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Presídios brasileiros geram "baixa produtividade".

"Só" 70% de reincidência

02/03/2008 às 00:00
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O Ministro da Justiça confirmou: "de cada dez detentos postos em liberdade sete voltam à prisão por novos delitos" (O Estado de S. Paulo de 25.01.08, p. C4). O índice de "produtividade" dos presídios brasileiros é de 70%. Anda baixo! Tendo em vista as condições atuais desses presídios, o mais lógico e natural seria uma reincidência de 100%. Nesse setor o Governo e a sociedade brasileira têm algo mais para fazer (para alcançar a plenitude dos 100%).

O que já se fez não foi pouco, mas ainda falta alguma coisa. O Brasil é o quarto país do mundo no item explosão carcerária. De 1990 até 2008 o crescimento populacional penitenciário foi de 500%. Fechará o ano de 2008 com cerca de 500.000 presos. Alcançamos o quarto posto mundial em número de presos (cf. Julita Lemgruber, em Diário de Notícias de 29.11.07, p. 1). Nesse item, o Brasil só perde para EUA (cerca de 2,2 milhões), China (1,6 milhões) e Rússia (cerca de 0,8 milhão) (cf. World Prison Population List, do International Center for Prison Studies do King’s College de Londres – www.kcl.ac.uk). Já ultrapassou a Índia, que conta com mais de um bilhão de habitantes.

O sistema prisional brasileiro oferece 262 mil vagas. O déficit gira em torno de 260 mil. O Governo vai investir este ano 329 milhões de reais para a construção de novos presídios, ou seja, de novas "faculdades do crime". O Estado de São Paulo é o campeão nacional em construção de presídios, mas continua com 50 mil vagas de déficit. Conta com 150 mil presos (35,7% do país) e um "decepcionante" índice de reincidência (58%). Dos 7 mil presos que o sistema devolve para a sociedade, ("só") cerca de 4 mil reincidem. Pelo que os presos aprendem dentro do presídio e pelo tratamento que recebem fora dele (como egressos), é um "baixo" índice. Tende a crescer (pois do contrário o Brasil não se firma como forte candidato a país mais corrupto e violento do mundo).

Um quarto dos presidiários são de baixa periculosidade (é o que disse o Ministro da Justiça). Poderiam ser punidos com penas alternativas, mas ocorre que essas penas impedem o infrator (amador) de passar pela escola do crime, que é a prisão. É por esse motivo que lá se encontram.

Há mais de 160 anos critica-se duramente a prisão. Depois de quase dois séculos de "monótonas críticas" cabe perguntar: afinal, a prisão é um fracasso ou um sucesso? Um sucesso, responde Foucault (Vigiar e Punir, tradução de Raquel Ramalhete, 34. ed., Petrópolis: Vozes, 2007, p. 223 e ss.). A prisão (e o castigo em geral) "não se destina a suprimir as infrações, sim, a distingui-las, a distribuí-las, a utilizá-las (...) a penalidade é uma maneira de gerir as ilegalidades (...) ela não reprime todas as ilegalidades, as diferencia (...) a prisão faz parte do mecanismo de dominação, ela serve aos interesses de uma classe".

A prisão, "aparentemente ao ‘fracassar’, não erra seu objetivo; ao contrário, ela o atinge na medida em que suscita no meio das outras uma forma particular de ilegalidade, que ela permite separar, pôr em plena luz e organizar como um meio relativamente fechado mas penetrável. Ela contribui para estabelecer uma ilegalidade, visível, marcada, irredutível a um certo nível e secretamente útil... ela desenha, isola e sublinha uma forma de ilegalidade que parece resumir simbolicamente todas as outras, mas que permite deixar na sombra as que se quer ou de deve tolerar".

Em outras palavras: a prisão não é um fracasso, sim, um sucesso, porque ela consegue (como nenhuma outra instituição) produzir uma espécie de delinqüência (normalmente violenta), inclusive organizada (desviando a atenção da massa em relação à criminalidade diária das camadas abastadas). Os mais famosos grupos organizados (PCC, Comando Vermelho etc.) nasceram dentro dos presídios (precisamente porque é dentro deles que os contatos são feitos, que as experiências são trocadas, que os "soldados" são treinados etc.).

O crime violento dos presidiários precisa ter visibilidade (daí a necessidade da divulgação dessa violência pelos meios de comunicação). É preciso gerar ira na população, que se volta para esse tipo de criminalidade, ficando fora da sua percepção a delinqüência fraudulenta, a corrupção, que é típica das camadas sociais privilegiadas. A prisão é um sucesso porque ela identifica uma das criminalidades do país, ela especifica (e publiciza) um tipo de delinqüência (deixando outra – a das classes sociais potentes - na sombra, no esquecimento). Os delinqüentes presidiários ou presidiáveis (os que habitam ou podem habitar a prisão) são apresentados como temíveis, próximos, estão presentes em toda parte. Essa é a função do noticiário policial, que se preocupa em mostrar (com toda dramatização inerente) um delinqüente desajustado, marginalizado, fora do cotidiano familiar e laborativo.

Ficam completamente fora desse contexto as operações da Polícia Federal voltadas para a investigação dos criminosos poderosos (juízes, promotores, parlamentares, ministros, empresários etc.). Também não se coaduna com esse quadro o contranoticiário dessas operações (envolvendo nomes de gente graúda). Tudo isso foge do cotidiano, do normal. São elementos novos, certamente "perturbadores" do "bom" desenvolvimento das atividades criminais das classes privilegiadas (que, muitas vezes, são a raiz da criminalidade das camadas mais pobres).

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Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Luiz Flávio. Presídios brasileiros geram "baixa produtividade".: "Só" 70% de reincidência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1705, 2 mar. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11001. Acesso em: 25 dez. 2024.

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