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Lobby: ética e transparência nas relações institucionais e governamentais

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04/03/2008 às 00:00
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RESUMO

O presente trabalho trata do estudo do lobby e das relações institucionais e governamentais sob um prisma ético. Versa sobre a imperiosa transparência nas relações estabelecidas entre Estado e sociedade, abordando as implicações do vácuo jurídico que envolve o tema e a sua acuidade no estabelecimento das regras democráticas.

Busca-se aqui, apurar como se desenvolvem as relações entre o público e o privado no palco decisório das políticas públicas, qual o papel do lobby e as condições para o seu exercício dentro de um contexto ético.

Nessa tarefa, são analisadas as características da atividade de lobby na forma como é feita no Brasil, o local onde se desenvolve, seus sujeitos ativos e passivos, perfil dos profissionais e os procedimentos utilizados. São verificadas, também, as experiências na atividade de lobby em outros países, suas afinidades com profissões reconhecidas, bem como as propostas legislativas de regulamentação da atividade no país.

Partindo-se de uma análise fiel ao status quo das condições democráticas no Brasil, são traçadas premissas éticas fundamentais e sustentado o necessário exercício de humildade por parte dos defensores da atividade de lobby para que se possa reconhecer os pontos em que a atividade ultrapassa os limites éticos e legais distinguindo tais deturpações da atividade legítmia de defesa de interesses perante os poderes constituídos.

Palavras-chaves: Lobby, defesa de interesses, ética e legitimidade.


ABSTRACT

Date and Place of the Defense: Santa Maria, Dezember, 19/2007

The present work deals with the study of the lobby and the institucional and governmental relations under an ethical prism. It turns on the imperious transparency in the relations established between State and society, approaching the implications of the legal vacuum that involves the subject and its relevancy in the establishment of the democratic rules.

One searchs here, to visualize how develops the relations between the public and the private in the arena of the public politics, which is the paper of the lobby and the conditions for its exercise inside of an ethical context. In this task, the characteristics of the activity of lobby are analyzed as it is made in Brazil, the place where it develops, its active and passive citizens, the used profile of the professionals and their procedures. Also, are verified the experiences in the activity of lobby in other countries, its affinities with recognized professions, as well as the legislative proposals of regulation of the activity in the country.

Breaking of the faithful analysis to the status quo of the democratic conditions in Brazil, basic ethical premises are traced and supported the necessary humble exercise on the part of the defenders of the activity of lobby so that it can recognize the points where the activity exceeds the ethical and legal limits distinguishing such disfigurements from the legit activity of defense of interests before the constituted powers.

Key Words: Lobby, defense of interests, ethics and legitimacy.


SUMÁRIO:INTRODUÇÃO.1. EXAME DAS CONDIÇÕES DEMOCRÁTICAS.1.1. Democracia direta .1.2. Democracia representativa e a crise da representatividade.1.3. Democracia participativa.1.4. Algumas distinções necessárias.1.4.1. Grupos de Interesse e Grupos de Pressão.1.4.2. Grupos de Pressão e Partidos Políticos.1.5. Lobby. Origens do instituto e conceito.2. O LOBBY NA PRÁTICA.2.1. Onde se faz lobby.2.2. Quem faz e quem deve fazer lobby.2.3. Perfil do profissional.2.4. Procedimentos.2.5. Lobby e atividades afins .2.6. Lobby nas Democracias Consolidadas.3. PRESSUPOSTOS PARA O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE NO BRASIL .3.1. Considerações iniciais: as coisas como estão .3.2. Fronteiras Éticas.3.3. Aceitação popular.3.4. Entidade de Classe - Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (ABRIG) .3.5. Propostas Legislativas para regulamentação da atividade.CONSIDERAÇÕES FINAIS.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


INTRODUÇÃO

A organização da sociedade política deve ser feita em função da busca constante do bem comum da totalidade de seus membros, sob a orientação dos ideais republicanos e com a utilização plena dos instrumentos democráticos.

Em decorrência do desgaste da democracia representativa e de sua incapacidade de atingir a plenitude dos ideais democráticos, surgiram novas formas de representação popular perante os poderes constituídos, aumentando a participação da sociedade civil nos negócios políticos do Estado.

Hodiernamente, é inconcebível uma compreensão de representatividade sem apreço à realidade pluralista dos grupos existentes e a necessária reaproximação entre Estado e sociedade.

