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O programa da desinternação progressiva como etapa obrigatória para o processo de ressocialização na medida de segurança

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01/08/2024 às 17:23
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Apresentamos a desinternação progressiva como metodologia indicada para aprimorar a execução da medida de segurança com estratégias de reinserção social sem previsão legal.

Resumo: A desinternação progressiva é um programa que foi instituído por meio de decisões judiciais com o objetivo de oportunizar a reintegração comunitária dos inimputáveis que cumprem medida de segurança. Diferentemente da desinternação tradicional, prevista em nosso Código Penal, esse programa adota um mecanismo mais humanizado e foca em realizar um tratamento além do farmacológico. O objetivo do presente trabalho é apresentar a desinternação progressiva como metodologia mais indicada para aprimorar a execução da medida de segurança por meio de estratégias de reinserção social – as quais não possuem previsão em nosso ordenamento. Propõe-se, assim, a observância da Reforma Psiquiátrica e de atos normativos posteriores a ela, a fim de garantir um tratamento mais eficiente e diferente do cenário atual, em que as instituições de cumprimento das medidas de segurança possuem caráter perpétuo e prisional. Sob essa perspectiva, a implementação mais efetiva desse programa só seria possível por meio de mudanças em nosso Código Penal e com a criação de lei especial, a fim de garantir que esta seja efetivamente instituída como obrigatória no processo de ressocialização da medida de segurança.

Palavras-chave: Desinternação progressiva. Reintegração comunitária. Medida de segurança. Reforma Psiquiátrica. Inimputáveis.

Sumário: Introdução. 1. Aspectos históricos e gerais das medidas de segurança. 1.1. Princípios que norteiam as medidas de segurança. 1.2. Transição do sistema duplo binário para o sistema vicariante. 1.3. Previsão legal e finalidade. 2. Da medida de segurança. 2.1. Pressupostos para sua aplicabilidade. 2.2. Espécies. 2.3. Duração da medida de segurança e a violação dos princípios e garantias constitucionais. 3. Inadequação da medida de segurança no Código Penal brasileiro. 3.1. Caso Ximenes Lopes e Chico Picadinho. 3.2. O impacto da Reforma Psiquiátrica (Lei Nº 10.216, de 2001) no Código Penal. 3.3. Novos parâmetros para as medidas de segurança. 4. Desinternação progressiva como meio de humanização na execução da medida de segurança. 4.1. Conceito e previsão legal. 4.2. Procedimentos. 4.3. A necessidade de observar a desinternação progressiva no tratamento dos inimputáveis. Conclusão. Referências bibliográficas.


INTRODUÇÃO

Implementada a primeira vez no Brasil em 1966, pelo Instituto Psiquiátrico Forense Maurício Cardoso, em Porto Alegre, a desinternação progressiva foi um método desenvolvido a fim de concretizar a ressocialização dos inimputáveis de forma mais eficiente, humanizando o tratamento recebido e reinserindo esses indivíduos ao convívio social de forma paulatina. Apesar de não ter respaldo em lei, sua aplicação decorre de decisão judicial e, por esse motivo, vem a ser um tema pouco conhecido, mas de extrema importância, haja vista que seu programa possui estratégias capazes de tratar efetivamente o inimputável, ou ao menos proporcionar recursos adequados para que estes não voltem a delinquir.

No entanto, pouco se sabe sobre a situação dos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, por isso, o presente trabalho tem como objetivo detalhar o programa de desinternação progressiva, diferenciando-a da desinternação tradicional, e propô-la como etapa obrigatória no processo de ressocialização na medida de segurança. Em vista da parca literatura e omissão de dados sobre o tema, foi utilizada a metodologia descritiva qualitativa por meio de análises bibliográficas e científicas.

