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Prevenção e tratamento do superendividamento:

A Lei nº 14.181/2021 e a proteção ao consumidor empresário individual

19/06/2024 às 18:45
Leia nesta página:

Analisamos a aplicação da proteção legal ao cidadão endividado no contexto do empresário individual, à luz da jurisprudência recente.

Introdução

Sancionada em 2 de julho de 2021, a Lei nº 14.181/2021 foi incorporada ao Código de Defesa do Consumidor (CDC) com o objetivo de instituir mecanismos de prevenção, conciliação e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento. Essa legislação visa proteger o consumidor pessoa natural e garantir a preservação de um mínimo existencial, prevenindo a exclusão social.

Este artigo explora os principais aspectos dessa legislação e analisa sua aplicação no contexto do empresário individual à luz da jurisprudência recente.

Prevenção do Superendividamento no Código de Defesa do Consumidor

A Lei nº 14.181/2021 acrescentou ao CDC um capítulo específico sobre a prevenção do superendividamento, abordando temas como crédito responsável e educação financeira.

É amplamente conhecido que o Código de Defesa do Consumidor incluiu um capítulo específico voltado à prevenção do superendividamento das pessoas físicas. Este capítulo aborda temas como o crédito responsável e a educação financeira do consumidor, conforme disposto nos artigos 54-A a 54-G.

O objetivo é criar um sistema financeiro mais justo e sustentável, protegendo a dignidade do consumidor.

Jurisprudência do STJ sobre Empresário Individual

De acordo com o artigo 966 do Código Civil, o empresário individual é a pessoa natural que, de maneira independente, organiza uma atividade econômica voltada para a produção ou circulação de bens ou serviços.

Conforme o entendimento jurídico, no caso de um empresário individual, não se trata de duas entidades ou patrimônios distintos, visto que a atribuição de um número de CNPJ à pessoa jurídica tem finalidade exclusivamente tributária, sem implicações no âmbito civil.

Dessa forma, o empresário individual é responsável pelas dívidas da empresa sem a necessidade de instaurar o procedimento de desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do CC/2002 e arts. 133 e 137 do CPC/2015), devido à inexistência de separação patrimonial que justificaria tal procedimento.

O STJ já consolidou o entendimento de que a empresa individual é uma ficção jurídica que permite à pessoa natural atuar no mercado com vantagens de pessoa jurídica, sem distinção patrimonial entre o empresário individual e a pessoa natural titular da firma individual.

No REsp 1.355.000/SP, o Ministro Marco Buzzi destacou que "a empresa individual é mera ficção jurídica que permite à pessoa natural atuar no mercado com vantagens próprias da pessoa jurídica, sem que a titularidade implique distinção patrimonial entre o empresário individual e a pessoa natural titular da firma individual".

De modo similar, no AREsp 508.190, o mesmo Ministro afirmou que "o empresário individual responde pelas obrigações adquiridas pela pessoa jurídica, de modo que não há distinção entre pessoa física e jurídica, para os fins de direito, inclusive no tange ao patrimônio de ambos".

Aplicação da Teoria Finalista Mitigada

Apesar da regra geral de que o empresário individual responde pessoalmente pelas dívidas de sua firma, o STJ tem aplicado a Teoria Finalista Mitigada em situações onde há evidente vulnerabilidade técnica, financeira, econômica e jurídica do empresário individual em relação às instituições financeiras. Essa teoria permite a aplicação das proteções do CDC aos empresários individuais em contextos específicos.

Destaco os seguintes precedentes que adotam este entendimento:

Revisional. Contrato bancário. Lei do superendividamento. Sentença de improcedência. Apelação da autora. Possibilidade da aplicação do rito estabelecido pela Lei n.º 14.181/21 na repactuação de dívidas do empresário individual. Empresário individual que é a própria pessoa física ou natural. Mitigação da teoria finalista. Empréstimo tomado visando subsidiar a profissão. Precedentes do STJ. Inteligência dos artigos 54-A, §§ 1º e 2º e 104-A do CDC. Necessidade de instauração de processo de repactuação no Juízo de origem. Sentença anulada. Recurso provido.

