A pornografia da vingança e a tutela do direito penal

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RESUMO

A presente pesquisa tem por objetivo explorar a temática da prática de pornografia não consensual conhecida como pornografia por vingança, os efeitos devastadores para as vítimas, causando danos psicológicos, emocionais e sociais. Compreender os impactos sofridos pelas vítimas de pornografia por vingança e de que forma a lei penal pode ser aplicada aos casos concretos. Descrever as formas mais usadas como meio da pornografia por vingança. Analisar casos concretos já ocorridos no Brasil. Através desta pesquisa pretende-se compreender de que forma a Lei Penal é aplicada analisando em que momento as vítimas procuram o Poder Judiciário para ter seus direitos preservados, diante da vulnerabilidade feminina e o poder punitivo do Estado.

Palavras-chave: Pornografia da Vingança, Vulnerabilidade, Danos Psicológicos, Leis.


INTRODUÇÃO

Este artigo traz à tona a vulnerabilidade da mulher diante de uma exploração chantagista e criminosa e relação exposição de imagens pornográficas de vítimas mulheres que ao terminarem seus relacionamentos passam a ser perseguidas violentadas em seu estado emocional e psicológico.

O uso da tecnologia através da internet, é um avanço de comunicação extraordinário para a vida de todas as pessoas ao redor do mundo. A celeridade com que as informações são veiculadas, não há o que se falar em relação aos benefícios advindos desse meio de comunicação. Entretanto, na mesma intensidade há a aceleração dos crimes virtuais e uso da internet para reprodução de violências, entre elas configura-se o que entende-se como a pornografia da vingança.

A insegurança que norteia este tema, como acontece essa ação criminosa, o que a Lei Penal traz como proteção para as mulheres vítimas da pornografia por vingança. Há que se dizer das vítimas que passam por tal estágio de violência psicológica com danos muitas vezes irreversíveis chegando a casos extremos até mesmo de suicídio.

O presente estudo busca explicar como essa prática criminosa pode ser coibida através do poder punitivo do Estado, salvaguardando as vítimas em sua honra, sua imagem e sua liberdade sexual.

O principal problema abordado nesta pesquisa norteia-se em de que forma pode ser coibida essa prática de pornografia não consensual, através da Lei Penal e aplicada aos casos concretos, como a Tutela do Direito Penal aborda a temática, desde a investigação, instrução processual e condenação dos atos criminosos cometidos por homens que uma vez rejeitados por suas ex companheiras, muitas das vezes porque já passam por algum tipo de violência doméstica, terminam seus relacionamentos abusivos e passam a ser perseguidas e chantageadas por eles, em seu foro mais íntimo de suas imagens desnudas, sua honra diante da sociedade e suas famílias.

Será abordado no primeiro capítulo o que é e de que forma ocorre a pornografia da vingança, trazendo a discussão através de pesquisa bibliográfica e documental, o que a literatura abarca tal prática dentro do direito penal. Trata-se também de estudo na literatura de psicologia, para que se haja um entendimento dos danos emocionais causados por tal prática.

No segundo capítulo tratou-se do direito à privacidade a luz da Constituição Federal, a Tutela Penal do direito a intimidade, a honra e a imagem.

No terceiro capítulo refere-se a como as mulheres em estado de vulnerabilidade do gênero feminino sofrem com o medo, a vergonha, o julgamento da sociedade e a busca pela Tutela do Estado para proteção e punição em relação ao ato criminoso. Como a lei trata os casos concretos e de que forma ela é aplicada.

Ao final no quarto capítulo abordará casos ocorridos no Brasil resultantes de pornografia da vingança seus desdobramentos através do Poder Judiciário, apresentou-se casos concretos com vítimas de pornografia da vingança e de que forma se deu a conclusão. Pretendeu-se investigar de que forma as vítimas procuram a justiça para terem seus direitos resguardados, de que forma a lei pode inibir e quem sabe banir tal modalidade criminosa.

Diante de toda a pesquisa procurou-se compreender o que as vítimas mulheres passam por tal violência, os danos causados, a busca por justiça e onde a Tutela do Estado através do Poder Judiciário e a Lei Penal auxilia, resguarda e pune a prática criminosa da pornografia por vingança.

1 - O QUE É A PRONOGRAFIA DA VINGANÇA

O fenômeno da pornografia de vingança tem chamado a atenção dos legisladores ao redor do mundo, principalmente, por sua prática ter se tornado mais intensa nos últimos anos e também por causar efeitos extremamente danosos para a vítima. Essa divulgação de momentos privados e íntimos com o propósito de vingança, inicialmente, era realizada por meio da distribuição de fotos impressas, através de panfletos, correspondências, ou pelo envio de e mails para parentes e amigos da vítima, com anexos de fotos íntimas e suas informações.

Entretanto, com o avanço dos aplicativos de mensagens instantâneas, esse ambiente se tornou o meio preferido para a disseminação desse conteúdo, devido à sua rápida e ampla abrangência. A pornografia de vingança envolve a exposição de cenas sexuais sem o consentimento da pessoa envolvida, com o objetivo de humilhar a vítima, principalmente através da internet. Nesse sentido, Sydow e Castro (2019, p. 39) descrevem que:

Vingança pornográfica é a terminologia usada para descrever a distribuição/publicação não consensual de imagens de nus em fotografia e/ou vídeos sexualmente explícitos; também, a publicação de áudios de conteúdo erótico pode se encaixar em tal terminologia.

Esse conceito engloba tanto as situações em que os materiais foram obtidos sem o conhecimento da vítima quanto aquelas em que a própria pessoa exposta consentiu ou enviou o conteúdo no contexto de uma relação íntima anterior com o ofensor.

