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Os partidos políticos e o fenômeno da corrupção eleitoral

13/02/2008 às 00:00
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Resumo: A democracia representativa, por meio dos partidos, é a fórmula que se mostrou mais adequada, ao menos até o momento, para conciliar os mais diversos interesses em uma vontade geral. Dada esta realidade, mostra-se necessário o aprofundamento nos estudos do sistema eleitoral-partidário, principalmente em seus efeitos perversos, para que se possa combatê-los, fortalecendo-se a democracia partidária. A corrupção política, em geral, e a corrupção eleitoral, em específico, somente podem ser efetivamente combatidas em uma democracia em que o exercício do poder apresente-se visível e transparente à opinião pública, abastecida esta de valores éticos com os quais será confrontado o exercício do poder político. Estas são condições sem as quais não se pode falar em democracia material.

Palavras-chave: Partido político; corrupção eleitoral; democracia; valores éticos.


Introdução.

Ao menos até o momento, não se vislumbrou outro meio possível – ou tão eficiente quanto, apesar de todos os seus problemas – para a operacionalização da democracia representativa que não através dos partidos políticos.

O sistema eleitoral-partidário e suas degenerações, dentre elas o fenômeno da corrupção, merecem uma maior atenção, dadas as suas implicações sociais. Na lição de Raul Machado Horta [01], "a corrupção é uma conseqüência, cuja causa primeira reside na ruptura de valores, operada no domínio da conduta humana. A autonomia da Política, no seu desvinculamento da Ética e da Religião, conduziu, em seu longo percurso histórico, ao enfraquecimento da consciência ética, que as formas de organização política aprofundaram, promovendo a separação entre a Ética e a Política".

O presente trabalho tem por escopo analisar a relação existente entre os partidos políticos e o fenômeno da corrupção eleitoral, bem como as implicações desta relação com o regime democrático. Para tanto, dividiu-se este trabalho em três pontos.

O primeiro abordará o tema dos partidos políticos, apresentando, inicialmente, a distinção entre estes e os agrupamentos "pré-partidários", bem como a alteração que se deu em sua estrutura e em seu funcionamento. Tais alterações, como se verá, permitiram a ocorrência das denominadas "patologias partidárias", quais sejam, a tendência oligárquica de sua estrutura interna, a personalização e a espetacularização no exercício do poder político, inclusive, e principalmente, a corrupção no processo eleitoral. A seguir, em um segundo momento, pretende-se analisar, mais detidamente, o fenômeno da corrupção no processo eleitoral, seu conceito, os momentos e as maneiras pelas quais ele se apresenta no panorama eleitoral-partidário na atualidade.

Em um terceiro momento, busca-se abordar o tratamento constitucional ao fenômeno da corrupção eleitoral. E, aqui, pretende-se analisar tanto os dispositivos repressivos à corrupção eleitoral quanto os preventivos, que, em geral, têm seu âmbito de aplicação no exercício do poder político que não deve ser utilizado no sentido de garantir a sua "reaquisição".

Por fim, será a patologia da corrupção eleitoral colocada frente aos princípios democráticos, momento no qual se pretenderá vislumbrar possíveis rumos de compatibilidade e de fortalecimento da consciência ética [02].


1. Os partidos políticos e a sua degeneração.

É neste contexto apresentado que se apresenta o fenômeno da corrupção [23]. Não que ele tenha surgido tão somente neste momento histórico; a doutrina narra episódios de corrupção eleitoral de longa data. Dessarte, Manoel Martins de Figueiredo Ferraz descreve como se dava a corrupção eleitoral em Roma, bem como quais foram as respostas dadas pelo direito romano ao fenômeno. Segundo o romanista, as leges de ambitus relacionavam-se "com o comportamento ou atos ilícitos dos que visavam as honras ou as magistraturas romanas, objeto de eleições" [24]. Segue o autor indicando que, no ano 358 a.C., o tribuno da plebe C. Petélio conseguiu aprovar plebiscito conhecido como Lex Poetelia de ambitu, que proibia se solicitassem votos nas reuniões públicas ou nos mercados [25]. Interessantes igualmente outras medidas adotadas à época, narradas por Manoel Ferraz [26], para conter a compra de votos: havia prescrições contra o costume de banquetear eleitores, não podendo o candidato ter à mesa mais de nove candidatos e nem valer-se de terceiros para festividades que lhes possam conferir vantagens eleitorais.

