Informativo nº 821 STJ: Mudança na Tutela Antecipada em Caráter Antecedente

28/08/2024 às 12:04
Leia nesta página:

Na semana passada, dia 20 de agosto de 2024, o STJ publicou um novo informativo de jurisprudências, de nº 821. Nessa publicação, o Superior Tribunal de Justiça firmou diversas teses jurídicas e julgamentos, sobre temas que apresentaram repercussão ou divergência no âmbito jurídico.

Dentre os diversos julgamentos divulgados, um que merece um lugar de destaque e é o tema desse artigo, é o posicionamento da Quarta Turma no REsp 1.938.654-CE, da Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, em unanimidade, julgado no dia 04 de junho de 2024, sobre Tutela antecipada requerida em caráter antecedente.

Isto posto, primeiro devemos retomar sobre as classificações das tutelas provisórias. Pois bem, elas podem ser dividas em tutelas de evidência, sempre que configurado alguma das hipóteses elencadas no art. 311 do CPC, e tutelas de urgência, conforme art. 300 e seguintes do mesmo código, quando houver probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.

A principal diferença entre os dois institutos é que a tutela de evidência, como o próprio nome traz, já tem seu direito evidente, ou seja, independe da demonstração de perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. Contudo, apesar de exigir menos requisitos depende exclusivamente de uma das quatro hipóteses do art. 311 do CPC, vejamos.

Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:

I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;

II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;

III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;

IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.

Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.

Chamo a atenção especialmente ao parágrafo único deste artigo, que inclui somente os incisos II e III aos pedidos liminares. Em primeiro plano, é válido relembrar que o termo “liminar” se refere aos pronunciamentos feitos pelo juiz antes do contraditório, isto é, até a citação do réu, portanto, ao contrário do que muitos pensam, liminar e tutela não são sinônimos. Em segundo lugar, por motivos óbvios, somente as duas hipóteses (incisos II e III) podem ser concedidas de forma liminar, já que os incisos I e IV ficam condicionados a defesa do réu, ou seja, se houve a apresentação da contestação já não há de se falar em um pedido liminar.

Retomando a temática as tutelas de urgência, elas se classificam em tutelas antecipadas ou cautelares. A diferença entre esses dois grupos é bem simples e está na própria gramática. As tutelas antecipadas são aquelas que buscam a satisfação do autor desde logo, a ponto de que a urgência seja tamanha que não se é possível aguardar a sentença até o fim do processo, e com isso, se espera então, a tutela antecipada o mais breve possível. De outro lado, as tutelas cautelares são aquelas que tem o objetivo de assegurar o direito do autor ao fim do processo.

Dessa maneira, nas palavras de Fredie Didier Jr, imagine que há uma ação cujo objeto é um pedaço de carne. Se o autor requer a carne, desde já, para si, então essa é uma tutela antecipada. Já, se o autor requer que a carne fique na geladeira para que ao final do processo ela ainda esteja conservada, será está uma tutela cautelar, por possui um cunho de preservação do objeto.

Por último, as tutelas de urgência, tanto a antecipada como as cautelares podem ser requeridas de forma incidental ou antecedente. As tutelas de urgência requeridas de forma incidental, são aquelas em que o autor faz todos os seus pedidos em uma única petição inicial. Outrossim, as tutelas de urgência antecedentes serão aquelas em que o autor tem tanta urgência que se quer consegue ter tempo para formular uma petição inicial bem construída e fundamentada, e por isso, ele requer primeiro a tutela de urgência antecedente em uma petição simples e informa ao juiz que futuramente voltará para formular seus outros pedidos e fundamentar sua petição inicial.

Para ilustrar, em um exemplo de tutela antecipada em caráter antecedente, suponha que seu cliente necessite de uma cirurgia urgente no coração e o plano de saúde se recuse a cobrir os custos dessa operação, nesse caso você como advogado deverá ingressar com uma tutela requerendo a cirurgia o mais rápido possível, visto que qualquer atraso poderá custar a vida do autor.

Agora sobre uma tutela cautelar em caráter antecedente, imagine que seu cliente é credor de um título extrajudicial no valor de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) e o devedor que possui somente um único bem, um apartamento, coloca esse imóvel a venda para driblar sua dívida, você como advogado poderá requerer uma tutela para que o apartamento seja penhorado até o final da ação, uma vez que a demora e a venda do imóvel possam causar um grave dano ao resultado útil do processo. Perceba que em ambos os casos, você como procurador, não terá tempo de realizar uma petição inicial extremamente coesa e fundamentada, nem mesmo conseguirá formular todos os pedidos pois qualquer dia de atraso pode custar caro.