Dentre os recentes crimes virtuais, encontra-se a pornografia de vingança, que se apresenta uma nova modalidade de constranger as mulheres. Tendo em vista que, o mundo virtual tem se mostrado propício para a disseminação desta modalidade criminosa e misógina de atacar mulheres através da internet.

Compreender que a natureza vingativa não é um critério obrigatório para a ocorrência de exposição pornográfica não autorizada é crucial, sendo a pornografia de vingança apenas uma das suas categorias. Nesse sentido, já afirmou a Ministra Nancy Andrighi:

A exposição pornográfica não consentida´, da qual a ´pornografia de vingança´ é uma espécie, constitui uma grave lesão aos direitos de personalidade da pessoa exposta

indevidamente, além de configurar uma grave forma de violência de gênero que deve

ser combatida de forma contundente pelos meios jurídicos disponíveis.

Assim, conforme destacam Sydow e Castro (2019, p. 41) “para saber se a exposição pornográfica não consentida caracteriza um ato de vingança pornográfica é preciso analisar a fonte de captura, a forma de circulação e a motivação”.

Assim, dependendo da origem, a captura da imagem ou vídeo pode ser realizada pela própria vítima, por meio de fotos ou gravações pessoais; pelo parceiro ou parceira, em um contexto de relação afetiva baseada na confiança; por um terceiro não envolvido no ato, como hackers ou qualquer outra pessoa que tenha tido acesso ao dispositivo da vítima e aproveitou a situação para se apropriar do conteúdo; pode ser também através de gravação pública, com imagens capturadas por câmeras de segurança instaladas em locais autorizados, onde as pessoas filmadas se submeteram conscientemente ou não; e finalmente, pode ser de origem desconhecida, quando não é possível identificar com certeza absoluta o autor da captura das imagens.

A obtenção do conteúdo, ou seja, a posse do material, pode ser feita com a permissão da vítima, em situações onde ela concorda em ser filmada ou fotografada, ou quando ela mesma realiza os registros e os envia voluntariamente para outra pessoa. Por outro lado, a captura das imagens também pode acontecer sem a autorização da pessoa retratada, quando ela desconhece que está sendo filmada, por meio de câmeras e outros dispositivos ocultos.

A disseminação do conteúdo pode ser consentida, quando a pessoa concorda com a exibição de sua imagem, geralmente essa forma ocorre em relações com propósito comercial.

Pode também ser parcialmente consentida, nos casos em que o remetente restringe quem pode acessar o conteúdo compartilhado, por exemplo, quando o conteúdo é enviado para um destinatário específico. E finalmente, a forma não consentida ou proibida, que acontece quando a captura das imagens é realizada sem a permissão da pessoa retratada ou quando o conteúdo é compartilhado espontaneamente, mas com uma ressalva expressa proibindo a distribuição para terceiros, e ainda assim, a transmissão ocorre.

É crucial ressaltar que, mesmo quando a captura é feita de forma consentida, não se pode imaginar que sua disseminação também será. É bastante usual que um indivíduo compartilhe sua imagem de forma voluntária, mas não permita a redistribuição do conteúdo.

O incentivo para a divulgação de imagens íntimas pelo agente pode ser com o objetivo de vingança, geralmente, essa circunstância ocorre após o fim de um relacionamento, onde uma das partes se sente insatisfeita com a conclusão ou traída, e revela publicamente a privacidade do outro. Existem casos em que o agente propaga o conteúdo sem qualquer justificativa, sem intenção de vingança ou relação prévia, apenas para envergonhar a vítima, com o objetivo de difamar e prejudicar sua honra.

Ainda pode acontecer do agente divulgar o material por achar benéfico para sua reputação, um efeito da mentalidade machista que glorifica o homem que mostra sua performance como uma forma de autoafirmação, sem considerar as consequências para a outra pessoa exposta. E finalmente, a exposição das imagens pode acontecer com o objetivo de lucrar, quando o infrator pratica extorsão, podendo exigir vantagens de caráter sexual, financeiro, profissional em troca de não divulgação.

Destaca-se que este estudo trata da forma de exposição pornográfica não autorizada que ocorre no âmbito de um relacionamento passado, onde o registro das imagens é realizado pela própria vítima ou pelo ex-parceiro e divulgados sem a permissão da pessoa retratada, com o objetivo de vingança e/ou humilhação.

A discussão sobre a nomenclatura “pornografia de vingança” tem sido alvo de críticas tanto por parte da doutrina quanto por ativistas. O termo “revenge porn” ou “pornografia de vingança” sugere que o ofensor expõe conteúdo íntimo como forma de se vingar, presumindo que a mulher tenha cometido algum erro anteriormente. Além disso, a expressão “pornografia” carrega a conotação de algo imoral, condenável e pornográfico, o que leva a um julgamento precipitado.

Na tentativa de nomear a conduta, VALENTE et al. (2016, p. 06) enumeraram um rol com possíveis expressões:

  1. O próprio “revenge porn”;

  2. A tradução simples do termo, “pornografia de vingança” ou “pornografia de revanche”;

  3. “vazamento de imagens íntimas”, que consideramos pouco adequado, por passar a impressão de que imagens íntimas são espalhadas sem o envolvimento consciente de ninguém;

  4. sexting/ exposição íntima”, termos usados pela organização SaferNet, umas das organizações da sociedade civil brasileira mais dedicada ao assunto. O termo também nos parece restrito ou não tão exemplificativo, [...]

  5. Violação de privacidade/ intimidade com base em gênero/ sexualidade, termo que adotamos, por um tempo, por julgá-lo explicativo;

  6. Disseminação não consensual ou consentida de intimidade;

  7. NCII, a sigla pra “non consensual intimate images”, que tem sido adotada por ativistas e acadêmicos/as de língua inglesa.

