As corretoras de valores mobiliários, para atuarem na BM&F e na BOVESPA, eram obrigadas a deter títulos patrimoniais das referidas entidades, as quais foram inicialmente constituídas como sociedades civis sem fins lucrativos.
Tais títulos representavam "frações ideais" do patrimônio destas entidades, os quais eram contabilizados na conta de "ativo permanente" das corretoras, ficando sujeitos às atualizações periódicas de acordo com informações fornecidas pela BM&F e pela BOVESPA, com base nas demonstrações financeiras.
Atualizações, estas, impostas pelo Capítulo 1, item 11, subitem 3, parágrafo 3º do Plano Contábil das Instituições Financeiras (COSIF), as quais eram efetuadas tendo como parâmetro a variação do valor do patrimônio líquido das bolsas e contabilizadas como acréscimos ao valor dos citados ativos, em contrapartida à subconta "reserva de atualização dos títulos patrimoniais", dentro da conta de "reserva de capital", que compõe o patrimônio líquido das corretoras.
As citadas atualizações do valor destes títulos patrimoniais (escrituradas na conta de reserva de atualização de títulos patrimoniais), por determinação da portaria nº 785/1977 do Ministério da Fazenda, quando positivas, não compunham o Lucro das corretoras e conseqüentemente não estavam sujeitas à incidência do IRPJ e da CSLL, desde que tais valores não fossem distribuídos.
Em 28/08/2007 foi aprovado o processo chamado de "desmutualização" da Bovespa e, com isso, as corretoras detentoras de títulos patrimoniais da Bovespa transformaram-se em acionistas da Bovespa Holdings S.A.
O mesmo ocorreu em 20/09/2007 com a BM&F, sendo que os títulos desta entidade foram então substituídos pelas ações da BM&F S.A.
Vale apontar que processo de "desmutualização" consistiu em uma cisão parcial das entidades e a conseqüente incorporação pelas novas Sociedades Anônimas e, em conseqüência, as corretoras tiveram seus títulos substituídos pelas ações das duas novas empresas.
O Fisco Federal, então, passou alegar a ocorrência do que está previsto no art. 61 do Código Civil, uma dissolução da associação, com conseqüente ganho de capital da diferença do custo de aquisição e do valor contábil pelo qual foi realizada a capitalização da Bovespa Holdings e da BM&F S.A.
Vale apontar que a chamada "desmutualização" não encontra previsão expressa na legislação civil, razão pela qual a Receita Federal fez a analogia ao artigo 61 do Código Civil.
Este entendimento foi emanado na solução de consulta - decisão nº 10/2007 da Coordenação-Geral do Sistema de Tributação (COSIT), cuja ementa passamos a transcrever:
Solução de Consulta 10/07 – COSIT
Ementa: OPERAÇÃO DE DESMUTUALIZAÇÃO DAS BOLSAS DE VALORES. O instituto da cisão, disciplinado nos arts. 229 e segs. da Lei nº 6.404, de 1976, e no art. 1.122 da Lei nº 10.406, de 2002, só é aplicável às pessoas jurídicas de direito privado constituídas sob a forma de sociedade. Às bolsas de valores constituídas sob a forma de associações se aplica o regime jurídico estatuído nos arts. 53 a 61 da Lei nº 10.406, de 2002 (Código Civil de 2002). O art. 61 da Lei nº 10.406, de 2002, veda a destinação de qualquer parcela do patrimônio das bolsas de valores, constituídas sob a forma de associações, a entes com finalidade lucrativa. As sociedades corretoras devem avaliar as cotas ou frações ideais das bolsas de valores pelo custo de aquisição. O fato de a operação de "desmutualização" de associações não encontrar amparo no ordenamento jurídico não obsta a incidência do imposto de renda sobre a diferença entre o valor nominal das ações (da sociedade) recebidas pelos associados (sociedades corretoras) e o custo de aquisição das cotas ou frações ideais representativo do patrimônio segregado das bolsas de valores.
