Tema 977 do STF: uma análise de perspectivas e jurisprudência

Da Licitude da prova produzida durante o inquérito policial relativa ao acesso, sem autorização judicial, a registros e informações contidos em aparelho de telefone celular, relacionados à conduta delitiva e hábeis a indentificar o agente do crime.

Leia nesta página:

1. INTRODUÇÃO

1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA

O tema é relevante pois em uma sociedade que uso do celular de maneira cotidiana, discutir as possibilidades e os limites do poder policial durante uma investigação são aspectos indispensáveis para garantir a efetividade da atuação policial e a proteção contra os abusos e arbitrariedades destes. Em resumo, discutir a licitude do acesso da autoridade policial à agenda telefônica e ao registro de chamadas em um celular encontrado fortuitamente no local do crime é fundamental para garantir o equilíbrio entre a proteção dos direitos individuais e a eficácia das investigações criminais dentro de um Estado democrático de direito.

O tema envolve um delicado equilíbrio entre a necessidade de combate ao crime e a proteção dos direitos individuais. Enquanto alguns argumentam que o acesso sem autorização judicial é necessário para garantir a eficácia das investigações policiais, outros enfatizam a importância de se respeitar os direitos fundamentais dos cidadãos e a necessidade de controle judicial para evitar abusos de poder.

O objetivo do presente artigo é apresentar decisões jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal que tenham relação com o tema analisado, para que assim seja possível ao menos vislumbrar possíveis tendências das decisões do tribunal.

1.2 IMPORTÂNCIA DA AFERIÇÃO DA LICITUDE DA PROVA NO INQUÉRITO POLICIAL

O assunto discutido no presente artigo foi abordado no Tema 977 do STF, que tem como leading case o Agravo em Recurso Extraordinário nº 1.042.075, cujo relator é Ministro Dias Toffoli. O recurso foi interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro contra decisão proferida pela Sexta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que inadmitiu recurso extraordinário com o fundamento de que demandaria o reexame de provas, e tem como requerido o réu Guilherme Carvalho Farias.

No referido julgamento destacou-se a relevância social e jurídica da correta aplicação do princípio constitucional da inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto foi mencionada, evidenciando a recorrência e a relevância da questão em discussão, bem como da natureza constitucional do tema, envolvendo a inviolabilidade do sigilo das comunicações e a impossibilidade de utilização de provas obtidas por meios ilícitos, sendo estes direitos fundamentais. Observou-se no referido julgamento a possibilidade de repetição da questão em inúmeros processos, o que teria impacto na esfera do interesse público, justificando a análise aprofundada sobre o tema. Restou, por isso, clara a densidade constitucional elevada do tema, que vai além do interesse das partes envolvidas e é crucial para a orientação do Supremo Tribunal Federal.

Dessa forma, a conjunção desses fundamentos foi essencial para a decisão de reconhecer a repercussão geral da questão constitucional suscitada, permitindo uma análise mais abrangente e a definição de diretrizes importantes para casos futuros.

2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS EM JOGO

2.1. DIREITO À INTIMIDADE E PRIVACIDADE

Inicialmente destaque-se que o artigo 5º, inciso XI da Constituição Federal estabelece a inviolabilidade do sigilo de correspondência e das comunicações e dados telefônicos, exceto quando há ordem judicial específica para que essa inviolabilidade seja quebrada, caso contrário, se não houvesse autorização judicial, o sigilo só poderia ser quebrado com autorização da pessoa investigada. Essa proteção encontra-se intimamente ligada a inviolabilidade da intimidade e da vida privada das pessoas, protegida pelo inciso X do mesmo dispositivo constitucional

No âmbito infraconstitucional vale destacar que Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996 estabelece o procedimento adequado para que as autoridades policiais possuam acesso a tais dados limitando, de certo modo, a atuação e o acesso aos dados por parte dos policiais.

Pode-se afirmar que, no ordenamento jurídico brasileiro, o direito à intimidade e privacidade é uma garantia fundamental estabelecida na Constituição Federal e tratados internacionais de direitos humanos, tais como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, protegendo a esfera íntima e pessoal dos cidadãos contra interferências indevidas do Estado ou de terceiros.

