Com o Novo Código Civil a barriga de “aluguel” pode virar lei

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Resumo: Dentre os anseios das famílias, em especial as finalidades conjugais, os filhos, em regra, são a principal preocupação em um contexto de planejamento familiar e perpetuação da vida. Para casais onde a gravidez não é uma realidade, técnicas advindas da fertilização in vitro são bem-vindas. Nessa esfera, a cessão temporária de útero ou maternidade por substituição, ou a popular barriga de “aluguel” é uma possibilidade viva e praticável. Essa técnica de reprodução humana assistida é tratada pelo Conselho Federal de Medicina, todavia não possui respaldo jurídico, porém, mesmo assim, são casos fáticos que requerem validade legal com o fim de desconstituir a judicialização por desamparo normativo. Isto posto, por meio de uma metodologia de pesquisa bibliográfica, acompanhada do método de abordagem indutiva e procedimento analítico-descritivo, o artigo abordará sobre a cessão temporária uterina e a sua legalização pelo novo código civil, cujo fim está em demonstrar a necessidade e relevância social do feito. Com a previsão legislativa, problemas como: quem tem de fato direito à criança gestada? Quais procedimentos seguir? Quais formalidades são obrigatórias? É possível formalização com o registro civil? Qual documento seria hábil? serão sanados.

Palavras-chave: Barriga de aluguel. Cessão temporária de útero. Fertilização in vitro. Novo código civil. Reprodução humana assistida.

1 Introdução

A técnica de reprodução humana assistida conhecida como barriga de “aluguel” é formalmente nomenclada de cessão temporária de útero ou maternidade por substituição, originada mediante a evolução social e desejos pessoais das famílias.

Inicialmente tratado como um problema da mulher, hoje é considerado um fator de saúde que pode afetar o gênero feminino e masculino. A esterilidade, infertilidade e demais dificuldades de procriar são uma preocupação de teor social, no entanto, com exigências regulamentares.

A entidade do matrimônio considera os filhos como a própria perpetuação, o que leva os casais com dificuldades gravídicas a procurarem solução, como as técnicas de reprodução humana.

A medicina coleciona avanços referentes às técnicas de reprodução assistida, inclusive da cessão temporária de útero, vista como esperança e última tentativa para a realização de um sonho.

Embora seja uma técnica viável e prevista por resolução do Conselho Federal de Medicina, ela não encontra respaldo no ordenamento jurídico, o qual não acompanhou de forma eficaz a evolução da biomedicina.

Neste contexto, a resolução do Conselho Federal de Medicina que abrange a técnica tem apenas eficácia de cunho ético e moral, trazendo a necessidade de normatização legislativa para garantir a segurança jurídica para aqueles que escolhem essa forma de concepção.

Destarte, o presente artigo demonstrará, após um breve contexto sobre o surgimento da maternidade por substituição, a relevância social da técnica reprodutiva no ordenamento jurídico, evitando conflitos desnecessários com a regulamentação de como deve ser feito todo o procedimento.

Tratará dos dispostos na resolução do Conselho Federal de Medicina, no projeto de lei 115 de 2015 e no anteprojeto para o novo código civil, os quais elencam regras para a reprodução humana. Assim será, para melhor entendimento sobre a funcionalidade dos métodos de concepção, em especial, da cessão temporária uterina.

Por fim, abordará sobre a adoção ou não da técnica popularmente conhecida como barriga de “aluguel”. Elencará, ainda, as possibilidades jurídicas da mesma e a sua indispensável regulamentação.

Para tanto, conta com uma metodologia de pesquisa bibliográfica, acompanhada do método de abordagem indutiva e do procedimento analítico-descritivo.

2 O surgimento da maternidade por substituição

O surgimento da maternidade por substituição, assim como toda escolha humana, adveio da vontade subjetiva de uma relação pessoal dos indivíduos, que, ao longo de certo período, adquire viabilidade mediante a necessidade social.

