Capa da publicação Namorido me enrola pra não casar. Tenho direitos?
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Meu "namorido" me enrola há mais de cinco anos...

Afinal de contas, quais são os meus direitos?

04/07/2024 às 15:29
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A lei não reclama prazo certo para a constituição de união estável, mas deixa claros os requisitos que devem ser analisados com base nos contornos do caso concreto.

Um sem número de pessoas pode estar vivendo em União Estável mesmo sem saber: consciente ou inconscientemente a insegurança de saber se efetivamente o "laço" que une as pessoas é ou não de união estável é um problema que via de regra pode ser evitado e é muito importante considerar isso tudo já que a Lei possui disposições acerca da União Estável, seus efeitos e as orientações jurisprudenciais há muito estão consolidadas no sentido de conferir proteção à União Estável, cumprindo a promessa da Constituição Federal de 1988.

Inicialmente é preciso destacar que União Estável não "começou" com o Código Civil em 2002. O referido Código (que inclusive está em vias de atualização) traz o regramento da União Estável no art. 1.723, todavia, há muito tempo a "união livre" vinha sendo reconhecida seja com base em construção jurisprudencial, seja com base nos diplomas legais anteriores, tudo isso visando conferir proteção ao relacionamento mantido por homem e mulher que não estivesse rotulado e formalizado como Casamento. A Constituição Federal de 1988 assim dispõe:

"Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

(...) § 3º.. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento".

A regulamentação da referida disposição, por sua vez, veio com a Lei Federal 9.278/96 e, muito antes, o STF já em 1964 exarada o verbete Sumular 380 que já construía alguma proteção a quem vivia em "união livre", sem formalização de casamento, aludindo à "Sociedade de Fato":

"Comprovada a existência de SOCIEDADE DE FATO entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a PARTILHA do patrimônio adquirido pelo esforço comum".

Realmente um caminho muito grande foi trilhado até chegarmos à proteção assegurada nos dias atuais, sendo certo que a análise da jurisprudência de algumas décadas revela o retrato sofrido experimentado por quem vivia naquela situação naquela época:

"EMBARGOS. CONCUBINATO. SOCIEDADE DE FATO. DISSOLUCAO DE SOCIEDADE. INDENIZACAO POR SERVICOS PRESTADOS PELA CONCUBINA. Concubinato. Inexistencia de sociedade de fato, alias, reconhecida pela propria Embargante. Inaplicabilidade à especie da" Sumula "n. 380 do Egregio S.T.F., que reconhece ser cabivel a dissolucao judicial da Sociedade de Fato, quando comprovada a sua existencia, com a partilha do patrimonio adquirido pelo esforco comum, o que inocorre, na especie. Impossibilidade de se transformar o Julgador em Legislador, CRIANDO DIREITOS QUE A LEI NÃO RECONHECE, para dar à ex-concubina, dissolvido o concubinato, um PENSIONAMENTO, até o fim de sua vida, á titulo de indenizacao pelos servicos prestados, como concubina. Embargos Infringentes rejeitados, para confirmar-se o V. Acordao Embargado que, provendo a Apelacao do varao, julgou IMPROCEDENTE a ação proposta pela ex-concubina. (RCB) Vencidos os Des. Doreste Baptista e Fernando Celso".

TJRJ. 1987.005.04059. Julgado em: 23/11/1988.

No cenário atual posto pelo Código Civil de 2002 é tratada no art. 1.723 que reza:

"Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família".

Como se observa, a Lei não reclama prazo certo para a constituição de união estável, mas deixa claros os requisitos que devem ser analisados com base nos contornos do caso concreto: convivência pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituição de família. A relação que ostenta os caracteres reclamados em Lei merece proteção como afirmado na CRFB, não podendo haver qualquer discriminação entre as formas de família, seja aquela rotulada pelo Casamento, seja aquela rotulada pela União Estável. Nesse sentido, a valiosa doutrina do saudoso mestre ZENO VELOSO (Código Civil Comentado. Vol XVII. 2003) ensina:

"Na real verdade, quer do ponto de vista jurídico, ou moral, ético, político, social, econômico, tanto é FAMÍLIA a que se funda no casamento como a que provém de uniões duradouras, sérias, informais, merecendo uma e outra o mesmo acatamento, RESPEITO e DIGNIDADE. (...) Toda família brasileira, a partir de 1988, qualquer que tenha sido sua ORIGEM ou modo de criação, está submetida ao PRINCÍPIO DA IGUALDADE, tem a mesma IMPORTÂNCIA e DIGNIDADE, merece o mesmo RESPEITO e acatamento, graças à Lei Fundamental do país, e graças a Deus, sobretudo".

Como dito, o ponto nodal da questão é se comprovar a União Estável já que diferentemente do Casamento, na união livre não há "Certidão de União Estável" (podendo haver Contrato de União Estável - seja por Escritura, seja por Documento Particular - mas que não é requisito para sua configuração).

