A intensa atuação judicial e a decisão do STF que descriminalizou o uso para consumo pessoal da maconha

05/07/2024 às 17:48
Leia nesta página:

O sistema penal brasileiro tem sido historicamente criticado por sua seletividade e discriminação, particularmente contra grupos sociais vulneráveis. A Teoria do Delito, como proposta por Zaffaroni, sugere que o Direito Penal é um mecanismo de contenção do poder punitivo estatal, porém, manifesta-se como altamente seletivo e discriminatório. Este contexto é essencial para compreender a recente decisão do STF que descriminalizou o porte de maconha para consumo pessoal.

O presente artigo busca analisar a discriminação inerente ao sistema penal brasileiro e sua influência direta nas políticas de combate ao tráfico ilícito de drogas, com foco na recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que descriminalizou o porte de maconha para uso pessoal. Através de uma análise crítica das normas e decisões judiciais, o estudo discute as implicações jurídicas e sociais dessa descriminalização, ressaltando a seletividade do sistema penal e as futuras consequências para a justiça brasileira.

O sistema penal brasileiro tem demonstrado um padrão de discriminação racial e socioeconômica, evidenciado pelos dados levantados pelo STF que indicam que a maioria dos presos por porte de pequenas quantidades de maconha são pobres e negros. As quantidades variavam entre 25 a 60 gramas, revelando uma clara tendência discriminatória na aplicação das leis de drogas.


Artigo 28 da Lei de Drogas

O artigo 28 da Lei nº 11.343/2006, que trata do porte de drogas para uso pessoal, sempre foi objeto de debate quanto à sua natureza jurídica. Apesar de ser considerada uma infração penal, a lei opta pela "descarcerização", impondo penas mais leves como advertências, prestação de serviços à comunidade e participação em programas educativos, ao invés de penas privativas de liberdade. Esta abordagem reflete uma tentativa de balancear a punição com medidas educativas, sem abolir completamente o crime.

Em 25 de junho de 2024, o STF decidiu pela descriminalização do porte de maconha para consumo pessoal, considerando até 40 gramas de maconha ou seis folhas fêmeas de cannabis como quantidade para uso pessoal. A decisão reclassificou a conduta como ilícito administrativo, não mais sujeita à prisão em flagrante, mas com sanções administrativas como advertências e medidas educativas.


Implicações e Críticas

A decisão do STF foi recebida com críticas e preocupações. Uma das críticas principais é a limitação da descriminalização apenas à maconha, enquanto outras drogas permanecem sob o regime penal. Além disso, a definição quantitativa para distinguir entre usuário e traficante é vista como problemática e potencialmente injusta. A decisão também levanta questões sobre a eficácia das abordagens policiais e judiciais, além de abrir espaço para interpretações variadas que podem aumentar a violência e a discriminação.

Anterior à decisão do STF, o Projeto de Emenda Constitucional nº 45/2023 buscava reafirmar a criminalização do porte de drogas, independentemente da quantidade. Esta proposta legislativa reflete uma reação ao ativismo judicial do STF e busca consolidar uma postura mais rígida contra o porte de substâncias ilícitas.

Em síntese, a decisão do STF representa um marco significativo na política de drogas brasileira, mas também expõe as complexidades e desafios de um sistema penal seletivo e discriminatório. A mudança para um enfoque administrativo no caso da maconha pode reduzir a carga sobre o sistema carcerário, mas necessita de uma implementação cuidadosa para evitar novos problemas de discriminação e injustiça. O debate sobre a política de drogas deve continuar, com uma abordagem que considere tanto a eficácia jurídica quanto a justiça social.


Referências

Zaffaroni, E. R. (2007). Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan.

Supremo Tribunal Federal (STF). (2024). Recurso Extraordinário nº 635.659. Decisão de 25 de junho de 2024.

Pacheco, R. (2023). Projeto de Emenda Constitucional nº 45/2023. Câmara dos Deputados, Brasília.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos