Crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e os atos de 8 de janeiro.

Uma contextualização da intensificação da tentativa de fissura institucional e a nova tratativa do Código Penal

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Resumo:


  • Os atos antidemocráticos em Brasília, em 8 de janeiro de 2023, foram resultado de um longo período de desgaste das relações entre os Poderes da União, incentivados por discursos e ações do então presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores.

  • Os ataques violentos perpetrados em 8 de janeiro de 2023 foram caracterizados como uma tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, enquadrando-se no crime previsto no artigo 359-L do Código Penal, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal.

  • A análise qualitativa dos eventos de 8 de janeiro de 2023 aponta para a orquestração de grupos extremistas insatisfeitos com o resultado das eleições, culminando em ações que desrespeitaram a ordem constitucional, resultando em consequências legais para os envolvidos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Os atos extremistas orquestrados e executados em 8 de janeiro podem ser considerados uma tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, conforme tipificado no art. 359-L do Código Penal?

Resumo: Um ato sistêmico como ocorrido em 8 de janeiro de 2023 não surge do acaso, muito menos se intensifica sem um apoio de integrantes do alto escalão. Assim ocorreu em Brasília, uma legião de indivíduos sedentos por uma fissura institucional e tomada do poder, por acreditar que essa seria a única saída à satisfazer suas supostas defesa de liberdade diante do resultado das eleições anteriores. Os acontecimentos pré e pós governo Bolsonaro foram decisivos a despertar a suposta necessidade de quebra do Estado Democrático de Direito pelos manifestantes antidemocráticos em Brasília, em janeiro de 2023. Diante disso, surgiu a necessidade de análise dos ataques às instituições democráticas em 8 de janeiro de 2023 e se esses atos se enquadram no crime tipificado pelo Código Penal, em seu art. 359-L. Para isso, será utilizada a pesquisa qualitativa com análise do acervo bibliográfico disponível em meios físicos e digitais. Assim, conclui-se que os atos perpetuados em 8 de janeiro, no Distrito Federal, são enquadrados como tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, do Código Penal, conforme inclusive vem sendo julgado pelo Supremo Tribunal Federal.

Palavras-chave: Antidemocrático; Brasília; Estado Democrático de Direito.


INTRODUÇÃO

Os atos antidemocráticos perpetrados em 8 de janeiro de 2023 foram o pior ultraje experimentado pela democracia brasileira desde a promulgação da nova ordem constitucional. Durante a solenidade de lançamento de exposição memorial, a diretora-geral do Congresso Nacional, Ilana Trombka (SENADO, 2023, online), ressaltou que “a invasão de 8 de janeiro foi o maior ataque ‘simbólico e concreto’ à democracia do país”.

O dia 8 de janeiro ficou marcado na história do país em razão dos ataques orquestrados por uma minoria insatisfeita com o resultado do pleito eleitoral realizado meses antes, que resultou na vitória do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, derrotando o então candidato à reeleição, Jair Messias Bolsonaro. Antes do ocorrido, uma caravana composta por 100 ônibus dirigia-se à sede dos Três Poderes, transportando mais de 3 mil pessoas. Após a concentração, a massa enfurecida começou a marchar em direção ao Congresso Nacional, onde a barreira mantida pela Polícia do Distrito Federal, numericamente insuficiente diante da dimensão dos atos, cedeu, permitindo a entrada dos extremistas na sede do Poder Legislativo. O local foi transformado em um verdadeiro cenário de guerra, com destruição generalizada.

Os ataques se intensificaram, destruindo grande parte dos bens da sede do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto.

Contudo, é evidente que esses atos não surgiram ao acaso, mas foram fruto de um longo período de desgaste na harmonia entre os Poderes da União, em grande parte alimentado pelo então presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, e pela força política de seu governo, conhecida popularmente como “bancada da bala”.

A punição desses crimes estava prevista na antiga Lei de Segurança Nacional (Decreto-Lei nº 314, de 13 de março de 1967), que foi revogada pela Lei nº 14.197/2021, a qual acrescentou ao Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940), em sua parte especial, o Título XII, relativo aos crimes contra o Estado Democrático de Direito.

Diante disso, surgiram questionamentos sobre a recente alteração legislativa e sua relação com o ocorrido: os atos extremistas orquestrados e executados em 8 de janeiro podem ser considerados uma tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, conforme tipificado no art. 359-L do Código Penal?