Neste contexto, destaca-se a atividade desempenhada pelos grupos de pressão. Ressalta-se que não devem ser estes confundidos com os grupos de interesse, que representam o gênero do qual os grupos de pressão são espécie. Deve-se diferenciar, ainda, os grupos de pressão dos partidos políticos, embora ambos representem categorias intermediárias entre o cidadão e o Estado. ao contrário dos partidos políticos, que almejam a conquista do poder político, os grupos de pressão limitam-se a pleitear a tomada de decisão pela autoridade em sentido favorável ao interesse legítimo que sustentam.

O lobby surge aqui como o meio pelo qual os grupos de pressão levam seus interesses aos poderes constituídos.

O termo lobby, que traduzido significa "ante-sala", "parte do prédio em que o acesso é público", passou a ser utilizado na linguagem política para identificar a atividade de defesa de interesses quando, na Inglaterra, designava a sala de espera da Câmara dos Comuns, onde os membros do Parlamento eram abordados por aqueles que tinham algo a demandar, bem assim, nos Estados Unidos, onde indicava a sala de espera dos hotéis onde os presidentes eleitos ficavam hospedados antes de mudarem-se para a Casa Branca.

No Brasil, como nas demais democracias ocidentais, é utilizado o termo lobby para designar o esforço legal e ético em influenciar as decisões das autoridades públicas para que atendam aos interesses legítimos defendidos. Seu foco principal é o Poder Executivo, o qual absorve a maior parcela do poder político no país ao constituir-se no principal responsável pela atividade legiferante no Brasil. Não obstante, por ser o basilar detentor constitucional da iniciativa legislativa e, em especial, onde se estabelecem as regras para arrecadação e investimento do dinheiro público, o Poder Legislativo é, inabalavelmente, alvo das investidas dos profissionais do lobby.

Partindo do pressuposto de que lobby é a defesa de interesses legítimos, chegaremos, inevitavelmente, à conclusão de que somos todos lobistas. No entanto, o indivíduo que pretender ser profissional da atividade de defesa de interesses perante os poderes constituídos, para colaborar com o fortalecimento das instituições democráticas deverá ser ético, respeitador da legitimidade e amante da legalidade.

A atividade de lobby exige dedicação exclusiva e algumas qualidades especiais do profissional como a agilidade, jogo de cintura, capacidade argumentativa para persuadir, convencer e mudar opiniões daqueles que decidem, elevado grau de persistência, humildade, compromisso com os interesses defendidos, interesse pelas questões políticas e, acima de tudo, respeito à legalidade, à legitimidade e à probidade própria e alheia.

Nesse sentido, a elaboração do presente estudo justifica-se em face do desconhecimento acerca da atividade de lobby e pelo estigma de marginalidade que incide sobre a atividade, enquanto confundida com as práticas ilegais de corrupção, tráfico de influência e improbidade administrativa.

Entendendo que as relações entre o público e o privado devem ser pautadas pela transparência e respeito à lei e aos preceitos éticos, faz-se necessário um estudo pormenorizado das formas de exercício da democracia, trazendo para a luz os mecanismos que permanecem num limbo teórico. Mais especificamente, é imperioso que se analise como se dá a atividade de lobby na prática, suas características e as condições para o seu exercício em nosso país, para que se solidifiquem as instituições democráticas em consonância com os ideais republicanos.


1. EXAME DAS CONDIÇÕES DEMOCRÁTICAS

O princípio republicano que rege a organização da sociedade política preceitua que esta deve ser estruturada em função do bem comum do conjunto total de seus integrantes e não em função dos interesses de apenas alguns. A lógica deste princípio induz que todos os seres sociais, enquanto tanto, têm o direito e o dever de participar do exercício do poder político, sobretudo, na tomada de decisões em busca do bem comum.

Consolidado este princípio republicano, a democracia surge como instrumento indispensável para sua perfectibilização.

A forma democrática de governo, com suas primeiras manifestações nos séculos VI a IV a. C. na Grécia, pode ser, grosso modo, sintetizado em uma idéia capital de soberania do povo. Não se deve, contudo, confundir soberania com governo. A soberania reside na circunstância de o povo figurar como sujeito ativo da deliberação sobre o bem comum. O Governo diz com os indivíduos legitimados para o exercício deste ministério e qual a sua competência.

