CAPÍTULO VII Regime inicial de cumprimento da pena reclusiva
ao reincidente (CP, arts. 129, § 1º, I a IV; 155 e § 4º, I a IV)
7.1 Hipótese principal: fundamentação;
7.2 Aplicação da pena: art. 59 do Código Penal circunstâncias judiciais;
7.2.1 Culpabilidade;
7.2.2 Antecedentes;
7.2.3 Conduta social;
7.2.4 Personalidade;
7.2.5 Motivos do crime;
7.2.6 Circunstâncias;
7.2.7 Conseqüências do crime;
7.2.8 Comportamento da vítima;
7.2.9 Processo de fixação da pena;
7.2.9.1 Pena aplicável dentre as cominadas: inciso I;
7.2.9.2 Quantidade da pena aplicável nos limites previstos: inciso II;
7.2.9.3 Regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade: inciso III;
7.2.9.4 Substituição da pena privativa de liberdade aplicada por outra espécie de pena, se cabível: inciso IV;
7.3 Reincidência: arts. 63 e 64;
7.3.1 A reincidência e as espécies de crimes;
7.3.2 Efeitos da reincidência;
7.4 Regimes prisionais;
7.4.1 Posição da doutrina;
7.4.2 Posição da jurisprudência.
7.1 Hipótese principal: fundamentação
O objetivo principal deste trabalho é conceder uma visão global sobre a interpretação do artigo 33, §§ 2º, a, b e c, e 3º, do Código Penal, ou seja, a relevância da observação isolada dos dispositivos e a sua conjugação com o que dispõe o art. 59 do mesmo Código, na hipótese de réu reincidente nos crimes delimitados ao presente estudo.
Para que esse objetivo seja alcançado, necessária uma análise de cada um dos preceitos acima, eis que do estudo pormenorizado, individual e, após, simultâneo sobrevirão reflexos diretos do regime inicial de cumprimento da pena reclusiva.
Imperativa também a apresentação das posições doutrinárias e jurisprudenciais tocantes ao tema, motivo de divergências e, conseqüentemente, desta monografia.
7.2 Aplicação da pena: art. 59 do Código Penal circunstâncias judiciais
No nosso sistema penal a infração identifica-se pela sanção cominada, que encerra ideologia e mensagem, objetivando a comunicação com o condenado, a fim de extrair efeitos que interessam ao público e ao próprio indivíduo.
O artigo 68 do Código Penal fixa o procedimento trifásico a que o juiz deve ater-se. Já o artigo 59 o orienta na fixação da pena dentre as cominadas, a estabelecer o regime inicial de cumprimento da pena ou a promover as substituições que a lei prevê. Trata-se de um trabalho dogmático, de real importância.
O artigo 59 estabelece as regras principais norteadoras do princípio constitucional (art. 5º, XLVI) da individualização da pena.
No que tange à aplicação da pena propriamente dita, o Código Penal brasileiro adotou o procedimento sistema trifásico para a aplicação da pena privativa de liberdade, isto é, devem ser percorridas, consecutivamente, três etapas, também conhecidas como método de Hungria, e que está consolidado no artigo 68, caput.
Este método consiste em três operações contínuas: na primeira fixação da pena , levam-se em conta as circunstâncias do artigo 59 do Código Penal; na segunda, devem-se apreciar as circunstâncias legais dos artigos 61, 62, 65 e 66 do mesmo estatuto jurídico, cumulando-as com a pena antes fixada (pena-base); na terceira e última, apreciam-se as causas especiais de aumento ou de diminuição de pena, estas sobrepostas ao resultado a que se chegou quando da efetivação da segunda fase (circunstâncias legais).
Observação importante deve-se fazer quando da análise da primeira e segunda fases, em que a pena privativa de liberdade não pode ser fixada nem aquém nem além dos limites mínimo e máximo permitidos para cada tipo em abstrato(34). Apenas na terceira fase é que esses limites podem ser extrapolados.
O sistema fica assim resumido:
1ª fase: Pena-base circunstâncias(35) judiciais (art. 59);
2ª fase: Circunstâncias legais: agravantes(36) e/ou atenuantes (arts. 61, 62, 65 e 66) incidente sobre a 1ª fase;
3ª fase: Causas de aumento e diminuição da pena. Incidente sobre a 2ª fase.
No quadro abaixo resumimos os casos de aumento e diminuição de pena constantes da Parte Geral e Especial do Código Penal brasileiro:
PARTE GERAL |
PARTE ESPECIAL |
|
AUMENTO |
Arts. 60, § 1º; 70; 71; 73, 2ª parte; 74, parte final |
Arts. 121, § 4º; 122, parágrafo único; 129, §§ 4º e 7º; 133, § 3º; 135, parágrafo único; 141, III, parágrafo único; 146, parágrafo único; 150, § 2º; 151, § 2º; 155, § 1º; 157, § 2º; 158, § 1º; 168, § 1º; 171, § 3º; 208, parágrafo único; 209, parágrafo único; 226; 250, § 1º; 251, § 2º; 258; 263; 264, parágrafo único; 265, parágrafo único; 266, parágrafo único; 267, § 1º; 268, parágrafo único; 285; 288, parágrafo único; 295; 296, § 2º; 297, § 1º; 299, parágrafo único; 317, § 1º; 332, parágrafo único; 333, parágrafo único; 334, § 3º; 339, § 1º; 342, § 2º; 347, parágrafo único; 357, parágrafo único |
DIMINUIÇÃO |
Arts. 14, parágrafo único; 16; 24, § 2º; 26, parágrafo único; 28, § 2º |
Arts. 121, § 1º; 155, § 2º; 170; 171, § 1º; 175, § 2º; 221; 312, § 3º; 339, § 2º |
Observa-se que na 1ª e 2ª fases a pena privativa de liberdade não pode ser aplicada aquém ou além dos limites mínimo e máximo in abstrato. Somente na 3ª fase da dosimetria esses limites podem ser ultrapassados.