Desse modo, visando garantir a dignidade da pessoa humana, julgamos necessário abordar um tema com potencial para ser analisado pelas autoridades competentes para estruturar melhorias no programa através do poder judiciário e legislativo. Nesse passo, verificou-se também a necessidade de atuação conjunta do judiciário com outros órgãos, tal como o Sistema Único de Saúde, para que a desinternação progressiva desempenhe com êxito suas finalidades durante e posteriormente ao tratamento.

A presente monografia foi desenvolvida em quatro partes, sendo a primeira responsável por examinar conceitos e aspectos introdutórios importantes para o desenvolvimento do trabalho e suas respectivas discussões. Dentre elas, relaciona os princípios penais e constitucionais às medidas de segurança, aborda sobre a transição do sistema duplo binário para o vicariante, momento em que a medida de segurança passou a ser aplicada somente nos casos de absolvição imprópria, isto é, deixou de ser aplicada conjuntamente com a pena comum, e também esclarece quanto às finalidades desta, com destaque para as abordagens da prevenção especial positiva e negativa.

Já a segunda parte, trata brevemente sobre os pressupostos de aplicação da medida de segurança e suas espécies, introduzindo a finalidade da desinstitucionalização dos portadores de transtorno mental através do tratamento ambulatorial, tecendo breves críticas ao legislador que impôs a necessidade de internação nos casos com pena de reclusão. Além disso, inicia a discussão sobre o prazo indeterminado do cumprimento da medida de segurança, analisando pontos de sua execução que violam os princípios abordados inicialmente, bem como retratando a inércia do Estado para mudança desse cenário.

Diante todo o exposto, a terceira parte evidencia a inadequação da medida de segurança no ordenamento jurídico brasileiro através de análises do caso Ximenes Lopes e Chico Picadinho. Essa análise recai sobre o fato do nosso Código Penal não estar adequado (e atualizado) para a aplicação da medida de segurança após a reforma psiquiátrica e os atos normativos posteriores a ela, demonstrando a necessidade de readequação da nossa legislação penal.

Por fim, a quarta e última parte apresenta o programa de desinternação progressiva, comentando sobre a sua regulamentação, diferenciando-a da desinternação tradicional em vista de suas finalidades, descrevendo etapas e procedimentos adotados. Por fim, apresenta os indícios de que tal metodologia, se aplicada corretamente - e até mesmo se implementada como obrigatória, pode vir a se tornar uma ótima solução para os problemas que são apresentados no decorrer do trabalho, tal como abandono dos inimputáveis por suas famílias e o caráter de pena perpétua. Apesar da parca discussão da literatura sobre o tema e a ausência de dados atualizados, foi possível concluir que a implementação dessa medida seria a opção mais humanizada e correspondente às finalidades da própria medida de segurança.


“Para que uma pena produza o seu efeito, basta que o mal que ela mesmo inflige exceda o bem que nasce do delito.” (Cesare Beccaria)


1. Aspectos históricos e gerais das medidas de segurança

1.1. Princípios que norteiam as medidas de segurança

Dispõe a Constituição Federal (CF) de 1988 princípios e garantias fundamentais que são imprescindíveis para a aplicação do direito penal em um Estado democrático de direito - assim como em todo ordenamento jurídico. Dentre eles, está o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, CF), da igualdade (art. 5º, CF), da individualização da pena (art. 5º, inciso XLVI, CF) e, implicitamente, o da proporcionalidade.

No que tange às medidas de segurança, podemos elencar esses quatro princípios como principais pilares a serem conceituados no presente capítulo, embora muitos outros possam ser vinculados ao tema, a fim de contextualizar as críticas a serem formuladas posteriormente. Impende notar, em primeiro lugar, a dignidade da pessoa humana como base para os demais princípios existentes em todo o ordenamento jurídico, uma vez que esta está presente pela intrínseca existência do ser humano, isto é, pessoa dotada de direitos e deveres, que devem ser garantidos pelo Estado e respeitados pela sociedade.

