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Responsabilidade civil bancária por subtração de valores e bens custodiados em cofre locado. Princípio da reparação integral

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03/08/2024 às 11:24

Nos contratos de aluguel de cofre, não é abusiva a cláusula que impõe limite aos valores e objetos que podem ser armazenados, sobre os quais incidirá a obrigação de segurança e proteção.

Sumário: 1. Responsabilidade Civil. Conceito e Requisitos/Pressupostos. 2. Serviços Bancários. Sujeição às Normas do Código de Defesa do Consumidor. A ADI 2591. 3. Jurisprudência. 4. Conclusões. 5. Bibliografia


1. Responsabilidade Civil. Conceito e Requisitos/Pressupostos.

A responsabilidade civil é o importantíssimo instituto jurídico multissecular que assegura que toda violação ocorrida na esfera jurídica de outrem deve ser reparada, mediante o pagamento de uma indenização que deve abarcar não apenas o que se perdeu, mas, igualmente, a tudo aquilo que deixou de ser ganho pela parte atingida pelo ato ou omissão ilícito.

A responsabilidade civil decorre historicamente do conhecido preceito de Ulpiano, constante no Digesto: “Iuris praecepta sunt haec: honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere”, que em vernáculo significa: “Os preceitos do direitos são estes: viver honestamente, não lesar a outrem, dar a cada um o que é seu.”

Os denominados princípios da indenização, incolumidade das esferas jurídicas, indenizabilidade de todo dano 1 e reparação integral incidem na hipótese de violação à esfera jurídica de maneira ilícita, o que redunda afirmar que legítima encontra-se a inclusão dos denominados danos materiais, danos morais, danos estéticos e danos hedonísticos, além, é claro, dos lucros cessantes para fins indenizatórios.

Isso acontece porque, decorrido o dano, mostra-se necessária a reparação dos danos causados, o que deverá ocorrer da forma mais completa possível. A isso é chamado princípio da reparação integral, que a pena do Ministro Paulo de Tarso Vieira Sanseverino esclarece ainda mais a questão: “O princípio da reparação integral ou plena, também chamado de equivalência entre o dano e a indenização, como indicado por sua própria denominação, busca colocar o lesado em situação equivalente à que se encontrava antes de ocorrer o ato ilícito, ligando-se diretamente à própria função da responsabilidade civil, que é fazer desaparecerem, na medida do possível, os efeitos do evento danoso”.2

O dever de indenizar das instituições bancárias quanto ao tema vertente encontra lastro nos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil e também no inciso VI, do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor. São componentes imprescindíveis para que nasça o direito à indenizabilidade: (a) ação ou omissão; (b) dano; (c) nexo de causalidade entre a ação e/ou omissão e o dano.

Sem nexo causal não há obrigação de indenizar3.

Ausente o concurso concomitante de tais elementos ou pressupostos, não há que se falar em incidência da responsabilidade civil, ou seja, em obrigação de indenizar.

É um fato socialmente notório e até mesmo intuitivo que quem procura uma instituição bancária para ter assegurado em cofres alugados bens e valores significativos espera, confia4 e tem o desejo de que a instituição bancária adote todas as medidas tendentes a afastar roubos, assaltos ou qualquer outro tipo de ação ou omissão que causem a subtração, violenta ou não, de tais bens.

Nesse viés, o furto ou roubo dos bens entregues em custódia de instituição financeira insere-se no núcleo dos riscos de tal atividade econômica desenvolvida, no caso, a instituição bancária, decorrendo daí a inexorável responsabilidade objetiva, ante a aplicação da teoria do risco empresarial e a incidência dos princípios e regras do Código de Defesa do Consumidor, não podendo ser admitida a configuração de força maior ou caso fortuito, mantendo-se integral e inabalado o nexo de causalidade daí decorrente e que certamente motivou a contratação dos serviços ofertados.