As circunstâncias judiciais são as que o caput do artigo aponta. Essas circunstâncias formam um conjunto, devendo todas ser apreciadas individualmente a cada réu. Por meio delas é que o juiz encontrará a pena-base, quando da análise das fases do artigo (incisos I a IV).
A fixação da pena, obedecidas as margens que a lei permite (pena in abstrato), constitui tarefa discricionária, mas não arbitrária, a ser cumprida pelo juiz. O poder discricionário dá ao juiz, na individualização da pena, larga margem juridicamente vinculada, ou seja, ele deve atentar aos fins da pena(37) e aos fatores que determinam o quantum que envolve a punição.
Para proceder a essa tarefa o juiz deve atentar às circunstâncias e elementares(38) do crime. Luiz Regis Prado e Cezar Roberto Bitencourt(39), ao fazerem referência a estes aspectos, assim prelecionam:
Os fatores que integram a descrição da conduta típica são as chamadas elementares do tipo, ou elementos essenciais constitutivos do delito. Elementares do crime são dados, fatos, elementos ou condições que integram determinadas figuras típicas. Certas peculiaridades que normalmente constituiriam circunstâncias ou condições podem transformar-se em elementos do tipo penal e, nesses casos, deixam de circundar simplesmente o injusto típico para integrá-lo.
Circunstâncias, por sua vez, são dados, fatos, elementos ou peculiaridades que apenas circundam o fato principal. Não integram a figura típica, podendo, contudo, contribuir para aumentar ou diminuir a sua gravidade. O tipo penal, além dos seus elementos essenciais, pode ser integrado por outras circunstâncias acidentais que, embora não alterem a sua constituição ou existência, influem na dosagem final da pena.
As chamadas circunstâncias judiciais previstas no artigo devem atender aos seguintes elementos:
7.2.1 Culpabilidade
Refere-se ao maior ou menor grau de censurabilidade do comportamento do agente infrator, bem como à reprovabilidade do seu comportamento, observada a realidade concreta em que ocorreu, principalmente a maior ou menor exigibilidade de ter agido de outra maneira. A culpabilidade se traduz no limite máximo da pena, não podendo, em nenhum momento, ser transposto. Isso, de certa maneira, impede que, por razões puramente preventivas, a liberdade pessoal seja limitada mais do que corresponda a sua culpabilidade.
A culpabilidade é o primeiro elemento referencial para que o juiz escolha a pena, entre as cominadas alternativamente; estabeleça a sua quantidade; defina o regime inicial de cumprimento (quando se tratar de pena privativa de liberdade); e, finalmente, estabeleça a substituição da pena de prisão por outra espécie de sanção, quando cabível (art. 59 do CP). (40)
7.2.2 Antecedentes
O juiz Manoel Carlos, do Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, ao tratar dos antecedentes, elucidou o tema, nestes moldes:
Antecedentes são todos os fatos ou episódios da vida anteacta do réu, próximos ou remotos, que possam interessar, de qualquer modo, à avaliação subjetiva do crime. Tanto os maus e os péssimos, como os bons e os ótimos. Em primeiro lugar, deve-se ter em conta os antecedentes judiciais, nunca restringindo simplesmente à existência ou inexistência de precedentes policiais e judiciais, mas levando-se em conta, também, o comportamento social do réu, sua vida familiar, sua inclinação ao trabalho e sua conduta contemporânea e subseqüente à ação criminosa, para então qualificá-los em bons ou maus. (41)
7.2.3 Conduta social
Bem definida por Julio Fabbrini Mirabete(42) como sendo aquela que diz respeito aos diversos papéis desempenhados pelo agente junto à comunidade. Aqui se pode compreendê-la como o conjunto de comportamento no seio social, na família, na empresa etc.
A conduta social do réu tanto pode ser favorável ou contrária a ele, basta conferir cada hipótese em julgamento. Ao demais, não se trata de novidade, desde que é uma circunstância que envolve a vida do acusado antes do delito, sob aspectos de relacionamento familiar e social. (43)
7.2.4 Personalidade
São as qualidades morais e sociais do indivíduo. Implica na apreciação da índole: sensibilidade ético-social e desvios de caráter. Outros aspectos também devem ser levados em conta à apreciação da personalidade do agente, como a plurirreincidência e a distorção psicológica.
Logo, percebe-se nitidamente que a personalidade do réu é voltada à violência sem o mínimo respeito à integridade física alheia, o que causa temor da comunidade onde reside. Este fator causa reflexo direto na instrução desta ação penal, pois, caso persista tal comportamento, as testemunhas a serem ouvidas em Juízo naturalmente sentir-se-ão amedrontadas, temendo futuras represálias do réu, que está atemorizando o meio social em que vive, máxime pelo fato de estar respondendo a processo por homicídio doloso, que deverá ser posteriormente submetido ao Tribunal do Júri desta Comarca. (44)
7.2.5 Motivos do crime
São os antecedentes causais de caráter psicológico da ação, como o egoísmo, a ganância, o lucro fácil, o ciúme, a paixão, o sadismo etc. Não podem, no entanto, ser confundidos com os previstos nos arts. 61 e 65 do CP.
Tratando-se de delito provocado por motivo de ciúme, a circunstância há de ser sopesada pelo magistrado na fixação da pena-base. O ciumento é indivíduo potencialmente perigoso, pois, como anotou Altavilla, o ciúme é como um verdadeiro ácido corrosivo que desagrega a personalidade ética, perturbando-lhe e alterando-lhe a melhor parte. (45)
7.2.6 Circunstâncias
São os elementos acidentais que não participam da estrutura própria do tipo circunstâncias agravantes e atenuantes, previstas nos arts. 61, 62, 65 e 66 do CP, mas originam-se do próprio fato delituoso, como, por exemplo, a forma e a natureza da ação e os meios utilizados (objeto, tempo, lugar, forma de execução etc.).