Desde sempre, a humanidade busca a concretização de suas vontades e de maneiras de torná-las reais. Com a maternidade e paternidade não é diferente, já que um dos anseios humanos é a realização familiar, o que pode abarcar filhos, quando assim desejam.

Falando em prole, a datar dos tempos mais remotos, em regra, a criança é o cerne do instituto família, partindo de uma organização familiar, isso se ocasiona devido à percepção que o ser tem em enxergar os filhos como a perpetuação da própria vida.

Para um perfeito planejamento familiar, imagina-se a dádiva de uma mulher fecunda, iniciando um ciclo de descendentes como continuidade ao bem maior, quer seja, a vida, portanto, há amparo Constitucional para sua devida proteção e seguimento.

Contudo, a chance de gerar vida não é a realidade de todas as mulheres, e nem sempre isso significa uma problemática do sexo feminino, já que atinge homens e mulheres.

Por algum motivo, como a falta de compreensão, a infertilidade ou dificuldade do casal, ou de um deles, desencadeia frustrações no matrimônio, trazendo prejuízos à vida conjugal, privando-os de conceder a prole.

Nesse cenário, como a degradação familiar é uma preocupação social, o Estado visa apoiar a evolução de técnicas medicinais que atendam à construção das famílias, e como de praxe, a biomedicina tende a significativos avanços, inclusive, reprodutivos.

Todavia, na esteira do que vem sendo defendido pelo próprio Conselho Federal de Medicina, “a infertilidade humana é um problema de saúde e é legítimo o anseio de superá-la” (Conselho Federal de Medicina, 2015).

Como problema de saúde que é, técnicas de reprodução assistida se originaram, dentre elas, a RHA (reprodução humana assistida). Ela busca viabilizar, por meio de um conjunto de técnicas realizadas por médicos especializados, a gestação de uma mulher com dificuldades de engravidar.

Apesar disso, as formas de reprodução humana assistida nem sempre são o suficiente, é uma tentativa e não uma garantia, sendo essa, para muitos, considerada pouco. Dessa maneira, a medicina avança um pouco mais e origina mais uma técnica de RHA, a maternidade por substituição, que consiste em um “processo mediante o qual uma mulher gesta embriões não relacionados geneticamente com ela, gerados através de técnicas de fecundação in vitro, com gametas de um casal que serão os pais biológicos (...)” (FINI; DA MOTA; 2003, p. 147). Ou seja, é um empréstimo voluntário do útero de uma terceira, meramente solidária, para gerar um filho de determinado casal.

A prática da barriga de “aluguel” é ancestral, podendo ser constatada em algumas passagens da bíblia, onde a esposa de Abraão, Sarai, possuindo dificuldades de engravidar, realiza o sonho da maternidade através de sua criada egípcia, Agar.

Logo, por vontade própria, a maternidade por substituição é uma esperança para a realização do sonho maternal e paternal, e uma alternativa viável para a constituição da família, para além dos cônjuges.

Hoje, a maternidade por substituição é realizada por técnicas de reprodução, não se comparando à passagem bíblica, a qual foi citada apenas como uma prática de realização pessoal, que precisa ser legislativamente sanada.

Ante o aludido, atualmente, há a cessão temporária do útero. Saliente-se, porém, a falta de previsão normativa sobre o procedimento. Apesar de ser destacada pelo Conselho Federal de Medicina, tem força apenas ética e não legislativa, o que gera uma relevante insegurança jurídica a quem opta por esse meio de reprodução.

Nesse feito, é imperioso a normatização jurídica a respeito da maternidade por substituição, fazendo com que o biodireito avance consoante a biomedicina.

3 Viabilidade das técnicas de reprodução

No tangente às técnicas de reprodução humana, viu-se que as dificuldades de procriação foram um dos aspectos que estimulou o desenvolvimento da biomedicina, com a nobre intenção de concretizar a realização das famílias, frente ao sonho de se tornarem pais.