Como mencionado anteriormente, este trabalho não abrange todas as formas de exposição pornográfica não consensual, mas foca em uma de suas categorias. Portanto, adotaremos o termo “pornografia de vingança” para delimitar nosso estudo, mesmo reconhecendo as críticas a essa terminologia.

2 - DO DIREITO À PRIVACIDADE, A TUTELA PENAL DA INTIMIDADE, A IMAGEM E A HONRA

Sem dúvida, a prática da pornografia de vingança frequentemente resulta na violação da intimidade e da privacidade. O legislador constitucional optou por não utilizar explicitamente a expressão “direito à privacidade” na Constituição, mas sim subdividiu esse direito em componentes específicos: intimidade, vida privada, honra e imagem.

A Constituição Federal de 1988 protege a privacidade no seu artigo 5º, inciso X, garantindo a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. Esses direitos estão intrinsecamente ligados ao direito à vida, especialmente na perspectiva de que todos têm o direito a uma vida digna.

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:[...]

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. (BRASIL, 1988).

O direito à intimidade abrange a dimensão mais restrita do direito à privacidade, pois diz respeito às relações e escolhas pessoais do indivíduo. Refere-se ao seu espaço íntimo, que deve ser preservado e mantido inacessível a outras pessoas. Equivale ao direito de ter uma vida privada reservada, sem intervenções externas de terceiros ou do Estado.

Embora o direito à intimidade e o direito à vida privada estejam interligados, o último possui um escopo mais amplo e abrange a privacidade em várias dimensões: pessoal, profissional, de dados, entre outras. A proteção da intimidade e das questões particulares é orientada pelo princípio da exclusividade, que estabelece que cada pessoa tem autonomia exclusiva para acessar seus dados privados, sem interferências externas.

A honra é um bem intangível associado ao valor moral do indivíduo e abrange tanto a vertente objetiva quanto a subjetiva. A primeira decorre da importância e influência que as pessoas exercem na sociedade, ou seja, sua reputação social. A segunda deriva da visão que os indivíduos têm de si mesmos.

A utilização indevida ou o compartilhamento da imagem de qualquer pessoa por terceiros, sem a devida autorização, configura uma violação aos direitos fundamentais. Na atual realidade da ‘sociedade da informação’, expressão utilizada nos últimos anos para descrever a complexa transformação marcada pelas novas tecnologias e pelo enorme fluxo de informações e comunicação (WERTHEIN, 2000), a exposição de dados nas redes sociais trouxe novas formas de violação aos direitos, à vida privada, honra e imagem, sendo necessário um novo patamar na segurança da informação veiculada.

A pornografia retaliatória é considerada uma violação ao direito de liberdade pessoal, que é reconhecido dentro do contexto de privacidade e vida íntima. A prática infringe os direitos fundamentais de liberdade, privacidade e dignidade sexual. No passado, todos os crimes sexuais eram vistos como contrários aos costumes. Contudo, nos últimos anos, houve uma mudança no bem jurídico protegido, desassociando a honra de seu significado moral e passando a proteger a dignidade sexual.

A honra é um bem jurídico resguardado nas esferas constitucional e penal. De acordo com Nucci (2014, p. 665): É a faculdade de apreciação ou senso que se faz acerca da autoridade moral de uma pessoa, consistente na sua honestidade, no seu bom comportamento, na sua respeitabilidade no seio social, na sua correção moral; enfim, na sua postura calcada nos bons costumes. Desta forma, sendo a honra bem jurídico que adjetiva a pessoa, por sua moral, o fato de haver veiculação de conteúdo íntimo, mancha a honra da pessoa, transcorrendo em isolamento social e preconceito.

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Para dar um conceito à intimidade e privacidade, como explica Neves (1981, p/ 180) “ é o direito de uma pessoa ser deixada em paz para viver a sua própria vida com o mínimo de ingerências exteriores”. Faz -se necessário trazer a discussão acerca da vida privada e intimidade, três situações de igual importância, o caráter privado strictu senso, o confidencial, e o caráter do segredo da vida privada e íntima da pessoa.

Pode-se trazer neste sentido que tudo que acontece na vida privada e íntima, é confidencial, privado e sigiloso. Qualquer ato que torne público momentos sexuais entre pessoas, denigre a honra, e imagem e a vida íntima e privada. Já tipificado pelo legislador na carta magna e no Código Penal.

Para tratar do Direito à Imagem, grifa-se a Constituição Federal, art. 5º, inc. X, são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Neste artigo verificou-se o direito à imagem nas suas liberdades e a divulgação não autorizada do retrato não é somente um ato que prejudica a liberdade da pessoa retratada, mas sim, de forma predominante, a capacidade que essa pessoa tem de controlar o uso de sua própria imagem. Outra maneira de expressar isso, seguindo a mesma linha de pensamento, é que a liberdade entra aqui como um aspecto meramente incidental e não, enfatiza-se, como o objeto do direito à imagem.

Portanto, a imagem não é somente a faculdade de cunho pessoal e liberatório, trata-se do uso e divulgação da imagem de forma não consentida, no tocante a momento íntimo e sexual da vítima, que passa a fazer parte de uma divulgação de sua imagem de forma criminosa, vexatória, afetando sua faculdade mais avassaladora, chamada vida privada.

3 – DA PORNOGRAFIA DA VINGANÇA COMO FORMA DE VIOLÊNCIA DE GÊNERO E AS LEIS BRASILEIRAS

Analisando os dados estatísticos de maneira mais ampla, os relatos frequentemente veiculados na mídia, percebemos que as mulheres são as principais vítimas da chamada pornografia de vingança. Isso não significa que homens não possam ser afetados, mas esses casos são extremamente raros.