Também, é importante pontuar que apesar de ambos os institutos da tutela de urgência serem fungíveis entre si e preverem a possibilidade de requerer seus pedidos de forma antecedente, ainda apresentam prazos e ritos distintos. O rito da tutela antecipada antecedente está previsto dos artigos 303 a 304 do CPC, enquanto o procedimento da tutela cautelar antecedente dos arts. 305 a 310 do CPC.

DO PROCEDIMENTO DA TUTELA ANTECIPADA REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE

Art. 303. Nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo.

§ 1º Concedida a tutela antecipada a que se refere o caput deste artigo:

I - o autor deverá aditar a petição inicial, com a complementação de sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final, em 15 (quinze) dias ou em outro prazo maior que o juiz fixar;

DO PROCEDIMENTO DA TUTELA CAUTELAR REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE

Art. 305. A petição inicial da ação que visa à prestação de tutela cautelar em caráter antecedente indicará a lide e seu fundamento, a exposição sumária do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

Parágrafo único. Caso entenda que o pedido a que se refere o caput tem natureza antecipada, o juiz observará o disposto no art. 303 .

Art. 308. Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias, caso em que será apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, não dependendo do adiantamento de novas custas processuais.

Bom, agora que fizemos uma breve revisão sobre o assunto voltaremos a tratar da nova interpretação do STJ sobre o tópico. Assim sendo, vejamos, o art. 304 do CPC:

Art. 304. A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303 , torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso.

§ 1º No caso previsto no caput, o processo será extinto.

§ 2º Qualquer das partes poderá demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada nos termos do caput.

§ 3º A tutela antecipada conservará seus efeitos enquanto não revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito proferida na ação de que trata o § 2º.

§ 4º Qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos autos em que foi concedida a medida, para instruir a petição inicial da ação a que se refere o § 2º, prevento o juízo em que a tutela antecipada foi concedida.

§ 5º O direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada, previsto no § 2º deste artigo, extingue-se após 2 (dois) anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo, nos termos do § 1º.

§ 6º A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2º deste artigo.

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Como já dito, a tutela antecipada em caráter antecedente já é instruída pelo pedido principal. À vista disso, note no caput do art. 304 do CPC que o legislador prevê a estabilização da sentença caso não seja atacada. Pense da seguinte forma, se o autor já atingiu sua pretensão principal e o réu se quer impugnou essa pretensão, para que postergar essa ação? Por essa razão a decisão que versa sobre a tutela antecipada em caráter antecedente quando não impugnada, se torna estável e é extinguida.

Deste modo, a discussão permeia à medida que o legislador requer que a tutela antecipada em caráter antecedente concedida, seja atacada pelo “respectivo recurso”. Dessarte, quando falamos sobre recursos, temos o agravo de instrumento como o mais adequado para essa ocasião, com base no art. 1015, I do CPC.

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:

I - tutelas provisórias;

Examinando a questão, a doutrina destaca que a expressão pode ser compreendida de duas maneiras: "como recurso stricto sensu (o que significaria, então, afirmar que só não haveria a estabilização da tutela antecipada se o réu interpusesse agravo contra a decisão concessiva da medida de urgência); ou, em um sentido mais amplo, como meio de impugnação (o que englobaria outros remédios sem natureza recursal, como a contestação)".

Nos mesmos moldes, em julgamento, a Quarta Turma do STJ no REsp 1.938.654-CE adotou o mesmo posicionamento da Terceira Turma, com o seguinte fundamento, “a leitura que deve ser feita do dispositivo legal, tomando como base uma interpretação sistemática e teleológica do instituto, é que a estabilização somente ocorrerá se não houver qualquer tipo de impugnação pela parte contrária, sob pena de se estimular a interposição de agravos de instrumento, sobrecarregando desnecessariamente os Tribunais, além do ajuizamento da ação autônoma, prevista no art. 304, § 2º, do CPC/2015, a fim de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada." (REsp n. 1.760.966/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe 7/12/2018).

Portanto, a estabilização da tutela somente acontece se o réu não manifestar qualquer oposição. No caso, muito embora não se tenha interposto recurso contra a decisão concessiva da tutela antecedente, infere-se que se ofertou a contestação, o que afasta a estabilização dos efeitos da tutela. No mesmo julgado, o STJ também fixou que o início do prazo para aditamento à inicial depende de intimação especifica, assim como acontece no art. 321 do CPC.

Acompanhe o informativo no link:

https://processo.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?acao=pesquisar&livre=@cnot

Sobre o autor
Yan Souza Camargo

Pós-graduando em Direito e Processo Civil - Instituto Goiano de Direito; Escritor de artigos e coautor da obra "Direito sem Fronteiras" (Vol. 1, 2024, Ed. Dialética).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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