Não diferem deste ensinamento Raul Machado Horta [27] e Manoel Gonçalves Ferreira Filho [28], para quem o fenômeno da corrupção é registrado desde a Antigüidade, acrescentando que, nos dias que correm, não é ele um fenômeno exclusivamente brasileiro: "o mesmo se passa noutros (países), inclusive nos mais desenvolvidos: Japão, Holanda, França, Estados Unidos, URSS etc. E isto a ponto de provocar reuniões internacionais, como o 5º Congresso Mundial sobre a Corrupção, em Amsterdam, na Holanda, em março passado".

Luca Mezzetti, quando esteve no Brasil, por ocasião do 10º Encontro Nacional de Direito Constitucional, que tratou do regime democrático e da questão da corrupção política, apresentou um panorama europeu de combate à corrupção; medidas legislativas e não legislativas estão sendo e ainda serão tomadas nos mais diversos países europeus para a luta contra esta patologia eleitoral. São os caso, v.g., da Alemanha em que existem, em alguns de seus Länder, as "Seções anti-corrupção", e da França, com o "Serviço central de prevenção da corrupção", criado em 1993 [29].

A corrupção, pois, não é recente e nem fenômeno exclusivo brasileiro. Sobre a sua essência, afirma Manoel Gonçalves Ferreira Filho [30] que "sempre foi ela vista como um mal. E um mal gravíssimo, que solapa os alicerces do Estado e ameaça a sociedade. Assemelha-se à podridão do fruto. É o que assinala a etimologia do termo. Corruptio, em latim, é a explosão do âmago de um fruto, em razão da sua podridão interna". "Assim, – continua o constitucionalista – o que se encara como corrupção não é apenas uma falta, grave sem dúvida, mas que não transcende a pessoa que a comete. É uma falta que perverte, e por isso, ameaça o regime, porque solapa os seus fundamentos".

Na política, a corrupção "está associada à persecução de objetivos privados em detrimento do interesse geral" [31], observa Elival da Silva Ramos. Tomam-se decisões políticas levando-se em conta interesses de grupos ou até mesmo interesses particulares, dando-lhes roupagem de interesse público. Mas esta utilização do exercício do poder político para a obtenção de vantagens pessoais, em geral, vantagens pecuniárias, em típico desvio de poder, não é a única forma de manifestação dão fenômeno da corrupção. O fenômeno da corrupção pode se manifestar igualmente de modo a utilizar-se de meios ilícitos para o alcance de fins lícitos. Distingue as situações Manoel Gonçalves Ferreira Filho [32]:

"Ninguém contestará, no entanto, ser corrupção todo ato que envolver uma retribuição material – essencialmente de dinheiro – o instrumento ou móvel da conduta indevida.

"Assim, há corrupção, seja quando se usa desse recurso para a obtenção do poder, seja quando se utiliza do poder para lograr proveito financeiro. Num caso, o dinheiro – usa-se o nome – é meio ilícito para fim lícito, no segundo é o objetivo ilícito de uma conduta".

A segunda forma de corrupção, pontada por Ferreira Filho, é mais "comum" na prática eleitoral-partidária, estando presente diuturnamente nos meios difusores de informação. Mas esta, por óbvio, pressupõe o exercício do poder político por parte daquele que pretende angariar vantagens indevidas, em típico desvio de poder. É a esta prática que se referiu Elival da Silva Ramos, em trecho anteriormente mencionado.

Mas é na primeira ordem de manifestações corruptivas que se enquadra a corrupção eleitoral. Sim, porque a finalidade do processo eleitoral é a apuração da vontade geral, manifestada pelo voto, indicativa de determinado ou determinados candidatos para o loteamento de determinado ou determinados cargos públicos. A sua finalidade é, em suma, legitimar a aquisição do poder político. A corrupção no processo eleitoral acaba sendo a utilização de meios ilícitos, tais como compra de votos e fraude na sua contabilização, para o alcance de um fim lícito, que é a aquisição do poder político.

