2. Da medida de segurança
2.1. Pressupostos para sua aplicabilidade
Além do reconhecimento da imputabilidade ou semi-imputabilidade para aplicação da medida de segurança, se faz necessário que sejam atendidos dois pressupostos: a prática de fato definido como crime e periculosidade do agente. Ademais, assim como a definição do conceito supramencionado, e de alguns princípios que regem essa medida, os pressupostos para sua aplicação não estão previstos em lei, mas decorrem da interpretação da segunda parte do art. 97, Código Penal, na observância de fato previsto como crime, assim como no §1º do mesmo dispositivo legal, no que se refere a cessação da periculosidade.
Dito isso, a prática de fato punível como crime é observada antes mesmo de verificar eventual inimputabilidade do agente (SILVA, 2011, p. 118). Ora, se não houvesse prática de ilícito, não seria cabível sequer sanção penal. Para isso, o fato praticado deve ser típico e antijurídico, porque pode o fato ser causa de excludente de ilicitude ou de culpabilidade, descaracterizando a aplicação da medida de segurança (SANTOS, 2008).
Nessa linha, interessante abordar a visão de Salo de Carvalho (2013) sobre os mecanismos (os próprios pressupostos de aplicabilidade) criados a fim de garantir maior proteção aos inimputáveis, a qual recai sobre a esfera material e processual e a garantia de direitos que, na verdade, não são oportunizados aos inimputáveis. Em sede de medida de segurança, na esfera material, não é possível considerar causas de exclusão de tipicidade, ilicitude, de culpabilidade e punibilidade. Já na esfera processual, não são cabíveis os institutos despenalizadores de transação penal e suspensão condicional do processo, por exemplo. Além disso, durante a execução das medidas não existe possibilidade de garantir, assim como nas penas comuns, o direito a remissão, detração e livramento condicional, isso tudo em decorrência da qualificação de inimputabilidade que exclui a responsabilidade penal.
Nesse sentido:
[...] apesar de a perpetuidade das medidas de segurança ser o mais emblemático dispositivo de violação dos direitos fundamentais dos portadores de sofrimento psíquico em conflito com a lei, a restrição aos direitos e garantias mínimas se prolifera em todas as fases da intervenção jurídico-penal (CARVALHO, 2013, p. 520).
Assim, essa falácia tutelar, como bem nomeou Salo de Carvalho, se prolifera em todas as fases de intervenção penal no que se refere a aplicação da medida de segurança, o que, mais uma vez, distancia os inimputáveis em termos de condições e garantias mínimas dentro do sistema penal.
Sobre a periculosidade, Bitencourt (2019) destaca com propriedade ser indispensável que o indivíduo seja dotado desta, propiciando uma prognose de que o agente, mediante a conduta praticada e o diagnóstico psicopatológico, voltará a delinquir. Por sua vez, a periculosidade pode ser presumida, quando se tratar de sujeito inimputável, isto é, quando determinado por lei (art. 26, CP), ou real, quando reconhecida e comprovada pelo juiz no caso dos semi-imputáveis (art. 26, parágrafo único, CP) que necessitam do especial tratamento curativo disposto no art. 98, Código Penal.
2.2. Espécies
As espécies das medidas de segurança estão elencadas no art. 96, incisos I e II, do Código Penal, sendo respectivamente, internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico (HCTP) e tratamento ambulatorial. Nesse passo, a imposição de cada espécie se dará conforme dispõe o art. 97, CP: sendo o agente inimputável, o juiz determinará sua internação; sendo o fato punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo ao tratamento ambulatorial.
A internação compulsória, segundo Santos (2008, p. 663), tem como objetivo proteger a sociedade contra ações antissociais futuras e submeter o portador de transtorno psíquico a tratamento psiquiátrico compulsório. Considerando que essa espécie só se aplica nos casos de reclusão, não obstante ser reconhecida como detentiva, retira o indivíduo do convívio social para que sua readaptação seja otimizada dentro de uma instituição que proporcione uma estrutura adequada e salubre, “sob pena de transformar-se a medida de segurança criminal em depósitos de esquecidos” (FERRARI, 2001, p. 84).
Já o tratamento ambulatorial possui os mesmos objetivos da internação, todavia, diferencia-se no aspecto de realizar um tratamento ambulante (SANTOS, 2008, p. 664), isto é, o agente comparece ao hospital em dias determinados para que receba tratamento terapêutico, impondo-se somente nos casos de detenção. Considera-se, portanto, um indivíduo de menor periculosidade, o que justificaria sua aplicação nos casos de detenção. Entretanto, dispõe o legislador que nesses casos, poderá o juiz optar pelo tratamento ambulante, ou seja, não há uma conversão imediata. Nesse sentido, explicita Bitencourt (2019) a necessidade de que sejam analisadas as condições do indivíduo para que seja imposta a medida mais liberal, podendo, mesmo que tenha praticado fato punível com detenção, ser submetido a internação compulsória.