Para Sarlet (2011) a dignidade por si só decorre da razão e capacidade de autonomia do ser humano, na sua ausência, recorre ao Estado para que seja garantida em sua dimensão assistencial e protetiva. No caso dos inimputáveis, a perspectiva assistencial deverá prevalecer a capacidade de autodeterminação, garantindo a dignidade do indivíduo em vista da sua higidez mental.

Nessa linha, temos o princípio da igualdade. Conferida por Aristóteles, a igualdade material é medida cabível aos inimputáveis, devendo haver um tratamento desigual na medida de suas desigualdades para que seja possível atingir a finalidade da execução da medida de segurança, em decorrência de suas peculiaridades.

Advindas tais singularidades, podemos mencionar a individualização da pena, elencada no art. 5º, inciso XLVI, CF, como um princípio que evita a padronização da pena, em razão das circunstâncias do crime e do próprio indivíduo. A respeito do tema leciona Nucci (2017, p. 26):

Não teria sentido igualar os desiguais, sabendo-se, por certo, que a prática de idêntica figura típica não é suficiente para nivelar dois seres humanos. Assim, o justo é fixar a pena de maneira individualizada, seguindo-se os parâmetros legais, mas estabelecendo a cada um o que lhe é devido.

Nessa linha, podemos equipará-lo com o princípio da proporcionalidade. Princípio este que é implícito em nossa Carta Magna, e tem como objetivo a aplicação da pena de forma harmônica com o ilícito penal praticado, nesse caso, em sede de medida de segurança, de acordo com a detenção ou reclusão do condenado.

Tal preceito também é reconhecido pela doutrina espanhola, e podemos verificar sua importância no que diz respeito às medidas de segurança, como bem preceitua Martín (2006, p. 459):

As medidas de segurança, assim como qualquer ato estatal que interfira em bens ou direitos do cidadão devem submeter-se ao princípio da proporcionalidade, por tratar-se de princípio ético-jurídico que deve reger todo tipo de atuação estatal em um Estado de Direito (apud SILVA, 2015, p. 116).

O Código Penal português, em seu art. 40.3, que reza sobre a finalidade das penas e das medidas de segurança, tem entendimento análogo ao que dispõe a doutrina e código penal espanhol (art. 6.2): “A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente.”

Nesse passo, Silva (2015) interpreta o art. 97, do Código Penal (CP), como uma retratação do princípio da proporcionalidade, em vista que o dispositivo aduz sobre a internação do inimputável que cometer crime com pena de reclusão, ao passo que adota o tratamento ambulatorial àquele com pena de detenção. Nesse ponto, concordamos que o referido dispositivo legal demonstra a questão da proporcionalidade, todavia, nota-se que não se adequa tanto ao princípio da individualização da pena.1

Para Nucci (2017), a escolha da espécie da medida de segurança a ser aplicada torna-se abstrata, pois a periculosidade do agente não é medida pela pena do crime que praticou, sendo possível que, a depender das circunstâncias do delinquente, este seja submetido ao tratamento ambulatorial, embora tenha sido condenado com pena de reclusão. Nesse sentido, Abdalla-Filho, Chalub e Telles (2016) defendem que a sanção a ser aplicada deveria observar o estado e a condição psiquiátrica do indivíduo.

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Apresentados os princípios que norteiam as medidas de segurança, resta incontroverso a imprescindibilidade destes em sua aplicação. Todavia, a sua observância não é funcional na prática quando tratamos de portadores de transtorno mental no sistema prisional e de saúde no Brasil, vejamos.