Portanto, a Receita Federal passou a entender que, em razão da desmutualização, a receita auferida em razão da "diferença entre o valor nominal das ações (da sociedade) recebidas pelos associados (sociedades corretoras) e o custo de aquisição das cotas ou frações ideais representativo do patrimônio segregado das bolsas de valores" está sujeita ao IRPJ e à CSLL.
E ainda, a referida decisão adotou também o entendimento de que a realização deste acréscimo patrimonial ocorrera no exato momento da desmutualização, ou seja, da substituição dos títulos patrimoniais pelas ações.
Assim, as corretoras poderão vir a serem autuadas a recolher aos cofres públicos o IRPJ e a CSLL sobre o valor que estava creditado na conta de Reserva de Atualização dos Títulos Patrimoniais quando da "desmutualização", sendo o fato gerador dos tributos em 28/08/2007 no caso da BOVESPA e 20/09/2007 no da BM&F.
Com tal posição da Receita Federal, o IRPJ e a CSLL que incidiriam sobre tais valores, teriam seus vencimentos em 30/09/2007 no caso da BOVESPA e em 31/10/2007 no caso da BM&F, estando tais valores sujeitos à multa moratória de até 75% e à atualização monetária pela SELIC acumulada.
Porém, entendemos que tal cobrança é indevida, visto que a mera substituição dos títulos patrimoniais por ações não deveria implicar em qualquer impacto tributário, face principalmente à Portaria MF nº 785/77, citada anteriormente.
É que os valores contabilizados como "reserva de atualização de títulos patrimoniais", pela corretoras, não estavam sujeitas ao IRPJ e à CSLL desde que não fossem distribuídos e fossem mantidos em conta de reserva para posterior incorporação do capital social, conforme anteriormente explanado.
Além deste fator, as referidas atualizações tem natureza de mera "equivalência patrimonial", visto que, pelas regras COSIF de contabilização, a reserva seria elevada quando a Bolsa apresentasse resultado positivo e reduzida quando fosse negativo.
E essa forma de avaliação do valor do ativo (que consiste no critério de avaliação do investimento de uma sociedade em outra de acordo com as oscilações do patrimônio da empresa investida) é mesmo previsto no art. 248 da Lei 6.404/76 (Lei das S.A.´s) denominado "método de equivalência patrimonial", que é aplicável nos casos de sociedades controladas e coligadas.
E, de acordo com o artigo 225 do Regulamento do IR e o artigo 32 da Lei 8.981/95, em caso de avaliação por este método, eventual elevação do investimento não acarreta incidência do IRPJ e da CSLL.
Vale apontar que a própria Receita Federal, na decisão de nº 13 de 10/11/1997 da Coordenação-Geral do Sistema de Tributação (COSIT) firmou este entendimento acerca da natureza desta avaliação.
Caso venha-se a entender que tal valoração dos títulos patrimoniais esteja sujeita à incidência do IRPJ e da CSLL, não será a data da "desmutualização", ou seja, da substituição destes pelas ações, o fato gerador dos tributos em questão.
Isto por que, entender-se-ia que a reserva de atualização de títulos patrimoniais representaria acréscimo patrimonial e, conseqüentemente este acréscimo somente poderia vir a ser tributado quando da venda das ações.
É que a "desmutualização" não se trata de uma alienação, implicando na realização destas reservas, mas sim mera substituição de títulos da BM&F e da BOVESPA por ações das novas companhias, e que por tais regras, as corretoras não detêm quaisquer facultatividade de venda ou permuta por outros ativos.
Também é mister salientar que a "desmutualização" não acarreta qualquer ganho por parte das corretoras, visto que inexiste qualquer recebimento em dinheiro, o que representa, quando muito, uma reavaliação patrimonial.
E, nos termos do artigo 4º da Lei 9.959/2000, a reavaliação somente será computada para efeitos de apuração do lucro real quando da efetiva realização do bem reavaliado, portando, quando da sua venda.
Assim, mesmo que venham entender que as atualizações dos títulos patrimoniais, substituídos pelas ações das companhias, estão sujeitas à incidência do IRPJ e da CSLL, esta somente dar-se-á quando da efetiva realização, ou seja, quando da venda das ações.
Este é o nosso entendimento, s.m.j.