O acusado demonstrou culpabilidade normal à espécie, nestes tempos de corrupção deslavada e imoralidade administrativa; [...] circunstâncias do crime desfavoráveis ante os destinatários dos recursos desviados (famílias pobres), o que implica em conseqüências também desfavoráveis ao agente. (46)
7.2.7 Conseqüências do crime
Aqui deve ser feita a análise do grau de dano decorrente da ação delituosa exercitada, bem como dos reflexos sociais (irradiação do resultado), que não precisam ser típicos do crime.
As conseqüências do crime são extremamente desastrosas, porquanto as atitudes do acusado e seus mandatários levaram deste mundo vítimas inocentes, que o destino reservou incrédulo para as atitudes do pobre de espírito do réu. (47)
7.2.8 Comportamento da vítima
O comportamento da vítima é um fator determinante da criminalidade, pois muitas vezes ele contribui, direta ou indiretamente, para o encaminhamento do crime, embora não justifique a ação delituosa, nem isente o delinqüente.
Analisando-se a sentença condenatória, vê-se que foram bem apreciadas as circunstâncias judiciais, de acordo com o art. 59 do Código Penal, salvo quanto ao comportamento da vítima que, ingênua, contribuiu, até certo ponto, para a conduta do acusado, quando, na realidade, pode-se nela encontrar também uma certa torpeza, na medida em que procedeu a longa viagem unicamente na busca de lucro aparentemente fácil e inesperado. (48)
7.2.9 Processo de fixação da pena
7.2.9.1 Pena aplicável dentre as cominadas: inciso I
Celso Delmanto(49) explica que, Quando há diferentes espécies de penas, previstas, alternativamente, para a figura penal violada, deve-se, inicialmente, fazer a opção entre suas espécies. Acrescenta que a escolha deve recair, primeiramente, sobre detenção ou multa e, na excepcionalidade, em reclusão ou detenção. Após essas apreciações deve o juiz, aduz Julio Fabbrini Mirabete(50), obrigatoriamente, fixar a pena-base entre os limites mínimo e máximo previstos no preceito secundário da norma penal.
As cominações podem ser cumulativas, isoladas e alternativas. Nesse sentido, algumas observações devem ser feitas sobre a escolha da pena: a) em determinados casos a lei comina pena carcerária cumulada com a pena pecuniária, então é de rigor a aplicação de ambas(51); b) contendo o preceito sancionatório tão-somente um comando punitivo, não sendo, assim, cumulativo nem alternativo, é nula a sentença em que se impõe ao condenado sanção diversa da prevista(52); ou, ainda, c) Quando o preceito secundário da norma incriminadora comina penas alternativas, o juiz deve escolher uma delas com fundamento nas circunstâncias judiciais(53).
7.2.9.2 Quantidade da pena aplicável nos limites previstos: inciso II
Após a análise dos critérios inseridos no inciso I e encontrada a espécie (ou espécies) de pena a ser aplicada, deve o juiz fixar a quantidade que vai impor, observados os limites previstos em cada tipo penal. É a pena-base, que deve obedecer aos seguintes critérios: a) penas privativas de liberdade (arts. 32, I, e 53): a sanção do tipo especifica os limites (pena in abstrato variação em intervalos de meses ou anos); b) penas restritivas de direitos (arts. 32, II, e 43 a 48): segundo o art. 54, são aplicáveis, independentemente de cominação na parte especial, em substituição à pena privativa de liberdade (reclusão e detenção), fixada em quantidade inferior a um ano, ou nos crimes culposos.
Na dosimetria da pena, o juiz pode fixá-la dentro dos limites que a lei prevê, com a só consideração das circunstâncias do artigo 59. O que não deve é confundir pena-base com limite mínimo da pena.
As penas não podem ser aplicadas fora dos limites previstos pela lei penal, em razão de circunstâncias atenuantes ou agravantes. Tão-só por força de causas de aumento ou diminuição esses limites podem ser ultrapassados, porque, em casos que tais, ocorre o surgimento de uma subespécie delituosa, com um novo mínimo e um novo máximo(54).
O simples fato de o apenado não possuir antecedentes criminais não conduz, por si só, à fixação da pena no mínimo legal. Devem ser observados os demais aspectos previstos no art. 59 do Código Penal, [...](55).
Se o juiz, ao sopesar as circunstâncias do artigo 59, estabelecer critérios valorativos de comportamento e de caráter em prol do acusado, torna-se injusta a fixação da pena no seu grau máximo. Aliás, a aplicação da pena-base no grau máximo, hodiernamente, é critério que não se harmoniza com a doutrina individualizadora da pena, exceto nos casos reservados aos criminosos natos, dotados de personalidade totalmente deformada, e com alto nível de periculosidade.
Por outro lado, tratando-se de indivíduo primário e de bons antecedentes, de pouca periculosidade, com vontade exteriorizada de livrar-se da compulsão que o levou ao crime, por meio de tratamentos especializados, a pena a ser aplicada deve ser no mínimo legal, pois na aplicação da pena o juiz há que buscar o equilíbrio necessário entre o máximo interesse social e o mínimo de expiação do réu(56). Vedada, contudo, sejam quais forem os motivos alegados, a fixação da pena aquém do mínimo legal previsto à espécie.
7.2.9.3 Regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade: inciso III
Damásio E. de Jesus(57), compulsando o dispositivo, chega ao seguinte entendimento:
Cumpre ao juiz determinar o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade (art. 59, III), obedecido o princípio da detração penal (art. 42), e, se for o caso, aplicar o sistema das penas substitutivas (inc. IV).
A importância da definição do regime prisional advém do sentido e da função da pena, que não deve ser entendida apenas como instrumento de castigo, mas em sintonia com os atuais propósitos que põem em relevo a recuperação moral e social do condenado.