A violação do direito à intimidade e privacidade ocorre quando há acesso indevido a informações privadas de uma pessoa sem o devido respaldo legal. Dessa forma, o acesso da autoridade policial à agenda telefônica e ao registro de chamadas em um aparelho celular sem autorização judicial constitui uma violação desse direito, o que somente deixaria de acontecer se houvesse autorização judicial específica para tal, ou, anuência expressa da pessoa. É nesse sentido que o acesso a informações pessoais e comunicações privadas sem autorização judicial viola o princípio da legalidade e o direito fundamental à intimidade e privacidade, sendo que tais medidas só podem ser adotadas mediante autorização judicial baseada em fundamentos legais específicos, respeitando os princípios da proporcionalidade e da necessidade dessa quebra de sigilo.

Além disso, é importante ressaltar que o acesso indiscriminado a informações privadas pode representar uma forma de abuso de poder e violação dos direitos individuais, colocando em risco a liberdade e a dignidade dos cidadãos.

Portanto, a violação do direito à intimidade e privacidade ocorre quando há acesso indevido a informações pessoais sem autorização judicial.

2.2. DIREITO À SEGURANÇA E MAIOR CELERIDADE DA ATUAÇÃO POLICIAL

Ao mesmo tempo em que o Diploma Maior prevê o direito de todos à privacidade e intimidade, ela também estabelece em mesmo patamar o direito à segurança, conforme expresso no caput do Art. 5º da Constituição Federal de 1988. Ademais, o Art. 10 do Código de Processo Penal prazo para finalização do inquérito policial, procedimento que esclarece os fatos delituosos relatados na notícia crime, a fim de que o titular da ação penal inicie o procedimento judicial.

Nesse sentido, sendo a segurança um direito garantido pela Constituição Federal, é possível argumentar que a possibilidade de acesso a dados do celular imediatamente na abordagem policial pode ser justificada em nome da prevenção e combate ao crime, pois proporciona às autoridades acesso rápido a informações cruciais em situações de emergência, como sequestros, homicídios ou terrorismo. A obtenção imediata desses dados também pode ser vital para a preservação de evidências importantes para investigações criminais, evitando sua perda ou manipulação por parte dos suspeitos.

Outro ponto destacado é a flexibilidade que o acesso sem autorização judicial proporciona em casos urgentes. Diante de situações imprevistas, a obtenção de autorização judicial pode consumir tempo precioso, especialmente quando sujeita a burocracias e prazos. O acesso rápido às informações pode permitir uma resposta mais ágil por parte das autoridades, ajudando a conter possíveis danos à segurança pública.

Assim, ressalta-se a importância do acesso à agenda telefônica e aos registros de chamadas sem autorização judicial em certas circunstâncias. No entanto, é essencial que essas medidas sejam aplicadas com cautela e que os direitos fundamentais dos cidadãos sejam respeitados, garantindo um equilíbrio entre a segurança pública e a proteção da privacidade individual.

3. DA LICITUDE DA PROVA PRODUZIDA DURANTE O INQUÉRITO POLICIAL RELATIVA AO ACESSO, SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL, A REGISTROS E INFORMAÇÕES CONTIDOS EM APARELHO DE TELEFONE CELULAR, RELACIONADOS À CONDUTA DELITIVA E HÁBEIS A IDENTIFICAR O AGENTE DO CRIME

3.1 POSICIONAMENTO DO STF EM OUTROS CASOS PARECIDOS COM O DISCUTIDO

Ao lado, tem-se um Habeas Corpus que discute exatamente os direitos contrapostos durante o trabalho, quais sejam o direito à intimidade e o dever estatal de segurança pública.

No caso, os policiais tiveram acesso ao aparelho celular sem prévia autorização judicial, inclusive verificando conversas de WhatsApp do réu.

Assim, a decisão final foi de declarar a ilicitude das provas obtidas, prevalecendo-se, dessa forma, o direito à intimidade.

HC 168052 1

O caso refere-se ao acesso a aparelho celular por policiais sem a devida autorização judicial, os quais verificaram conversas em aplicativo de mensagens Whatsapp. O Ministro Gilmar Mendes destaca a necessidade de autorização judicial para proteção do direito fundamental à intimidade e vida privada. Assim, declarou a ilicitude das provas obtidas por esse meio.

No caso ao lado, a discussão se centra nas provas obtidas por meio de sigilo de correspondência em investigação criminal. Novamente, tem-se a contraposição do direito à intimidade e o dever estatal de segurança pública.

