Em política não existe linguagem neutra, nem escolha retórica inocente. No dia 17 de junho, o senador Sérgio Moro disse que agora a direita tem um candidato para “derrubar Lula”. Existe uma distinção semântica importante entre “derrubar” um presidente e “derrotar” o candidato adversário.
No primeiro caso, o líder político que deseja conquistar o poder acredita que tem o privilégio de fazer qualquer coisa para atingir seu objetivo. Ele está disposto a usar violência extrema (terrorismo político) e/ou estuprar a democracia mediante uma fraude eleitoral. No segundo, o candidato participa da disputa se comprometendo a respeitar o resultado da eleição ainda que este não lhe seja favorável. Quem respeita a soberania popular valoriza as regras do jogo, se esforça para conquistar mais votos do que o oponente e nem mesmo cogita derrubá-lo. Quem pretende derrubar o inimigo se predispõe a ignorar um resultado eleitoral indesejado.
Sérgio Moro fez uma escolha significativa. Ele não quer preservar a democracia mas destruí-la. Ao dizer que pretende derrubar Lula, o senador paranaense cometeu um ato falho ou ele apenas exibiu sua verdadeira face autoritária? Para responder essa pergunta é preciso levar em conta a história recente.
A Vaza Jato provou de maneira indiscutível que Sérgio Moro conspirou com Deltan Dellagnol para prejudicar Lula. Ao grampear a presidenta Dilma Rousseff e vazar o áudio ele cometeu um crime e interferiu no processo eleitoral para beneficiar Jair Bolsonaro.
Logo após a eleição, Sérgio Moro ganhou de presente o Ministério da Justiça demonstrando publicamente que utilizou politicamente o cargo de juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba para alavancar uma nova carreira. Como ministro, ele passou a perdoar os crimes cometidos pelos seus colegas de trabalho e a perseguir o hacker que revelou ao mundo a conspiração fraudulenta que caracterizou a Lava Jato.
Moro é uma figura extremamente autoritária. Esse autoritarismo ficou bastante evidente quando ele fez questão de ser fotografado num carro de combate do Exército. Apesar de não ter imparcialidade, Sérgio Moro segue tentando surfar na onda lavajateira como se tivesse o privilégio de julgar inválida a decisão dos Ministros da Suprema Corte que anularam tudo o que ele fez no caso do Triplex.
O Código de Ética do Senado prescreve que:
Art. 11. Serão punidas com a perda do mandato:
I – a infração de qualquer das proibições constitucionais referidas no art. 3º (Constituição Federal, art. 55);
II – a prática de qualquer dos atos contrários à ética e ao decoro parlamentar capitulados nos arts. 4º e 5º (Constituição Federal, art. 55);
III – a infração do disposto nos incisos III, IV, V e VI do art. 55 da Constituição.
O senador Sérgio Moro pode lutar para “derrotar” Lula, mas ele não deve nem mesmo cogitar “derrubar” um adversário político. Quem diz isso instiga o terrorismo e legitima fraudes eleitorais ferindo mortalmente o disposto no art. 4º, VIII, e art. 5º, XLIV, ambos da CF/88.
Em tese, o PT e Lula podem pedir a abertura de processo administrativo contra Sérgio Moro por ele ter assumido publicamente seu compromisso com o autoritarismo político dando a entender que não aceitará uma derrota para Lula. No âmbito desse processo o comportamento pregresso do senador paranaense deverá ser levado em conta para definir o significado preciso do discurso dele.
De qualquer maneira, seria importante o discurso autoritário de Sérgio Moro ser objeto de deliberação. Não será possível restabelecer a normalidade política brasileira preservando modalidades discursivas que são incompatíveis com o regime democrático. Em janeiro de 2023 a direita tentou um golpe de estado e fracassou. A fala do senador paranaense dá a entender que novas conspirações golpistas estão sendo tramadas.