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Racismo reverso x racismo contra pessoa de grupo minoritário.

Análise jurídica sobre o caso do TJAL que manteve uma ação criminal contra homem negro acusado de injúria racial contra um imigrante italiano

Resumo:


  • O debate sobre "racismo reverso" é controverso e não encontra respaldo sociológico, uma vez que o racismo é um fenômeno que historicamente oprimiu o povo negro.

  • A Lei do Racismo (Lei 7716/89) protege grupos minoritários contra discriminação e injúrias motivadas por raça, cor, etnia ou procedência nacional.

  • A decisão da Câmara Criminal do TJAL em manter a ação penal contra o homem negro acusado de injúria racial contra um imigrante italiano é respaldada pela legislação vigente, que visa proteger a dignidade e o decoro de grupos étnicos minoritários.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Racismo reverso existe? Sociologicamente, não. Porém, existe proteção jurídica adequada para minorias étnicas, incluindo imigrantes. Analisa-se uma decisão judicial que manteve ação penal por injúria racial contra um italiano, à luz da Lei nº 7.716/89.

Ao me deparar com a repercussão da notícia de que a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Alagoas decidiu manter uma ação penal contra um homem negro acusado de injúria racial contra um homem branco, de origem italiana, resolvi me debruçar sobre o assunto, que, inclusive, há tempos gera ampla discussão e debate no seio social. O tema que suscita controvérsias é o chamado “racismo reverso” e a possibilidade ou não de sua existência. Segundo matérias publicadas em veículos de informação, o homem negro proferiu as seguintes palavras: “Essa sua cabeça europeia, branca, escravagista não te deixa enxergar nada além de você mesmo.” Vamos à análise.

Os fatos históricos não podem ser mudados. O Brasil, durante grande parte de sua existência, passou por um período sombrio, no qual mulheres e homens negros, trazidos encaixotados em navios, foram reduzidos à condição de escravos, tratados como meros objetos a serviço de uma elite branca oriunda do invasor português. Essa condição de sofrimento não cessou com a assinatura da Lei Áurea, que extinguiu legalmente a exploração do trabalho escravo, pois, no arcabouço social, ainda perduraria por um longo tempo. Aqui, trago uma leitura fundamental sobre o tema: A Integração do Negro na Sociedade de Classes, de Florestan Fernandes.

O povo negro passou décadas em uma condição de semiescravidão, tendo que se adaptar a um ambiente de extremo preconceito e hipossuficiência de renda. Muitos foram obrigados a se amontoar em mocambos e lugares insalubres, vivendo de atividades que muito se assemelhavam à sua condição anterior de escravidão, sem dignidade, sobrevivendo à margem da sociedade. A situação melhorou, mas não foi resolvida em sua totalidade. Os instrumentos estatais, por vezes, se mostram insuficientes, apesar de alguns avanços. Entre esses avanços, destaca-se a Lei do Racismo (Lei nº 7.716/89), um marco legal de fundamental importância para nossa análise.


RACISMO REVERSO

Diante do que foi introduzido, temos a ideia de que o combate ao racismo é, em sua essência, uma forma de proteção ao povo negro. Não foi o povo branco que atravessou o Atlântico em navios negreiros, passando fome e sede no “ventre escuro de um porão”, como canta Maria Bethânia em sua bela canção Yáyá Massemba. Não foi o branco que gritou de dor e sucumbiu a ela, acorrentado em um pelourinho. Não foi o branco que passou pela "porta do não retorno" e deixou para sempre sua terra natal. Foi o povo negro quem sofreu as maiores perturbações que um ser humano poderia suportar. Portanto, o racismo, em sua natureza sociológica, é um fenômeno oriundo das condições históricas vividas pelo povo negro e que reverbera nos cantos mais latentes da sociedade, sempre com a arma apontada para essa população.

Pode o povo branco sofrer racismo?

Sociologicamente falando, não! As explicações poderiam se estender por páginas e mais páginas, mas as considerações feitas acima já são suficientes para esclarecer esse ponto. Portanto, quando um negro, por algum motivo, xinga um branco de “branquelo escravocrata”, não podemos falar em racismo reverso, pois o racismo, no âmago social, só pode atingir aqueles que foram historicamente oprimidos. São essas pessoas que sofreram e ainda sofrem preconceito, sendo constantemente mal vistas ao andar na rua ou sendo “confundidas” com suspeitos em uma loja apenas pela cor da pele. O povo branco não passou por isso e não passará. Assim, o racismo, por definição sociológica, só pode atingir o oprimido.