Vale dizer que para Ferrari a medida de segurança ambulante é uma tendência de desinstitucionalização dos portadores de transtornos mentais - assim como propõe a desinternação progressiva, considerando que o agente além de receber o tratamento, tem possibilidade de manter contato e convívio com seus familiares, diferentemente da internação, em que receberá seu tratamento dentro de um hospital.
2.3. Duração da medida de segurança e a violação dos princípios e garantias constitucionais
O assunto abordado nessa vereda, como bem preceitua Cia (2011), verifica que a contribuição estatal para com as medidas de segurança é mínima quando se trata de portadores de transtornos mentais. É cediço as pesquisas e discussões realizadas acerca do sistema penitenciário no Brasil, todavia, pouco se fala sobre as medidas de segurança - e nem mesmo sabe-se o motivo de tal situação6, razão pela qual Cia conclui sobre a falta de fiscalização nas instituições. Em decorrência dessa análise, pressupõe-se que a violação dos princípios ocorre não por estar em desacordo com a legislação - em parte, mas sim por não fornecer a devida atenção aos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico. Nesse sentido:
[...] a situação carcerária nacional é, por si só, uma afronta aos direitos humanos, o cenário dos hospitais de custódia e dos manicômios judiciários rememora, sem exageros, as piores experiências de degradação humana presenciadas na história, que foram os campos de concentração criados pelo nacional-socialismo germânico (CARVALHO, 2013, p. 520).
Diante desse cenário, a falta de estrutura, tratamento adequado e individualizado também é um ponto observado em todas as instituições de cumprimento de medida de segurança, violando, respectivamente, o princípio da dignidade da pessoa humana e da individualização da pena. Nesse sentido, questiona-se se a doença dos indivíduos que permanecem quase que perpetuamente nessas instituições são, de fato, incuráveis, ou se houve inércia do Estado. Isso porque quando o interno é curado, a credibilidade é da instituição que o tratou, mas se não obtém êxito no tratamento, justifica-se pela complexidade do transtorno mental (CIA, 2011).
A fiscalização realizada pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) no ano de 2014 apurou que as instalações e equipamentos fornecidos pelos três HCTPs de São Paulo (Franco da Rocha I e II e Taubaté) se encontravam em situação precária, incluindo vazamentos, infiltrações e mofo em áreas destinadas ao preparo alimentício e de refeições; ambientes fétidos que se estendiam por instalações próximas; e setores de internação e enfermarias sem utensílios para higiene básico. Portanto, não há dúvidas de que Cia estava certa ao afirmar a incoerência do Estado em dizer que na maior parte dos casos o tratamento é ineficaz em vista da natureza da doença mental.
Voltemos ao princípio da individualização da pena, em que sua violação ocorre no momento que não há consequências proporcionais aos atos praticados, isso porque inicialmente impõe-se a medida de segurança de acordo com a pena de reclusão ou detenção. Para Nucci (2017), o legislador pecou ao determinar tal requisito, visto que existem casos em que o indivíduo condenado por reclusão possui toda assistência para sua recuperação, não devendo, portanto, ser submetido imediatamente a internação, mas sim para o tratamento ambulante. Nesse sentido, vejamos:
[...] 5. A doutrina brasileira majoritariamente tem se manifestado acerca da injustiça da referida norma, por padronizar a aplicação da sanção penal, impondo ao condenado, independentemente de sua periculosidade, medida de segurança de internação em hospital de custódia, em razão de o fato previsto como crime ser punível com reclusão. 6. Para uma melhor exegese do art. 97. do CP, à luz dos princípios da adequação, da razoabilidade e da proporcionalidade, não deve ser considerada a natureza da pena privativa de liberdade aplicável, mas sim a periculosidade do agente, cabendo ao julgador a faculdade de optar pelo tratamento que melhor se adapte ao inimputável. 7. Deve prevalecer o entendimento firmado no acórdão embargado, no sentido de que, em se tratando de delito punível com reclusão, é facultado ao magistrado a escolha do tratamento mais adequado ao inimputável, nos termos do art. 97. do Código Penal.8. Embargos de divergência rejeitados (EREsp n. 998.128/MG, relator Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, julgado em 27/11/2019, DJe de 18/12/2019).
A tese supramencionada foi consolidada em 2019 pela Terceira Sessão da Corte do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que colocou fim a referida discussão sobre a individualização da pena entre a Quinta e Sexta turma. De um lado, a Quinta turma entendia a interpretação literal do art. 97, CP, por outro, a Sexta turma observava o princípio da proporcionalidade para que fosse possibilitado a imposição da medida de segurança de acordo com a periculosidade do agente, independente da pena que lhe seria aplicada, ficando a cargo do magistrado escolher a medida mais adequada ao inimputável.
Apesar da discussão, esse entendimento já havia sido alvo da Recomendação Nº 35, de 2011, II, alínea “f”: “Adoção de medida adequada às circunstâncias do fato praticado, de modo a respeitar as singularidades sociais e biológicas do paciente judiciário” (BRASIL, 2011).