Por fim, a tese fixada no Recurso Extraordinário que inclusive teve Repercussão Geral, foi de ser inadmissível prova obtida mediante a abertura de correspondência sem a devida autorização judicial, apenas sendo possível essa hipótese nas quais o legislador definir em lei.

Portanto, o respectivo caso demonstra a prevalência do direito à intimidade nos casos de prova de correspondência sem prévia autorização judicial, exceto pelas hipóteses definidas em lei.

RE 1116949 2

O caso discute a obtenção de provas obtidas por meio de abertura de encomenda postada nos correios, e a possibilidade de afronta ao direito ao sigilo de correspondência. A decisão centrou-se na hipótese de que é possível o legislador definir hipóteses em que a atuação das autoridades públicas não configuraria uma violação ao sigilo. Foi fixada a seguinte tese: “Sem autorização judicial ou fora das hipóteses legais, é ilícita a prova obtida mediante abertura de carta, telegrama, pacote ou meio análogo”.

O caso ao lado também é muito parecido com o tema discutido. Verifica-se que o entendimento do tribunal foi de que há sim a possibilidade de romper o sigilo telefônico, de acordo com o disposto pela Lei nº9.269/96: “...em caráter de absoluta excepcionalidade, quando o fato investigado constituir infração penal punida com reclusão e presente a imprescindibilidade desse meio de prova, pois a citada lei vedou o afastamento da inviolabilidade constitucional quando não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal ou a prova puder ser feita por outros meios disponíveis [...]”

Portanto, é permitida a quebra do sigilo, desde que devidamente fundamentada por ordem judicial expressa, verificando-se indícios razoáveis de autoria ou participação, e em caráter excepcional.

RE 625263 3

É discutido o tema de interceptações telefônicas e o afastamento do sigilo de dados telefônicos, e a possibilidade de sua renovação sucessiva, conforme a Lei 9.269/96. A intercepção telefônica, conforme pontua o Ministro, é prevista pelo Art. 5º, XII da Constituição Federal, e regulamentada pela Lei 9.296/96, a qual estabelece que as interceptações somente poderão ser decretadas por ordem judicial devidamente fundamentada apresentando a sua conveniência e indispensabilidade (cláusula de reserva judicial). Assim, pontua-se que o afastamento do sigilo de dados telefônicos só pode ocorrer da mesma forma que ocorre com a interceptação das comunicações telefônicas em caráter de absoluta excepcionalidade. Assim, a lei vedou o afastamento da inviolabilidade constitucional quando não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal ou a prova puder ser feita por outros meios disponíveis. Portanto, concluem que, por haver a devida fundamentação nos autos, não há como declarar a nulidade das decisões que objetivavam a renovação sucessiva da interceptação telefônica, desde que respeitado o limite de 15 dias estabelecido pelo Art. 5º da Lei. 9.296/96.

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Na ADPF ao lado, tem-se uma discussão referente à atuação policial deve ser transparente. Além disso, referente ao acesso dos policiais ao domicílio deve ter “fundadas razões”, ou seja, não pode ser feita de maneira arbitrária. Portanto, verifica-se que o STF tem como um de seus nortes, a transparência da atuação das autoridades policiais, justamente para reduzir a letalidade policial e arbitrariedade do Estado, perante a sociedade, perceptível pela seguinte passagem: “Os protocolos de atuação policial devem ser públicos e transparentes, porque asseguram a confiabilidade das instituições de aplicação da lei e amparam os agentes de Estado na sua atividade, dando a eles a necessária segurança jurídica de sua atuação”.

ADPF 635 MC-ED 4

O caso discute a letalidade policial, a transparência e publicidade da atuação dos policias. Destaca-se os protocolos de atuação dos policiais devem ser públicos à medida que asseguram a confiabilidade das instituições de aplicação da lei e amparam os agentes de Estado na sua atividade fornecendo a devida segurança jurídica para sua atuação. Além disso, discute a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial prévio, o que só é possível quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito sob pena de nulidade dos atos praticados, e, novamente, apenas como medida excepcional.

