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A ADPF nº 130-7 e a Lei de Imprensa.

Implicações quanto à nova interpretação

Leia nesta página:

A partir do decidido em 21 de fevereiro de 2008, quando do atendimento da medida liminar na argüição de descumprimento de preceito fundamental nº 130-7-DF, esta Lei deve ser interpretada conforme a Constituição, como depreendido do voto do Ministro Carlos Ayres Britto, do STF, que deferiu parcialmente os efeitos pretendidos pelo argüente PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA - PDT, como expressamente transcrito:

(...)

sem tardança, deferir parcialmente a liminar requestada para o efeito de determinar que juízes e tribunais suspendam o andamento de processos e os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que versem sobre os seguintes dispositivos da Lei nº 5.250/67:

a) a parte inicial do § 2º do art. 1º (a expressão "... aespetáculos e diversões públicas, que ficarão sujeitos àcensura, na forma da lei, nem...");

b) o § 2º do art. 2º;

c) a íntegra dos arts. 3º, 4º, 5º, 6º, 20, 21, 22, 23, 51 e 52;

d) a parte final do art. 56 (o fraseado "...e sob pena de decadência deverá ser proposta dentro de 3 meses da data da publicação ou transmissão que lhe der causa...");

e) os §§ 3º e 6º do art. 57;

f) os §§ 1º e 2º do art. 60;

g) a íntegra dos arts. 61, 62, 63, 64 e 65.

Decisão que tomo ad referendum do Plenário deste STF, a teor do § 1º do art. 5º da Lei nº 9.882/99.

12. Por fim, e nos termos da decisão proferida pelo Min. Sepúlveda Pertence na ADPF 77-MC, determino a publicação deste ato decisório, com urgência, no Diário da Justiça e no Diário Oficial da União, possibilitando-se às partes interessadas obter de imediato mandado de suspensão dos feitos aqui alcançados.

Brasília, 21 de fevereiro de 2008

Tem-se, com efeito, que a Lei de Imprensa, editada no período autoritário, antes bastante nacionalista e restritiva, passa, atendendo aos efeitos de medida liminar, a uma interpretação amplamente liberal, no sentido político e econômico, entre outros aspectos.

A medida apreciada, conforme o voto do relator, Ministro Carlos Ayres Britto, altera a interpretação de diversos dispositivos, que implicam em que:

a) a lei não poderá impor limites censórios aos espetáculos e diversões públicas (parte inicial do § 2º do art. 1º);

b) deixa de ser obrigatório o registro como pessoa jurídica, nos termos do artigo 8º da lei de imprensa, para o agenciamento de notícias.

Não obstante, a ausência de clandestinidade e o não atentar à moral e aos bons costumes continua a ser condição para a liberdade da publicação e circulação de livros, jornais e periódicos (§ 2º do art. 2º).

Na impossibilidade de estatuir-se um órgão censor, caberá a qualquer um que sentir-se ofendido ingressar com ação, alegando-se ofendido, uma vez que partem de um conceito subjetivo, temporal e circunstancial.

c) passa a ser permitida a propriedade de empresas jornalísticas, políticas ou de notícias, a estrangeiros e a sociedades por ações.

Lembremos que as ações ao portador são títulos jurídicos que não mais vigoram, excluídos da legislação (íntegra do art. 3º).

Por outro lado, a abertura da propriedade de empresas jornalísticas, políticas ou de notícias têm o condão de estender, manifestamente, ao poder econômico alienígena, a condução dos meios de comunicação de massa.

Mantido o parágrafo primeiro do artigo segundo, dependem ainda de permissão ou concessão federal, na forma da lei, que não mais poderá ser vedada a corporações estrangeiras.

É a abertura da informação ao capital estrangeiro. Se a informação, no estado em que se encontrava, era orientada pelo capital, doravante temos, se mantidos os efeitos concedidos cautelarmente, a possibilidade da manipulação da opinião pública ser gerida, aberta e oficialmente, por empresas nacionais (porque constituída sob as leis brasileiras e com sede no País), mas de capital e ideário estrangeiros.

d) a orientação intelectual e administrativa das empresas jornalísticas, que antes seria prerrogativa de brasileiro nato, passa a ser prerrogativa de qualquer pessoa, física ou jurídica, independente da nacionalidade (art. 4º).

e) a assistência técnica com empresa ou organização estrangeira não mais se submete aos limites temporais (art. 5º).

f) os contratos e participação nos lucros de empresas estrangeiras não dependem mais de prévia aprovação de órgão oficial (art. 6º).