Uma vez comprovada a União Estável, poderá tocar aos envolvidos, no caso de dissolução em vida da União Estável (o que se poderia comparar a um "Divórcio", Casamento fosse) direito à PARTILHA DE BENS - e esse direito deve ser aquilatado à luz do regime de bens aplicável à relação de acordo com as peculiaridades do caso concreto e principalmente se existente um CONTRATO ESCRITO que estipule regime de bens, como autoriza o atual art. 1.725 do CC/2002 - assim como à forma de aquisição, já que em alguns casos os bens podem ser transferidos propositalmente a um dos companheiros com CLÁUSULAS que os imunizem a eventuais efeitos patrimoniais em desfavor do (a) seu (sua) companheiro (a) - assim como PENSIONAMENTO, se efetivamente o binômio necessidade e possibilidade restar demonstrado, conforme regras do art. 1.694 do mesmo CCB, uma vez que a obrigação de prestar alimentar entre os ex-companheiros decorre do dever de mútua assistência nascido da relação de convivência havida entre eles.

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No caso de dissolução "causa mortis" da União Estável, uma vez comprovada a relação, poderá tocar aos envolvidos não só direito à MEAÇÃO como também à HERANÇA, pelo menos atualmente, sem prejuízo do DIREITO DE HABITAÇÃO e eventual PENSÃO POR MORTE, em sede de direito previdenciário.

É importante anotar que a realização destes direitos pode ser resolvida na VIA EXTRAJUDICIAL desde que inexistente o litígio, como apregoa a redação atual dos arts. 18. e 19 da Resolução CNJ 35/2007 que regulamenta o INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL:

"Art. 18. O (A) companheiro (a) que tenha direito à sucessão é parte, observada a necessidade de ação judicial se o autor da herança não deixar outro sucessor ou não houver consenso de todos os herdeiros, inclusive quanto ao reconhecimento da união estável.

Art. 19. A meação de companheiro (a) pode ser reconhecida na escritura pública, desde que todos os herdeiros e interessados na herança, absolutamente capazes, estejam de acordo" .

Nossas críticas já foram feitas diretamente ao CNJ (0001596-43.2023.2.00.0000) principalmente à redação do art. 18. acima e em breve aguardamos aperfeiçoamento da norma para extirpar o atual tratamento discriminatório na regulamentação extrajudicial.

POR FIM, em que pese nossa sólida e permanente recomendação em adotar um CONTRATO DE UNIÃO ESTÁVEL para inclusive fins de comprovação (seja ele por ESCRITURA PÚBLICA, seja por Instrumento Particular, como autorizado em Lei) fica sempre a valiosa orientação em ainda assim formar um bom conjunto probatório já que eventualmente esse será o principal ponto para demonstrar a situação fática e garantir direitos, tanto na dissolução em vida quanto na dissolução "causa mortis" da União Estável, como ratifica a acertada decisão do TJGO:

"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM. ELEMENTOS CARACTERIZADORES. ÔNUS DA PROVA. 1. Nos termos da legislação civil, diversamente do casamento, que se comprova com a respectiva certidão, a declaração judicial da união estável, por se trata de estado de fato, depende de PROVA PLENA e convincente de seus elementos caracterizadores, vale dizer, a convivência estável, duradoura, pública e notória, e o desejo de constituição de família, ainda que sem prole, cujo ônus de produzi-la compete a quem alega, ao teor do art. 373 , inciso I , do CPC . ESCRITURA PÚBLICA DE DECLARAÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. VALOR PROBANTE RELATIVO. CONTEÚDO. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE. INEXISTÊNCIA. 2. A escritura pública de declaração, embora dotada de fé pública, faz prova de sua formação e dos fatos presenciados pelo tabelião que a lavrou, mas NÃO DO CONTEÚDO declarado pelas partes, conforme emana do art. 405 , do CPC . 3. A existência de escritura pública não afasta a necessidade de comprovação em juízo da alegada união estável, por outros meios de prova, quando contestada. CASO CONCRETO. AUSÊNCIA DE PROVAS DO INTUITO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. NAMORO QUALIFICADO PELA COABITAÇÃO. UNIÃO ESTÁVEL NÃO COMPROVADA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. MANUTENÇÃO. 4. O simples fato de as partes coabitarem por determinado período não induz, inexoravelmente, à configuração da união estável, consoante entendimento consolidado no STJ. 5. O que distingue a união estável de outras relações em que há afetividade, intimidade e duração prolongada no tempo é o intuito de constituir uma vida em família (affectio societatis familiar), assim entendida como um projeto de convivência estreita e diuturna com compartilhamento de todas as questões no âmbito social, comunitário e familiar. 6. Na hipótese em que o conjunto probatório dos autos NÃO É CAPAZ de atestar a existência da comunhão de vidas semelhante ao casamento, com laço afetivo duradouro, público e contínuo entre os conviventes, mister a ratificação da sentença que julgou improcedente a pretensão de reconhecimento da união estável, porquanto não preenchidos seus requisitos fundamentais. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO".

TJGO. 03754847820138090029 . J. em: 28/09/2018.

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Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Julio. Meu "namorido" me enrola há mais de cinco anos...: Afinal de contas, quais são os meus direitos?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7673, 4 jul. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/109958. Acesso em: 9 nov. 2024.

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