Muito antes da reforma psiquiátrica, no século XIX, os portadores de sofrimento psíquico, denominados como loucos, eram negligenciados por toda a sociedade e mantidos afastados nos chamados manicômios, em decorrência da política higienista. Tal política tinha como finalidade a higiene da saúde mental e moral, visando o bem social. Com isso, a conduta do ser humano passou a ser analisada e a doença foi vista como um problema, ocasionando a exclusão daqueles que não conseguiam se adaptar à nova doutrina (DIWAN, 2007). Nesse sentido, observava-se que:

Ao atribuir ao louco uma identidade marginal e doente, a medicina torna a loucura ao mesmo tempo visível e invisível. Criam-se condições de possibilidade para a medicalização e a retirada da sociedade, segundo o encarceramento em instituições médicas, produzindo efeitos de tutela e afirmando a necessidade de enclausuramento deste para gestão de sua periculosidade social. Assim, o louco torna-se invisível para a totalidade social e, ao mesmo tempo, torna-se objeto visível e passível de intervenção pelos profissionais competentes, nas instituições organizadas para funcionarem como locus de terapeutização e reabilitação – ao mesmo tempo, é excluído do meio social, para ser incluído de outra forma em um outro lugar: o lugar da identidade marginal da doença mental, fonte de perigo e desordem social (AMARANTE, 1998, p. 46).

Enraizada essa cultura no país, mesmo com a transição do sistema duplo binário para o vicariante, as medidas de segurança mantiveram o caráter segregacionista desde então, sustentando essa ideia até a elaboração do Código Penal de 1940, ocasionando a deslegitimação da medida de segurança.

A exemplo disso, temos a primeira condenação internacional do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em decorrência do caso Damião Ximenes Lopes, portador de transtorno psíquico, torturado até a morte dentro de uma instituição psiquiátrica. O caso ocorreu em 1999, mas somente em 2006 adveio a condenação ao Brasil, responsabilizando o Estado por violação do direito à vida, à integridade pessoal, garantias judiciais e proteção judicial da Convenção Americana, além de entender que houve negligência na fiscalização e regulamentação nesse tipo de estabelecimento, por parte do Estado (PAIXÃO, et. al., 2007).

Por esse e outros motivos, a Lei Antimanicomial (10.216, de 2001) foi um grande marco para o Brasil no que se refere aos deveres do Estado em garantir um tratamento adequado para os portadores de sofrimento psíquico. Recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), embora não seja de matéria penal2, seu objeto passou a refletir nessa esfera, resultando em diversos conflitos enquanto se busca adequar medidas mais humanizadas, como esta, juntamente com a legislação aplicável, os quais serão discutidos nos capítulos seguintes.

1.2. Transição do sistema duplo binário para o sistema vicariante

O sistema duplo-binário, também chamado de dualista, tinha como finalidade a aplicação da pena e da medida de segurança em uma mesma condenação, e foi adotado pelo Código Penal de 1940.

Nessa disposição, o acusado responderia pelo crime duas vezes, além de estar fadado a uma pena perpétua, pois, primeiramente se aplicava as diretrizes da pena e somente após o cumprimento destas se iniciava a medida de segurança (GRECO, 2009).

O código então vigente foi inspirado na doutrina clássica, e em seu período filosófico teve como representante Césare Beccaria que, na obra “Dos delitos e das penas”, expõe que os delinquentes deveriam ser punidos, desde que dentro das limitações da lei, baseando suas ideias no princípio da legalidade (PERES e FILHO, 2002, p. 343). Ao mesmo tempo, esse código baseava seus ideais na escola positiva, que em contrapartida, era representada por Lombroso, que qualificava o indivíduo como um ser com predisposição para criminalidade. Portanto, defendiam o tratamento compulsório durante a execução da penalidade imposta com o objetivo de segregar e prevenir, denominada como a “ideologia do tratamento” (FERRARI, 2001).

Diante desse cenário, a escola positivista teve grande influência na permanência do sistema duplo-binário, além disso, contribuiu fortemente para a sub-cultura da periculosidade que até hoje persiste no Brasil (GOMES JUNIOR, 2014). Seguindo as convicções dessa escola e da presunção de periculosidade, para Hungria (1955, p. 361. apud JUNIOR, 2014, p. 6) a medida de segurança era vista como obra de assistência social que o delinquente recebe para beneficiar-se moral e materialmente, auxiliando-o a se afastar da “triste carreira do crime e tornar-se um homem de bem”.