Por óbvio, se as empresas estrangeiras podem ser proprietárias de empresas jornalísticas, políticas ou de notícias, não há mais sentido em limitar a contratação.

g) Quanto ao ponto de vista do Direito Penal, foram suspensos os efeitos dos artigos 20 a 23 da Lei 5.250. O caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime, assim como a reprodução da publicação ou transmissão caluniosa deixam de ser crime previsto na Lei de Imprensa, regendo-se os atos apenas pelo Código Penal (art. 20).

Por oportuno, registre-se que a pena de calúnia, prevista na lei em comento prevê a pena de detenção de seis meses a três anos, além de multa, e o artigo 138 do Código Penal, a pena de seis meses a dois anos, também culminada com a pena de multa.

A conseqüência, doravante e na vigência da nova interpretação, resulta na aplicabilidade da Lei nº 9.099 ao crime de calúnia veiculado por meio informativo, ou seja, passa a ser considerada de menor potencial ofensivo. A diferença é que a pena cominada para o crime de calúnia, segundo a Lei de Imprensa, a partir do trânsito em julgado, o nome do réu era lançado no rol dos culpados, produzindo efeitos no caso de reincidência. Esse ato permitia a documentação da decisão, para que produzisse os efeitos penais secundários.

Se havia a especialização da lei, tendo em vista a exposição da vítima, em virtude da repercussão da notícia, com a suspensão dos efeitos do artigo 20 temos a generalização da pena ao agente caluniador.

De modos que deixa o aplicador da lei de atender os efeitos nocivos da calúnia veiculada pela mídia, sendo esta tratada tal qual o crime cometido em meio restrito.

Neste aspecto, havemos de nos lembrar, em especial, da lição apresentada quando dos abusos da imprensa no caso da Escola Base. A memória do brasileiro não deve ser apagada, tão cedo, de episódios tão nefastos, relegando a responsabilidade do profissional de imprensa a um segundo plano.

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Se, por um lado, a decisão da Corte Suprema, ainda que de forma liminar, elimina as barreiras para a aquisição de empresas jornalísticas e políticas, por outro, afasta a maior responsabilidade destas e seus agentes. Troca-se a vida e a honra de pessoas, evidentemente hipossuficientes em face do poder da mídia, por cestas básicas ou algumas horas em alguma instituição beneficente.

g) tal não se dá com a difamação e a injúria, em que a Lei de Imprensa, no artigo 21 prevê para o primeiro crime a pena de três a dezoito meses, e o Código Penal, três meses a um ano, e para o segundo, a Lei 5.250 comina a pena de detenção, de um mês a um ano, enquanto que a lei penal, de um a seis meses (arts. 21 e 22).

Apesar do abrandamento, os dois crimes já seriam da competência do Juizado Especial de Pequenas Causas, considerados, ambos, de menor relevância, pelos dois textos legais.

h) foi eliminado o aumento de um terço da pena, quando os crimes de calúnia, injúria ou difamação é cometido: I - contra o Presidente da República, Presidente do Senado, Presidente da Câmara dos Deputados, Ministro do Supremo Tribunal Federal, Chefe de Estado ou Governo estrangeiro, ou seus representantes diplomáticos; II - contra funcionário público, em razão de suas funções; III - contra órgão ou autoridade que exerça função de autoridade pública (art. 23).

A Lei de Imprensa previa a proteção não da pessoa, mas do Estado, representado no cargo ou função ocupada. Com o aumento de pena, nestas hipóteses, o crime de difamação deixava de ser encarado como crime de menor potencial ofensivo, o que não mais ocorre, a partir da nova interpretação e da suspensão do artigo 23.

i) limitava a Lei de Imprensa a responsabilidade civil do jornalista profissional e das empresas de informação, quando da ocorrência de dano culposo.

Assim, por negligência, imperícia ou imprudência do jornalista, a empresa contratante desobrigava-se, legalmente, de reparar o dano, além do expressamente previsto.