Ocorrendo omissão da sentença quanto ao regime inicial de cumprimento da pena, cabe, para evitar sua nulidade, determinar o suprimento desse fato. O STF, em caso análogo, apreciando habeas corpus em grau de recurso, assim decidiu:
Habeas corpus Réu condenado a dois anos de reclusão (CP, art. 155, § 4º, IV) Omissão quanto ao regime inicial de cumprimento da pena. Código Penal, art. 59. Habeas corpus deferido, em parte, para que o juiz, suprindo a omissão da sentença, confirmada pelo acórdão, fixe o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade. (58)
As decisões judiciais são atos de inteligência que consubstanciam um grande todo, mas nem por isso, ao fixar o regime inicial de cumprimento da pena, seja ela de reclusão ou de detenção, podem abster-se da fundamentação. Por isso, são anuladas as que carecerem de tal requisito, a fim de que outra venha a ser proferida, com a observância das disposições legais pertinentes.
Cumprimento de pena privativa de liberdade Acórdão que, sem suficiente justificação, fixou regime inicial fechado. Habeas corpus concedido, em parte, para determinar que outra decisão se profira, estabelecendo, fundamentadamente, o regime fechado, ou outro, a juízo do tribunal estadual. (59)
7.2.9.4 Substituição da pena privativa de liberdade aplicada por outra espécie de pena, se cabível: inciso IV
A reforma do Código Penal, de 1984, admitiu a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos ou pecuniária, nos casos apontados nos arts. 44 e 60, § 2º, respectivamente.
A substituição referida não deve ser guiada apenas pela quantidade da pena imposta. Ela depende de bases subjetivas que indiquem, claramente, a aptidão da medida. Se presentes os requisitos exigidos, a substituição torna-se obrigatória. No entanto, não existe direito subjetivo do réu à substituição, porque depende da apreciação do juiz, em cada caso, sobre a possibilidade de operar-se ou não a troca. Tais medidas visaram, objetivamente, a evitar a pena carcerária, se possível, haja vista a deficiência do sistema vigente.
7.3 Reincidência: arts. 63 e 64
Reincidência é a situação do agente que pratica um fato punível quando já condenado por crime anterior, comprovado por sentença transitada em julgado. O STF confirma esse entendimento ao assegurar que só é reincidente aquele que cometer novo delito após o trânsito em julgado de sentença que [...] condenou o agente pela prática de crime anterior(60). Sobre a exigência da comprovação de sentença que tenha transitado em julgado, Damásio E. de Jesus diz que é necessária, com menção da data em que se tornou irrecorrível(61). Complementando, Luiz Regis Prado e Cezar Roberto Bitencourt(62) afirmam que, além da exigência de sentença condenatória anterior, tem que estar presente o fato de não haver transcorrido cinco anos do cumprimento ou da extinção da pena (art. 64, I).
Entendem ainda os autores retro referidos que a condenação(63) anterior à pena de multa [...] não desnatura a reincidência, posto que o art. 63 não fala em condenação anterior à pena de prisão. (64)
A professora de Direito Penal e desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Maria Stella Villela Souto Lopes Rodrigues(65) aponta a reincidência como compreendida em duas espécies, ponderando:
Reincidência genérica: é aquela em que os crimes praticados pelo agente são de natureza diversa, isto é, são previstos em dispositivos legais diversos. [...]
Reincidência específica: é aquela em que os crimes praticados pelo agente são da mesma natureza, isto é, quando previstos no mesmo dispositivo legal e ainda quando, embora em dispositivos legais diferentes, pelos fatos que os constituem ou por motivos determinantes apresentam caracteres fundamentais comuns.
Essa distinção, contudo, é doutrinária. Os seus efeitos persistem apenas em relação à dosimetria da pena, relativamente ao art. 59 do Código Penal.
Damásio E. de Jesus(66) apresenta vários casos em que o réu pode ser considerado primário ou reincidente, assim dispondo:
a) o sujeito comete um crime no dia 10 de janeiro, vindo a praticar outro no dia 12 de janeiro: não é reincidente (trata-se de reiteração criminal); b) o sujeito comete um crime; no transcorrer da ação penal, vem a cometer outro; não é reincidente; c) o sujeito pratica um crime, sendo condenado, recorre; enquanto os autos se encontram no Tribunal, vem a cometer outro; não é considerado reincidente (RT, 503:350); d) o sujeito, condenado irrecorrivelmente pela prática de um crime, dias após pratica novo delito: é considerado reincidente. Condenado pendente de recurso extraordinário ou especial Não gera reincidência. [...] Hipóteses várias [...] b) o agente pratica um crime; condenado irrecorreivelmente, vem a cometer uma contravenção: é reincidente (LCP, art. 7º); c) osujeito pratica uma contravenção, vindo a ser condenado por sentença transitada em julgado; comete outra contravenção: é considerado reincidente (LCP, art. 7º); d) o sujeito comete uma contravenção; é condenado por sentença irrecorrível; pratica um crime: não é reincidente (CP, art. 63).
Da exposição acima elaborou-se o seguinte quadro, que, por sua visualização, deve contribuir para a compreensão das hipóteses suscitadas pelo autor:
SITUAÇÃO ANTERIOR |
SITUAÇÃO SUB JUDICE |
PRIMÁRIO/REINCIDENTE |
Crime + Crime |
Primário |
|
Crime durante a ação penal |
Crime |
Primário |
Crime em grau de recurso |
Crime |
Primário |
Crime com sentença transitada |
Crime |
Reincidente |
Crime com RExtr. ou Resp. |
Crime |
Primário |
Multa com sentença transitada |
Crime |
Primário |
Crime com sentença transitada |
Contravenção |
Reincidente |
Contravenção com sentença transitada |
Contravenção |
Reincidente |
Contravenção com sentença transitada |
Crime |
Primário |
Deflui do quadro apresentado que algumas circunstâncias devem ser analisadas para o efeito da avaliação da reincidência.