Como bem salienta Fábio Comparato [01]:

O grande defeito da democracia antiga foi justamente o estabelecimento dessa confusão na prática; ao passo que a grande falsidade da democracia moderna é a atribuição ao povo de uma soberania puramente retórica ou ornamental.

Remontando às raízes do regime democrático (geograficamente em Atenas na Grécia antiga), temos que a soberania democrática não abrangia a sociedade como um todo: retirando as mulheres, os estrangeiros e os escravos, a porcentagem de adultos que podia votar e ocupar cargos públicos não ultrapassava 15% da população total.

No entanto, esta parcela da população gozava de uma amplidão de direitos jamais reproduzida nas democracias modernas. No regime ateniense, a assembléia do povo deliberava sobre as questões administrativas, editava leis, assumia o papel de poder judiciário, elegia agentes públicos e decidia entre a guerra e a paz. Todos os membros da assembléia tinham voz ativa e seus votos tinham o mesmo peso. Chegava-se ao extremo de fazerem-se as eleições para os mais altos cargos mediante sorteio ou, como chama Walter Porto [02]: "tiragem à sorte". Tinham os gregos a soberba de confiar que qualquer um dos cidadãos sorteados apresentaria as condições necessárias para o exercício de tais cargos.

A discricionariedade dos membros da assembléia e sua tendência em prestigiar a opinião popular eram tamanhas que levaram Aristóteles [03] a advertir que, naquele regime, "a soberania pertencia às massas e não à lei".

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Esta feição do regime democrático – em que havia a participação de todos os cidadãos (todos os que assim eram considerados) em, literalmente, todas as decisões políticas – ilustra a democracia direta. Atingia-se o ideal de "cidadão total", de Rousseau, ou o "homem total", preconizado por Marx, como meta do desenvolvimento civil da humanidade.

1.2. Democracia representativa e a crise da representatividade.

Nos dizeres de BOBBIO [04], democracia representativa

...significa genericamente que as deliberações coletivas, isto é, as deliberações que dizem respeito à coletividade inteira, são tomadas não diretamente por aqueles que dela fazem parte mas por pessoas eleitas para esta finalidade.

A democracia representativa como se conhece hoje é obra norte-americana. Em suas manifestações iniciais, representou uma completa inversão funcional em comparação com a democracia ateniense, vez que o mecanismo de representação, na nascente democracia norte-americana, serviu para dissimular a consolidação do sistema oligárquico em que a soberania era dos mais abastados.

De fato, estabeleceu-se formalmente a soberania popular, mas não se institucionalizaram instrumentos garantidores de sua plenitude. Deu-se a formação de um tipo de governo em que uma minoria "colocada" no poder o gerencia visando, invariavelmente, atender os seus interesses próprios.

Este panorama (que permanece atual), atrelado a uma realidade em que é impossível constatar se há compatibilidade entre a vontade popular e a vontade expressa pelos representantes eleitos, cria uma distância entre eleito e eleitor, suscitando uma crise do sistema de representação.

Este colapso da representatividade fez surgir novas formas de representação popular perante os poderes constituídos, ensejando uma crescente participação da sociedade civil nos negócios políticos do Estado.

Nota-se, neste tópico, um verdadeiro descaso por parte dos juristas pátrios, que, em sua maioria, ao sugerirem remédios jurídicos para a crise do sistema representativo, não dispensam qualquer esforço criativo, ignorando a importância do processo evolutivo em andamento. Em geral, as sugestões oferecidas remetem a uma ampliação do emprego de mecanismos já consolidados de democracia semi-direta.

Neste tipo de democracia, junto ao caráter representativo de seu sistema político, é admitida, esporadicamente, a intervenção direta dos governados em algumas deliberações dos governantes por meio de institutos como: a) o plebiscito, que se trata de uma consulta prévia acerca de medida a ser adotada pelo poder público, feita à coletividade a fim de que esta se manifeste a respeito de sua conveniência ou não; b) o referendo, que consiste, grosso modo, na possibilidade de ratificação popular, ou não, de deliberação já efetuada, seja medida adotada pelo executivo, seja lei já elaborada pelo legislativo; c) a iniciativa popular, mediante a qual o povo propõe e pressiona o poder legislativo a discutir e votar uma proposta legislativa sobre determinado assunto de seu urgente interesse.