A partir da suspensão dos artigos 51 e 52, poderíamos ter uma nova leitura, estentendo a inteligência do dano à objetividade e não mais à subjetividade do sujeito.

Se prevalecer o entendimento, o dano será reparado, tanto pelo jornalista como pela empresa, pela fixação do quantum debeatur, que não se prenderá mais a limites preestabelecidos, mas ao dano efetivamente causado, seja material ou moral.

j) previa o artigo 56 a pena de decadência de três meses para o ajuizamento de ação, pela vítima. Com o decidido na liminar, tem-se a prevalência do disposto no Código Civil, para o pedido de ressarcimento de indenização por danos morais e materiais.

k) os suprimidos parágrafos 3º e 6º do artigo 57 previam, o primeiro, que a contestação, no caso de reparação de dano moral, fosse apresentada no prazo especial de cinco dias, onde far-se-ia a apresentação de todas as provas que porventura pretendesse o réu produzir, e o último, a exigência de depósito, no valor da condenação, para a admissão da apelação.

Com a suspensão de seus efeitos, temos que o prazo para a contestação passou a ser regido pela legislação comum, em quinze dias, e não mais sendo exigido o depósito em juízo do valor da condenação.

Mais uma vez vemos a liberalidade do entendimento do órgão superior aplicada aos órgãos de imprensa.

Em que pese a disparidade entre a hipossuficiência da maioria dos virtualmente alvos do dano moral causado por empresas jornalísticas e a capacidade financeira destas últimas, temos agora nivelado, ao procedimento ordinário, os requisitos para a contestação de eventual ação por dano moral.

Se a nossa Justiça era já cega e lenta, passa a ser menos justa.

l) embora a decisão do Supremo não suspenda a eficácia dos artigos 15 e 16, que, textualmente, proíbem a publicação ou divulgação, venda ou exposição desegredo de Estado, notícia ou informação relativa à preparação da defesa interna ou externa do País, notícia ou informação sigilosa, de interêsse da segurança nacional, desde que exista, igualmente, norma ou recomendação prévia determinando segrêdo, confidência ou reserva e notícias falsas ou fatos verdadeiros truncados ou deturpados, que provoquem a perturbação da ordem pública ou alarma social; a desconfiança no sistema bancário ou abalo de crédito de instituição financeira ou de qualquer emprêsa, pessoa física ou jurídica; o prejuízo ao crédito da União, do Estado, do Distrito Federal ou do Município e a sensível perturbação na cotação das mercadorias e dos títulos imobiliários no mercado financeiro,

suspendeu a eficácia dos §§ 1º e 2º do art. 60, que limitavam a importação de jornais, periódicos, livros e outros meios impressos, publicados no estrangeiro.

Com isso, fica proibida a publicação, mas não a importação de tais impressos. Assim, não seria admissível imprimir, vender ou expor tais materiais, mas o impedimento não atingiria a posse dos mesmos, para uso próprio, uma vez que fossem importados.

m) deixam de ser sujeitos à apreensão os impressos que, nos termos do artigo 61 e 62 do diploma legal ora comentado, contiverem propaganda de guerra ou de preconceitos de raça ou de classe, bem como os que promoverem incitamento à subversão da ordem política e social (inciso I) e ofenderem a moral pública e os bons costumes (inciso II).

A medida não elimina a possibilidade de ajuizamento de ação cível e criminal, apenas eliminando o procedimento previsto na lei para a apreensão judicial.

n) A decisão do STF suspendeu, ainda, os efeitos do art. 65 da Lei de Imprensa, que proibia a distribuição de notícias nacionais em qualquer parte do território nacional, sob pena de cancelamento da autorização por ato do Ministro da Justiça.

Uma vez permitida a propriedade de empresas jornalísticas e políticas por empresas estrangeiras, assim como a liberdade na veiculação de notícias, como já mencionado, deixa de ter sentido o artigo em comento.

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Sobre a autora
Maria da Glória Perez Delgado Sanches

Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Monitora de Direito Tributário. Escrevente Técnico do TJSP. Especialista em Direito Civil e Processual Civil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANCHES, Maria Glória Perez Delgado. A ADPF nº 130-7 e a Lei de Imprensa.: Implicações quanto à nova interpretação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1700, 26 fev. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10987. Acesso em: 24 abr. 2024.

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