Atentou-se a esta patologia Mônica Herman Salem Caggiano [33] ao apontar que "muitos e variados são os fatores atuantes no sentido de produzir ingerências na livre manifestação das opções políticas. Fatores que, quando acionados à margem das linhas da legalidade e da moralidade, quando manipulados de molde a produzir desvios na exteriorização das preferências político-eleitorais, ingressam na esfera patológica dominada pela corrupção, onde emerge, como terreno facilmente impregnável, o campo do financiamento das campanhas político-eleitorais".

De fato, muitas são as maneiras de desvirtuamento da livre manifestação das opções políticas, e, se, por um lado, ninguém negará que a compra de votos ou o denominado voto de "cabresto" são manifestações deste fenômeno e devem ser combatidos, por outro não fica tão claro o enquadramento quando se trata, por exemplo, do financiamento partidário, quando, por óbvio, este não é, pelo ordenamento vigente, exclusivamente público. Pode-se argumentar que, com os vultosos financiamentos partidários, abusa-se do poder econômico, procedendo-se à compra desenfreada de votos, entre outros. A afirmativa é correta, mas, aqui, a conduta ilícita é a compra de votos em si, não o financiamento [34]. A resposta para esta sorte de problemas decorrentes do financiamento eleitoral está no controle dos gastos de campanha, evitando-se os "gastos não contabilizados", última moda em matéria eleitoral-partidária; para tanto deve haver transparência no quanto se recebe, no quanto e em que se gasta. Parece simples, mas, infelizmente, não é.

Outro aspecto importante e igualmente preocupante do financiamento partidário diz respeito à vinculação que passa a existir entre o partido, cujos membros eventualmente passam a exercer o poder político, e o financiador de sua campanha. É mais uma vez Mônica Herman Salem Caggiano [35] quem chama a atenção para a "maciça intervenção financeira dos ‘lobbies’ nas campanhas político-partidárias", e este apoio será cobrado, futuramente, quando do exercício do poder político, que atenderá, por vezes, aos interesses desses grupos, em detrimento do interesse geral. Mas, ainda assim, o financiamento, em si, não é ilícito; ilícito é o desvio de poder ulteriormente praticado. Em razão dessas peculiaridades é que se torna tão difícil o combate à corrupção eleitoral nessas hipóteses.

Por fim, outro momento em que se percebe grande ocorrência do fenômeno da corrupção eleitoral é o do próprio exercício do poder político: ocupantes de cargos públicos que se utilizam desta situação privilegiada com relação aos demais candidatos para se manterem no poder, que pode ser tanto no mesmo cargo quanto em outro qualquer; é o uso da própria "máquina" para nela se manter. Trata-se de situação peculiar, em que se confundem a corrupção no processo eleitoral com a corrupção no exercício do poder.

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São estas situações, apresentadas em linhas gerais, em que a ética, de uma maneira ou de outra, é deixada de lado, rompendo-se valores os quais cabe ao direito resguardar. Ensina Cezar Saldanha Souza Junior que "o direito é essa verdadeira atividade de sopesar o político e o ético. Descobrir qual é aquele mínimo ético que a sociedade precisa, naquele momento histórico, para preservar sua convivência e tornar esse mínimo ético obrigatório politicamente. Que papel fundamental! É o direito que confere à política verdadeiro sentido de fim do humano. Sem a ética, a política seria uma política torta; é o direito que endireita a política. É o direito que coloca a política no caminho do bem, do humano, do justo. Justo que nós vamos descobrir na sociedade por meio da razão prática, pelo juiz, pelo legislador".

Nesse sentido, aponta a doutrina constitucionalista serem as regras que tratam da aquisição e exercício do poder materialmente constitucionais [36]; assim, é próprio que se encontrem regras constitucionais que visem a coibir o fenômeno da corrupção tanto no processo eleitoral – aquisição – quanto no próprio exercício do poder político. E, no que diz respeito ao processo eleitoral, as precauções constitucionais contra a corrupção estão presentes expressamente no art. 14 da Constituição, dentre as quais algumas serão rapidamente apontadas.

Já em seu caput, prevê o texto constitucional o voto secreto. Este é, sem dúvida, uma das mais importantes manifestações da liberdade de opção política. Na opinião de Manoel Gonçalves Ferreira Filho [37], "a experiência demonstrou que somente em segredo o cidadão comum pode seguir a própria consciência na determinação de quem há de merecer o seu voto. Se é indiscutível que mesmo com o sigilo obrigatório as consciências muitas vezes são violentadas, sem ele não há, na prática, verdadeira liberdade de voto".