A infertilidade, esterilidade ou qualquer outra dificuldade para a perpetuação da vida são motivos mais que suficientes para a medicina ter caminhado e continuar caminhando frente aos desejos pessoais, que acabam gerando, também, um interesse social, pois se relaciona com a saúde.

Considerados pelo Conselho Federal de Medicina como problemas relacionados a saúde, a necessidade de amparar essas pessoas é um dever do Estado, a modo que, se é possível realizar o sonho de procriar sem prejudicar terceiros e colocar em risco a saúde dos participantes, não há fundamento quanto à negação de meios que o realize.

Nesse sentido, alguns países já pacificaram a matéria, e a proporção de pessoas nascidas perfeitamente saudáveis em todos os sentidos, até mesmo psicologicamente, vem crescendo a cada passo tomado pela medicina.

Como citado em tópico anterior, a cessão temporária de útero não possui previsão normativa, apesar de ser evidenciada pelo Conselho Federal de Medicina. Por inexistência de amparo legal, o Conselho Federal de Medicina, trata das técnicas de reprodução, contudo, é abarcada apenas de força ética.

De forma lenta, as questões jurídicas sobre o procedimento em análise, carecendo de amparo jurídico, são foco do projeto de lei 115 de 2015, visando regular as questões civis da reprodução humana assistida.

Para compreensão, o projeto propõe regras para a reprodução assistida, de maneira a regulamentar a utilização da técnica de reprodução humana, tal como os efeitos originados por ela no âmbito jurídico, em especial, nas relações cíveis.

Com fulcro no artigo 2º do PL, a reprodução humana assistida é “aquela que decorre do emprego de técnicas médicas cientificamente aceitas de modo a interferir diretamente no ato reprodutivo, viabilizando a fecundação e a gravidez” (BRASIL, 2015).

Nessa finalidade, o projeto elencou, em seu artigo 3°, as técnicas cientificamente creditadas para a concepção:

Art. 3º As técnicas de Reprodução Humana Assistida que apresentam a acreditação científica relacionada no artigo anterior são:

I – Inseminação Artificial;

II – Fertilização in vitro;

III – Injeção Intracitoplasmática de Espermatozoide;

IV – Transferência de embriões, gametas ou zigotos; (BRASIL, 2015).

Em sapiência, a Inseminação Artificial (IIU) é um procedimento simples, podendo ser realizado até mesmo em um consultório médico, e consiste no depósito de sêmen na cavidade uterina. A Fertilização in vitro (FIV) demanda uma técnica onde os materiais genéticos são mantidos em ambientes laboratoriais, objetivando pré-embriões, onde os mesmos serão traslados ao útero, aumentando a taxa de sucesso. A Injeção Intracitoplasmática de Espermatozoide (ICSI) é a injetação de espermas diretamente dentro do óvulo, efetivada em laboratório. A transferência de Embriões, Gametas ou Zigotos (ZIFT e GIFT) procura aumentar o sucesso da nidação.

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As técnicas podem ser homólogas ou heterólogas, a depender de quem sejam os materiais genéticos cedidos. Homóloga se material genético (espermatozoide e óvulo) dos próprios genitores, heteróloga se material genético de terceiros (espermatozoide ou óvulo, ou ambos).

O projeto de lei aclara que “as técnicas de Reprodução Humana têm caráter subsidiário e serão utilizadas apenas em caso de diagnóstico médico indicando o tratamento a fim de remediar a infertilidade ou esterilidade” (BRASIL, 2015).

Acrescenta-se ainda que “as técnicas médicas de tratamento reprodutivo também poderão ser aplicadas para evitar a transmissão à criança de doença considerada grave” (BRASIL, 2015).

Segundo o projeto, a aplicação das técnicas instituídas para a reprodução humana deve seguir diretrizes, dentre elas, cumprir princípios básicos, como a dignidade da pessoa humana, boa-fé objetiva, respeito à vida, paternidade responsável, entre outros.

