A Resolução sob exame legitima a extinção da execução fiscal de valor inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais) em que não haja movimentação útil há mais de um ano sem citação do executado ou, ainda que citado, não tenham sido localizados bens penhoráveis, tendo em vista o princípio constitucional da eficiência administrativa, respeitada a competência constitucional de cada ente federativo (art. 1º e § 1º).
O art. 40 da LEF, Lei nº 6.830/1980, na hipótese versada acima, independentemente do valor da execução fiscal determina a suspensão do processo (§ 1º) e decorrido o prazo máximo de um ano, sem que tenham sido encontrados bens penhoráveis, prescreve que o juiz ordenará o arquivamento dos autos (§ 2º).
Encontrados os bens, a qualquer tempo, serão os autos desarquivados para prosseguimento da execução (§3º).
Se decorrido o prazo prescricional, a contar da decisão que ordenar o arquivamento, o juiz, ouvido a Fazenda, decretará a prescrição intercorrente de imediato (§ 4º).
A jurisprudência do STJ, acertadamente, mandou contar esse prazo prescricional referido no § 4º, a partir da constatação da não localização do devedor ou de ausência de bens penhoráveis pelo oficial de justiça (REsp nº 1.340.553, Rel. Min. Mauro Campbell, julgado em sede de recurso repetitivo).
De fato, não faz sentido atribuir o início do prazo prescricional a um mero despacho do juiz que não tem prazo para proferi-lo. A prática tem demonstrado que o simples despacho interlocutório, muitas vezes, leva dois ou três anos, porque os autos são esquecidos nos escaninhos do cartório.
Para efeito de verificação do valor de R$ 10.000,00 de que cuida o § 1º, a Resolução sob comento determina à soma dos valores das execuções que estejam apensadas e propostas em face do mesmo executado (§ 2º). O § 3º, por sua vez, ressalva a propositura da nova execução fiscal se forem encontrados os bens do executado, ao passo que o seu § 5º faculta à Fazenda requerer nos autos a não aplicação, por até 90 dias, do § 1º deste artigo, caso demonstre que, dentro desse prazo, poderá localizar bens do devedor.
Os dispositivos dessa Resolução são confusos e conflitantes.
Realmente, uma vez extinta a execução na forma do § 1º, não cabe falar em propositura de nova execução fiscal, se encontrados os bens do devedor, obedecido o prazo prescricional que tem como termo inicial o prazo de um ano após a data da ciência pela Fazenda Pública a respeito da não localização do devedor ou da inexistência de bens penhoráveis (§ 5º).
Somando-se o prazo da execução original e o prazo para a propositura da segunda execução, o prazo prescricional de cinco anos previsto no art. 174 do CTN, aí abrangida a prescrição intercorrente, é superado mais que duas vezes, e levará no mínimo 11 anos para consumação desse prazo prescricional, promovendo uma inovação ilegal da lei vigente.
A inovação legislativa veio à tona, por ironia, exatamente depois que a jurisprudência contornou a impropriedade do § 4º, do art. 40 da LEF para reconhecer a consumação do prazo prescricional contado, a partir da data da ciência pela Fazenda da não localização do devedor ou de seus bens (REsp nº 1.340.553). Com isso,a jurisprudência já havia encontrado uma exegese para proceder a interpretação do polêmico § 4º, do art. 40 da LEF, conforme a Constituição. É a única interpretação que vai ao encontro à sua Súmula de nº 314: “Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo de prescrição quinquenal intercorrente”.
Além dessas inovações danosas, o art. 2º da Resolução sob exame introduz requisitos para o ajuizamento da execução fiscal, como a prévia tentativa de conciliação, ao passo que o seu art. 3º condiciona a execução fiscal ao prévio protesto da certidão de dívida ativa, com a exceção prevista em seu parágrafo único.
Em outras palavras, a execução fiscal fica condicionada à prévia aplicação de sanção política condenada por nada menos que três súmulas do STF editadas didática e ilustrativamente: Súmulas nºs 70, 323 e 547.
Por derradeiro, o seu art. 4º, para o grande espanto dos cultores do Direito, criou uma obrigação para os cartórios de notas e de registro de imóveis de comunicar às respectivas Prefeituras, em periodicidade não superior a 60 (sessenta) dias, todas as mudanças na titularidade de imóveis realizados no período, a fim de permitir a atualização cadastral dos contribuintes das Fazendas Municipais, violando o princípio da legalidade segundo o qual ninguém e obrigado a fazer ou não fazer algo senão em virtude lei. Não há, nem pode haver regulamentação de uma obrigação não contida na Lei nº 8.935/1994 que rege os serviços notariais e de registro público. Outrossim, a maioria das legislações municipais, ao instituírem o ITBI, já atribuem ao alienante ou ao comprador a obrigação de atualizar o cadastro municipal de imóveis.
A Resolução sob comento claramente invade a esfera de competência do legislador sendo ela inconstitucional.
Não cabe ao CNJ a função normativa para dispor sobre a execução fiscal regida pela lei especifica, a Lei nº 6.830/80 com a aplicação subsidiária do CPC.
A agilização do processo de execução fiscal deve ser buscada por via legislativa própria, e o Poder Legislativo, ao que tudo indica, não está interessado nisso.
Em 2007 quando estava em discussão a execução administrativa como forma de se livrar de toneladas de execuções fiscais emperradas, participarmos de audiência pública no Conselho da Justiça Federal e apresentamos a proposta consistente em alterar parcialmente a Lei nº 6.830/80 exigindo como pré-requisito da execução fiscal a junção do auto de penhora administrativa juntamente com a CDA.
Assim o fizemos porque a causa da paralisação dos processos residia na não localização do devedor ou de seus bens.
Foi a forma que encontramos para exigir da Fazenda a execução qualitativa do crédito tributário impedindo o ajuizamento em massa de execuções contra devedores em lugar incerto e não sabido, só para interromper a prescrição.
A nossa proposta foi enviada ao Congresso Nacional, tendo a Câmara dos Deputados apresentado o respectivo projeto de lei.
Logo de início a penhora administrativa foi substituída pela “indisponibilidade temporária de bens” que após intermináveis providências burocráticas com deslocamento do processo da Procuradoria Fiscal para o Juízo da execução e vice-versa, o Juiz homologava aquela indisponibilidade convolando-a em penhora definitiva. Só então o executado era citado para opor embargados no prazo legal, a contar da data da penhora, como está na LEF vigente.
Pela nossa proposta, como o auto de penhora administrativa integrava a inicial, o executado era citado para embargar a execução, se quiser, aduzindo de uma só vez toda a matéria preliminar e o mérito de acordo com o princípio da eventualidade. Afinal, a alteração da penhora judicial para a penhora administrativa não facilita, nem dificulta a defesa do executado. Tudo o mais permanecia inalterável. Era simples demais! Dezenas de emendas foram apresentadas para tornar bastante prolixa a penhora administrativa e, ao final, a tramitação do projeto legislativo foi interrompida. Não se tem mais notícia acerca dele.
Se aquela nossa proposta tivesse sido convertido em lei teríamos hoje 90% das execuções fiscais a menos agilizando as execuções viáveis
É preciso reverter essa cultura do legislador de complicar tudo em busca da simplificação, como aconteceu com a EC nº 132/2023, que implantou a reforma tributária em nome da simplicidade tributária, mas que acabou inserindo 491 normas constitucionais confusas e prolixas no capítulo do Sistema Tributário Nacional, transformando a Constituição de 1988 em colcha de retalho de dificílima interpretação e compreensão.