Neste mesmo artigo, em seu §6º, há dispositivo que obriga a renúncia de mandato para o Presidente, o Governador de Estado ou do Distrito Federal e o Prefeito que pretender concorrer a outro cargo seis meses antes do pleito. Busca-se, assim, evitar o uso do poder político com o propósito de nele se manter. O mesmo objetiva o §7º seguinte, que determina inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente, de Governador e de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.

Vale uma última menção à possibilidade de impugnação de mandato eletivo perante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação em razão de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude no processo eleitoral.


Conclusão: os partidos políticos, a corrupção eleitoral e a democracia – retomada dos valores éticos.

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Notas

01Improbidade, p.121.

02 Por exclusão, dada a complexidade do tema, há os possíveis rumos de incompatibilidade entre democracia e partidos políticos, com um conseqüente enfraquecimento da consciência ética, mas estas conclusões deixamos para os menos otimistas.

03Os partidos, p.19.

04 Cf. Afonso Arinos de Melo Franco, História e teoria, p.12.

05Do espírito das leis, Livro 11º, Capítulo VI.

06 Cf. Elival da Silva Ramos, Representação, p.7.

07 Cf. Auro Augusto Caliman, Mandato, p.30.

08 Cf. Monica Herman Salem Caggiano, Legalidade, p.131.

09 Cf. Norberto Bobbio, O futuro, p.18.

10 Cf. Robert Michels, Os partidos, p.105 e s..

11Os partidos, p.21 e ss..

12Legalidade, p.132.

13Representação e democracia, p.10.

14O futuro, p.26.

15 No caso brasileiro, as eleições para o Senado poderiam ser melhor enquadradas nesta primeira linha, dadas as suas peculiaridades.

16 Não tendo mais relevância a "afinação" ideológica entre ambos, dados os acontecimentos recentes...

17Os partidos, p.188.

18Os partidos, p.27.

19Os partidos, p.116.

20 Superficial, sim, pois muda ao sabor dos ventos, mas, por vezes, determinantes nos esporádicos episódios de manifestação direta da vontade popular, tais como as eleições, referendos, etc..

21Os partidos, p.218 e s..

22Os partidos, p.130.

23 Maurice Duverger, Os partidos, pp.22 e s., apresenta aspecto interessante da corrupção no desenvolvimento dos grupos parlamentares britânicos, tendo ela "ocupado lugar assaz importante" nesse processo. Sustenta o autor, ainda que com uma certa precaução, "a importância que esses fenômenos de corrupção assumem numa certa fase do desenvolvimento democrático, como meio de o Governo resistir a uma pressão crescente das assembléias (...)".

24A corrupção, p.37.

25A corrupção, pp.38 e s..

26A corrupção, p.40.

27Improbidade, p.122 e ss.

28A corrupção como fenômeno, p.1; o texto se refere, provavelmente, a março de 1991, ano de publicação do artigo.

29Consolidamento, p.33 e ss..

30Corrupção e democracia, p.213 e s..

31Ética e política, p.88.

32Corrupção e democracia, p.214.

33Legalidade, p.136.

34 Os votos podem ser comprados, inclusive, com recursos de financiamento público, e nesse caso não se falaria que o financiamento público é corrupto.

Parece ser esta a idéia de Monica Herman Salem Caggiano, que, ao tratar sobre o tema, em sua obra Finanças partidárias, apresenta, em uma primeira parte, um estudo sobre a captação dos recursos para a campanha, atentando-se apenas às formas adotadas pelos mais diversos ordenamentos para tanto, e é na segunda parte de seu trabalho, ao tratar dos gastos, ou seja, da aplicação dos recursos angariados, que se preocupa a autora com a sua fiscalização, chamando a atenção para o "tratamento legal conferido à questão, ainda no intuito de coibir que a irregular utilização do dinheiro e os abusos a que se conduz o incontido desejo de galgar os degraus do poder possam solapar as bases da democracia" (p.92).

35Finanças partidárias, p.44 e s..

36 Cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso, p.11.

37Comentários, p.120.

38O futuro, p.10.

39Ética e política, p.94.

40O futuro, p.39.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Os partidos políticos e o fenômeno da corrupção eleitoral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1687, 13 fev. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10927. Acesso em: 23 dez. 2024.

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