Tendo ocorrido a perda dos bens confiados nos cofres bancários locados, nasce a responsabilidade objetiva5 da instituição bancária. Na lição do magistrado paulista Vilson Rodrigues Alves, "Diversamente das outras duas modalidades, em se tratando de responsabilidade civil objetiva vige o Princípio da Causa, ou da Responsabilidade pelo Simples Fato, Veranlassungsprinzip". 6 E a indenização deve ser completa e integral, tal como dispõem os artigos 944 do Código Civil e inciso VI, do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor, aplicável ao caso, como será analisado mais à frente.

No entendimento de Sérgio Carlos Covello, especificamente sobre a locação de cofres pelas instituições bancárias, assevera que se trata "de um contrato pelo qual o banco põe à disposição do cliente compartimento vazio em sua caixa-forte para que nele o cliente guarde dinheiro, objetos e documentos em geral, mediante certa retribuição pecuniária previamente estipulada. A característica fundamental está em que o banco não recebe materialmente os objetos que o cliente deseja confiar-lhe para guarda, senão que o próprio interessado os introduz na caixa e os retira, por si ou por pessoa autorizada. Este dado tem muitíssima importância para a qualificação jurídica do contrato que, como facilmente se vislumbra, não se equipara ao puro depósito".7

Bruno Miragem ensina que: “outros contratos envolvem o dever principal da instituição financeira de guarda da coisa, seja dinheiro ou objetos diversos — assim os depósitos de dinheiro em conta corrente. A obrigação principal da instituição financeira é a guarda do dinheiro e sua entrega ou restituição nos termos do contrato, seja mediante saque por quem ostente qualidade de credor do cliente (como no caso do sacador do cheque, p. ex.), transferência para outra conta corrente de pessoa indicada pelo cliente, ou meramente sua devolução, quando requerido pelo cliente. O dever principal neste caso — como também na situação de depósito de títulos ou de coisa mediante locação de cofre bancário — é o de guarda da coisa. O que legitimamente pretende o cliente é assegurar-se da posse da coisa pela instituição financeira e sua imediata restituição ou transferência a terceiros quando requerido nos termos do contrato. A causa comum a estes contratos é a custódia de valores e bens dos clientes pela instituição financeira. Não tem conteúdo típico decorrente de ser o banco parte do contrato, porém sua causa é comum, de custódia, o que não significa — gize-se mais uma vez — que esteja excluída da atuação de pessoa que não seja instituição financeira”.8

Para o renomado jurista Nelson Abraão, "Contrato de cofre de segurança ou de cofre-forte, é aquele pelo qual o banco coloca à disposição do utente um compartimento ou cavidade para a guarda de dinheiro, objetos preciosos ou documentos, mediante remuneração. Esse serviço se reveste de dois aspectos fundamentais: 'a vigilância e o segredo’”9.

O civilista Rui Stocco, depois de realizar considerações acerca das antigas dissensões jurisprudenciais e doutrinárias sobre a natureza jurídica (depósito - locação, misto ou sui generis) deste tipo de contrato bancário e segundo o qual se colocam esses cofres à disposição do usuário, afirma ser a teoria do depósito a que mais se coaduna com as características do contrato, afirmando que "essa teoria da guarda da coisa, hoje desenvolvida e pacificada no Brasil, conduz à indenização, enquanto a teoria da locação a repele".10

Como asseverado, é elementar, comezinho mesmo, que aquele quem procura o serviço de guarda de bens e valores em cofre bancário tem por desiderato, com base nas máximas da experiência comum e até mesmo na lógica, conferir maior segurança a objetos de elevado valor econômico, pondo-os, sobretudo, a salvo de furtos e roubos.

Das lições doutrinárias pode-se classificar o contrato de locação de cofre bancário como oneroso, consensual, de trato sucessivo, de garantia/resultado e sinalagmático.