Outro ponto válido para se questionar é a inconstitucionalidade do §3º, art. 97, Código Penal. O referido dispositivo prevê uma espécie de supervisão mesmo após findada a medida de segurança, e tal imposição não tem disposição semelhante no âmbito do cumprimento de pena, ensejando a violação do princípio da igualdade e legalidade. Ainda, a disposição que determina o prazo mínimo para internação de 1 a 3 anos (§1º, do mesmo dispositivo legal), viola o princípio da intervenção mínima que, para Ferrari (2001, p. 184), não faz sentido falar de limites mínimos obrigatórios quando é possível cessar a periculosidade a qualquer momento.
Destarte, assim como para Michele Cia, Juarez Cirino Santos e parte da doutrina, entendemos que o prazo indeterminado para duração da medida de segurança é inconstitucional, violando além do princípio da proporcionalidade, todos os outros aqui citados. Nessa mesma linha, leciona Carvalho (2013, p. 527):
Assim, é possível pensar em um procedimento sui generis de responsabilização que tenha, como primeiro passo, a individualização da sanção como se o réu portador de sofrimento psíquico fosse efetivamente imputável; posteriormente, seria indicada sua substituição pela medida de segurança que passaria a ser regulada, em seu máximo, pela quantidade de sanção atribuída. Outrossim, [...] o limite mínimo da medida deveria ser abandonado em prol da avaliação das condições psíquicas do usuário do sistema de saúde mental. Constatado que o sujeito se encontra em condições de convívio social, extingue-se automaticamente a medida.
No caso dos imputáveis a sociedade assume o risco de novas práticas delitivas justamente em respeito aos princípios constitucionais, o que não é verificado aos inimputáveis (CIA, 2011, p. 81). Nessa lógica, dados colhidos da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo, em maio de 2023, demonstram que o número de imputáveis é muito maior do que o número de internos que cumprem medida de segurança no estado de São Paulo.
Vejamos, na unidade prisional de Franco da Rocha I, a população de encarcerados é de 1.459 presos; na unidade de Franco da Rocha II, constam 1.015 presos, e em Franco da Rocha III, constam 1.461 presos. Por outro lado, nos hospitais de tratamento das mesmas unidades, respectivamente, existem 541 internos, 192 internos e no HCTP de Taubaté, são 249 internos. Portanto, em vista da quantidade mínima de dados disponibilizados, é possível deduzir que é injustificável diferenciar o prazo de duração máxima da sanção penal em ambos os casos, dado que os números indicam maior índice de criminalidade aos imputáveis no regime prisional comum.
Nessa perspectiva, o lapso temporário para determinação do fim da medida de segurança, segundo Bitencourt (2019), se transfigura em uma prisão perpétua e, em recorrência a essa situação, foi consolidada a Súmula 527, do STJ, que determina a duração da medida de segurança ao limite máximo da pena em abstrato do crime cometido.
Entretanto, diante de todos os parâmetros deficientes do Estado em proporcionar um cumprimento de medidas de segurança digno - de modo que seja eficaz em seu objetivo de tratar ou curar o indivíduo, os internos acabam por ser submetidos a uma pena perpétua.
Sendo assim, resta claro que a execução das medidas de segurança necessita de reformulações em diversos aspectos, quais sejam – na garantia dos direitos constitucionais, no texto legislativo, na forma de sua aplicação e na execução. Por esse motivo, abordaremos especificamente sobre a aplicação da desinternação progressiva como etapa adequada ao tratamento dos inimputáveis que estão submetidos a esse sistema.
3. Inadequação da medida de segurança no Código Penal brasileiro
3.1. Caso Ximenes Lopes e Chico Picadinho
Para avançar na discussão do presente trabalho, é mister apresentar duas situações relevantes que ocorreram no Brasil, e que demonstram claramente a inadequação da medida de segurança no nosso ordenamento jurídico. O primeiro caso, “Ximenes Lopes versus Brasil”, brevemente apresentado nos capítulos iniciais, foi responsável por uma repercussão internacional e de grande impacto no que se refere ao tratamento dos portadores de transtorno psíquico no Brasil, o qual demonstrou a necessidade que o país tem em aderir políticas públicas de saúde mental. Já o segundo caso trata-se da condenação de Chico Picadinho que, embora não tenha refletido diretamente em sede de medida de segurança, aborda sobre o caráter perpétuo da pena para pessoas portadoras de transtorno mental.
A morte de Ximenes Lopes ocorreu em 1999, dentro da Casa de Repouso Guararapes, horas depois de sofrer maus tratos. No laudo fornecido pelo médico responsável da instituição constava morte natural, por parada cardiorrespiratória. Sua mãe, Albertina, e sua irmã, Irene, após a primeira internação em 1995, optaram por não o internar na mesma casa, tendo em vista o relato de maus tratos que sofreu durante os meses em que esteve lá. Dentre 1998 e 1999 foram realizadas mais duas internações sendo que, no último ano, Damião não pode voltar para casa (PAIXÃO, et. al., 2007).