(TJ-SP - Apelação Cível: 1004750-72.2022.8.26.0320 Limeira, Relator: Virgilio de Oliveira Junior, Data de Julgamento: 14/02/2023, 23ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/02/2023)

Revisional. Contrato bancário. Lei do superendividamento. Sentença de improcedência. Apelação da autora. Possibilidade da aplicação do rito estabelecido pela Lei n.º 14.181/21 na repactuação de dívidas do empresário individual. Empresário individual que é a própria pessoa física ou natural. Mitigação da teoria finalista. Empréstimo tomado visando subsidiar a profissão. Precedentes do STJ. Inteligência dos artigos 54-A, §§ 1º e 2º e 104-A do CDC. Necessidade de instauração de processo de repactuação no Juízo de origem. Sentença anulada. Recurso provido.

(TJ-SP - AC: 10047507220228260320 SP 1004750-72.2022.8.26.0320, Relator: Virgilio de Oliveira Junior, Data de Julgamento: 14/02/2023, 23ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/02/2023)

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDA - (I) LEGITIMIDADE ATIVA - PESSOA JURÍDICA - EMPRESÁRIO INDIVIDUAL - DISCUSSÃO EM NOME DA PESSOA FÍSICA - POSSIBILIDADE. - "A jurisprudência do STJ já fixou o entendimento de que"a empresa individual é mera ficção jurídica que permite à pessoa natural atuar no mercado com vantagens próprias da pessoa jurídica, sem que a titularidade implique distinção patrimonial entre o empresário individual e a pessoa natural titular da firma individual"(REsp 1.355.000/SP, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 20/10/2016, DJe 10/11/2016) e de que"o empresário individual responde pelas obrigações adquiridas pela pessoa jurídica, de modo que não há distinção entre pessoa física e jurídica, para os fins de direito, inclusive no tange ao patrimônio de ambos"(AREsp 508.190, Rel. Min. Marco Buzzi, DJe 4/5/2017)". (AgInt no AREsp n. 1.669.328/PR) - Ainda que se trate de dívida de pessoa jurídica, o Colendo Superior Tribunal de Justiça entende que é possível a aplicação da Teoria Finalista Mitigada, em razão da patente situação de vulnerabilidade técnica, financeira, econômica e jurídica do empresário individual em face da instituição financeira, atraindo, portanto, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor(TJ-MG - Agravo de Instrumento: 2882001-35.2023.8.13.0000, Relator: Des.(a) José Eustáquio Lucas Pereira, Data de Julgamento: 07/02/2024, 21ª Câmara Cível Especializada, Data de Publicação: 16/02/2024)

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Os precedentes destacados mostram uma tendência dos tribunais brasileiros em aplicar a Lei do Superendividamento e o Código de Defesa do Consumidor de maneira mais inclusiva, abarcando também os empresários individuais. A mitigação da teoria finalista permite que esses indivíduos sejam considerados consumidores em situações específicas, especialmente quando demonstrada sua vulnerabilidade em face de grandes instituições financeiras. Isso representa um avanço na proteção dos direitos dos empresários individuais, garantindo-lhes mecanismos legais de renegociação de dívidas e proteção contra práticas abusivas.

Conclusão

A Lei nº 14.181/2021, conhecida como Lei do Superendividamento, trouxe um marco importante para a proteção dos consumidores superendividados.

Apesar de direcionada inicialmente às pessoas físicas, a jurisprudência vem reconhecendo a aplicação da lei também aos empresários individuais em determinadas situações.

A teoria finalista mitigada, aplicada pelo STJ, reconhece que, em alguns casos, a rigidez da teoria finalista tradicional, que impõe a responsabilidade exclusiva do empresário individual pelas dívidas da empresa, pode ser mitigada em situações de vulnerabilidade.

Isso significa que, quando o empresário individual demonstrar fragilidade técnica, financeira, econômica ou jurídica em relação à instituição financeira, poderá ter acesso às proteções do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e da Lei do Superendividamento.

Essa flexibilização da jurisprudência demonstra o compromisso dos tribunais brasileiros em garantir a justiça e a equidade nas relações de consumo, mesmo que o devedor seja um empresário individual.

Afinal, o superendividamento pode afetar qualquer pessoa, independentemente da sua atividade profissional.

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Sobre o autor
Rodrigo Almeida Chaves

Defensor Público do Estado do Acre, desde o ano de 2007 atualmente lotado no Subnúcleo do Superendividamento e Ações do Consumidor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHAVES, Rodrigo Almeida. Prevenção e tratamento do superendividamento:: A Lei nº 14.181/2021 e a proteção ao consumidor empresário individual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7658, 19 jun. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/109884. Acesso em: 29 jun. 2024.

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