Foi com grata satisfação que li a decisão do Egrégio STJ, proferida por maioria dos votos de sua Corte Especial, de que os honorários advocatícios têm natureza alimentar, sendo equiparáveis a salários, devendo tal crédito, por isso, estar ao abrigo da impenhorabilidade que preconiza o art. 649, IV, do CPC.
Segundo noticia o site Espaço Vital, em sua edição de 22 de fevereiro de 2008, a Corte Especial do STJ reconheceu a divergência e adotou o entendimento firmado pela 3ª Turma. "Os honorários advocatícios (...) têm natureza alimentar, sendo equiparáveis a salários. Sendo assim, tal crédito está abrangido pela impenhorabilidade disposta pelo artigo 649, inciso IV, do Código de Processo Civil e, portanto, está excluído do decreto de indisponibilidade", afirmou o relator dos embargos de divergência, ministro Teori Albino Zavascki, ao votar (Eresp nº 724158).
Minha satisfação, na verdade, se dá ante o firmamento de posição quanto à natureza jurídica de tal verba.
É que sempre se disse, e com fundadas razões, que a verba honorária devida ao advogado pela sucumbência suportava a leitura quanto à sua natureza jurídica sob o enfoque de indenização atribuível à parte vencedora pelos honorários que, em tese, teria suportado ao contratar o advogado.
De outra banda, todavia, já se disse, também com fundadas razões, que a verba honorária devida ao advogado pela sucumbência aceitava também a leitura de sua natureza jurídica pelo enfoque alimentar, posição que veio a ser sedimentada como a interpretação correta pela decisão passada pelo STJ e que ora se comenta.
Pois bem, mas qual a utilidade do que se ora trata?
Muita, aliás, bem mais do que a simples decisão em si, mas dos reflexos que essa interpretação traduz.
Pense comigo.
Reza o art. 21 do CPC que, ‘se cada litigante for em parte vencedor e vencido, serão recíproca e proporcionalmente distribuídos e compensados entre eles os honorários e as despesas.’ Tal dispositivo legal determina, de forma cogente, a distribuição e compensação tanto dos honorários advocatícios quanto das despesas processuais de maneira proporcional ao que decair cada parte sucumbente.
Tal posição, muito embora sob os gritos e lamúrios gerais da advocacia, era a posição que vinha sendo adotada pelos Juízos de Primeira Instância, bem como pelos Tribunais.
Esta posição, aliás, é a da Súmula 306 do próprio STJ, que, forte nesse norte sentencial, haverá de ser mudada sob pena de notado conflito.
Explico.
Em uma construção doutrinária, a moderna doutrina civilista diz que as obrigações nascem, tentando a síntese tanto da lei quanto do ato de vontade. Pois bem, a obrigação ao pagamento da verba honorária sucumbencial, imposta pelo decaimento à parte que perde a contenda, se amolda, a toda evidência, na obrigação gestada por imperativo legal.
Suas formas de desoneração, nessa senda, aperfeiçoam-se de maneira direta, pelo simples pagamento direto e efetivo ou de maneira indireta, pela novação, pela transação, pela dação em pagamento e, em especial, porque interessante ao caso em tela, pela compensação, ou seja, há a liberação do dever de pagar a verba honorária até o limite que o crédito se compensar com o débito honorário imposto na sentença, sendo dado ao advogado da parte, acaso exista saldo credor, executar essa diferença de forma autônoma e independente.
É preciso, assim, que se estabeleça uma leitura doutrinária da compensação.
Segundo o disposto no artigo 368 do CC/02 - Código Civil de 2002, se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.
Trata-se assim, de um imperativo legal.
Como menciona Fábio Ulhoa Coelho, a compensação não é um negócio jurídico, mas sim um ato jurídico, e determina a extinção de créditos recíprocos até os respectivos limites, independentemente da vontade das partes. Isso, aliás, é o que dispõe o art. 22 do CPC, já citado.