Para isso, a análise será dividida em três tópicos sequenciais. Primeiramente, será necessário entender como surgiu esse movimento extremista no país, que defendia bandeiras inconstitucionais e visava à ruptura institucional. Em seguida, serão expostos os acontecimentos de 8 de janeiro de 2023, para, finalmente, traçar um paralelo entre a noção de Estado Democrático de Direito, os atos extremistas desse dia e a recente alteração legislativa no Código Penal, a fim de identificar se houve enquadramento no crime previsto no art. 359-L, utilizando como base a Ação Penal 1060, de competência originária do Supremo Tribunal Federal.


BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DO PERÍODO PRÉ-ATAQUES

Após intensas ofensivas políticas visando o cargo de chefia do Poder Executivo Federal, no dia 7 de outubro de 2018 foi divulgado o resultado do primeiro turno das eleições, no qual o então candidato Jair Messias Bolsonaro assumiu a liderança com 46,03% dos votos pela coligação “Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos (PSL-PRTB)”, enquanto seu concorrente, Fernando Haddad, obteve 29,28% dos votos pela coligação “O Povo Feliz de Novo (PT-PCdoB-PROS)”. (CONCLUÍDA..., 2018, online)

No entanto, o resultado se confirmou no segundo turno das eleições presidenciais, realizado em 28 de outubro de 2018, consagrando a vitória do ex-capitão da reserva, que obteve 55,13% dos votos válidos.

Após sua vitória nas urnas, o capitão da reserva fez dois discursos com tons distintos para diferentes públicos. “No primeiro deles, transmitido ao vivo no Facebook a seus seguidores, Bolsonaro manteve o tom belicoso contra a esquerda e a imprensa.” (CAMPOS, 2018, online)

Já em seu discurso transmitido pelas emissoras de televisão, Bolsonaro afirmou seu compromisso com a democracia e com os preceitos constitucionais, exaltando principalmente o direito à liberdade de expressão, tema recorrente em seus discursos ao longo da campanha eleitoral:

Liberdade é um princípio fundamental, liberdade de ir e vir, liberdade de empreender e liberdade política e religiosa, liberdade de informar e ter opinião, liberdade de fazer escolha e ser respeitado, este é o país de todos nós, brasileiros natos ou de coração. Brasil de diversas cores e opiniões. Como defensor da liberdade, vou guiar um governo que proteja os direitos do cidadão que cumpre o seu dever e respeita as leis, elas são para todos, porque assim será nosso governo: constitucional e democrático. (XAVIER, 2018, online)

No entanto, conforme será exposto, a defesa da democracia tornou-se um dos principais alvos de críticas da oposição e de diversos estudiosos, já que viam suas atitudes como Chefe do Poder Executivo desvirtuadas do que realmente se espera em uma democracia, especialmente quando se destacava sua postura em relação aos demais Poderes da República.

A vitória eleitoral do ex-presidente Jair Bolsonaro não foi um resultado aleatório ou fruto do acaso e do oportunismo, mas sim de uma crescente linha de pensamento extremo na política brasileira, principalmente ao se levar em consideração os recentes casos emblemáticos de corrupção que impregnaram a administração pública, em larga escala, envolvendo figuras ligadas ao Partido dos Trabalhadores (PT) e, à época, ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), que passou a se chamar Movimento Democrático Brasileiro (MDB) após aprovação da alteração de sua sigla pelo Tribunal Superior Eleitoral, em 15 de maio de 2018. (APROVADA..., 2018)

A cada dia, durante o governo da então presidente Dilma Rousseff, especialmente a partir de 2011, os escândalos de corrupção aumentavam:

Em oito meses de mandato, um mar de lama não para de transbordar dos ministérios do governo Dilma. Já chega a seis o número de pastas envolvidas em escândalos de corrupção: Turismo, Agricultura, Transportes, Cidades, Desenvolvimento Agrário e Minas e Energia. (MAR..., 2011, online)

O descontentamento com o cenário político era tão grande que motivou uma histórica manifestação por todo o Brasil, sendo São Paulo o estado com o maior número de manifestantes registrados. Na icônica Avenida Paulista, o ato reuniu mais de 1,4 milhão de pessoas, segundo estimativa da Polícia Militar de São Paulo. Segundo o G1, “grande parte dos manifestantes vestia verde e amarelo e levava cartazes contra a corrupção, o governo federal e o PT. Além de exigirem a saída de Dilma, muitos manifestantes também protestaram contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva [...]” (MANIFESTANTES..., 2016, online).