A partir daí, a mãe e irmã de Ximenes passaram a buscar por justiça. Primeiramente deram queixa à polícia, mas, coincidentemente ou não, o médico legista responsável pelo caso foi o mesmo que “cuidou” de Damião durante seu período na casa de repouso. No laudo pericial constava que a causa da morte era indeterminada. Após isso, Irene passou a tentar contato com diversos órgãos e entidades para buscar auxílio, incluindo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). A movimentação deu certo, e então se iniciaram diversos processos para investigar o ocorrido, surgindo, inclusive, relato de outros pacientes da mesma clínica (SILVA, 2001).
Foi então que a Comissão reconheceu a denúncia formulada por Irene, e remeteu ao Estado brasileiro concedendo-lhe um prazo para resposta, mas este quedou-se inerte. Em vista disso, com base no artigo 44 da Convenção Americana e 23 do Regulamento, admitiu-se a denúncia e o caso Ximenes Lopes passou a ter caráter internacional, haja vista a violação dos direitos humanos estabelecidos na Convenção.7
Preliminarmente, a Corte deveria decidir se o Estado era responsável pela violação dos direitos da Convenção Americana8, em vista das ocorrências sofridas por Ximenes Lopes, desde a sua internação em uma instituição em condições inadequadas, a inércia dos órgãos responsáveis pela investigação, até sua morte. Além disso, a Comissão reconheceu a gravidade do caso em vista da vulnerabilidade das pessoas com transtorno psíquico, bem como do dever do Estado em proteger os cidadãos que usufruem do Sistema Único de Saúde (SUS). Com isso, requereu à Corte que ordenasse medidas de reparação ao Brasil, incluindo indenizações e caminhos para evitar tratamentos desumanos nas instituições psiquiátricas (CIDH, 2006).
No curso do processo foi realizada audiência pública, momento que a Comissão alegou falha do Estado brasileiro em resguardar o direito à vida e à integridade pessoal de Ximenes Lopes, respectivamente, em vista de não ter cumprido o dever de preservar a vida da vítima – tanto pelos funcionários responsáveis por sua morte, quanto do Estado por não ter realizado a devida fiscalização e investigação e, em relação à violação da integridade pessoal, foi considerada a hospitalização em ambiente impróprio e com tratamento desumano, em que Damião foi mantido em condições desumanas para o tratamento. O Brasil admitiu9 a violação dos princípios supramencionados e da responsabilização internacional, mas não reconheceu a violação das garantias judiciais (art. 8.1) e proteção judicial (25.1) da mesma Convenção. 10
Tendo em vista a controvérsia, a Comissão alegou a violação dos artigos supramencionados em vista das omissões das autoridades responsáveis pela investigação, falha nas ações processuais, tais como a morosidade para instauração da investigação criminal e pelo aditamento da denúncia, bem como pela falta de sentença em primeira instância após 6 anos da morte de Damião. Em relação às reparações, a Comissão entendeu que os beneficiários seriam os pais e irmãos de Ximenes Lopes para o recebimento de indenizações referentes ao dano material correspondente ao dano emergente e lucro cessante, que apesar da morte não ter resultado em alteração patrimonial da família, entendeu-se que Damião poderia aumentar sua renda através de outras atividades no futuro. Assim como reparação à título de dano imaterial, considerando os danos causados aos familiares (CIDH, 2006).
Além dessas indenizações, a Corte fixou recomendações que refletiriam no futuro do país referente ao tratamento da saúde mental, quais sejam:
[...] i. adote as medidas necessárias para dar efetividade a sua obrigação de supervisionar as condições de hospitalização ou internação das pessoas portadoras de deficiência mental nos centros hospitalares, inclusive adequados sistemas de inspeção e controle judicial;
ii. adote as medidas necessárias para evitar a utilização de tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes nos centros de saúde, inclusive programas de treinamento e capacitação, ademais da efetiva proibição e punição desse tipo de ação;
iii. implemente padrões mínimos para a elaboração de relatórios médicos, como os estabelecidos no Protocolo de Istambul;
iv. faça cessar de imediato a denegação de justiça a que continuam submetidos os familiares do senhor Ximenes Lopes no que diz respeito a sua morte;
v. leve o reconhecimento de responsabilidade parcial do Estado ao conhecimento da opinião pública de maneira oficial; e
vi. crie mecanismos de inspeção, denúncia e documentação de mortes, torturas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes de pessoas portadoras de deficiência mental (CIDH, 2006, p. 70).