Para os homens, ter sua intimidade exposta não é considerado um ato de vingança. A sociedade tende a encarar naturalmente quando um homem expressa sua sexualidade, associando-o a características positivas como virilidade e conquista. No entanto, quando homens têm sua privacidade violada, especialmente se forem homossexuais, a exposição pode se tornar um problema.

No caso das mulheres, a divulgação de imagens íntimas raramente ocorre isoladamente. Geralmente, essas imagens vêm acompanhadas de informações pessoais, como perfis em redes sociais, endereços, números de telefone e locais de trabalho. O objetivo é que a mulher seja reconhecida e identificada, o que a expõe a julgamentos e preconceitos não apenas de seu círculo social, mas também de pessoas desconhecidas. Infelizmente, muitas mulheres não suportam essa pressão e acabam recorrendo ao suicídio.

O Deputado Federal Romário, autor de um dos Projetos de Lei sobre o tema, destaca que, embora os casos envolvendo mulheres recebam mais atenção, homens também são vítimas. No entanto, a sociedade costuma julgar as mulheres de forma mais severa. Comentários machistas não partem apenas dos homens; muitas mulheres também criticam as vítimas.

Ao divulgar seu projeto nas redes sociais, em entrevista à Revista Marie Claire Romário recebe comentários absurdos culpando as mulheres. E o mais estranho é que os comentários não vêm só de homens, mas de mulheres também, Expressões como ‘‘se ela se desse o valor, não passaria por isso, que sofra as consequências’ ou ‘mulher direita não se deixa filmar”2, são frequentes. Esses julgamentos persistem até hoje devido à estrutura machista da sociedade.

O machismo, definido pelo dicionário Michaelis como ‘Qualidade, comportamento ou modos de macho (homem); macheza, machidão, orgulho masculino em excesso; virilidade agressiva, ideologia da supremacia do macho que nega a igualdade de direitos para homens e mulheres”3.

A prática do machismo está profundamente enraizado em nossa cultura. Ele se manifesta não apenas no âmbito econômico e político, mas também nas religiões, na mídia e na estrutura familiar. O controle sexual exercido pelos homens sobre as mulheres vai além de uma questão incidental na vida social moderna. É resultado da crença de que a mulher é propriedade do homem e deve se submeter a ele. Quando esse controle é ameaçado, muitas vezes se manifesta através da violência.

A pornografia da vingança tem, sem sombra de dúvidas um traço fundamental do machismo estrutural, onde a forma de humilhar e exteriorizar a intimidade, a honra, a privacidade e a imagem da mulher, a título de vingança pelo fim de um relacionamento, que outrora foi abusivo, e já trazia consigo toda violência doméstica, patrimonial, muitas vezes física. É puramente de gênero, por se dizer que a mulher tem de se comportar de forma a ou b, e que em sua intimidade uma vez sendo publicada a torna indigna, impura sem moral, por ato sexual.

A violência de gênero abarca conceitos muito amplos, a discriminação de gênero está intrinsecamente ligada à alocação social de papéis específicos para homens e mulheres. É comum e até esperado que as sociedades designem funções distintas para cada gênero. Isso por si só não é um problema. Contudo, torna-se discriminatório quando esses papéis são valorizados de maneira desigual. Em nossa sociedade, os papéis atribuídos aos homens são frequentemente considerados mais importantes, em detrimento dos papéis femininos.

Dentre os conceitos e definições apresentados, algumas características notáveis da violência de gênero emergem:

  1. Origina-se da dinâmica de poder onde o homem exerce domínio e a mulher é colocada em posição de subordinação;

  2. Tal dinâmica de poder é fruto dos papéis socialmente designados a ambos os sexos, que são amplificados pela ideologia patriarcal e, por consequência, fomentam interações violentas baseadas em uma estrutura hierárquica de poder;

  3. A violência não se limita às interações pessoais entre homens e mulheres, estendendo-se às instituições, estruturas sociais, práticas do dia a dia e rituais, permeando, portanto, o tecido das relações sociais;

  4. No contexto das relações afetivas e conjugais, a proximidade física e emocional entre a vítima e o agressor, juntamente com a recorrência de atos violentos, expõe as mulheres a uma vulnerabilidade acentuada no contexto das desigualdades de gênero, especialmente quando comparadas a outras formas de desigualdade social, como classe, idade e etnia.

De acordo com a Lei Maria da Penha em seu artigo 5° Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, assim sendo, pode-se considerar a violência de gênero, contra a mulher configurada como conduta criminosa.

Desde 2018, o compartilhamento de imagens íntimas sem consentimento é tipificado como crime de acordo com duas leis que alteraram o Código Penal:

O caso da jornalista Rose Leonel, deu origem a sei que leva seu nome, depois de ter suas imagens íntimas publicadas e enviadas a colegas de trabalho por seu ex namorado, a Lei

Rose Leonel (13.772/18): Considera crime o “registro não autorizado da intimidade sexual”, com punição de seis meses a um ano de detenção.

A Lei 13.718/18: Criminaliza a “divulgação de cena de estupro, sexo ou pornografia sem consentimento”, inclusive o compartilhamento; a pena varia de 1 a 5 anos de reclusão. Essa lei prevê o agravamento da pena se o autor mantém ou manteve relação íntima de afeto com a vítima ou se o ato for por vingança ou humilhação, caracterizando a "pornografia de revanche".