Hodiernamente, contudo, é inconcebível uma compreensão de representatividade sem apreço à realidade pluralista dos grupos existentes.

Conforme explica Paulo Bonavides [05] acerca da crise da representatividade, no sistema representativo a "implantação plena de uma vontade geral soberana, e em estreita harmonia com os interesses coletivos" foi frustrada pela decomposição da vontade popular em vontade de grupos. Esta degeneração apresenta três fases. Na primeira, revelada pela adoção do sistema de representação proporcional, no a sociedade via a quase totalidade de tendências políticas fielmente representadas. Devido à insatisfação da representação proporcional atrelada à base geográfica passou-se para a segunda fase, a da representação profissional, por acreditar-se que, desta forma, seria resguardada a representação das diversas opiniões sustentadas por cada classe profissional. A representação profissional foi maculada pela suspeita de sua subordinação ideológica ao modelo facista (o qual, curiosamente, opunha-se ao sistema representativo clássico). A terceira fase da degeneração da vontade geral em vontade de grupos é a contemporânea, em que prevalece a ação dos grupos de pressão, os quais "buscam institucionalizar-se através de vias que ainda não foram claramente localizadas pela teoria, em patente atraso com esse novo tipo de organização política dos interesses sociais" [06].

A crise representativa clama por uma urgente reaproximação entre povo e governo, pois, como afirma Dalmo Dallari [07], "a manutenção de falhas e dos vícios aumenta o descrédito dos corpos representativos". Este cenário suscita a necessidade de um estudo pormenorizado dos atores da democracia participativa.

1.3. Democracia participativa.

A constante evolução da sociedade organizada tem contribuído para a construção de um novo espaço público em que o Estado aparece como impulsionador e garantidor da mobilização e transformação social ao fomentar a existência de um sistema de pressões que incidem diretamente sobre este mesmo Estado.

O insucesso da democracia meramente representativa em atender às pretensões populares ensejou o surgimento dos grupos de pressão, os quais reclamam seu lugar na arena do processo decisional, fortalecendo a democracia participativa.

As experiências de implementação da democracia participativa revelam seu caráter pedagógico, vez que a comunidade, ao participar diretamente das decisões políticas dos poderes constituídos, passa a compreender a necessidade de que suas demandas sejam orientadas pelo interesse geral e relativizadas em face de outras mais urgentes, bem assim tornam-se clarividentes os limites e competências do poder público. Logo, "o que era carecimento, necessidade, demanda muda de qualidade mediante o processo participativo e adquire natureza política, fazendo do indivíduo um cidadão" [08], fortalecendo os interesses universais e afirmando os ideais republicanos.

Trata-se de "fortalecer a sociedade civil para que ela possa influir nas políticas públicas, ampliando-se os espaços de participação da sociedade para além dos tradicionais formatos de intermediação política" [09].

Tarso Genro [10] sintetiza a idéia de democracia participativa dizendo que:

...o projeto é democratizar radicalmente o Estado atual para criar outro Estado, com duas esferas de decisão combinadas e contraditórias: uma esfera decisória, oriunda de representação política, que já existe; e uma segunda esfera de decisões, oriunda de um novo espaço público, originário da presença direta das organizações da sociedade civil, que deve ser combinada com mecanismos universais consultivos, de referendo e plebiscitários. O Estado representativo passa a produzir e a implementar suas políticas - nestas condições - por meio de uma dinâmica democrática inovadora, que incorpora à vida pública todos os que dela quiserem participar.

1.4. Algumas distinções necessárias.

1.4.1. Grupos de Pressão e Grupos de Interesse.

Ao perceber a insuficiência da representatividade baseada nos partidos políticos em face da dificuldade destes em abarcar a pluralidade de interesses sociais da sociedade moderna, os "fatores reais de poder" [11] passaram a organizar-se em grupos de interesse.

O crescimento significativo, quantitativa e qualitativamente, destes grupos de interesse dá-se pelo fato de que todo grupo social que, de alguma forma, vê-se preterido pelo poder constituído ou não representado no corpo político assentado no Executivo ou Legislativo procura outros mecanismos no intuito de influenciar o processo decisório.

Estes grupos ou movimentos sociais agrupam interesses homogêneos, ao contrário dos partidos políticos, passando a ocupar um espaço político próprio, fora das estruturas tradicionais dos partidos.