Primeiramente, um ponto a ser destacado se refere aos limites impostos pelo tribunal em casos análogos, como de sigilo bancário, de inviolabilidade do domicílio e do sigilo de dados telefônicos. Conforme o trecho destacado abaixo, é possível extrair as limitações da atuação estatal na segurança pública:

O afastamento do sigilo de dados telefônicos somente poderá ser decretado, da mesma maneira que no tocante às comunicações telefônicas, nos termos da Lei n. 9.296/96 e sempre em caráter de absoluta excepcionalidade, quando o fato investigado constituir infração penal punida com reclusão e presente a imprescindibilidade desse meio de prova, pois a citada lei vedou o afastamento da inviolabilidade constitucional quando não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal ou a prova puder ser feita por outros meios disponíveis, não podendo, em regra, ser a primeira providência investigatória realizada pela autoridade policial.

(RE 6625263, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Redator(a) do acórdão: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Julgamento: 17/03/2022)

Assim, os ministros defendem que o sigilo telefônico, bem como de seus dados, só pode ser decretado em caráter excepcional, conforme o Art. 2º da Lei nº9.296/96:

Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:

I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;

II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;

III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.

Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.

A lei, entretanto, não trata das possibilidades em que essa quebra de sigilo poderia ser feita sem a devida autorização judicial. Com isso, podem ser retirados entendimentos e princípios de casos análogos, que foram analisados e serão dispostos abaixo.

O primeiro deles é o que mais tem relação com o Tema 977 do STF, aqui discutido, já que trata do acesso por policiais ao aparelho celular e mensagens de WhatsApp. Dele extrai-se:

Sigilo das comunicações e da proteção de dados. Direito fundamental à intimidade e à vida privada. [...] Ordem concedida para declarar a ilicitude das provas ilícitas e de todas dela derivadas.

(HC 168052, Relator(a): Min. GILMAR MENDES - Julgamento: 20/10/2020)

Com isso, no caso análogo acima citado, prevaleceu o entendimento do STF que a prevalência do direito à intimidade quando não há autorização judicial, fato que, sem dúvida, é essencial para extrair diretrizes gerais e balizar a conduta dos policiais.

Outro caso que merece destaque reflete sobre o sigilo de correspondência, em face da atuação estatal de segurança pública:

[...] é possível ao legislador definir as hipóteses fáticas em que a atuação das autoridades públicas não seriam equiparáveis à violação do sigilo.

(RE 1116949, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Redator(a) do acórdão: Min. EDSON FACHIN -Julgamento: 18/08/2020)

Portanto, depreende-se que, em regra, seria necessária a autorização judicial para a quebra do sigilo de correspondência, mas que também podem ser fixadas hipóteses pelo legislador para que, mesmo sem a devida autorização judicial, isso poderia ser feito sem atacar o direito à intimidade.

Por fim, outro caso análogo discute a inviolabilidade domiciliar em face à investigação policial, sendo fixada a Tese 280 do STF:

A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori.

(RE 1466339 AgR, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES - Julgamento: 19/12/2023)

Portanto, a quebra da inviolabilidade domiciliar pode ser feita sem a autorização judicial desde que haja fundadas razões para tal, que devem ser justificadas posteriormente.

Logo, seguindo essa lógica, mesmo que no HC 168052 citado acima, que possui parâmetro semelhante de limitação do direito à privacidade, não foi concedida a possibilidade de violar o sigilo e a intimidade sem a devida autorização judicial. É possível verificar, assim, que em casos análogos, que tratam da inviolabilidade domiciliar e do sigilo de correspondência, a quebra do sigilo pode ser feita de maneira excepcional, ou por limites definidos pelo legislador ou por razões fundadas a serem comprovadas.

Dessa forma, entende-se que o STF tenta harmonizar suas decisões, para que nenhum direito seja negligenciado em face do outro.

Vale destacar esse posicionamento com dois trechos memoráveis encontrados nos julgados analisados. O primeiro deles demonstra a necessária existência harmoniosa entre os direitos previstos pela Carta Magna, conforme o julgado:

[...] incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.

(MS 23452, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO - Julgamento: 16/09/1999)

O Ministro Celso de Mello pontua a necessidade de limitações ao direito à intimidade, para que este não seja exercido de forma arbitrária em face dos demais direitos, tais quais a segurança pública e a atuação estatal.

A partir disso, é possível utilizar o julgado destacado, no qual o Ministro Dias Toffoli, ao tratar sobre os direitos de personalidade, coloca:

[...] correlatos a esses direitos, existem também deveres, cujo atendimento é, também, condição sine qua non para a realização do projeto de sociedade esculpido na Carta Federal.