Entretanto, o sistema dualista sempre foi alvo de críticas: se a medida de segurança tem como finalidade a prevenção e ressocialização do indivíduo, como pode o legislador aplicar cumulativamente duas penas? Foi no Código de 1969 que a supressão do sistema dualista foi idealizada, adotando como premissa a necessidade de diferenciação do imputável e inimputável, pelo julgador. Para aquele, seria cabível apenas a pena, já para este, a medida de segurança, não sendo mais possível a cumulação entre as sanções3.

Contudo, em vista do cenário político que o Brasil se encontrava à época, o presente código sequer chegou a sua vigência. Foi apenas com a Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984, que finalmente o sistema dualista foi abolido e passou a aderir o sistema vicariante, reformando o Código Penal que hoje se encontra vigente. Nesses termos, leciona Bitencourt:

A partir da Reforma Penal de 1984 os condenados imputáveis não estarão mais sujeitos à medida de segurança. Os inimputáveis são isentos de pena, (art. 26. do CP), mas ficam sujeitos à medida de segurança. Os semi-imputáveis estão sujeitos à pena ou à medida de segurança, ou uma ou outra (2010, p. 782).

A modificação trazida pelo legislador foi de suma importância para que se adequasse aos princípios basilares da Carta Magna, bem como para definir quanto à aplicabilidade e pressupostos das medidas de segurança.

1.3. Previsão legal e finalidade

No início, a medida de segurança era aplicada aos imputáveis, dentre eles, os menores infratores, com a finalidade de segregar e prevenir a delinquência, e nas palavras de Ferrari (2001, p. 16) “constituía meio de defesa social contra atos antissociais”. Contudo, observou-se que essa forma de atuação não era um impeditivo para a criminalidade, colocando em xeque a sua efetividade, tornando-se necessário a mudança de ideias retributivas para um viés preventivo (ibid., p.17). Assim, por uma consequência lógica, tal medida passou a ser aplicada somente aos inimputáveis, tornando-se um mecanismo do Estado para garantir que os delinquentes não voltassem a cometer ilícitos penais em vista do tratamento fornecido, além disso, visando de forma terapêutica a reintegração social. Em continuidade, Ferrari discorre:

A função da resposta penal deveria, primordialmente, evitar a reiteração delituosa, intimidando os agentes a não praticarem novas condutas proibidas; valorizava-se o fim utilitário da sanção, preferindo-se prevenir o delito a punir o delinquente. A finalidade da pena não seria mais castigar o agente, porque cometeu um mal, mas sim evitar que o delinquente voltasse a praticar outros crimes. Mais relevante do que a pena merecida seria alcançar-se a sanção eficaz, impedindo-se a reiteração delituosa pela exemplaridade da resposta jurídico-penal (ibid., p.18).

No tocante a fundamentação legal, a medida de segurança é resultado de uma sentença absolutória imprópria, conforme dispõe o art. 386, V, parágrafo único, inciso III, do Código de Processo Penal (CPP), com fundamentação legal nos art. 26, e art. 96. a 99, todos do Código Penal.

Inicialmente faz-se necessário discorrer sobre a aplicabilidade de tal medida, qual seja, para os inimputáveis ou semi-imputáveis. Para Ferrari (2001, p. 40), ambos possuem aspectos causais, temporais e consequenciais. Aos inimputáveis, o aspecto causal consiste na doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado; o aspecto temporal qualifica-se com o tempo da ação ou omissão; e o aspecto consequencial configura-se com a inteira incapacidade de compreender o ilícito penal praticado. É o que dispõe o art. 26, do Código Penal, na definição de inimputabilidade:

É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (BRASIL, 1940).

Já para os semi-imputáveis, o aspecto causal se dá pela perturbação mental4, desenvolvimento incompleto ou retardado, que ocorrem durante a ação ou omissão, daí se revela o aspecto temporal e, por fim, a capacidade não plena para entender o ilícito penal cometido, sendo este seu aspecto consequencial.