O estudioso Vilson Rodrigues Alves pondera a responsabilidade civil bancária pela perda de coisas, bens ou valores colocados sob a sua custódia ne locação de um cofre --- por causas criminosas ou não, acrescentamo-lo --- "Assumiu a obrigação de assegurar, garantindo idoneidade e custódia do local e integridade do cofre-forte, seja com serviços de vigilância externa do local onde está o cofre-forte, de modo a prevenir impedientemente que outrem o use em vez do usuário, seja com a prestação de prédio a priori apto a esse desiderato" e que o furto ou roubo são fatos sociais "de absoluta previsibilidade e, no que importa à definição dos conceitos, de eficácia lesiva evitável, é porque bem ou mal ou bem se deu ineficiência no serviço, não aproveitando ao estabelecimento comercial nessa hipótese a invocação de força maior”.11

A celebração de contrato12 de locação de cofre tem característica de contrato de resultado: a instituição bancária deve garantir a segurança dos bens e valores que lhes são depositados em segurança. A cobrança do aluguel revela que o cliente bancário confia que os bens e valores depositados estarão garantidos e seguros, possibilitando ao cliente ao acesso imediato a eles.

A locação de cofre forte é uma atividade secundária das instituições bancárias, pois suas principais transações referem-se a abertura, movimentação de contas bancárias, concessão de créditos e cobrança de juros, dentre tantas outras que lhes são peculiares. Isso porque “além das operações bancárias, reconhecidas como atividades negociais com função propriamente creditícia, desenvolve a instituição financeira, igualmente, atividades secundárias, com a finalidade de fidelização ou personalização do atendimento, como a locação de cofres, a disponibilidade e o uso dos talões de cheque, utilidades agregadas ao cartão bancário, ou serviços via internet. Em outros termos: as atividades típicas bancárias, objeto de contratos bancários, têm finalidade creditícia. Os serviços atípicos, de caráter acessório e que visam promover o acréscimo ou viabilizar a realização das operações bancárias, e a continuidade da relação negocial, são serviços bancários propriamente ditos. Integram, todavia, da mesma forma, a noção de relação jurídica bancária”.13

Como regra geral, todo o dano ou supressão de direito14 causado à esfera jurídica de outrem, ainda que decorrente do descumprimento de obrigações e deveres contratuais15, deve ser objeto de indenização. A violação de obrigação contratual de locação de cofre forte não escapa às regras contratuais e normativos legais vigentes.

O nobre civilista alagoano Pontes de Miranda assevera que o “que se há de indenizar é todo o dano. Por "todo o dano" se hão de entender o dano em si e as repercussões do dano na esfera jurídica do ofendido; portanto, tudo que o ofendido sofreu pelo fato que o sistema jurídico liga ao ofensor. Não se distinguem, na determinação do dano, graus de culpa, nem qualidades das causas que concorreram. Em todo caso, sistemas jurídicos conhecem indicações de máximo e atendem, no tocante à indenização do dano não patrimonial, à maior culpa dentre os ofensores. Ao princípio da indenizabilidade de todo o dano junta-se o princípio de limitação da reparação ao dano sofrido. Se esse princípio não existisse, o ofendido estaria satisfeito com a indenização e, injustamente, enriquecido com o valor a mais”.16

A instituição bancária pode limitar contratualmente os efeitos da responsabilidade civil que assumiu, mas não pode negá-la ou esvazia-la completamente, uma vez que foi “o risco que, como agente profissional de segurança, assumiu. E, por isso, garantindo efetivação de obrigação de resultado, há de responder pelo fato lato sensu verificável no futuro, a despeito de toda diligência no presente".17

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Entrementes, acaso tenha sido celebrado contrato de adesão de seguro bancário, a título de condição para a celebração do contrato de locação ou de uso do cofre, inviável será a limitação da cobertura, por revelar tal condição absolutamente abusiva, uma vez que a instituição bancária além de receber pelo risco da locação do cofre praticamente se exonera ou esvazia de forma absoluta a extensão de sua responsabilidade, como fornecedor do serviço, por fortuitos internos, ao limitá-la a valor ínfimo ou insignificante, em montante incompatível com o objeto da contratação. Além disso, a prática de exoneração completa dos riscos decorrentes da locação de cofre bancário viola as políticas públicas de proteção ao consumidor (historicamente vulnerável, como regra geral, sob todos os aspectos), cuja implementação foi determinada pela Constituição Federal como direito fundamental --- artigo 5º, inciso XXXII.18

Revela-se o comportamento acima mencionado em hipótese de manifesto abuso em contrato de adesão. Em tal contexto, mesmo que inaplicáveis as disposições do Código de Defesa do Consumidor, --- o que não é o caso, como será visto --- incidir-se-ia o disposto no artigo 424 do Código Civil Brasileiro, que preceitua: “Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio”.