O ápice ocorreu com o processo de impeachment[1] da ex-presidente Dilma Rousseff, após sua condenação por crime de responsabilidade, devido às chamadas “pedaladas fiscais” e pela abertura de crédito suplementar sem autorização do Congresso, por meio de decretos (IMPEACHMENT..., 2016, online):

O processo de impeachment de Dilma Rousseff teve início em 2 de dezembro de 2015, quando o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha deu prosseguimento ao pedido dos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal. Com uma duração de 273 dias, o caso se encerrou em 31 de agosto de 2016, tendo como resultado a cassação do mandato, mas sem a perda dos direitos políticos de Dilma.

Assim, percebe-se que a vitória de Bolsonaro nas urnas foi impulsionada pelo crescente descontentamento popular com os antigos modelos políticos, alavancada pela campanha massiva nas redes sociais, com dezenas de milhares de grupos no WhatsApp, por exemplo, e com seus discursos focados no antipetismo e no antissistema, além dos constantes ataques baseados nas investigações contra o Partido dos Trabalhadores (MAGENTA, 2018). Isso fortaleceu ainda mais sua candidatura, impulsionada pelo apoio popular.

Com a vitória, o ex-presidente instaurou um intenso conflito entre os Poderes da União, especialmente com o Supremo Tribunal Federal. Nos primeiros meses do governo Bolsonaro, o STF não precisou intervir com frequência. No entanto, ao final do primeiro ano, confrontou-se com diversas medidas governamentais em conflito com a Constituição, sendo instado a atuar (VIEIRA et al., 2022, p. 593):

Essa mudança de postura coincidiu com a escalada de ameaças e acusações do presidente contra os demais poderes, a instauração de inquéritos para investigar denúncias do então ministro da Justiça contra Bolsonaro e a atitude negacionista e negligente de Bolsonaro durante a pandemia de Covid-19.

Ao final do mandato de Bolsonaro, seus pronunciamentos ao público – que desde sua primeira candidatura eram amplamente difundidos nas redes sociais – enfatizavam cada vez mais a necessidade de uma ruptura institucional como única solução para atender às demandas sociais de seu grupo.

Conforme explica José Rodrigo Rodriguez (2023), havia um grupo de extremistas apoiadores de Bolsonaro, ocupando cargos de alto escalão no governo federal, que promoviam ataques às instituições democráticas por meio de um stress institucional, buscando convencer a população de que a única saída seria a ruptura democrática.


ATAQUES DE 8 DE JANEIRO DE 2023

Passado o pleito eleitoral com a derrota do, à época, presidente Jair Bolsonaro, para o seu concorrente Luís Inácio Lula da Silva, voltando ao poder após 12 anos, com 50,83% dos votos válidos. (LULA..., 2022)

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Após o resultado das eleições, diversos grupos extremistas apoiadores do ex- presidente Bolsonaro começaram a orquestrar diversos atos visando demonstrar o seu inconformismo com o resultado do pleito eleitoral, levantando teorias de suposta frauda eleitoral e insegurança das urnas eletrônicas, como assim fizeram durante toda a corrida eleitoral. A suposta fraude eleitoral nunca foi comprovada, e sequer houve qualquer indício sólido desses argumentos, do qual o Ministério da Defesa, com seu corpo funcional encarregado de analisar as urnas, “entregou relatório sobre o sistema eleitoral sem apontar fraude ao Tribunal Superior Eleitoral” (ENTENDA..., 2022, online), confirmando a vitória do candidato petista.

“Insatisfeitos com a derrota de Bolsonaro nas urnas, bolsonaristas em todo o país passaram a ocupar a frente de quartéis com reivindicações golpistas” (ENTENDA..., 2022, online). Diversas caravanas foram registradas se direcionando ao Distrito Federal, acomodando diversos acampamentos em torno do Setor Militar Urbano, em frente ao Quartel-General do Exército.

Gradualmente o vandalismo ia se instaurando pelo país, em especial em Brasília, como presenciado na noite de 12 de dezembro de 2022, após um grupo extremistas bolsonaristas depredarem e atearem fogo em veículos, ataque à 5ª Delegacia de Polícia e tentativa de invasão à sede da Polícia Federal.

