4. DEBATE JURISPRUDENCIAL SOBRE A LICITUDE DA PROVA
4.1. TESE PROPOSTA PELO MINISTRO DIAS TOFFOLI
Inicialmente, o Ministro Dias Toffoli firmou seu entendimento de que é lícita a prova obtida pela autoridade policial, sem autorização judicial, mediante acesso a registro telefônico ou agenda de contatos de celular apreendido ato contínuo no local do crime atribuído ao acusado, não configurando esse acesso ofensa ao sigilo das comunicações, à intimidade ou à privacidade do indivíduo (CF, art. 5º, incisos X e XII).
4.2. PROPOSTAS DOS MINISTROS GILMAR MENDES E EDSON FACHIN
Os Ministros Gilmar Mendes e Edson Fachin, que negavam provimento ao recurso interposto, propunham a fixação da seguinte tese:
O acesso a registro telefônico, agenda de contatos e demais dados contidos em aparelhos celulares apreendidos no local do crime atribuído ao acusado depende de prévia decisão judicial que justifique, com base em elementos concretos, a necessidade e a adequação da medida e delimite a sua abrangência à luz dos direitos fundamentais à intimidade, à privacidade e ao sigilo das comunicações e dados dos indivíduos (CF, art. 5º, X e XX).
4.3. REVISÃO DE POSICIONAMENTOS E A PROPOSIÇÃO DO MINISTRO FLAVIO DINO
Mais recentemente, o Ministro Dias Toffoli alterou seu entendimento aderindo ao posicionamento do Ministro Gilmar Mendes, fixando a seguinte tese:
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O acesso a registro telefônico, agenda de contatos e demais dados contidos em aparelhos celulares apreendidos no local do crime atribuído ao acusado depende de prévia decisão judicial que justifique, com base em elementos concretos, a necessidade e a adequação da medida e delimite a sua abrangência à luz dos direitos fundamentais à intimidade, à privacidade, ao sigilo das comunicações e à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais (CF, art. 5º, X, XII e LXXIX).
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Em tais hipóteses, a celeridade se impõe, devendo a Autoridade Policial atuar com a maior rapidez e eficiência possíveis e o Poder Judiciário pode conferir tramitação e apreciação prioritárias aos pedidos dessa natureza, inclusive em regime de Plantão.
Esse também é o entendimento do Ministro Flavio Dino, que propõe, com o objetivo de salvaguardar os direitos fundamentais à privacidade e intimidade, é necessária uma decisão judicial fundamentada para o acesso a qualquer conteúdo de aparelho celular apreendido. No entanto, a apreensão do dispositivo, conforme estabelecido pelo artigo 6º do Código de Processo Penal, ou em situações de flagrante delito, assim como a determinação de preservação dos dados e metadados de suspeitos ou investigados, não requer reserva de jurisdição.
5. REFLEXÕES SOBRE O EQUILÍBRIO ENTRE A NECESSIDADE DE INVESTIGAÇÃO E A PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Conforme evidenciado, a tendência da jurisprudência do STF, e mesmo dos votos já proferidos pelos Ministros é de dar prioridade ao Direito à Intimidade e Privacidade, em se tratando da atuação policial sem prévia decisão judicial, balizando a conduta dos policiais no sentido de não negligenciar esses direitos em face da celeridade de sua atuação.
Refletir sobre o equilíbrio entre a necessidade de investigação e a proteção dos direitos fundamentais é essencial para uma abordagem justa e eficaz no campo da justiça criminal.
Por um lado, a investigação eficiente é fundamental para a aplicação da lei e a manutenção da ordem pública. Ela pode ser crucial para identificar e deter criminosos, prevenir crimes futuros e garantir a segurança da sociedade como um todo.
Por outro lado, é vital garantir que essa investigação seja realizada dentro dos limites estabelecidos pela lei e que respeite os direitos fundamentais dos indivíduos. A privacidade, a intimidade e o sigilo das comunicações são direitos protegidos por lei e essenciais para a dignidade humana e o exercício da liberdade individual.