Deve ser ressaltado que se o conteúdo do cofre locado tiver objetos que impossibilitem o exercício da atividade econômica do cliente bancário ou reduzam sua receita, necessária será a também a condenação da instituição bancária nos denominados lucros cessantes, isto é, deve ser incluída na condenação além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar19. Nesse sentido: “Correspondem os lucros cessantes a tudo aquilo que o lesado razoavelmente deixou de lucrar, ficando condicionado, portanto, a uma probabilidade objetiva resultante do desenvolvimento normal dos acontecimentos. A condenação a esse título pressupõe a existência de previsão objetiva de ganhos na data do adimplemento da obrigação pelo devedor.” STJ, REsp 846.455/MS, Relator: Ministro Sidnei Beneti, DJe 22/4/2009.

A comprovação dos lucros cessantes dar-se-á documentalmente (documentos fiscais, movimentação bancária, comprovantes de mútuos, recibos de aquisição de bens móveis) ou por intermédio de depoimento testemunhal ou pericial, a depender do caso concreto.

Na hipótese de perda de coisa alheia, a indenização devida, quando não exista a própria coisa, estimar-se-á pelo seu preço ordinário e pelo de afeição, consoante estabelece o artigo 952 do Código Civil, que preceitua: ”Havendo usurpação ou esbulho do alheio, além da restituição da coisa, a indenização consistirá em pagar o valor das suas deteriorações e o devido a título de lucros cessantes; faltando a coisa, dever-se-á reembolsar o seu equivalente ao prejudicado. Parágrafo único. Para se restituir o equivalente, quando não exista a própria coisa, estimar-se-á ela pelo seu preço ordinário e pelo de afeição, contanto que este não se avantaje àquele”.

Tal preceito normativo contido no Código Civil pode ser perfeitamente aplicável no âmbito consumerista, como sói acontecer, especialmente em razão do diálogo das fontes.


2. Serviços Bancários. Sujeição às Normas do Código de Defesa do Consumidor. A ADI 2591.

Os serviços bancários inexoravelmente são sujeitos à incidência das normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor e isso é inquestionável, na forma do que restou decidido pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da ADI 2591.

Socorremo-nos mais uma vez das lições doutrinárias de Bruno Miragem, para quem:

“Não se aplica no direito brasileiro, para o efeito de distinguir na atividade de instituição financeira os serviços e operações bancários, como critério para determinação da incidência do CDC apenas ao considerado serviço bancário. Presente na doutrina especializada de direito bancário, a distinção é irrelevante para efeito da caracterização da relação de consumo e do âmbito de incidência do CDC. Em acordo com a técnica bancária, caracterizam operações bancárias todas as atividades negociais bancárias que contenham função creditícia. E, suscitada no âmbito do julgamento da ADIn 2.591/DF, com base em lição doutrinária do direito bancário, não logrou êxito. As operações bancárias, em vista de seu conteúdo econômico, e em especial sua forma de remuneração, a partir do custo de operações ativas e da remuneração, via juros, das operações passivas, seriam nessa visão insuscetíveis de controle pelas normas de proteção ao consumidor. Os serviços bancários, nesse contexto, seriam reduzidos a atividades secundárias, com a finalidade de fidelização ou personalização do atendimento, como locação de cofres, utilidades agregadas ao cartão bancário ou serviços via internet. A interpretação prevalente no direito brasileiro é de unicidade do conceito de serviço bancário como objeto de relação de consumo, abrangendo serviços e operações bancárias nos termos que lhes assenta o direito bancário, de modo que seu "espírito é claramente o de inclusão de todos os serviços remunerados, não importando a espécie".”20

Tal constatação implica a afirmativa de que também em contratos de locação de cofres estarão tais relações jurídicas sujeitas às regras e princípios consumeristas.