Na sentença, a Corte acatou todas alegações da Comissão em relação à indenização e reparação11, mas reconheceu parcialmente a responsabilidade internacional do Estado:
[...] pela violação dos direitos à vida e à integridade pessoal consagrados nos artigos 4.1 e 5.1 e 5.2 da Convenção Americana, em relação com a obrigação geral de respeitar e garantir os direitos estabelecida no artigo 1.1 desse tratado, em detrimento do senhor Damião Ximenes Lopes, nos termos dos parágrafos 61 a 81 da presente Sentença (CIDH, 2006, p.83).
Quanto às recomendações mais pertinentes12 para o presente trabalho, a Corte decidiu que:
6. O Estado deve garantir, em um prazo razoável, que o processo interno destinado a investigar e sancionar os responsáveis pelos fatos deste caso surta seus devidos efeitos, nos termos dos parágrafos 245 a 248 da presente Sentença (CIDH, 2006, p. 84).
8. O Estado deve continuar a desenvolver um programa de formação e capacitação para o pessoal médico, de psiquiatria e psicologia, de enfermagem e auxiliares de enfermagem e para todas as pessoas vinculadas ao atendimento de saúde mental, em especial sobre os princípios que devem reger o trato das pessoas portadoras de deficiência mental, conforme os padrões internacionais sobre a matéria e aqueles dispostos nesta Sentença, nos termos do parágrafo 250 da presente Sentença (CIDH, 2006, p. 84).
Sentenciado o caso Ximenes Lopes, foi realizado o relatório de Supervisão de Cumprimento de Sentença (2010), em que o Brasil demonstrou dificuldades em garantir o direito à razoável duração do processo, mas a Corte reconheceu o esforço no avanço processual para a resolução do caso, assim como no gerenciamento de políticas públicas voltadas à saúde mental para capacitação dos profissionais. Entretanto, os representantes da Comissão valoraram as políticas apresentadas pelo Estado brasileiro e não as acharam suficiente para impedir violação dos direitos humanos, principalmente nas instituições privadas. Isso porque apesar das capacitações estarem sendo realizadas e disponibilizadas, necessitava-se de informações detalhadas sobre os profissionais que estavam se capacitando, tal como o local de trabalho e função exercida por estes (SUPERVISÃO DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA, 2010).
Em resposta à condenação do Brasil no caso Ximenes Lopes, verificamos os impactos positivos que as recomendações trouxeram para a necessidade de reforçar as políticas públicas para a saúde mental, seja no âmbito do judiciário ou não, mas mesmo assim verifica-se que nosso ordenamento carece de mudanças na gestão de políticas distributivas. Nesse sentido:
[...] A morte de um cidadão em um hospital psiquiátrico analisada por uma corte internacional reiterou os apelos já constantes por uma maior responsabilização pública em relação aos portadores de sofrimento mental, refletindo diretamente nas demandas pela implementação de uma política pública em saúde mental comprometida com os direitos humanos. A análise do caso Ximenes Lopes demonstra como a condenação do Brasil representou também um controle, uma censura em relação à existência de uma política pública em saúde mental que, embora seja avançada em seus princípios, é deficitária em termos de aplicação [...] (PAIXÃO, et. al., 2007, p. 23).
Conforme dispõe Lima e Pontes (2015), é nítido a forma em que o Brasil busca se tornar um país reconhecido por garantir os direitos humanos, ratificando tratados e viabilizando recursos para proteger os portadores de transtornos mentais, todavia, não é o que o judiciário e as instituições responsáveis por estes indivíduos transparecem.
Um exemplo prático dessa situação é o caso midiático de Francisco Costa Rocha, mais conhecido como “Chico Picadinho”. Francisco, diagnosticado com personalidade psicopática, ficou preso por mais de quatro décadas e, somente em 2018, foi submetido a internação no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Taubaté.
A Magistrada determinou que Chico fosse transferido para estabelecimento que lhe fornecesse tratamento psiquiátrico diário, pois em decorrência de uma interdição civil se manteve preso além do prazo máximo estipulado pelo Código Penal, na época, 30 anos. Além disso, verificou que os laudos juntados nos autos do processo indicaram que Francisco não recebia nenhum tipo de acompanhamento (R7, 2019).
Aqui, verificamos a clara violação da própria legislação. Chico, mesmo com diagnóstico de psicopatia13, foi submetido a pena de prisão comum e por lá se manteve até que fosse realizada outra medida que lhe garantisse tratamento.