Se for total, ou seja, se os créditos forem iguais e recíprocos, há liberação integral dos devedores pela compensação, independente de suas vontades. De outra banda, se parcial, há liberação do devedor até o limite de seu crédito.
Tanto é assim que, em juízo, a sentença meramente declara a ocorrência do fato jurídico e, por isso, extingue o crédito, não havendo necessidade da decretação da compensação.
Quanto às espécies, a doutrina aduz que as compensações são sempre legais, pois estabelecidas pela lei e nascidas por imperativo comando exarado desta.
Subdividem-se, todavia, em voluntárias, que são aquelas nascidas por ato volitivo das partes que entabulam a compensação de seus respectivos créditos/débitos até os limites desonerativos e judiciais, que são aquelas compensações determinadas por provimento jurisdicional.
Há de se criticar que, em sendo o instituto compensatório derivado de norma cogente, imperativa, torna-se inapropriado dizer que existe a possibilidade de compensação derivada de ato volitivo da parte, porque se estaria ai diante de um negócio jurídico, o que é atípico para a compensação.
Por isso, assevera Fábio Ulhoa Coelho que é impróprio pensar-se em compensação voluntária, pois, segundo aduz, ela sempre será legal, uma vez que seus efeitos efetivamente emanam da lei, ou seja, a extinção da obrigação derivada de determinado fato jurídico ao qual a lei imputa a qualidade de extinguir a obrigação – artigo 368 do CC/02 - Código Civil de 2002 – qualquer que seja a vontade das partes.
Mais: se convencional, é negócio jurídico e, pelo positivado, quer parecer que tal faculdade não é atribuível às partes.
Se convencional, ademais, trata-se de um negócio jurídico qualquer em que as partes, aptas e capazes, resolvem a obrigação, quiçá por novação, dação em pagamento talvez, segundo suas vontades congruentes.
Quanto à compensação judicial, também assevera Fábio Ulhoa Coelho que se trata de uma impropriedade, pois, se imperativo legal, estaria adstrito o Magistrado ao reconhecimento do ato jurídico e, reconhecendo-o, extinguir o crédito porque conduta diversa lhe é impossível. Como já sentenciou com muita propriedade Fernando da Costa Tourinho Filho: ‘não recebeu o juiz, do legislador, a liberdade de julgar conforme o seu sentimento ou seu modo subjetivo de ver. Ele não pode afastar-se daqueles limites balizados em lei, pois, se pudesse criar o direito, à evidência, não ficaria adstrito àquelas limitações.’
Assim, quer parecer que, deveras, uma vez reconhecida, ou melhor, tipificada a compensação, não há se falar em compensação judicial, mas, antes, com muita propriedade há de se falar e reconhecer a compensação legal.
Quando se analisa pelos seus requisitos, e aqui é que a decisão do STJ causa maior alegria aos advogados, é da lógica que, para se falar em compensação, que exista reciprocidade subjetiva, ou seja, que as partes sejam, reciprocamente, credora e devedora uma da outra e que sejam as prestações compensáveis.
A única exceção que afasta a reciprocidade subjetiva reside no disposto na segunda parte do artigo 371 do CC/02 - Código Civil de 2002, que possibilita que o devedor solidário, no caso positivado o fiador, utilize o crédito de seu afiançado em face do credor garantido para, ou obter a liberação total ou, ainda, meramente pagar a diferença.
Já quanto às prestações compensáveis, é indispensável que sejam líquidas, certas, exigíveis, vencidas e de mesma natureza, ou seja, fungíveis.
Líquidas são as dívidas perfeitamente determinadas, ou seja, certas quanto à sua existência e determinadas quanto ao seu objeto. Vencidas são as dívidas passíveis de cobrança, ou seja, que alcançaram o seu termo final (vencimento), devendo ser prontamente prestadas e, por isso, passíveis de exigência.