Como afirmado, ao apreciar discussão sobre a aplicabilidade do aludido Código de Defesa do Consumidor, o Supremo Tribunal Federal, chamado a se manifestar quando do julgamento da ADI 2591, não deixou a menor dúvida sobre a incidência do diploma consumerista. Veja-se:

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 5º, XXXII, DA CB/88. ART. 170, V, DA CB/88. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SUJEIÇÃO DELAS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, EXCLUÍDAS DE SUA ABRANGÊNCIA A DEFINIÇÃO DO CUSTO DAS OPERAÇÕES ATIVAS E A REMUNERAÇÃO DAS OPERAÇÕES PASSIVAS PRATICADAS NA EXPLORAÇÃO DA INTERMEDIAÇÃO DE DINHEIRO NA ECONOMIA [ART. 3º, § 2º, DO CDC]. MOEDA E TAXA DE JUROS. DEVER-PODER DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. SUJEIÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. 1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor. 2. "Consumidor", para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. 3. O preceito veiculado pelo art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor deve ser interpretado em coerência com a Constituição, o que importa em que o custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras na exploração da intermediação de dinheiro na economia estejam excluídas da sua abrangência. 4. Ao Conselho Monetário Nacional incumbe a fixação, desde a perspectiva macroeconômica, da taxa base de juros praticável no mercado financeiro. 5. O Banco Central do Brasil está vinculado pelo dever-poder de fiscalizar as instituições financeiras, em especial na estipulação contratual das taxas de juros por elas praticadas no desempenho da intermediação de dinheiro na economia. 6. Ação direta julgada improcedente, afastando-se a exegese que submete às normas do Código de Defesa do Consumidor [Lei n. 8.078/90] a definição do custo das operações ativas e da remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras no desempenho da intermediação de dinheiro na economia, sem prejuízo do controle, pelo Banco Central do Brasil, e do controle e revisão, pelo Poder Judiciário, nos termos do disposto no Código Civil, em cada caso, de eventual abusividade, onerosidade excessiva ou outras distorções na composição contratual da taxa de juros. ART. 192, DA CB/88. NORMA-OBJETIVO. EXIGÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR EXCLUSIVAMENTE PARA A REGULAMENTAÇÃO DO SISTEMA FINANCEIRO. 7. O preceito veiculado pelo art. 192. da Constituição do Brasil consubstancia norma-objetivo que estabelece os fins a serem perseguidos pelo sistema financeiro nacional, a promoção do desenvolvimento equilibrado do País e a realização dos interesses da coletividade. 8. A exigência de lei complementar veiculada pelo art. 192. da Constituição abrange exclusivamente a regulamentação da estrutura do sistema financeiro. CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL. ART. 4º, VIII, DA LEI N. 4.595/64. CAPACIDADE NORMATIVA ATINENTE À CONSTITUIÇÃO, FUNCIONAMENTO E FISCALIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. ILEGALIDADE DE RESOLUÇÕES QUE EXCEDEM ESSA MATÉRIA. 9. O Conselho Monetário Nacional é titular de capacidade normativa --- a chamada capacidade normativa de conjuntura --- no exercício da qual lhe incumbe regular, além da constituição e fiscalização, o funcionamento das instituições financeiras, isto é, o desempenho de suas atividades no plano do sistema financeiro. 10. Tudo o quanto exceda esse desempenho não pode ser objeto de regulação por ato normativo produzido pelo Conselho Monetário Nacional. 11. A produção de atos normativos pelo Conselho Monetário Nacional, quando não respeitem ao funcionamento das instituições financeiras, é abusiva, consubstanciando afronta à legalidade.”