A problemática do caso se deu ao fato de que após o primeiro laudo emitido para que Chico retornasse o convívio em sociedade, cometeu um segundo homicídio, retornando então ao estabelecimento prisional com reiterados laudos que não atestaram a cessação de sua periculosidade, permanecendo enclausurado desde então. Antes de ser determinada sua transferência para o HCTP em 2015, o Desembargador Rômolo Russo negou provimento ao recurso do Ministério Público que pediu a interdição e desinternação de Chico:
[...] A interdição civil de doente mental com gravíssima patologia, ainda que prolongada por três décadas, não se iguala a prisão perpétua, a qual diz respeito à privação de liberdade de quem conscientemente prática ilícito penal e cumpre pena privativa de liberdade superior a trinta anos consecutivos. Situações jurídicas distintas. O direito material ao levantamento de interdição depende, ordinária e necessariamente, da cessação da causa que a determinara (art. 1.186, caput, do CPC c/c art. 1.767, inciso I, do Cód. Civil), ou seja, de prova cabal da sanidade mental e possibilidade real do retorno daquele à vida em coletividade. Interditando conhecido por "Chico Picadinho". [...] Diagnóstico médico de personalidade psicopática, perversa, amoral e sádica (CID 10, F 65.5) e transtorno categórico misto. Características duradoura e irreversível. Quadro gravíssimo, de difícil controle e reversão. Terapêutica medicamentosa ou psicoterápica sem resultado prático. Laudos médico-legais conclusivos. [...] Elevada periculosidade e desvio constitutivo [...] (TJSP; Apelação Cível 0005327-65.1998.8.26.0625; Relator (a): Rômolo Russo; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro de Taubaté - 1ª Vara de Família e Sucessões; Data do Julgamento: 25/11/2015; Data de Registro: 26/11/2015).
Nesse ponto, compreendemos a justificativa da respeitosa decisão no que se refere a periculosidade do agente. Todavia, discordamos da situação em que o agente estava submetido, isto é, sendo diagnosticado com alta periculosidade em vista de seu transtorno e sem nenhum acompanhamento para que fosse realizada a tentativa de sua cura, ou tratamento para amenizar suas “impulsividades”.
Além disso, o Desembargador considerou que mantê-lo preso por mais tempo do que a legislação previa – antes da alteração da Lei Nº 13.964, de 2019, era plenamente justificável, haja vista que estávamos falando de uma patologia incurável, não devendo, portanto, ser comparado ao caso de um imputável, para que fosse considerado pena perpétua. Embora a medida de segurança não seja uma pena privativa de liberdade – já que se dá através de uma absolvição imprópria, e sim uma espécie sanção penal, nada diz o dispositivo (art. 75, CP) sobre outras interpretações. Ocorre que, conforme discutido em capítulos anteriores, o prazo indeterminado do cumprimento da medida de segurança acaba possibilitando margens para outros entendimentos referente ao artigo supramencionado.
Apesar disso, vemos como o distanciamento do judiciário perante a execução das medidas de segurança afeta diretamente a finalidade desta, que é reinserir o inimputável socialmente, mesmo quando não há cura absoluta. Finalidade essa que deverá prevalecer de outras formas, como através da periculosidade controlada e o acompanhamento do SUS fora dos hospitais de tratamento. Sem isso, esse cenário, assim como muitos outros, iriam caminhar para uma prisão perpétua com tratamento unicamente farmacológico.
Mais uma vez, é evidente a violação do princípio da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade e também da garantia constitucional de que não haverá pena de caráter perpétuo – esta que estaria sendo violada por não encontrar método que solucionasse o problema do encarcerado, dispondo mantê-lo preso até que sua periculosidade incurável, fosse curada.
3.2. O impacto da Reforma Psiquiátrica (Lei Nº 10.216, de 2001) no Código Penal
Conforme leciona Carvalho (2013), as vertentes da criminologia crítica e antipsiquiatria foram capazes de evidenciar a discrepância dos objetivos da medida de segurança, qual seja, de tratamento e ressocialização, para a real finalidade de segregação dos portadores de transtorno mental. Assim, o modelo manicomial iniciou o seu processo de desestruturação nos países ocidentais, com o objetivo de superar a lógica hospitalocêntrica existente. No Brasil, durante a década de 1990 as políticas públicas voltadas para saúde mental já tinham perspectivas voltadas para a censura do tratamento desumano praticado pelos hospitais psiquiátricos, mas somente após a morte de Ximenes Lopes, em 1999, ganharam força (PAIXÃO, et. al., 2007). Com isso, após 12 anos em tramitação, a morte de Damião impulsionou a aprovação da Lei da Reforma Psiquiátrica (Nº 10.216, de 2001).
Também chamada de Lei Antimanicomial, a reforma tem como objetivo mudar a abordagem do tratamento de saúde mental, redirecionamento o modelo assistencial desta para proporcionar uma intervenção mais humanizada e inclusiva para os portadores de sofrimento psíquico, tendo como enforque o indivíduo em si, e não mais sua doença. Ou seja, sai da perspectiva de prevenção geral, para focar na prevenção especial positiva.
A principal mudança que essa normativa trouxe foi o reconhecimento do portador de transtorno mental como verdadeiro sujeito de direito, isso porque deixou de reconhecer o inimputável como absolutamente incapaz pelos atos praticados e, justamente por esse fato, suscitou formas diferentes para interpretação do direito penal, excluindo, inclusive, a denominação de portador de doença mental, para portador de transtorno mental (CARVALHO, 2013).