Os efeitos da pornografia da vingança vista do ponto de vista como violência de gênero, além de tipificação na Lei Maria da Penha, A Pornografia de Vingança, no dia 24 de Setembro de 2018 deixou a fase da criminalização primária, vez que foi sancionada a Lei nº. 13.718 de 2018, que determinou a alteração do Código Penal vigente.

Criminalização primária é a ação oficial do Poder Legislativo de debater e examinar a imposição de uma lei penal, com o objetivo de obter a condenação legal de comportamentos moralmente condenáveis, possibilitando a punição dos responsáveis.

Art. 218-C: Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave. § 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação.

Tal alteração no Código Penal, trouxe de forma sistemática a pornografia de vingança como forma de violência, sendo conduta tipificada como fato criminoso e passível de pena de reclusão.

O primeiro parágrafo determina o aumento de pena e caso de crime praticado em situação de relação de afeto com a vítima. Desta forma, deve-se fazer uma conexão direta com a pornografia da vingança, onde cujo elemento é a não consensualidade e o vínculo de confiança.

Com a chegada da internet e o desenvolvimento de novas tecnologias, a natureza da criminalidade sofreu uma transformação drástica sendo necessário tratar da divulgação de práticas criminosas nas redes de internet trazendo à tona lei que regulasse os crimes cibernéticos.

Na era pré-digital, as preocupações das políticas públicas eram mais tangíveis, focadas no combate a atos como violência, roubos, furtos e homicídios. Atualmente, no entanto, a criminalidade manifesta-se por meio de instrumentos modernos, exigindo uma revisão e adaptação das estratégias de combate. Os criminosos podem operar anonimamente através de computadores, provocando impactos graves e destrutivos na vida de suas vítimas, como observado nos casos de pornografia de vingança. Ademais, a era digital impôs desafios crescentes na luta contra crimes cibernéticos, já que identificar um criminoso online requer investigações detalhadas e complexas.

Os delitos conhecidos como crimes cibernéticos são cometidos dentro do ambiente virtual – essa descrição, embora abrangente, captura a essência desses crimes. Eles podem se manifestar de várias maneiras, incluindo a divulgação não autorizada de imagens privadas, o acesso ilegal a dados eletrônicos, entre outras modalidades criminosas. A velocidade com que a internet evolui faz com que as tentativas de classificar e definir esses crimes de forma detalhada se tornem rapidamente desatualizadas, pois os tipos de crimes digitais estão em constante expansão com o progresso da tecnologia.

Um marco importante em legislação sobre crimes cibernéticos, a conhecida como “Lei

Carolina Dieckmann”, estabelece a criminalização de delitos informáticos e modifica o Código Penal Brasileiro, introduzido pelo Decreto-Lei nº 2.848 de 1940, além de outras medidas pertinentes. A lei recebeu esse nome em razão do caso da atriz Carolina Dieckmann, que teve fotos íntimas divulgadas após o hackeamento de seu e-mail pessoal. Apesar das ameaças e da tentativa de extorsão, a atriz não se submeteu às exigências dos criminosos e, como resultado, sofreu a violação de sua privacidade em maio de 2012.

A implementação dessa lei representou um avanço significativo na legislação, preenchendo lacunas existentes anteriormente que permitiam a impunidade de atos condenáveis no ambiente digital, especialmente no que diz respeito à proteção de dados e informações pessoais. A lei tipificou os crimes cibernéticos, proporcionando maior proteção e segurança aos dados pessoais. É essencial destacar que os crimes cibernéticos englobam todas as infrações realizadas com o uso de computadores ou internet, em redes públicas, privadas ou domésticas, e suas modalidades são variadas, podendo afetar desde indivíduos até sistemas de rede completos.

Contudo, é importante notar que a penalidade legal estipulada para os crimes abordados pela lei é considerada desproporcional em relação aos danos causados pela conduta criminosa. O Artigo 154-A, em seu parágrafo único, prevê uma pena de detenção de três meses a um ano para quem invadir dispositivos alheios, tratando o crime de maneira semelhante a delitos de menor potencial ofensivo.

Dessa forma, ainda se identificam falhas na lei que comprometem sua eficácia, pois, além de não abranger um espectro amplo de situações, estabelece uma punição que não corresponde ao sofrimento experimentado pela vítima.

Em se tratando de pornografia da vingança onde já é sabido que a prática criminosa acontece no espaço virtual das redes, a Lei 12.737/12, Lei “Carolina Dieckmann”, ainda não oferece real punição que consiga proteger mulheres ou qualquer pessoa que sofra com graves ameaças e a publicação de conteúdo não permitido nas redes sociais.

A pornografia de vingança, que envolve a disseminação não autorizada de conteúdo íntimo, pode encontrar nos provedores de internet que hospedam conteúdo pornográfico um meio facilitador para sua propagação. Essas plataformas oferecem o ambiente virtual necessário para que indivíduos com intenções de vingança sexual possam alcançar seus fins. Diante disso, surge a questão até que ponto a legislação brasileira estabelece a responsabilidade penal dos provedores de internet em casos de pornografia de vingança?

A legislação brasileira, por meio do Marco Civil da Internet, estipula que os provedores de internet não são responsáveis pelo conteúdo postado por terceiros, a menos que não cumpram com a ordem judicial de remoção desse conteúdo. No entanto, há uma exceção expressa para casos de pornografia de vingança. Se houver notificação extrajudicial por parte da vítima, o provedor pode ser responsabilizado se não agir para tornar o conteúdo indisponível. Isso coloca os provedores de internet em uma posição em que devem responder objetivamente pela participação no dano causado pela pornografia de vingança vinculada em suas plataformas.

Ocorre que, uma vez publicado conteúdo pornográfico não consensual de vingança, quando a vítima toma conhecimento, o número de acessos e tamanha proporção de visualizações, uma vez sabido e tomado as providências como a notificação extrajudicial, os provedores de internet só poderão ser punidos e responsabilizados se não retirarem de suas redes os conteúdos.