STF, Pleno, ADI 2591, Relator: Ministro Carlos Velloso, Relator p/ Acórdão: Ministro Eros Grau, julgado em 7/6/2006, DJ 29/9/2006 - Ementário VOL-02249-02 PP-00142 RTJ VOL-00199-02 PP-00481.

Posteriormente, ao apreciar embargos declaratórios opostos na ADI 2591, o Supremo Tribunal Federal, assim decidiu, sem imprimir quaisquer efeitos modificativos:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. LEGITIMIDADE RECURSAL LIMITADA ÀS PARTES. NÃO CABIMENTO DE RECURSO INTERPOSTO POR AMICI CURIAE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS PELO PROCURADOR GERAL DA REPÚBLICA CONHECIDOS. ALEGAÇÃO DE CONTRADIÇÃO. ALTERAÇÃO DA EMENTA DO JULGADO. RESTRIÇÃO. EMBARGOS PROVIDOS. 1. Embargos de declaração opostos pelo Procurador Geral da República, pelo Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor - BRASILCON e pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - IDEC. As duas últimas são instituições que ingressaram no feito na qualidade de amici curiae. 2. Entidades que participam na qualidade de amicus curiae dos processos objetivos de controle de constitucionalidade, não possuem legitimidade para recorrer, ainda que aportem aos autos informações relevantes ou dados técnicos. Decisões monocráticas no mesmo sentido. 3. Não conhecimento dos embargos de declaração interpostos pelo BRASILCON e pelo IDEC. 4. Embargos opostos pelo Procurador Geral da República. Contradição entre a parte dispositiva da ementa e os votos proferidos, o voto condutor e os demais que compõem o acórdão. 5. Embargos de declaração providos para reduzir o teor da ementa referente ao julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.591, que passa a ter o seguinte conteúdo, dela excluídos enunciados em relação aos quais não há consenso: ART. 3º, § 2º, DO CDC. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 5o, XXXII, DA CB/88. ART. 170, V, DA CB/88. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SUJEIÇÃO DELAS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE. 1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor. 2. "Consumidor", para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. 3. Ação direta julgada improcedente.”

STF, Pleno, ADI 2591 ED, Relator: Ministro Eros Grau, julgado em 14/12/2006, DJ 13/04/2007.

Vencida a premissa quanto à aplicação das disposições e princípios do Código de Defesa do Consumidor nas relações bancárias e em especial no que diz respeito à locação de cofres bancários e dando continuidade à apreciação da temática quanto ao propósito a que nos lançamos, o artigo 14 e o § 2º do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor21 dispõem, respectivamente, que: "O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos" e que considera-se serviço "qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista".

Com toda a clareza possível, a locação de cofres pelas instituições bancárias refere-se a prestação de um serviço ao consumidor, uma vez que quem deposita valores, joias ou bens valiosos num cofre de banco, mediante pagamento pelos serviços de locação prestados, certamente confia que tais bens venham a ser cuidados e estejam fora de qualquer empreita criminosa.

A locação de cofre e a custódia de valores e bens trata iniludivelmente de típica prestação de serviços bancários, com obrigação de resultado, não de meios ou de diligência e da qual a instituição bancária somente se desobriga se demonstrar a ocorrência de força maior ou de caso fortuito e isto porque, na essência, a razão deste tipo de avença, é a oferta de segurança ao cliente-consumidor.

Desta feita, "a despeito da maior ou menor engenhosidade dos delinquentes, descabe a alegação de força maior (ou de caso fortuito), pois a segurança é elemento essencial do contrato de locação de cofres junto a instituições financeiras, estando a responsabilidade fincada na falha do serviço oferecido".22

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Sobre o autor
Horácio Eduardo Gomes Vale

Advogado Público em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VALE, Horácio Eduardo Gomes. Responsabilidade civil bancária por subtração de valores e bens custodiados em cofre locado. Princípio da reparação integral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7703, 3 ago. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/110343. Acesso em: 5 dez. 2024.

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