O art. 63 faz referência expressa a crime anterior, donde se pode concluir que não se deve excogitar de reincidência se nova infração penal venha o agente a praticar após o trânsito em julgado de decisão que o tenha condenado por fato tido como contravenção.
No caso inverso, ou seja, se o agente vem a cometer uma contravenção após o trânsito em julgado de sentença que o tenha condenado por crime, estará presente a reincidência. É o que está previsto no artigo 7º da Lei das Contravenções Penais (LCP).
Não há falar em reincidência, se o agente conta com outra condenação por contravenção porque somente a pena pessoal, por fato criminoso, tira o caráter de primariedade do réu. (67)
É reincidente quem pratica um crime e, depois, outro crime. É ainda reincidente quem pratica um crime e, depois, uma contravenção. Já não o é, todavia, quem pratica uma contravenção e, depois, um crime. (68)
Não distingue a lei penal, para efeito de reincidência, a natureza do crime anterior, se doloso ou culposo. (69)
Em relação a sentença anterior que tenha condenado o agente a pena de multa por crime, há controvérsias, posicionando-se a jurisprudência em dois sentidos: um, afirmando que se trata apenas de primariedade técnica; outro, que é caso de caracterização da reincidência. Os julgados abaixo refletem as disposições esposadas:
A condenação anterior a simples pena de multa não é óbice à concessão de sursis, mas não descaracteriza a reincidência. A descaracterização da reincidência só se dá nas hipóteses previstas no art. 64, I e II, do CP. (70)
A condenação a pena de multa, por crime, não tira o caráter de primariedade do réu. (71)
Se foi o réu condenado anteriormente a pena de multa faz ele jus ao reconhecimento de primariedade técnica. (72)
7.3.1 A reincidência e as espécies de crimes
O já mencionado Damásio E. de Jesus(73) assinala que a reincidência pode ocorrer entre: a) dois crimes dolosos; b) dois crimes culposos; c) crimes consumados; d) crimes tentados; e) um crime tentado e outro consumado; f) um crime consumado e outro tentado.
7.3.2 Efeitos da reincidência
Em se tratando de fixação da pena, esta poderá ser agravada pela reincidência pelo fato de não estar legalmente limitada. A exasperação, então, fica ao critério do juiz, diante do fato concreto, considerada a natureza do crime anteriormente cometido. A jurisprudência determinou uma escala crescente de 1/6 (um sexto), 1/5 (um quinto), 1/4 (um quarto), e assim por diante, atentando ao número de condenações devidamente comprovadas.
Inúmeros são os efeitos da reincidência. A reforma de 1984 inseriu no texto legal, em seu artigo 120, a determinação de que a sentença concessiva de perdão judicial (art. 107 causa de extinção da punibilidade) não será considerada para os fins da reincidência. Neste sentido decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, relator o eminente desembargador Alberto Luiz da Costa:
Furto qualificado consumado e tentado em continuidade delitiva. Condenação. Recurso visando a redução da pena, excluindo-se a agravante da reincidência, pois a anterior sentença concessiva de perdão judicial não é considerada para o efeito de caracterização da referida agravante. [...] Em face do que dispõem os artigos 107, IX, e 120 do Código Penal, concedido o perdão judicial, a sentença que o deferir, por ser declaratória de extinção da punibilidade e não surtir qualquer efeito condenatório, não gerará futura reincidência. Exclusão da agravante da reincidência da dosimetria da pena. Redução da reprimenda reclusiva imposta, com modificação do respectivo regime de cumprimento de fechado para aberto. [...] Recurso parcialmente provido. (74)
O quadro que segue, esteado na posição doutrinária de Alberto Silva Franco, Damásio E. de Jesus e Julio Fabbrini Mirabete, apresenta os efeitos que a reincidência pode causar:
ALBERTO SILVA FRANCO et al.(75) |
DAMÁSIO E. DE JESUS(76) |
JULIO FABBRINI MIRABETE(77) |
Agrava a pena privativa de liberdade em quantia indeterminada (art. 61, I) |
Agrava a pena (art. 61, I) |
Agrava a pena (art. 63) |
Constitui circunstância preponderante no concurso de agravantes (art. 67) |
No concurso de agravantes constitui circunstância preponderante (art. 67) |
Prepondera essa circunstância na fixação da pena (art. 67) |
Obsta a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos (art. 44, II) ou pela multa (art. 60, § 2º) |
Obsta a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ou multa (arts. 44, II, e 60, § 2º) |
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Impede a concessão do sursis, em se tratando de crime doloso (art. 77, I) |
Impede a concessão da suspensão condicional da execução da pena (art. 77, I) |
Impede a concessão de sursis nos crimes dolosos (art. 77, I) |
Impede que se inicie o cumprimento da pena em regime semi-aberto (reclusão) ou aberto (art. 33, § 2º, c e c) |
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Aumenta o prazo de cumprimento de pena para a obtenção do livramento condicional (art. 83, II) |
Aumenta o prazo de cumprimento da pena para a obtenção do livramento condicional (art. 83, II) |
Aumenta o prazo para a concessão do livramento condicional (art. 83, II) |
Aumenta o prazo prescricional da pretensão executória (art. 110) |
Aumenta o prazo da prescrição da pretensão executória (art. 110, caput) |
Aumenta o prazo para a prescrição da pretensão executória (art. 110) |
Interrompe a prescrição (art. 117, VI) |
Interrompe a prescrição (art. 117, VI) |
Interrompe o prazo de prescrição (art. 117, VI) |
Revoga o sursis, em caso de condenação em crime doloso (art. 81, I) |
Revoga o sursis em condenação por crime doloso (art. 81, I) |