O parágrafo único do mesmo dispositivo legal delimita as hipóteses em que o indivíduo será considerado semi-imputável:

A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (BRASIL, 1940).

E nos casos em que o condenado considerado semi-imputável necessitar de tratamento especial, aplicar-se-á o que dispõe o art. 98, do Código Penal:

Na hipótese do parágrafo único do art. 26. deste Código e necessitando o condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 a 3 anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º (BRASIL, 1940).

Quanto aos inimputáveis, foco do presente artigo, é importante ressaltar dois pontos válidos. O primeiro, verifica-se no campo da culpabilidade; em se tratando das medidas de segurança não é pressuposto para sua aplicação, justamente pela completa incapacidade do indivíduo nessas condições de compreender seus atos - sendo a periculosidade um de seus pressupostos, que será explicitado no capítulo seguinte. Nas palavras de Silva (2015, p.112) “a culpabilidade se entranha no território ético, enquanto a periculosidade se engata no naturalístico.”

Por consequência, o segundo ponto considera o transtorno mental como fator determinante da inimputabilidade somente quando esta for capaz de impedir inteiramente o discernimento do agente, caso contrário, tornar-se-á imputável. Exemplifica Silva (2015, p. 57) o caso de um esquizofrênico, devidamente medicado, que comete um crime contra seu vizinho em decorrência de uma discussão futebolística. Nessa situação, constata-se a culpabilidade do agente, uma vez que sua medicação pôde restabelecer a possibilidade de discernimento do fato praticado, devendo, portanto, responder por uma sanção penal, e não mais pela medida de segurança. Inclusive, é nesse sentido que o critério biopsicológico, adotado pelo atual Código Penal, é utilizado para a caracterização do inimputável.

Esclarecido quanto à aplicabilidade, voltemos a abordar o critério de prevenção que foi adotado para tratar sobre a medida de segurança, indicando a sua finalidade diante do ordenamento jurídico. De início, cumpre ressaltar que existem dois tipos de prevenção, sendo a prevenção geral, subdividida em negativa e positiva, e a prevenção especial, com a mesma subdivisão. No que se refere a prevenção geral negativa, esta é utilizada como forma de intimidação dos indivíduos - deixando de ser aplicada no viés retributivista, para mostrar a todos os criminosos que as pessoas efetivamente eram punidas e as consequências do crime, a fim de evitar novos delitos. Já a prevenção geral positiva visa a valorização do ordenamento jurídico e reintegração social (FERRARI, 2015, p. 50).

Por sua vez, a prevenção especial revela preocupação com o indivíduo. Em seu aspecto positivo é direcionada para a ressocialização e tratamento, e seu aspecto negativo pressupõe amenizar a segregação àquele que não logrou êxito em atingir o aspecto positivo (GARCIA, 1997). Em suma, a prevenção geral tem como finalidade a proteção da sociedade como um todo, e a prevenção especial é voltada diretamente para o indivíduo.

N esta esteira, a principal finalidade da aplicação das medidas de segurança é a total ressocialização do indivíduo através da cura5 e, na sua impossibilidade, minorar os efeitos da segregação e da ocorrência de novos crimes. Nesse último caso, esclarece Cia (2011, p. 60) que a prevenção especial negativa não deve ser tratada como preceito primordial da medida de segurança, exceto quando a ressocialização for impossível, por esse motivo, a prevenção especial positiva prevalece sob a negativa.

Por tais motivos, nota-se que a manifestação da prevenção geral negativa ocorre no momento da reclusão do inimputável – haja vista que a inocuização do delinquente é meio de impedir que pratique outros crimes e, por consequência, a prevenção especial positiva se manifesta no momento em que ele é acolhido para receber o tratamento de reintegração social.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PESSOA, Maria Eduarda Ribeiro. O programa da desinternação progressiva como etapa obrigatória para o processo de ressocialização na medida de segurança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7701, 1 ago. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/110264. Acesso em: 2 nov. 2024.

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