Ora, trata-se de qualquer forma que os danos já produziram efeitos devastadores nas vidas das vítimas, visto que a velocidade em que são divulgadas tais imagens, muitas vezes circuladas dentro de ambientes profissionais, causando tal constrangimento que resulte em demissão por parte dos empregadores.

Há que se preocupar com a responsabilidade penal dos provedores de internet, pela divulgação instantânea de conteúdos pornográficos com a finalidade vingativa. No entanto, na inércia da vítima para a retirada das imagens ou vídeos, os conteúdos continuam sendo disseminados de maneira incontável, uma vez que o Marco Civil da Internet estabelece que os provedores de internet não são responsáveis pelos conteúdos postados por terceiros em suas plataformas, exceto quando não cumprem com ordens judiciais para remoção desse conteúdo.

Essa regra visa garantir a liberdade de expressão e evitar a censura, conforme o Artigo 19 :

“Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”.

A publicação de mídia que inclui dados pessoais da vítima geralmente visa à humilhação e ao assédio público. Conforme apontado por Buzzi em 2015, isso frequentemente leva à prática conhecida como slut-shaming, um termo originado no movimento feminista. Essa prática é particularmente relevante nos casos de pornografia de vingança, onde a maioria das vítimas são mulheres. Slut-shaming é o ato de provocar sentimentos de vergonha e inferioridade em mulheres por comportamentos sexuais que são julgados inapropriados ou surpreendentes para seu gênero, devido aos padrões impostos socialmente.

A propagação de conteúdo íntimo sem consentimento na internet, conhecida como pornografia de vingança, pode ser facilitada tanto por plataformas especializadas nesse tipo de atividade quanto por outros serviços de hospedagem de mídia, incluindo redes sociais. Existem ambientes virtuais que não apenas permitem, mas também incentivam a divulgação desse tipo de material. Nesses casos, a questão da responsabilidade legal desses provedores de serviços de internet assume uma perspectiva única e requer uma análise cuidadosa.

4 – O SENTIMENTO DE CULPA DA VÍTIMA E OS DANOS PSICOSOCIAIS

O conceito de slut-shaming refere-se ao ato de fazer uma mulher sentir-se envergonhada ou moralmente inferior por expressar ou praticar comportamentos sexuais que desafiam as normas tradicionais atribuídas ao seu gênero. Esse termo, que foi destacado por Raposo em 2014, também abrange a crítica e a desvalorização da mulher com base em sua vida sexual ou até mesmo na forma como se veste. Frequentemente, essa atitude é usada de maneira errônea para culpar a vítima em vez de condenar o agressor, especialmente em casos de crimes sexuais.

A origem dessa expressão é frequentemente associada às “Marchas das Vadias” ou “SlutWalks”, que começaram no Canadá em 2011 após um comentário de um policial sugerindo que a violência contra as mulheres era resultado das roupas provocativas que elas escolhiam usar. O slut-shaming não é uma prática exclusiva dos homens; mulheres também podem perpetuar esse comportamento umas contra as outras. Isso indica que o machismo é um problema sistêmico e, como apontado por Hooks em 2020, mulheres são igualmente condicionadas a internalizar e perpetuar ideias e valores sexistas.

Nos casos de pornografia de vingança, a conduta de slut-shaming é evidente, pois a mulher cujas imagens sexuais são divulgadas sem consentimento é frequentemente rotulada pela sociedade como promíscua e vista como cúmplice de sua própria exposição. Comumente, ela é julgada e sua identidade é reduzida ao conteúdo exposto, ignorando-se todas as outras facetas de sua vida.

Esse fenômeno é relatado por uma vítima no livro “Exposição pornográfica não consentida na internet: da pornografia de vingança ao lucro”:

[...] como uma vítima de reveng porn, eu não sou vitimada uma vez. Sou vitimada toda vez que alguém digita meu nome num computador. A cena do crime está bem diante dos olhos de todos, repetidamente, e, ironicamente, sou tratada como se fosse eu a pessoa responsável pelo crime. Eu sou vitimada toda vez que alguém me diz que é culpa minha, porque eu concordei com aquelas fotos. (SYDOW; CASTRO, 2019, p. 26)

É imprescindível compreender que não há culpa na vítima. O fato de em momento íntimo e de entrega de confiança a seu companheiro, independente de imagens sensuais, sexuais, ou a pratica que for, uma mulher não pode ser exposta por não estar mais em acordo com o relacionamento e decide de forma pessoal romper com ele.

Uma cultura machista como no Brasil, e, diga-se de passagem já citada, neste artigo, não só por homens, mas também por mulheres, arraigou-se nas vítimas essa culpabilidade, quando do dano, ouve-se que se não tivesse permitido, como “pude me submeter” a deixar tirar fotos ou fazer vídeos, muitas vezes, as mulheres afetadas pela pornografia de vingança sentem-se como se tivessem tido um papel em permitir que o incidente ocorresse.

Os impactos da divulgação de imagens íntimas sem permissão na web são devastadores e de longo prazo para quem sofre essa violação. A revelação forçada de momentos privados pode resultar em traumas emocionais graves, incluindo estresse profundo, ansiedade, quadros depressivos e, em casos extremos, ideias suicidas. As vítimas também enfrentam discriminação e vergonha diante da sociedade, o que pode prejudicar seriamente suas relações pessoais e oportunidades profissionais. A pornografia de vingança é um ato de agressão baseado em gênero, impactando principalmente as mulheres.