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Revoga o sursis, facultativamente, no caso de condenação por crime culposo, ou por contravenção, à pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos (art. 81, § 1º) |
Revoga o sursis, facultativamente, em crime culposo ou contravenção (art. 81, § 1º) |
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Revoga o livramento condicional no caso em condenação, a pena privativa de liberdade (art. 86) |
Revoga o livramento condicional, em condenação a pena privativa de liberdade (art. 86) |
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Revoga o sursis, facultativamente, no caso de condenação, por crime ou contravenção, a pena que não seja privativa de liberdade (art. 87) |
Revoga o livramento condicional, facultativamente, em condenação por crime ou contravenção, quando não aplicada pena privativa de liberdade (art. 87) |
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Revoga a reabilitação quando o agente for condenado a pena que não seja de multa (art. 95) |
Revoga a reabilitação, quando condenado a pena que não seja de multa (art. 95) |
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Impede a incidência de algumas causas de diminuição de pena (arts. 155,§ 2º, 170, 171, § 1º) |
Impede algumas causas de diminuição de pena (arts. 155, § 2º, 170, 171, § 1º) |
Impede o reconhecimento de causas de diminuição de pena (arts. 155, § 2º, 171, § 1º, etc.) |
Possibilita o reconhecimento da infração do art. 25 da LCP |
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Impede a liberdade provisória para apelar (art. 594 do CPP) |
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Impede a prestação de fiança, por condenação em crime doloso (art. 323, III, CPP) |
7.4 Regimes prisionais
O Código Penal, sem que fizesse a diferenciação entre os tipos de regimes previstos no seu art. 33, caput, apenas afirmando que a pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto, e a pena de detenção nos regimes semi-aberto ou aberto, com a ressalva de que, para esta última, se necessário, poderá haver transferência ao regime fechado, deixou, contudo, manifesto que a distinção entre eles se vincula ao tipo de estabelecimento prisional onde a pena privativa de liberdade tem que ser cumprida.
Assim, pela regra do caput do artigo 33, depreendemos:
RECLUSÃO: Regimes: fechado, semi-aberto e aberto.
DETENÇÃO: Regimes: semi-aberto e aberto.
Levando-se em conta o grau de segurança e de disciplina, a pena do regime fechado deve ser cumprida, necessariamente, nos estabelecimentos de segurança máxima ou média (art. 33, § 1º, a); do regime semi-aberto em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar (art. 33, § 1º, b); e do regime aberto em casa de albergado ou estabelecimento adequado.
A quantidade de pena imposta determinará o regime penitenciário a ser aplicado. Dessa forma, temos o resumo abaixo:
PENA APLICADA |
REGIME INICIAL |
DISPOSITIVO LEGAL |
> 8 anos |
Fechado |
Art. 33, § 2º, a |
> 4 £ 8 anos (não reincidente) |
Semi-aberto |
Art. 33, § 2º, b |
£ 4 anos (não reincidente) |
Aberto |
Art. 33, § 2º, c |
Quanto ao primeiro caso nenhuma dúvida resta, pois a pena privativa de liberdade ao condenado acima de oito anos deve ter seu cumprimento em regime fechado.
A divergência estabeleceu-se em relação ao regime inicial de cumprimento da pena reclusiva quando o réu for reincidente.
Como afirmado no item 7.2, passa-se a apresentar as posições divergentes entre a doutrina e a jurisprudência.
7.4.1 Posição da doutrina
Em relação à alínea a não há divergência alguma na doutrina, mesmo porque esta norma tem caráter impositivo e não precisa ser conjugada com outra. Sendo a pena fixada acima de 8 (oito) anos, obrigatoriamente o réu deverá cumpri-la, inicialmente, no regime fechado. De salientar, no entanto, que está se referindo tão-só à pena de reclusão, pois o próprio caput do artigo não prevê o regime inicial fechado ao condenado em detenção.
Luiz Regis Prado e Cezar Roberto Bitencourt (78):
Regime inicial para a reclusão
[...] b) reclusão superior a 4 anos, reincidente, sempre inicia em regime fechado; c) reclusão superior a 4 anos até 8, não reincidente, pode iniciar em regime fechado ou semi-aberto. Dependerá das condições do art. 59 do CP; d) reclusão até 4 anos, reincidente, pode iniciar em regime fechado ou semi-aberto. Dependerá do art. 59; e) reclusão até 4 anos, não reincidente, pode iniciar em qualquer dos três regimes, fechado ou semi-aberto ou aberto, segundo recomendam os elementos do art. 59.
Influência do fator reincidência
O fator reincidência, quando se trata de pena de detenção, só influi no regime inicial, quando for de até 4 anos, que não poderá ser aberto. Quando se tratar de reclusão, influi no regime inicial quando for de até 4 anos, que poderá ser semi-aberto ou fechado, e quando for superior a 4 anos até 8, que deverá ser necessariamente fechado.
Julio Fabbrini Mirabete(79):
No art. 33, §§ 2º e 3º, a lei estabelece os critérios para a fixação do regime inicial de cumprimento das penas de reclusão e detenção com fundamento na qualidade e quantidade da pena, na reincidência ou não do condenado, e nas circunstâncias judiciais da aplicação da pena. [...] sendo aplicada pena de reclusão ao reincidente, obrigatoriamente deve ser imposto o regime inicial fechado, já que os regimes semi-aberto e aberto, para início de cumprimento da pena, são admitidos aos não reincidentes (§ 2º letras b e c).
Maria Stella Villela Souto Lopes Rodrigues(80):
O novo Código Penal (Lei n.7.209/84) adotou expressamente o regime progressivo, como se vê no § 2º do art. 33, que determina essa progressão em função do mérito do condenado, observadas as seguintes regras:
1ª Se o condenado cumpre pena superior a oito (8) anos, é obrigado a iniciá-la em regime fechado.