Logo, somente serão passíveis de compensação aquelas dívidas vencidas que sejam perfeitamente determinadas quanto à sua existência e ao seu objeto.
Preenchidos tais tipificadores, por imperativo legal, opera-se a compensação.
No que tange à fungibilidade, é imprescindível que os objetos prestacionais sejam suscetíveis de substituição por outros do mesmo gênero – quantidade e qualidade.
Não importa, igualmente, a causa do débito ou crédito, mas sim sua existência e pronta exigibilidade. Logo, desimporta que X deva para Y em face de uma compra e venda e que Y deva para X por aluguel, fato é que um deve ao outro e que os créditos recíprocos compesar-se-ão.
Dito isso, há de se ver que, para existir a compensação os créditos devem ser vencidos (líquidos, certos e exigíveis), além de haver a reciprocidade subjetiva.
Por primeiro, e isso já se questionava desde pronto, é que no caso de sucumbência não há reciprocidade subjetiva, ou seja, a verba honorária sucumbencial imposta a quem decai do todo ou de parte de seu direito em sede processual pertence ao advogado (Lei n° 8906/94, art. 23 – EOAB). Ora, como impor às pessoas (advogados) estranhas ao liame obrigacional o direito/dever de compensar prestações que não se devem ?
Quer parecer, em uma análise preliminar, que já nesse tópico falharia a compensação.
Agora, uma vez que o STJ, pelo julgamento mencionado, aduz que estes honorários advocatícios sucumbenciais possuem natureza jurídica alimentar, jogam a verba para a exceção da compensação, segundo a previsão civilista.
Nessa senda, digno de nota é o contido no artigo 373 do CC/02 - Código Civil de 2002, o qual prevê as exceções da compensação. Ali estão contidos, de maneira igualmente cogente, os impeditivos para o ato jurídico da compensação e, dentre eles, o que ocorre no caso em tela.
Prevê, alhures, tal dispositivo que não são suscetíveis de compensação os créditos originados de alimentos (art. 373, II) e se a coisa – espécie mais ampla que a de bem – não for suscetível de penhora (art. 373, III).
Ora, uma vez reconhecendo o Egrégio STJ que os honorários advocatícios sucumbenciais possuem natureza jurídica alimentar e não de ressarcimento de despesas tão somente, é evidente, salvo melhor juízo, que não são suscetíveis de compensação, a despeito do que diz o art. 22 do CPC – o que, a nosso ver, por essa ratio, reserva a compensabilidade tão somente para as despesas processuais, estas sim suscetíveis de compensação.
E a incompensabilidade prestacional reside, justamente, nas exceções do ato jurídico supramencionadas, as quais dizem, grosso modo, que os alimentos, por serem necessários à vida, não são suscetíveis de penhora, de compensação, de repetição e, por isso, também afastados do instituto compensacional pela sua própria impenhorabilidade.
Quanto à impenhorabilidade, joga o diploma civil para a regra cogente contida no art. 649, IV, do CPC que determina a não-constrição incidente sobre "os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3º deste artigo" (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).’
Logo, se os honorários, sejam contratuais ou sejam sucumbenciais, são tidos pelo STJ como alimentos quanto à sua natureza jurídica, a compensação referente aos mesmos, segundo a previsão do art. 22 do CPC, resta afastada pela exceção prevista no art. 373, II e III, do CC0/02, c/c o disposto no art. 649 do CPC, inobstante a Súmula 306 do próprio STJ, que, nesse momento, vê-se como ultrapassada, portanto, quiçá até contraditória com o novel posicionamento do STJ.
Essa é a leitura que passamos a fazer de ditos dispositivos legais a contar do entendimento do STJ quanto à natureza jurídica dos honorários advocatícios sucumbenciais passada pelo julgamento no início declinado.
Esperamos, em verdade, que tal posição vingue, para o bem da advocacia e a justa prestação de sua verba alimentar.