Para a psicologia analítica de Carl Gustav Jung (2013 p. 65) a psique é essencialmente simbólica, nela estão contidos os aspectos da personalidade do sujeito bem como seus sentimentos e pensamentos conscientes e inconscientes. A principal função da psique é regular o conteúdo interno do sujeito ao ambiente e as relações que este se insere, ou seja, a psique é o aparato mental que possibilita que o sujeito possa experimentar o mundo a sua volta.

É importante considerar que traumas psicológicos podem alterar a saúde mental de maneira negativa, impactando adversamente a interação social do indivíduo com a família, amigos e no contexto profissional, podendo levar a um comportamento recluso e uma diminuição na produtividade.

Conforme Kalshed aponta, uma psique traumatizada pode entrar em um estado de auto traumatização, onde, mesmo após o fim do evento traumático, continua a ser atormentada pela presença da entidade opressora. Isso sugere que o prejuízo infligido à vítima é duradouro e potencialmente danoso a longo prazo, interferindo na capacidade de formar novas conexões afetivas devido às marcas emocionais deixadas.

Adicionalmente ao trauma psicológico, é comum que as vítimas desenvolvam temores que as impedem de sair de casa e manter suas atividades cotidianas, além de enfrentarem episódios de ansiedade, depressão e ideias suicidas. Isso revela paralelos entre as experiências de quem sofre com a pornografia de vingança e as de quem passou por agressões sexuais, refletindo-se em alterações na maneira como vivenciam seu corpo, na expressão de sua sexualidade, na autoimagem e na percepção de segurança no ambiente em que vivem.

Deve-se destacar os casos mais graves onde o dano psicológico é tamanho devastador que as vítimas chegam a prática do suicídio. Neta toante, o dano de efeito gravíssimo, demanda a vítima culpa e vergonha de tamanho imensurável, envolvendo família, convívio social, religioso, ambiente de atividades laborativas. Portanto, ao avaliar o dano psicológico, deve-se levar em conta a situação particular da vítima e o impacto prolongado desse dano em sua vida pessoal e de seus familiares.

4.1 Os casos de Júlia Rebeca e Giana Laura

Há conhecimento de casos de grande repercussão midiática de vítimas de suicídio, como os casos das adolescentes Júlia Rebeca e Giana Laura, muito mais vulneráveis e vítimas do crime de pornografia de vingança, e neste artigo não se descreverá a questão dos crimes relacionados a crianças e adolescentes, mas apenas para apontar os danos incalculáveis psicológicos de natureza gravíssima tendo como resultado o suicídio.

Esse é o caso de Júlia Rebeca dos Santos e Giana Laura Fabi, com 17 e 16 anos, respectivamente, que tiraram suas próprias vidas após o vazamento de fotos íntimas4. Ambas se enforcaram, pondo fim às suas vidas e à humilhação de terem sua intimidade exposta.

Júlia, moradora da cidade de Parnaíba (PI), foi encontrada morta em seu quarto com o fio da prancha alisadora enrolado em seu pescoço no dia 10 de novembro de 2013. Antes disso, a jovem havia dado indícios de que iria se suicidar em seus perfis nas redes sociais Instagram e Twitter, ao escrever: “é daqui a pouco que tudo acaba”5.

A razão que levou Júlia a tirar a própria vida foi a divulgação não autorizada de um vídeo íntimo em que ela aparece fazendo sexo com seu namorado e uma amiga. Vale ressaltar que todos os envolvidos eram menores de idade na época. O vídeo se espalhou pela Internet e, com a repercussão dada pela mídia ao caso, muitas pessoas comentaram a notícia, culpabilizando Júlia, que, na verdade, era a vítima da situação. Até novembro de 2014, a polícia civil ainda investigava as circunstâncias da morte de Júlia, e ninguém havia sido responsabilizado pelo crime.

Outro de repercussão é o da adolescente de Giana Laura. A moça foi descoberta sem vida em seu dormitório, na localidade de Veranópolis (RS), em 14 de novembro de 20136. Giana cometeu suicídio utilizando um laço de seda, e a causa do ato extremo foi a exposição de uma imagem onde ela é vista expondo o seio. A foto em questão foi capturada por um menino durante um bate-papo via Skype. No decorrer da conversa, o menino, que é colega de escola de Giana, solicita que ela mostre o sutiã para a câmera e, quando ela o faz, o menino registra a imagem sem o conhecimento dela e guarda a foto, posteriormente compartilhando com seus amigos.”

Conforme explica Giongo (2015):

A ação suicida por enforcamento de Giana Laura e Julia Rebeca é emblemática para se fazer uma profunda reflexão sobre a preocupante inversão de valores de nossa sociedade. A punição não recai sobre a conduta anti ética dos autores – geralmente do sexo masculino –, que divulgaram as fotos sem consentimento, ou dos indivíduos – de ambos os sexos –, que armazenaram em seus aparelhos um material íntimo que não

lhes diz respeito, mas sim sobre o comportamento da pessoa exposta, profanada tão somente por expressar sua sexualidade.7

Estes casos relatam a gravidade dos efeitos e danos psicológicos avassaladores em que as vítimas sofrem após passarem pela prática criminosa. E o pior momento de seu íntimo psicológico, não se pode mensurar o que cada vítima realmente passa. A tristeza sem fim, a vergonha moral e social, as acusações e não menos danosa a culpa.

5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pornografia de vingança emerge como um desafio jurídico e social que transcende o simples ato de exposição não consensual. Ela se manifesta como um sintoma de uma cultura que ainda luta para respeitar a autonomia e a privacidade das mulheres. As vítimas desse crime enfrentam uma turbulência emocional e social que pode levar a consequências irreversíveis, evidenciando a necessidade de uma resposta legal mais robusta e efetiva.