(ADI 2859, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI - Julgamento: 24/02/2016)

Dessa forma, verifica-se que é necessário que haja uma limitação aos direitos de intimidade e privacidade para que a atuação estatal seja possível, realizando o projeto social presente na Constituição Federal.

Portanto, a ilicitude ou licitude a ser decidida do acesso da autoridade policial, sem autorização judicial, à agenda telefônica e ao registro de chamadas em aparelho celular encontrado fortuitamente no local do crime deve estar em consonância com o entendimento observado a partir da análise das jurisprudências do tribunal, aqui realizada.

Com isso, a atuação estatal deveria ter seu limite centrado nos direitos à intimidade, da mesma forma que o direito à intimidade deve ser limitado à atuação estatal.

4. DEBATE JURISPRUDENCIAL SOBRE A LICITUDE DA PROVA

4.1 TESE PROPOSTA PELO MINISTRO DIAS TOFFOLI

Inicialmente, o Ministro Dias Toffoli firmou seu entendimento de que é lícita a prova obtida pela autoridade policial, sem autorização judicial, mediante acesso a registro telefônico ou agenda de contatos de celular apreendido ato contínuo no local do crime atribuído ao acusado, não configurando esse acesso ofensa ao sigilo das comunicações, à intimidade ou à privacidade do indivíduo (CF, art. 5º, incisos X e XII).

4.2 PROPOSTAS DOS MINISTROS GILMAR MENDES E EDSON FACHIN

Os Ministros Gilmar Mendes e Edson Fachin, que negavam provimento ao recurso interposto, propunham a fixação da seguinte tese:

O acesso a registro telefônico, agenda de contatos e demais dados contidos em aparelhos celulares apreendidos no local do crime atribuído ao acusado depende de prévia decisão judicial que justifique, com base em elementos concretos, a necessidade e a adequação da medida e delimite a sua abrangência à luz dos direitos fundamentais à intimidade, à privacidade e ao sigilo das comunicações e dados dos indivíduos (CF, art. 5º, X e XX).

4.3 REVISÃO DE POSICIONAMENTOS E A PROPOSIÇÃO DO MINISTRO FLAVIO DINO

Mais recentemente, o Ministro Dias Toffoli alterou seu entendimento aderindo ao posicionamento do Ministro Gilmar Mendes, fixando a seguinte tese:

  1. O acesso a registro telefônico, agenda de contatos e demais dados contidos em aparelhos celulares apreendidos no local do crime atribuído ao acusado depende de prévia decisão judicial que justifique, com base em elementos concretos, a necessidade e a adequação da medida e delimite a sua abrangência à luz dos direitos fundamentais à intimidade, à privacidade, ao sigilo das comunicações e à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais (CF, art. 5º, X, XII e LXXIX).

  2. Em tais hipóteses, a celeridade se impõe, devendo a Autoridade Policial atuar com a maior rapidez e eficiência possíveis e o Poder Judiciário pode conferir tramitação e apreciação prioritárias aos pedidos dessa natureza, inclusive em regime de Plantão

Esse também é o entendimento do Ministro Flavio Dino, que propõe, com o objetivo de salvaguardar os direitos fundamentais à privacidade e intimidade, é necessária uma decisão judicial fundamentada para o acesso a qualquer conteúdo de aparelho celular apreendido. No entanto, a apreensão do dispositivo, conforme estabelecido pelo artigo 6º do Código de Processo Penal, ou em situações de flagrante delito, assim como a determinação de preservação dos dados e metadados de suspeitos ou investigados, não requer reserva de jurisdição.

5. REFLEXÕES SOBRE O EQUILÍBRIO ENTRE A NECESSIDADE DE INVESTIGAÇÃO E A PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Conforme evidenciado, a tendência da jurisprudência do STF, e mesmo dos votos já proferidos pelos Ministros é de dar prioridade ao Direito à Intimidade e Privacidade, em se tratando da atuação policial sem prévia decisão judicial, balizando a conduta dos policiais no sentido de não negligenciar esses direitos em face da celeridade de sua atuação.

Refletir sobre o equilíbrio entre a necessidade de investigação e a proteção dos direitos fundamentais é essencial para uma abordagem justa e eficaz no campo da justiça criminal.

Por um lado, a investigação eficiente é fundamental para a aplicação da lei e a manutenção da ordem pública. Ela pode ser crucial para identificar e deter criminosos, prevenir crimes futuros e garantir a segurança da sociedade como um todo.

