio Cristiano Woerner Galle

Advogado da União em Curitiba (PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GALLE, Fabio Cristiano Woerner. Mandado de injunção: o resgate da interpretação concretista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1679, 5 fev. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10917. Acesso em: 26 dez. 2024.

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