2ª Se o condenado é primário (a lei fala em não reincidente, porque ele pode ter cometido outro delito, sem ser reincidente) e a pena a cumprir é superior a 4 anos, mas não excede os 8 anos (está entre 4 e 8), pode ser iniciada em regime semi-aberto (pode, é faculdade, não direito do condenado).
3ª Se é primário (não reincidente) e a pena estiver abaixo de quatro anos, o início de seu cumprimento pode ser, desde logo, em regime aberto.
A observação de que não se trata de direito do condenado, mas de faculdade que pode beneficiá-lo, está na regra do § 3º, que manda aplicar ao caso a regra do art. 59.
Esta regra diz respeito à fixação da pena, mas serve de orientação ao juiz da execução para ver se o condenado, respeitados aqueles critérios do art. 59, pode ou não ser beneficiado.
Damásio E. de Jesus(81):
Embora o autor não tenha analisado diretamente a hipótese de reclusão e reincidência, fê-lo em relação à detenção e reincidência, neste sentido:
[...] Suponha-se que um sujeito, condenado anteriormente por lesão corporal dolosa, com sentença transitada em julgado, dois anos depois venha a sofrer pena de um mês e dez dias de detenção por injúria. À primeira vista, de acordo com o sistema, deverá, em face da reincidência, cumprir a pena em regime fechado. Não é cabível o sursis por ser reincidente em crime doloso (art. 77,I). A detenção, pela mesma razão, não pode ser substituída pela pena restritiva de direitos (art. 44, II). Por fim, não se admite, pelo mesmo motivo, o cumprimento da pena em regime aberto (art. 33, § 2º, c). A solução, porém, mostra-se injusta, uma vez que iríamos encarcerar junto a homicidas e assaltantes alguém que, em tese, pode não oferecer periculosidade e apresentar escassa culpabilidade. Diante do conflito que existe entre o art. 33, caput, que não prevê o início do cumprimento da detenção em regime fechado, para ela admitindo os regimes semi-aberto e aberto, e o § 2º, c, que determina na hipótese o regime fechado, de prevalecer a primeira norma, concedendo-se, presentes outros requisitos legais, o cumprimento da pena em regime aberto. [...]
Sentido da expressão poderá das alíneas b e c do § 2º
Deve ser interpretada no sentido de que a lei confere ao juiz a tarefa de, apreciando as circunstâncias do caso concreto em face das condições exigidas, aplicar ou não determinado regime. [...]
Celso Delmanto(82):
Delmanto comunga da mesma idéia de Damásio de Jesus quanto à detenção e reincidência, mas também não faz referência à hipótese de réu reincidente condenado a pena reclusiva.
7.4.2 Posição da jurisprudência
Os tribunais têm assentado dois entendimentos distintos quanto a apreciação das letras b e c do artigo 33 do Código Penal, nos casos em que o condenado à pena reclusiva seja reincidente. Por um lado, a grande maioria aceita a tese de que, pelo simples fato da reincidência, deve o regime inicial de cumprimento da pena ser o fechado, mesmo sendo favoráveis as circunstâncias judiciais do art. 59. Por outro, há o entendimento de que a reincidência, por si só, não obriga ao regime fechado, podendo ser o semi-aberto, ao argumento de que os requisitos do artigo 59 é que vão determinar o regime mais adequado, ou seja, qual regime será o suficiente e necessário para que os fins da pena sejam atingidos (art. 33, § 3º).
A seguir estão transcritos julgados dos diversos tribunais do País, cujas decisões, tocantes ao tema enfocado, diferenciam-se pelos motivos acima expendidos.
No primeiro sentido:
Penal. Execução penal. Regime prisional. Condenado reincidente. CP, art. 33, § 2º, b. A determinação do regime inicial de cumprimento da pena integra o processo de sua individualização, como previsto no art. 59 do Código Penal, e deve obedecer aos rigorosos parâmetros inscritos no art. 33, do mesmo diploma legal, onde há expressa previsão de que o regime inicial semi-aberto somente é deferido ao condenado não reincidente. Inteligência do art. 33, § 2º, b, do Código Penal. Recurso especial conhecido e provido. (83)
Tratando-se de condenado reincidente, o regime inicial do cumprimento da pena reclusiva deve ser o fechado. (84)
Furto qualificado. [...] Reconhecido o agente como reincidente e cuidando-se de crime punido com pena de reclusão, o regime inicial para cumprimento da pena será sempre o fechado [...] (art. 33, § 2º, c, do Código Penal), como motivadamente fixou a sentença apelada. (85)
Furto qualificado pelo arrombamento e emprego de chave falsa (art. 155, parágrafo 4º, I e III, do CP). Pretendida desclassificação para furto simples. Impossibilidade diante das provas apuradas. Majoração da pena, com fixação do regime semi-aberto. Impossibilidade, pois as circunstâncias judiciais são desfavoráveis ao ré. O regime prisional tinha que ser o fechado, uma vez que é reincidente e foi condenado à pena de reclusão. (86)
[...] Assim, seja pela obrigatoriedade diante da reincidência manifesta, ou por não lhe serem favoráveis as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, a fixação do regime fechado para o cumprimento da pena do réu [...] é a medida que se impõe(87).