Porém, o ápice ocorreu em 8 de janeiro de 2023. Conforme relatório da inteligência do Governo, por volta de 100 ônibus transportando mais de 3 mil pessoas chegaram à Brasília com a intensão de retomar protestos de rua contra o resultado da eleição, sendo um ato premeditado por apoiadores extremistas desde o dia 3 de janeiro daquele ano, por meio de envio em massa de mensagens instantâneas em diversos aplicativos de mensagens. (MATIAS; WETERMAN, 2023)

Mesmo ciente da possível manifestação e iminente perda de controle dos atos, o governo de Brasília cogitou enrijecer a segurança, no entanto, o contrário foi presenciado no dia 8 de janeiro, com o avanço dos manifestantes sedentos por golpe pela praça dos três poderes, furando o minúsculo bloqueio da Polícia do Distrito Federal, adentrando e promovendo um verdadeiro cenário de guerra. A sede do Congresso Nacional, a corte do Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto foram depredados, com numerosos danos aos cofres públicos.

Até o final daquele dia, por volta de 300 pessoas já haviam sido presas (ENTENDA..., 2022). Ao total foram detidas mais de 2 mil pessoas, sendo que a maior parte recebeu liberdade provisória e acordos ao decorrer do ano de 2023, pelo Supremo Tribunal Federal. (DOS..., 2024)

Conforme fala da diretora-geral do Senado Federal, Ilana Trombka (SENADO, 2023, online), “a invasão de 8 de janeiro foi o maior ataque "simbólico e concreto" à democracia do país”.


ABOLIÇÃO VIOLENTA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E OS ATAQUES DE 8 DE JANEIRO

A origem do Estado possui vários apontamentos históricos dos quais são atribuídos a sua formação. Segundo entendimento atual, o Estado é uma formação histórica de organização jurídica, onde há uma limitação territorial, com presença de população definida, dotado de soberania sobre esse, sendo (MOARES, 2023, p. 2) “em termos gerais e no sentido moderno configura-se em um poder supremo no plano interno e um poder independente no plano internacional”.

Para Novelino (2024, p. 298) “o Estado de Direito assumiu formas variadas e passou por profundas transformações ao longo de sua história”. Passando da primeira institucionalização coerente pelo Estado Liberal, com a Revolução Francesa, como ganho da burguesia ascendente à época. Partindo, então, para o Estado Social, com a crise do liberalismo após o fim da Primeira Guerra Mundial, passando o Estado a intervir nas relações visando suprir os anseios sociais.

Já o Estado Democrático de Direito, segundo do Ministro Alexandre de Moares, em sua obra sobre Direito Constitucional, é entendido nos seguintes dizeres:

O Estado Democrático de Direito, caracterizador do Estado Constitucional, significa que o Estado se rege por normas democráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e às garantias fundamentais que é proclamado, por exemplo, no caput do art. 1º da Constituição da República Federativa do Brasil, que adotou, igualmente, em seu parágrafo único, o denominado princípio democrático ao afirmar que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, para mais adiante, em seu art. 14, proclamar que “a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I – plebiscito; II – referendo; III – iniciativa popular”. (MORAES, 2023, p. 6)

Em 1º de setembro do ano de 2021, foi publicada a Lei nº 14.197/2021 acrescentando ao Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940), em sua parte especial, o Título XII, pertinente aos crimes contra o Estado Democrático de Direito, além de revogar a antiga Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983), além de dispositivos do Decreto Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 – Lei das Contravenções Penais. (BRASIL, 2021)

O Brasil passou mais de três décadas, desde a promulgação da Constituição Federal, sem uma devida tipificação dos crimes que atacam ou põe em ameaça o Estado Democrático de Direito. A Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/1983), conforme ensina Rogério Sanches Cunha (2024, p. 1277) era “uma legislação arquitetada e construída em tempos de exceção, quando a democracia era somente esperança e a preocupação do legislador era a de tutela da ‘segurança nacional”.