No campo de defesa de interesses, os grupos podem representar o instrumento catalisador de mudanças em uma sociedade estagnada ou, ao contrário, podem frear inovações em uma sociedade em transformação. Trata-se, pura e simplesmente, de uma discricionariedade dos membros do grupo que, agindo dentro da legalidade e ética orientadoras das ações políticas, poderão estabelecer, coordenar e sustentar seus posicionamentos.

As características e objetivos dos grupos de interesse são bem expostos por Saïd Farhat [12], que explana:

Grupo de interesses é todo grupo de pessoas físicas e/ou jurídicas, formal ou informalmente ligadas por determinados propósitos, interesses, aspirações ou direitos, divisíveis dos de outros membros ou segmentos da sociedade. Sua razão de ser consiste em manter vivos os laços de sua união. Esses grupos podem permanecer em estado latente, sem adotar um programa formal de ações destinadas a tornar seus objetivos aceitáveis pelo Estado, pela sociedade, ou por determinados segmentos desta.

A linha que separa grupos de interesse e grupos de pressão é bastante tênue, de modo que alguns doutrinadores defendem a sua inexistência.

Na doutrina nacional, Paulo Bonavides identifica algumas distinções essenciais entre grupos de interesse e de pressão. Discorre Bonavides [13] que:

Os grupos de interesses podem existir organizados e ativos sem contudo exercerem a pressão política. São potencialmente grupos de pressão e constituem o gênero do qual os grupos vem a ser a espécie.

Em seguida, o mesmo autor define grupos de pressão:

O grupo de pressão se define em verdade pelo exercício de influência sobre o poder político para obtenção eventual de uma determinada medida de governo que lhe favoreça os interesses.

1.4.2. Grupos de Pressão e Partidos Políticos.

Partidos políticos e grupos de pressão apresentam uma semelhança fundamental, qual seja, constituem categorias intermediárias entre o cidadão e o Estado. Ambos fazem o "meio de campo" entre o público e o privado, levando ao seio do poder constituído a defesa dos interesses de seus membros na busca de uma decisão política que lhes favoreça. Constituem, assim, os instrumentos representativos mais consolidados na democracia moderna. Sua identificação, contudo, termina por aí.

Diversos autores apontam as possíveis distinções entre partidos políticos e grupos de pressão. As ora mencionadas têm por base a síntese feita por Paulo Bonavides [14].

O partido político apresenta objetivos permanentes voltados para o interesse geral. Almeja a conquista e manutenção do poder sob uma perspectiva global, ou seja, com aptidão para "generalizar particularismos".

O grupo de pressão, por sua vez, tem uma agenda pontual que se esgota no atendimento ou não de seu interesse pelo poder constituído. Trata-se de mera influência sobre o poder. Os interesses defendidos pelo grupo nem sempre coincidem com o interesse geral, havendo uma tendência interna de se "potencializar a unilateralidade".

1.5. Lobby. Origens do instituto e conceito.

A raiz primitiva da atividade de lobby encontra-se registrada no livro mais vendido da história da palavra escrita: a Bíblia Sagrada. Saïd Farhat [15] explica tal origem:

Um dia, cansado de ver a devassidão que campeava solta em Sodoma e Gomorra, o Senhor chamou Abraão e ordenou-lhe que juntasse os seus, suas coisas e pertences, e abandonasse sua casa, pois Ele iria destruir as duas cidades. Com um pouco de licença poética, a resposta de Abraão foi mais ou menos assim: ‘Tudo bem. Se essa for a Sua decisão, obedeço. Mas, podíamos conversar um pouquinho?’. Procurou então Abraão negociar com o Senhor, para que poupasse os habitantes daquelas cidades. Lá, segundo o patriarca, haveria mais de cinqüenta justos, e não seria ‘fair’ castigá-los todos, por culpa de alguns poucos cidadãos transviados, corruptos ou infiéis (Gen. 18.22, 23).

Porém, como bem sabia o bom Abraão, a dura e triste realidade era outra. Pôs-se, então, a barganhar: foi baixando o número de possíveis justos, até admitir que entre estes só se contavam ele próprio, e seus familiares. Nada feito. O Senhor ‘não foi na conversa’.