A legislação atual mostra-se deficiente, deixando um vácuo de proteção que precisa ser preenchido com urgência. A criação de um tipo penal específico para a pornografia de vingança não é apenas uma questão de aplicação da lei, mas um passo crucial para a evolução social e a afirmação dos direitos humanos. É uma chamada para a responsabilidade coletiva e o reconhecimento da dignidade intrínseca de cada indivíduo.

As penas aplicadas ao crime ainda não são suficientes para punir de forma mais efetiva a prática, dando a margem a sensação de impunidade às vítimas. A pena não atinge a real necessidade de o agente saber que a prática da pornografia da vingança é uma conduta criminosa gravíssima, resultando até no suicídio, da qual o agente é dolosamente o responsável.

A tragédia de vidas perdidas para a pornografia de vingança é um lembrete sombrio da urgência de abordar essa questão. Ninguém deve enfrentar consequências fatais por confiar em um parceiro. A responsabilidade é coletiva: deve-se proteger o direito de cada indivíduo à privacidade e garantir que atos de traição tão íntimos não levem a finais tão devastadores.

Além da esfera legal, é imperativo promover uma mudança cultural que desencoraje a objetificação e a violação da intimidade. A prevenção eficaz passa pela educação e pela conscientização sobre o respeito ao consentimento e à privacidade. Somente assim poderá aspirar a uma sociedade onde a liberdade de expressão sexual não seja sinônimo de vulnerabilidade ao abuso e à vingança. O objetivo é erradicar a normalização do compartilhamento não consensual de conteúdo íntimo e desencorajar julgamentos morais prejudiciais.

Considerou-se que a luta contra a pornografia de vingança é multifacetada, exigindo ações coordenadas entre legislação, educação e mudança cultural. É um caminho que deve ser trilhado com determinação e empatia, visando não apenas a punição dos culpados, mas também a proteção e o apoio às vítimas, garantindo-lhes a paz e a segurança que merecem, educar a sociedade e apoiar as vítimas, assegurando que tais violações da intimidade sejam vistas não apenas como crimes, mas como violações inaceitáveis do tecido social.

Deve-se reconhecer a gravidade da Pornografia de Vingança, que não pode ser minimizada como um delito de baixo impacto, considerando as sérias consequências que acarreta. Igualmente crucial é a necessidade de sensibilização. Através de políticas públicas, iniciativas e movimentos sobre a questão, busca-se promover a prática de não disseminar nem emitir julgamentos sobre conteúdos íntimos compartilhados. É inaceitável que alguém pague com a vida por confiar em seu parceiro e compartilhar um momento de intimidade.

Infelizmente, tais casos têm ocorrido, e é uma realidade que precisa ser mudada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CASTRO, Ana Lara Camargo de, SYDOW, Spencer. Revista Liberdades. Ed 21, jan/abr.2016.p 12-23. Disponível em: <Liberdades21_DireitosHumanos02.pdf (ibccrim.org.br)> Acesso em: 19 de maio de 2024.

COSTA, Paulo José da Costa Júnior. O Direito de estar só. Editora Siciliano Jurídico. São Paulo. 3ª Edição.

GIONGO, Marina Grandi. Madalenas modernas e um caso de pornografia de vingança: reflexões sobre gênero, sexualidade e cidadania na educação. Disponível em:

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HOOKS, Bell. O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. 10ª ed. Rio de Janeiro:

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JUNG, C.G. 1977 A Vida Simbólica- Vol. 18. Coleção Obras Completas de C. G. Jung, p.65.

KALSCHED, D.O Mundo Interior do Trauma: Defesas Arquetípicas do Espírito Pessoal. São Paulo. Paulus. 2013, p.11

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NEVES, Serrano. A Tutela Penal da Solidão. Editora: Edições Trabalhistas S.A. Rio de Janeiro:1ª Edição.

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VALENTE, Mariana Giorgetti; NERIS, Natália; RUIZ, Juliana Pacetta; BULGARELLI, Lucas. O Corpo é o Código: estratégias jurídicas de enfrentamento ao revenge porn no Brasil.

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WERTHEIN, Jorge. A sociedade da informação e seus desafios. Ciência da Informação, v. 29, n. 2, 11. Disponível em: Acesso em: 19 de maio de 2024.


  1. .......

  2. SALOMÃO, Graziela . Pornografia de revanche: “Nossa sociedade julga as mulheres como se o sexo denegrisse a honra”, diz Romário: O deputado federal apresentou projeto de lei que torna crime a divulgação indevida de material íntimo e virou uma das vozes mais fortes em defesa desta causa feminina. Diante das recentes histórias de mulheres que tiveram vídeos publicados em redes sociais, ele falou a Marie Claire sobre o assunto - como político e também como pai de quatro filhas. Disponível em: . Acesso em: 19 de maio 2024.

  3. <Machismo | Michaelis On-line (uol.com.br)> Disponível em: Acesso em: 19 de maio de 2024.

  4. PEREZ, Fábio. Vingança mortal. Istoé Independente, 22 nov. 2013. Disponível em: . Acesso em: 19 de maio de 2024.

  5. G1 – O portal de notícias da globo. Piauí, 27 nov. 2014. Disponível em: . Acesso em: 19 de maio de 2024.

  6. BOCCHINI, Lino. Quem é culpado pelo suicídio da garota de Veranópolis?. Carta Capital. Disponível em: . Acesso em: 19 de maio de 2024.

  7. GIONGO, Marina Grandi. Madalenas modernas e um caso de pornografia de vingança: reflexões sobre gênero, sexualidade e cidadania na educação. Disponível em: . Acesso em: 19 de novembro de 2024.

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