Reincidente um dos co-réus, impõe-se-lhe o regime carcerário imediatamente mais gravoso do que aquele que lhe seria aplicado, não houvesse a reincidência. (88)
Se o condenado, mesmo com pena inferior a 4 anos de reclusão, é reincidente, como reconhecido pela sentença de primeiro grau, não faz jus ao regime semi-aberto para início da execução da pena. (89)
O condenado reincidente deve iniciar o cumprimento da pena de reclusão sempre em regime fechado, independentemente da quantidade de pena aplicada. (90)
No que toca ao pedido alternativo de concessão do regime prisional para semi-aberto, deduzido nas razões recursais, impossível apresenta-se seu provimento, primeiro porque se cuida de réu reincidente, consoante se vê da Certidão de fls. 102, óbice à concessão, de conformidade com o artigo 33, § 2º, b, do Código Adjetivo Penal, que é claro ao dispor que tal regime somente será concedido ao "condenado não reincidente", e segundo porquanto se trata de matéria afeta ao Juízo de Execução, de acordo com o preceituado no artigo 66, inciso III, b, da Lei de Execução Penal, e não de competência deste Sodalício. (91)
Apelação criminal. Crime contra o patrimônio. Furto qualificado pelo arrombamento. Perícia positiva. Autoria e materialidade comprovadas. Delito configurado. Recurso colimando tão-somente a mitigação da pena. Súplica provida. [...] Presente a agravante da reincidência, insculpida no art. 61, inciso I, do Código Penal, aumenta-se a reprimenda em 6 (seis) meses, totalizando 4 (quatro) anos de reclusão. [...] a Câmara conhece do recurso, dando-lhe provimento para fixar a pena [...] em 3 (três) anos de reclusão, a ser cumprida em regime fechado. (92)
No segundo sentido:
Júri. Desclassificação para lesões corporais. Condenação nas sanções do art. 129, § 1º, inc. II, do CP. Pena. Reincidência. Regime prisional. Correção. Recurso parcialmente provido. Tratando-se de condenado reincidente, o regime inicial do cumprimento da pena reclusiva pode ser o semi-aberto ou o fechado. Os requisitos do art. 59 é que determinarão qual dos dois regimes será o mais adequado, isto é, qual dos dois será necessário e suficiente para atingir os fins da pena (art. 33, § 3º, do CP) (Bittencourt, Cezar Roberto Código Penal Anotado, p. 255). Não se tratando de pena superior a 8 (oito) anos (art. 33, § 2º, letra a, do CP), a imposição de regime fechado depende de fundamentação adequada em face do que dispõem as alíneas b e c do mesmo § 2.º e também o § 3º c/c o art. 59 do mesmo diploma. (93)
Réu reincidente. Regime prisional. Semi-aberto. Possibilidade. Reincidência, por si só, não obriga ao regime fechado. Dispõe o art. 33, § 2º, alínea c, do Cód. Penal, que o condenado não-reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 anos, pode cumpri-la, desde o início, em regime aberto; o que significa, contrario sensu, que o reincidente não pode iniciar o cumprimento de sua pena neste regime, podendo-o todavia no semi-aberto. (94)
O preceito contido na letra c do § 2º do art. 33 do CP, vedando o cumprimento inicial da reprimenda em regime aberto no caso de reincidência, não tem força absoluta, não podendo ser interpretado e aplicado isoladamente das circunstâncias judiciais inscritas no próprio § 3º do citado artigo e, principalmente, das disposições do art. 59 do Estatuto Repressivo, pois a pena privativa de liberdade só terá valor teleológico e pragmático, se idônea, após avaliação do caso concreto, a reeducar e reinserir harmoniosamente o condenado no seio comunitário. (95)
A determinação do regime inicial de cumprimento da pena não depende das regras do caput do art. 33 e seu § 2º do CP, mas, também, de suas próprias ressalvas, conjugadas com o caput do art. 59 e inc. III. E deve ser feita, nos termos do § 3º do art. 33, com observância dos critérios previstos no art. 59. (96)
O Juiz, ao fixar o regime inicial de cumprimento da pena, deve analisar os requisitos objetivos e subjetivos. Só assim a pena alcançará o fim enunciado no Código Penal (art. 59), ou seja, necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime. Indispensável ponderar o juízo de conveniência. (97)
A lei penal ao permitir o regime aberto desde o início aos condenados não reincidentes reconhece apenas que, ocorrendo a reincidência, não se aplica este regime desde o início, porém, não nega a possibilidade ao reincidente de iniciar o cumprimento da pena em regime semi-aberto. (98)
Nos termos do art. 33, § 2º, c, do CP, ao condenado reincidente é vedada, tão-somente, a fixação do regime inicial aberto, sendo a lei omissa no que tange à possibilidade ou não de estabelecimento da modalidade semi-aberta, é possível adotar-se solução mais benéfica ao réu. (99)
A determinação do regime inicial de cumprimento da pena não depende apenas das regras do caput e seu § 2º do Código Penal, mas, também, de suas próprias ressalvas, conjugadas com o caput do art. 59 e inciso III (RHC 64.970). E deve ser feita, nos termos do § 3º do art. 33, com observância dos critérios previstos no art. 59(100).
A bem de se examinar a questão em tela nota-se que sendo o apelado reincidente mas condenado a pena inferior a quatro anos, a rigor sua situação não está prevista. Fica, então, conferida ao poder discricionário do magistrado a fixação do regime prisional, que só não pode ser o aberto, por expressa vedação legal. (101)
Nos termos do art. 33, § 2º, c, do CP, ao condenado reincidente é vedada, tão-somente, a fixação do regime inicial aberto; sendo a lei omissa, no que tange à possibilidade ou não de estabelecimento da modalidade semi-aberto, é possível adotar-se solução mais benéfica ao réu. (102)
Ao determinar o regime prisional do réu reincidente, não pode o Magistrado ficar adstrito somente à reincidência e ordenar a modalidade fechada para o cumprimento da pena, devendo, outrossim, examinar também o quadro de circunstâncias previsto no § 3º do art. 33 do CP, que diz respeito à culpabilidade. (103)
Dos excertos acima ressalta que o juiz tem amplitude e o critério de oportunidade e conveniênica para a fixação do regime inicial de cumprimento da pena, seja ela reclusiva ou detentiva.
Apesar das opiniões no sentido de que o réu tem direito subjetivo público penal ao regime, de acordo com a quantidade da pena que lhe for imposta, o Código Penal, por uma interpretação sistemática, atribui ao Magistrado o poder de impor regime inicial suficiente e necessário para efeito de retribuição do mal causado pelo delito.