O resto é conhecido. Abraão não teve alternativa: antes de começar a chuva de fogo, partiu com os seus. Mas a tentativa de mudar a decisão de quem tem o Poder é exemplo clássico de lobby, com registro histórico. Mesmo sem ter tido sucesso, o pleito de Abraão deixou o caminho reconhecido e balizado sobre o que é, e como se faz, lobby.

Quanto à origem do termo em sua acepção política, verifica-se que a tradução literal da palavra do inglês para o português indica "ante-sala", "vestíbulo", "parte do prédio em que o acesso é público". Sua utilização para designar a atividade de defesa de interesses teve origem na Inglaterra, servindo para indicar a sala de espera da Câmara dos Comuns, onde os membros do Parlamento eram abordados por aqueles que tinham algo a demandar.

Em seguida, nos Estados Unidos, a palavra foi adotada com o mesmo sentido indicando a sala de espera dos hotéis onde os presidentes eleitos ficavam hospedados antes de mudarem-se para a Casa Branca.

No Brasil, como nos demais países ocidentais, o termo "lobby" é utilizado, lato sensu, para designar todo e qualquer esforço que, de forma legal, tenha por objetivo influenciar decisões dos poderes constituídos. Em sentido estrito, indica a atividade exercida por agentes que servem a interesses específicos com a finalidade de influenciar decisões governamentais em favor destes interesses.

Cabe esclarecer que a imagem do lobby passou por significativas alterações no caminho da perda do estigma de marginalidade e ilicitude atrelado equivocadamente à atividade.

Seguindo essa tendência, o conceito de lobby foi sendo incrementado para abarcar as características constitutivas da atividade como prática legal e imprescindível do jogo democrático.

Dentre os autores brasileiros, destaca-se o conceito dado por Said Farhat [16]:

Lobby é toda atividade organizada, exercida dentro da lei e da ética, por um grupo de interesses definidos e legítimos, com o objetivo de ser ouvido pelo poder público, para informá-lo, e dele obter determinadas medidas, decisões ou atitudes.

Nota-se a acuidade do autor ao definir a atividade de defesa de interesses impondo-lhe requisitos essenciais para o seu exercício, como a legalidade, o respeito à ética, o caráter informativo do lobby e o objetivo do lobista: "ser ouvido pelo poder público".

Outros autores cuidam de conceituar o lobby. Bem o faz João Bosco Lodi [17], dizendo:

Defender ou satisfazer interesses junto ao poder público é um ato natural, que tanto pode ser exercido por uma comunidade de bairro, um grupo indígena, um conjunto de igrejas, um conjunto de interessados em ecologia, uma associação de pais e mestres, como por um grupo econômico. Lobby é a ação de influenciar sobre o tomador de decisão na esfera do poder público. A ação persuasora sobre o poder público.

O dicionário da língua portuguesa "Aurélio" define lobby como sendo "pessoa ou grupo que, nas ante-salas do Congresso, procura influenciar os representantes do povo, no sentido de fazê-los votar segundo os próprios interesses ou de grupos que representam".

Em seguida, conceitua "lobista" como a "a pessoa que se dá à prática de lobby".

As definições apresentam variações, por vezes confundindo a atividade com o seu ator. No entanto, onde se queira procurar uma definição justa da atividade de defesa de interesses se encontrará, fatalmente, os verbos "informar", "persuadir" e "convencer". Said Farhat utiliza-se mais de uma vez da expressão "informar para persuadir".

O mesmo Saïd Farhat [18] leciona:

Para evitar que a prática da atividade legítima de lobby, do modo que a entendo e pratiquei, seja confundida com suas deturpações, abusos, impropriedades e contrafações, repito sempre que posso as coisas que lobby não é: tráfico de influência ou intercâmbio de interesses; jogadas escusas ‘por baixo do pano’; uso de dinheiro para obter favores, ‘tratamento especial’, exceções às regras gerais; também não é tudo aquilo mais bem caracterizado e entendido sob a rubrica própria, pelo nome certo de corrupção.

Acredito que, de forma sintética, pode-se dizer que a atividade de lobby consiste num empenho em influenciar as decisões públicas, de forma ética e legal, com base num interesse legítimo de um grupo facilmente identificável.

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Sobre o autor
Marcelo Winch Schmidt

Assessor Jurídico da Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCHMIDT, Marcelo Winch. Lobby: ética e transparência nas relações institucionais e governamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1707, 4 mar. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11011. Acesso em: 19 abr. 2024.

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