O autor ressalta ainda a importância dos crimes até então vigentes na Lei de Segurança Nacional para os tempos atuais, já que antes possuíam pouca aplicabilidade prática, mas que ganhou realce com os discursos extremistas de ruptura institucional:

Embora os crimes tipificados na Lei de Segurança Nacional fossem de pouca incidência prática (no dia a dia), nos últimos anos, sobretudo, começaram a ser ventilados de forma surpreendente, até mesmo de maneira equivocada, ignorando premissas, servindo de mola propulsora para que vozes minoritárias pregassem abertamente uma ruptura institucional – em outras palavras, um golpe semelhante àquele ocorrido em 1964. Tornou-se comum a disseminação de mensagens, pelas redes sociais e outros meios de comunicação digital, incitando ao ódio entre facções políticas, elogiando regimes ditatoriais, difamando o regime democrático e suas instituições, inclusive a própria credibilidade do sistema eleitoral, e, assim, criando uma falsa ideia de que a destruição da ordem constitucional e democrática pode ser uma solução (mas para qual problema?). (CUNHA, 2024, p. 1277-1278)

Dentre os novos capítulos do Título XII, inseridos pela Lei nº 14.197/2021 ao Código Penal, destaca-se o Capítulo II, denominado “Dos Crimes contra as Instituições Democráticas”, do qual dedicamos atenção especial ao art. 359-L, o qual trata do crime de Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito, segundo o qual (BRASIL, 1940, online) “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:”, com pena de reclusão de 4 a oito anos, além de pena correspondente à violência.

Depreende-se aqui que o objeto de proteção é o próprio Estado Democrático de Direito, da qual a conduta típica é extraída pela expressão “tentar abolir”. Alerta-se que a conduta (CUNHA, 2024, p. 1322) “trata-se de uma forma de golpe, que não se restringe à mera mudança ilegal de governo, mas do próprio sistema democrático, por meio de ação sobre os poderes constitucionais”.

Esse crime pode ser praticado por qualquer pessoa, mesmo que de forma isolada, por mais que seja pouco provável a ação individual conseguir de fato uma ruptura no Estado Democrático de Direito. Havendo a presença de mais de uma pessoa, caracterizando um grupo, torna-se crime inafiançável, conforme dispõe o art. 5º, XLIV, da Constituição Federal: “Constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”. (BRASIL, 1988, online)

Diante disso, e aplicando ao ocorrido em 8 de janeiro de 2023, é possível vislumbrar com cristalinidade que as condutas praticadas configuram o tipificado no art. 359-L, do Código Penal. Visando afunilar a análise, já que cada integrante participante dos atos de 8 de janeiro poderão ter uma inclusão em tipificações mais bandas do que outros, por meios do corpo probatório e investigações que ainda estão em curso, será utilizado como referência a Ação Penal nº 1060 de competência originária do Supremo Tribunal Federal, da qual houve a condenação do primeiro réu (Aécio Lúcio Costa Pereira) indiciado.

O plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu pela condenação do réu à pena de 17 anos, sendo que 5 anos e 6 meses de reclusão correspondem à prática do crime de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, nos termos do relator Ministro Alexandre de Moraes:

O Tribunal, por maioria, rejeitou as preliminares e julgou procedente a ação penal para condenar o réu AECIO LUCIO COSTA PEREIRA à pena de 17 (dezessete) anos, sendo 15 (quinze) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 1 (um) ano e 6 (seis) meses de detenção e 100 (cem) dias-multa, cada dia- multa no valor de 1/3 (um terço) do salário mínimo, pois incurso nos artigos: 359-L (abolição violenta do Estado Democrático de Direito), do Código Penal, à pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão [..] (BRASIL, 2023, online)

Vale ressaltar que a mera tentativa é suficiente para consumação, já que (ANDREUCCI, 2024, p. 296) “o crime é formal, não havendo necessidade da ocorrência do resultado naturalístico”. Do contrário, não haveria em se falar em punição, já que “o novo regime jamais puniria seus criminosos”. (CUNHA, 2024, p. 1323)

Fala semelhante foi dita pelo Ministro Alexandre de Moares durante o julgamento do Ação Penal em questão:

Várias pessoas defendendo que o crime não ocorreu porque não conseguiram dar o golpe de Estado. Ora, não existe crime de golpe de Estado porque se tivessem dado um golpe de Estado, na verdade, quem não estaria aqui seríamos nós para julgar o crime. Quem dá golpe de estado não é julgado porque ganhou na violência o que democraticamente perdeu. Por isso que as elementares do tipo são bem claras: tentar depor. (MATIAS, 2023, online)

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Sobre os autores
Herbeth Barreto de Souza

Advogado e Professor. Mestre em Ciências Criminais pela PUCRS e Professor da disciplina de Direito Penal IV da FACSUR︎

Carliele Alves Ribeiro

Aluna do turno matutino do Curso de Direito, FACSUR

Lucielma Sousa Leal

Discente do curso de Direito da Faculdade Supremo Redentor – FACSUR

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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