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O fim da separação judicial

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A união civil entre homens e mulheres passou por inúmeras transformações com o decorrer dos anos, merecendo o instituto da União Estável, um Título exclusivo no atual código civil, que após inúmeros debates reconheceu em seu texto como entidade familiar "a união estável entre homens e mulheres, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família" (art. 1723 do CC).

Assim, o direito civil pátrio assegurou aos companheiros um regime matrimonial igual ao previsto no regime da comunhão parcial de bens, salvo disposição contratual em contrário, tal como previsto no art.1725 do CC.

Com isso, criou-se uma situação antagônica, pois, a despeito de restaram assegurados àqueles que não desejam contrair núpcias os mesmos direitos e deveres dos nubentes, é permitida a dissolução desta unidade familiar sem maiores formalidades, dentre elas o lapso temporal, mesmo com a existência de filhos menores.

Por outro lado, àqueles que formalizaram suas uniões com a celebração do casamento perante o Estado e a Igreja foi imposto um pesado fardo quando da necessidade de se dissolver a sociedade conjugal.

Atento aos anseios de nossa sociedade, moderna e dinâmica, foi incluído no Estatuto Processual Civil, pela Lei 11.441/2007, o art. 1.124-A, que veio a assegurar ao casal sem filhos menores, que consensualmente deseja pôr fim ao casamento, a dissolução da entidade familiar mediante escritura pública lavrada por tabelião, sem a necessidade de homologação judicial.

Contudo, mesmo com esta possibilidade de se dissolver a sociedade conjugal sem a necessidade de intervenção do Estado-Juiz, ainda há a necessidade de se observarem os prazos previstos no § 1º do art. 1572, no art. 1574, art. 1580 caput e § 2º do mesmo dispositivo, todos do Código Civil.

A razão para a existência desses prazos para a dissolução do casamento advém da Emenda Constitucional nº 09/77, regulamentada pela Lei 6.515/77, a conhecida Lei do Divórcio. Naquela ocasião, a sociedade brasileira passava por inúmeras transformações, sendo quea existência da figura do divórcio era uma realidade e uma necessidade. Contudo, as mudanças na estrutura familiar não eram aceitas pela Igreja Católica, instituição religiosa que sempre pregou e prega que o casamento entre homem e mulher é indissolúvel.

Na época da promulgação da Emenda nº 09/77, vigorava o Código Canônico de 1917, promulgado durante o Pontificado de Bento XV, que dispunha, no §1 do art. Can. 1082, que "Ut matrimonialis consensus haberi possit, necesse est ut contrahentes saltem non ignorent matrimonium esse societatem permanentem inter virum et mulierem ad filios procreandos. (matrimônio é uma sociedade permanente entre um homem e uma mulher para gerar filhos.)

O que fazer então para não contrariar a Igreja? Foi neste instante que divorcistas e antidivorcistas chegaram a um consenso, criando um período para a reflexão do casal, ou seja, o lapso temporal de 01 ano entre a decretação da separação e sua conversão em divórcio e de 02 anos para que se decretasse diretamente o divórcio independentemente de haver sentença anterior decretando a separação do casal.

Em 1983, o Código Canônico foi reformado, já no Pontificado de João Paulo II, e trouxe no art. 1055 §1 o seguinte texto: "Cân. 1055 § 1. O pacto matrimonial, pela qual o homem e mulher constituem entre si o consórcio de toda a vida, por sua índole natural ordenado ao bem dos cônjuges e à geração e educação da prole, entre batizados foi por Cristo Senhor elevado à dignidade de sacramento."

Como se observa, mesmo com as alterações sociais e legislativas, a Igreja ainda trata o casamento como "pacto matrimonial, pela qual o homem e mulher constituem entre si o consórcio de toda a vida".

Atualmente, os prazos de reflexão impostos pela Lei apenas aumentam o sofrimento das partes emocionalmente envolvidas em um processo de dissolução da sociedade conjugal – sejam os próprios nubentes como também filhos e pessoas próximas, pois nem sempre este rompimento é amigável.

Portanto, oportuna e socialmente correta a PEC 413/2005 (proposta de emenda à Constituição) de autoria do ex-Deputado Antonio Carlos Biscaia, que atualmente encontra-se apensada à PEC 33/2007, do Deputado Sergio Barrada Carneiro, do PT/BA, que, com as mesmas razões e justificativas, propõe a alteração do § 6º do art. 226 da Constituição Federal, que passará a dispor novas regras quanto ao divórcio, pois não mais haverá prazo para se requerer o divórcio, extinguindo-se conseqüentemente a figura da separação judicial.

Art. 1º O § 6º do art. 226 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

" Art. 226. ............................................................................................

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio consensual ou litigioso, na forma da lei." (NR)

Tal alteração porá fim ao prazo estabelecido na atual norma que permite que "O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos." (§6º do art. 226 da CRFB/88).

Desta forma, e de acordo com os valores da sociedade brasileira atual, irá se evitar expor a intimidade e a vida privada dos cônjuges e de suas famílias que inevitavelmente são revelados quando trazidos ao espaço público dos tribunais, como também toda a carga de constrangimentos que provocam a publicidade, que na maioria dos casos contribui para o agravamento da crise e dificulta o entendimento necessário para a melhor solução dos problemas decorrentes da separação.

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"Levantamentos feitos das separações judiciais demonstram que a grande maioria dos processos são iniciados ou concluídos amigavelmente, sendo insignificantes os que resultaram em julgamentos de causas culposas imputáveis ao cônjuge vencido. Por outro lado, a preferência dos casais é nitidamente para o divórcio que apenas prevê a causa objetiva da separação de fato, sem imiscuir-se nos dramas íntimos; Afinal, qual o interesse público relevante em se investigar a causa do desaparecimento do afeto ou do desamor?

O que importa é que a lei regule os efeitos jurídicos da separação, quando o casal não se entender amigavelmente, máxime em relação à guarda dos filhos, aos alimentos e ao patrimônio familiar. Para tal, não é necessário que haja dois processos judiciais, bastando o divórcio amigável ou judicial." (fragmento das Justificativas apresentadas)

Ambas as PECs já foram aprovadas pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania) da Câmara dos Deputados. Assim, esperamos que o quanto antes esta proposta se torne uma emenda, o que possibilitará e evitará que questões puramente familiares e pessoais sejam expostas publicamente nos autos de um processo, criando mais dissabores àqueles que simplesmente desejam consensualmente pôr fim ao casamento.


Bibliografia:

A Natureza Jurídica do matrimônio à luz do novo código de direito canônico - Dom Rafael Llano Cifuente - http://www.presbiteros.com.br

Código de Direito Canônico de 1917 - http://www.veritatis.com.br

Apostolado Veritatis Splendor: Livro I - DAS NORMAS GERAIS . Disponível em http://www.veritatis.com.br/article/2508. Desde 8/3/2004.

Apostolado Veritatis Splendor: Livro II - Das Pessoas/Parte 1ª - Dos Clérigos (I). Disponível em http://www.veritatis.com.br/article/2509. Desde 8/3/2004

Código de Direito Canônico de 1983 - http://www.presbiteros.com.br

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Sobre o autor
Virgilio Ricardo Coelho Meirelles

Advogado e professor universitário. Pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEIRELLES, Virgilio Ricardo Coelho. O fim da separação judicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1678, 4 fev. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10918. Acesso em: 29 mar. 2024.

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