Por outro lado, é vital garantir que essa investigação seja realizada dentro dos limites estabelecidos pela lei e que respeite os direitos fundamentais dos indivíduos. A privacidade, a intimidade e o sigilo das comunicações são direitos protegidos por lei e essenciais para a dignidade humana e o exercício da liberdade individual.

O desafio reside, portanto, em encontrar um equilíbrio adequado entre a necessidade legítima de investigação e a proteção dos direitos fundamentais, para que nenhum direito seja negligenciado em face do outro.

De qualquer forma, possui o STF um difícil papel de se posicionar a respeito do tema. Atualmente, há 4 votos a favor da ilicitude do acesso dos policiais, sem prévia autorização judicial, a registros e informações contidos em aparelho de telefone celular, mas a questão ainda se encontra indefinida.

Em última análise, o objetivo é alcançar um sistema de justiça equitativo e eficiente, no qual a proteção dos direitos fundamentais seja considerada uma parte integrante e indispensável do processo de investigação criminal.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – TEMA 977. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=5173898&numeroProcesso=1042075&classeProcesso=ARE&numeroTema=977. Acesso em: 19 maio. 2024.

CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO BRASIL. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 05 maio. 2024.

CÓDIGO CIVIL. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 05 maio. 2024.

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 05 maio. 2024.

LEI Nº 9.296, DE 24 DE JULHO DE 1996. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9296.htm. Acesso em: 05 maio. 2024.


  1. HC 168052; Órgão julgador: Segunda Turma; Relator(a): Min. GILMAR MENDES; Julgamento: 20/10/2020; Publicação: 02/12/2020. Trechos: “Acesso a aparelho celular por policiais sem autorização judicial; Necessidade de autorização judicial. 3. Violação ao domicílio do réu após apreensão ilegal do celular; Ordem concedida para declarar a ilicitude das provas ilícitas e de todas dela derivadas

  2. RE 1116949; Órgão julgador: Tribunal Pleno; Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO; Redator(a) do acórdão: Min. EDSON FACHIN; Julgamento: 18/08/2020; Publicação: 02/10/2020. Trechos: “Prova obtida por meio de abertura de encomenda postada nos correios; É possível ao legislador definir as hipóteses fáticas em que a atuação das autoridades públicas não seriam equiparáveis à violação do sigilo a fim de assegurar o funcionamento regular dos correios”.

  3. RE 625263; Órgão julgador: Tribunal Pleno; Relator(a): Min. GILMAR MENDES; Redator(a) do acórdão: Min. ALEXANDRE DE MORAES; Julgamento: 17/03/2022; Publicação: 06/06/2022; Trechos: A interceptação telefônica [...] dependerá de ordem judicial (cláusula de reserva jurisdicional) e deverá ser expedida pelo juiz competente para a ação principal, em decisão devidamente fundamentada que demonstre a sua conveniência e a indispensabilidade desse meio de prova; O afastamento do sigilo de dados telefônicos somente poderá ser decretado, da mesma maneira que no tocante às comunicações telefônicas, nos termos da Lei n. 9.296/96 e sempre em caráter de absoluta excepcionalidade; A citada lei vedou o afastamento da inviolabilidade constitucional quando não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal ou a prova puder ser feita por outros meios disponíveis; Possibilidade de sucessivas prorrogações da interceptação telefônica, desde que demonstrada a necessidade de renovar a medida e respeitado o limite de 15 (quinze) dias entre cada uma delas, sem que exista violação ao art. 5º, da Lei n. 9.296/96; Diante da demonstração, mínima e razoável não há como declarar a nulidade das decisões que, embora sucintas, estão de acordo com o dever de fundamentação”.

  4. ADPF 635 MC-ED; Órgão julgador: Tribunal Pleno; Relator(a): Min. EDSON FACHIN; Julgamento: 03/02/2022; Publicação: 03/06/2022. Trechos: “Transparência e Publicidade Dos Protocolos de Atuação Policial; Instalação de Câmeras e Gps ; Redução da letalidade policial; Os protocolos de atuação policial devem ser públicos e transparentes, porque asseguram a confiabilidade das instituições de aplicação da lei e amparam os agentes de Estado na sua atividade, dando a eles a necessária segurança jurídica de sua atuação; Segundo a maioria do Colegiado, a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados”.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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