O desafio reside, portanto, em encontrar um equilíbrio adequado entre a necessidade legítima de investigação e a proteção dos direitos fundamentais, para que nenhum direito seja negligenciado em face do outro.
De qualquer forma, possui o STF um difícil papel de se posicionar a respeito do tema. Atualmente, há 4 votos a favor da ilicitude do acesso dos policiais, sem prévia autorização judicial, a registros e informações contidos em aparelho de telefone celular, mas a questão ainda se encontra indefinida.
Em última análise, o objetivo é alcançar um sistema de justiça equitativo e eficiente, no qual a proteção dos direitos fundamentais seja considerada uma parte integrante e indispensável do processo de investigação criminal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – TEMA 977. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=5173898&numeroProcesso=1042075&classeProcesso=ARE&numeroTema=977. Acesso em: 19 maio. 2024.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO BRASIL. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 05 maio. 2024.
CÓDIGO CIVIL. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 05 maio. 2024.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 05 maio. 2024.
LEI Nº 9.296, DE 24 DE JULHO DE 1996. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9296.htm. Acesso em: 05 maio. 2024.
Notas
1 HC 168052; Órgão julgador: Segunda Turma; Relator(a): Min. GILMAR MENDES; Julgamento: 20/10/2020; Publicação: 02/12/2020. Trechos: “Acesso a aparelho celular por policiais sem autorização judicial; Necessidade de autorização judicial. 3. Violação ao domicílio do réu após apreensão ilegal do celular ; Ordem concedida para declarar a ilicitude das provas ilícitas e de todas dela derivadas ”
2 RE 1116949; Órgão julgador: Tribunal Pleno; Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO; Redator(a) do acórdão: Min. EDSON FACHIN; Julgamento: 18/08/2020; Publicação: 02/10/2020. Trechos: “Prova obtida por meio de abertura de encomenda postada nos correios; É possível ao legislador definir as hipóteses fáticas em que a atuação das autoridades públicas não seriam equiparáveis à violação do sigilo a fim de assegurar o funcionamento regular dos correios”.
3 RE 625263; Órgão julgador: Tribunal Pleno; Relator(a): Min. GILMAR MENDES; Redator(a) do acórdão: Min. ALEXANDRE DE MORAES; Julgamento: 17/03/2022; Publicação: 06/06/2022; Trechos: “ A interceptação telefônica [...] dependerá de ordem judicial (cláusula de reserva jurisdicional) e deverá ser expedida pelo juiz competente para a ação principal, em decisão devidamente fundamentada que demonstre a sua conveniência e a indispensabilidade desse meio de prova; O afastamento do sigilo de dados telefônicos somente poderá ser decretado, da mesma maneira que no tocante às comunicações telefônicas, nos termos da Lei n. 9.296/96 e sempre em caráter de absoluta excepcionalidade; A citada lei vedou o afastamento da inviolabilidade constitucional quando não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal ou a prova puder ser feita por outros meios disponíveis; Possibilidade de sucessivas prorrogações da interceptação telefônica, desde que demonstrada a necessidade de renovar a medida e respeitado o limite de 15 (quinze) dias entre cada uma delas, sem que exista violação ao art. 5º, da Lei n. 9.296/96; Diante da demonstração, mínima e razoável não há como declarar a nulidade das decisões que, embora sucintas, estão de acordo com o dever de fundamentação”.
4 ADPF 635 MC-ED; Órgão julgador: Tribunal Pleno; Relator(a): Min. EDSON FACHIN; Julgamento: 03/02/2022; Publicação: 03/06/2022. Trechos: “Transparência e Publicidade Dos Protocolos de Atuação Policial; Instalação de Câmeras e Gps ; Redução da letalidade policial; Os protocolos de atuação policial devem ser públicos e transparentes, porque asseguram a confiabilidade das instituições de aplicação da lei e amparam os agentes de Estado na sua atividade, dando a eles a necessária segurança jurídica de sua atuação; Segundo a maioria do Colegiado, a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados”.