Nessa linha, propiciou a ruptura do modelo manicomial das internações em HCTPs para tratamento a ser realizado nas redes alternativas transdisciplinares de atendimento, isto é, além de visualizar a internação como tratamento excepcional (art. 4), proibiu que fosse realizada em instituições com características asilares (art. 4, § 3º). Tais medidas alternativas à internação nos HCTPs seriam realizadas em Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), Serviços de Residência Terapêuticas (SRTs) e outras redes de serviço público que visam a reabilitação desses indivíduos, proporcionando um tratamento menos invasivo (art. 2, VIII), de preferência em serviços comunitários (art. 2, IX) e, nos casos de internação, com assistência integral (art. 4, § 2º). Nota-se que essa estrutura proporciona uma maior colaboração entre a secretaria de saúde e de segurança pública, fazendo com que a aplicação e execução da medida de segurança seja aperfeiçoada.
Nesse sentido, Salo de Carvalho (2013) observa que não existe diferença entre os usuários comuns da rede de saúde pública para os que praticaram ilícito penal e foram submetidos ao tratamento nos serviços comunitários, isso porque a prestação desse tipo de serviço deve ser realizada de forma igualitária, independente da forma em que foram acionados. Esse entendimento decorre da linha de desinstitucionalização da Lei Antimanicomial.
3.3. Novos parâmetros para as medidas de segurança
Diante todo o exposto, resta claro como o Código Penal de 1940 manteve seu caráter higienista, o que dificulta - apesar das políticas públicas realizadas, que os atos administrativos já mencionados sejam operados em conjunto com a legislação penal. Nessa toada, existem outros dispositivos que podem ser utilizados para auxiliar na execução da medida de segurança, os quais não são devidamente considerados. Primeiramente, podemos mencionar a Resolução Nº 113, de 2010, que dispõe em seu art. 14, sobre a necessidade de a sentença penal absolutória imprópria ser executada em observância à Lei de Execução Penal, bem como da Lei Antimanicomial.
Ocorre que, diferente da previsão em nosso Código, a Reforma Psiquiátrica compreende que a internação deve ser a última medida a ser aplicada. Como esse intuito, em 2002 o Ministério da Saúde instituiu a criação dos CAPs para substituir os hospitais psiquiátricos (AGÊNCIA SENADO, 2021), o que não foi suficiente para que os magistrados considerassem a necessidade de ambientes mais adequados.
A mais recente Resolução (Nº 487, de 2023) trouxe consigo pontos interessantíssimos a serem (re)considerados, haja vista que alguns deles já haviam sido objeto de discussão. O primeiro ponto a ser destacado é que o tratamento iniciará durante o curso de todo o processo, isto é, da audiência de custódia até a execução da medida de tratamento indicada, possibilitando ao inimputável o auxílio das redes de serviço público nos atos judiciais. Nessa linha, consoante às ideias da Resolução Nº 113, de 2010, no que tange à internação como medida excepcional, em seu art. 3º, a resolução supramencionada entende que:
VIII – a indicação da internação fundada exclusivamente em razões clínicas de saúde, privilegiando-se a avaliação multiprofissional de cada caso, pelo período estritamente necessário à estabilização do quadro de saúde e apenas quando os recursos extrahospitalares se mostrarem insuficientes, vedada a internação em instituição de caráter asilar, como os Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTPs) e estabelecimentos congêneres, como hospitais psiquiátricos;
Bem como:
Art. 12. A medida de tratamento ambulatorial será priorizada em detrimento da medida de internação e será acompanhada pela autoridade judicial a partir de fluxos estabelecidos entre o Poder Judiciário e a Raps, com o auxílio da equipe multidisciplinar do juízo, evitando-se a imposição do ônus de comprovação do tratamento à pessoa com transtorno mental ou qualquer forma de deficiência psicossocial.
Ademais, temos também a Recomendação Nº 35, de 2011, que além de indicar que a medida de segurança deve ser aplicada de acordo com o fato praticado, discorre que nos casos de internação, deverá ser realizada em rede de saúde pública com o devido acompanhamento da parte judicial (BRASIL, 2011), mas sempre se atendo as recomendações previstas.
Nessa linha, a Resolução Nº 487, de 2023 reitera ambas as ideias e, inclusive, institui que as internações deverão ser realizadas nos chamados Hospitais Gerais, e não mais nos HCTPs, isso porque resta claro que tal instituição não possui estrutura para proporcionar a devida assistência. É o que diz o art. 13. do mesmo dispositivo, vejamos:
Art. 13. A imposição de medida de segurança de internação ou de internação provisória ocorrerá em hipóteses absolutamente excepcionais, quando não cabíveis ou suficientes outras medidas cautelares diversas da prisão e quando compreendidas como recurso terapêutico momentaneamente adequado no âmbito do PTS, enquanto necessárias ao restabelecimento da saúde da pessoa, desde que prescritas por equipe de saúde da Raps.