RACISMO CONTRA PESSOA DE GRUPO MINORITÁRIO, POR DEFINIÇÃO DA LEI 7716/89

Mas, no caso em questão, observemos os seguintes pontos. Vamos analisar o primeiro artigo da Lei do Racismo:

Art. 1º. Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Agora, acrescentemos o artigo 2º:

Art. 2º-A. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional.

Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.

A frase dita pelo homem negro — “Essa sua cabeça europeia, branca, escravagista não te deixa enxergar nada além de você mesmo” — pode ser considerada uma injúria?

Não há dúvidas de que sim. O fato de chamar alguém de “escravagista” configura um ato típico, conceituado penalmente como injúria. No entanto, chegamos ao cerne da questão: esse fato pode ser enquadrado no artigo 2º da Lei do Racismo, ou seja, como uma injúria qualificada pelo preconceito racial?

A resposta é: depende de quem seja o alvo da ofensa!

No caso em questão, ao afirmar que o imigrante italiano possui “cabeça europeia, branca, escravagista”, há, sim, um preconceito em razão de sua etnia e procedência nacional — não há dúvida. Observemos que não estou discutindo o chamado racismo reverso, que, como já vimos, não pode existir. Estamos tratando da injúria oriunda de um preconceito contra um imigrante italiano, europeu, que reside no Brasil e que, aqui, faz parte de uma minoria étnica. Isso é, sim, possível, e, portanto, a correta aplicação da Lei nº 7.716/89 se justifica.

O artigo 20-C, que foi acrescentado pela Lei nº 14.532/2023, torna essa interpretação ainda mais robusta. Estabelece que o juiz deve considerar como discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado a uma pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência.

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O artigo menciona “grupo minoritário” e afirma que tal tratamento ocorre quando “usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência”. O italiano, no Brasil, é um estrangeiro e, portanto, faz parte de um grupo minoritário. O réu não usaria a um brasileiro a expressão “essa sua cabeça europeia, branca”; essa fala foi utilizada especificamente contra a vítima por ser um imigrante italiano. Dessa forma, ele merece ter sua honra protegida e respeitada, pois, no Brasil, os imigrantes constituem um grupo étnico minoritário.

Caso a palavra “escravagista” fosse utilizada contra um branco que não pertence a um grupo minoritário, não haveria a aplicação da Lei do Racismo.

Vamos a outro ponto: e se fosse um branco brasileiro atacando o imigrante italiano com as mesmas palavras?

A resposta de alguns seria: se ele é branco, então pode cometer racismo; portanto, há uma injúria qualificada pelo preconceito, prevista no Art. 2º da Lei do Racismo.

Mas, se for uma pessoa negra, não pode cometer crime contra um grupo minoritário? Sim, pode. E, se assim for, deve ser punido.

Se uma pessoa negra, por exemplo, proíbe a entrada de ciganos em seu estabelecimento comercial pelo simples fato de serem ciganos — independentemente da cor desses ciganos —, ela deverá ser enquadrada no art. 5º da Lei do Racismo, que estabelece:

Art. 5º. Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador.

Pena: reclusão de um a três anos.

Isso ocorre porque os ciganos são um grupo minoritário e, por força do artigo 20-C, devem ser protegidos pela Lei do Racismo.

Por outro lado, se uma pessoa negra chama alguém de “branquelo”, de forma pejorativa, deve ser punida criminalmente? Sim, mas não pela Lei do Racismo, pois o grupo étnico branco não pode ser tratado como minoria. Nesse caso, a punição deve ocorrer com base no art. 140 do Código Penal (injúria):

Art. 140- Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.


CONCLUSÃO

Levando em consideração a argumentação utilizada e os pontos debatidos, concluímos que a decisão do TJAL de manter a ação penal contra o homem negro é acertada. A depender do acervo probatório, sua condenação ou absolvição será determinada, mas a ação deve, sim, seguir seu curso, visto que a injúria foi proferida com base em preconceito de raça e procedência nacional contra uma pessoa pertencente a um grupo minoritário — no caso, um imigrante italiano.

Não estamos tratando aqui de racismo reverso, que, como vimos, não existe, mas sim de racismo legal contra uma pessoa pertencente a um grupo étnico determinado, sendo que o sujeito ativo desse crime pode ser qualquer pessoa, inclusive afrodescendentes.

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Sobre o autor
Bruno Vinicius Barbosa Silva Leite

Assessoria e consultoria para pessoas físicas e jurídicas, em Direito Trabalhista, Cível e Criminal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEITE, Bruno Vinicius Barbosa Silva. Racismo reverso x racismo contra pessoa de grupo minoritário.: Análise jurídica sobre o caso do TJAL que manteve uma ação criminal contra homem negro acusado de injúria racial contra um imigrante italiano. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7895, 11 fev. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/109632. Acesso em: 30 abr. 2025.

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