§ 1º A internação, nas hipóteses referidas no caput, será cumprida em leito de saúde mental em Hospital Geral ou outro equipamento de saúde referenciado pelo Caps da Raps, cabendo ao Poder Judiciário atuar para que nenhuma pessoa com transtorno mental seja colocada ou mantida em unidade prisional, ainda que em enfermaria, ou seja submetida à internação em instituições com características asilares, como os HCTPs ou equipamentos congêneres, assim entendidas aquelas sem condições de proporcionar assistência integral à saúde da pessoa ou de possibilitar o exercício dos direitos previstos no art. 2º da Lei n. 10.216/2001 (BRASIL, 2023).
Outro ponto interessante que a referida Resolução trouxe foi a possibilidade de a avaliação para extinção da medida de segurança ser realizada com maior frequência, anualmente ou a qualquer tempo, desde que requerido pela defesa ou indicada pela equipe de saúde, sem obstar na continuidade dos tratamentos mentais (art. 12, § 5º). Esse dispositivo beneficiaria os internos ou indivíduos em tratamento ambulante, pois diferente do que institui nosso Código Penal (somente mediante determinação do juiz), a melhora poderá ser verificada antes mesmo do prazo instituído em lei (de 1 a 3 anos, conforme art. 97, § 2º, CP).
Ora, aqui podemos verificar mais um conflito com o Código Penal. Se eventualmente um indivíduo tiver sua melhora decretada antes do prazo mínimo, com sua periculosidade cessada ou até mesmo controlada, como deveria o magistrado agir? Autorizar que a medida seja extinta, ou mantê-lo pelo prazo mínimo para que seja realizada nova perícia no prazo determinado por lei?
Em suma, por não serem normas fundamentais, conforme dita a pirâmide de Kelsen, estas deverão obedecer a ordem hierárquica, portanto, nesse caso dever-se-á aplicar o que institui o Código Penal, o que discordamos, pelos motivos expostos. Apesar de serem atos administrativos, cremos que tais dispositivos não são executados em vista a precariedade do nosso sistema carcerário, impossibilitando, por exemplo, o melhor tratamento de saúde de acordo com necessidades específicas de cada indivíduo e acesso à equipe médica a qualquer tempo14 (BRASIL, 2001) e, por consequência, a possibilidade de contrariar a legislação de forma eficiente.
Ainda, para a Resolução 487, de 2023, a falta de suporte familiar não deve ser motivo de impedimento para progressão ao tratamento ambulatorial ou para a desinternação (art. 12, § 3º). Embora acreditemos que isso possibilitaria ao interno maior liberdade e possibilidade de progredir, verificamos que a ausência de suporte familiar dificultaria o acompanhamento da reintegração comunitária (proposta da desinternação progressiva), isso porque o apoio familiar é de suma importância para gerar relatórios e pareceres quanto ao desenvolvimento do reeducando, o que contribuiria diretamente em seus prontuários, facilitando, inclusive, as medidas de progressão.
No entanto, não sendo possível o suporte da família, vale lembrar a existência das SRTs que:
[...] são moradias inseridas na comunidade, destinadas a cuidar de pessoas com transtornos mentais crônicos com necessidade de cuidados de longa permanência, prioritariamente egressos de internações psiquiátricas e de hospitais de custódia, que não possuam suporte financeiro, social e/ou laços familiares que permitam outra forma de reinserção, de acordo com as diretrizes descritas na Portaria nº 106 (Brasil, 2000) e normativas relacionadas (Brasil, 2017, 2011; 2001; 1990). São dispositivos estratégicos no processo de desinstitucionalização (PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, 2021).
Desse modo, ainda que o apoio familiar seja de suma importância, a metodologia da desinternação progressiva possibilita que outros mecanismos de desinstitucionalização sejam utilizados, a fim de garantir efetivamente a reintegração comunitária. Importante salientar que em ambos os casos, se faz necessário a integração do CAPs para continuidade do tratamento.
Por fim, como medida expressa neste dispositivo, é apresentada a desinstitucionalização dos doentes mentais que iniciará com a revisão dos processos a fim de extinguir a medida de segurança, progredir internações para tratamento ambulatorial ou, se necessário, realizar a transferência para um estabelecimento adequado para tratamento. Após esse feito, projeta a interdição total de todos os HCTPs:
Art. 18. No prazo de 6 (seis) meses contados da publicação desta Resolução, a autoridade judicial competente determinará a interdição parcial de estabelecimentos, alas ou instituições congêneres de custódia e tratamento psiquiátrico no Brasil, com proibição de novas internações em suas dependências e, em até 12 (doze) meses a partir da entrada em vigor desta Resolução, a interdição total e o fechamento dessas instituições (BRASIL, 2023).
Cumpre ressaltar que logo após a Reforma Psiquiátrica, o Ministério da Saúde instituiu a criação de CAPs justamente para que houvesse a desinstitucionalização desses indivíduos, assim como na Resolução 113, de 2010, mas estes foram apenas utilizados como rede de serviços auxiliares no processo de tratamento.