Regula ainda sobre a matéria de interesse da presente baila, a cessão temporária do útero. Sobre esta, prevê a permissão “(...) para casos em que a indicação médica identifique qualquer fator de saúde que impeça ou contraindique a gestação por um dos cônjuges, companheiros ou pessoa que se submete ao tratamento” (BRASIL, 2015).

Para o feito, deixa claro a não onerosidade, ao expressar que “a cessão temporária de útero não poderá implicar em nenhuma retribuição econômica à mulher que cede seu útero à gestação” (BRASIL, 2015).

No capítulo V, o artigo 24 pretende a homologação judicial do feito antes mesmo da iniciativa do procedimento, sob pena de nulidade. Caso contrário, a mulher geratriz assumirá toda a responsabilidade sobre a criança, inclusive, pelas vias legais. Veja:

Art. 26. Para que seja lavrado o assento de nascimento da criança nascida em gestação de substituição, será levado ao Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais o pacto de substituição homologado, juntamente com a comprovação do nascimento emitida pelo hospital, declaração do médico responsável pelo tratamento descrevendo a técnica empregada e o termo de consentimento médico informado (BRASIL, 2015).

Em que pese a cessionária, haverá de ter ligação familiar, evidenciada pelo grau de parentesco. O artigo 23 perspira que “a cessionária deverá pertencer à família dos cônjuges ou companheiros, em um parentesco até 2º grau” (BRASIL, 2015).

3.1 Possibilidade da barriga de “aluguel”

Inicialmente, com base no Conselho Federal de Medicina, frisa-se que a cessão temporária do útero/barriga de “aluguel” é realizada por fertilização in vitro, um procedimento pelo qual há a junção do óvulo com o espermatozoide, fora do corpo da mulher. Desta forma, é possível que o espermatozoide, após incubado e receber um certo quantitativo de temperatura, já forme um embrião, que será trasladado ao útero da pessoa que espera pela técnica gestacional.

Esse tipo de inseminação pode ser tanto homóloga como heteróloga. Recordando, será homóloga quando da junção de gametas do próprio casal, e heteróloga quando de doadores anônimos, pelo qual não é possível determinar de onde veio o laço biológico.

Observando as informações, identificável, por um raciocínio lógico, que para a realização da cessão temporária de útero, a inseminação deverá ser homóloga, quando preferirem, geneticamente, filho do casal doador. Em caso de doadores heterólogos, o casal terá apenas um vínculo socioafetivo, excluindo o vínculo consanguíneo. Portanto, as duas formas são plenamente possíveis e aceitas.

O que precisa estar esclarecido é que em momento algum deve ser utilizado o material genético da receptora, ou seja, da mulher que aceita de forma solidária receber o material implantacional para a gestação. Essa informação é prestada pelo regulamento do Conselho Federal de Medicina, justamente para buscar uma forma de proteger a relação entre os participantes, uma vez que há uma ampla insegurança jurídica provocada pela falta de regulamentação legislativa.

Nota-se que a receptora deve aceitar, de forma solidária, para participar dessa realização pessoal dos companheiros afins da prole pela maternidade por substituição. Isso significa que não pode haver lucratividade, ao contrário, estaria frente à comercialização da vida, proibida pelo ordenamento jurídico.

A Maternidade em si, em primeiro momento, considera-se mãe aquela que gerou o filho dentro de seu próprio útero, sentindo a criança se desenvolver, juntamente com todos os sintomas, tanto positivos quanto negativos, trazidos pela gestação.

Para Sílvio de Salvo Venosa, “quanto à maternidade, deve ser considerada mãe aquela que teve o óvulo fecundado, não se admitindo outra solução, uma vez que o estado de família é irrenunciável e não admite transação (...)” (VENOSA, 2007, p. 224).

Entretanto, a maternidade por substituição vai contra o conceito de ser a mãe apenas quem gera a criança. Tempos atrás, acredita-se que tanto mãe quanto pai, é quem cria e tenta garantir melhores condições de vida, exemplo disso, é a doação, caso contrário, ela não seria possível.

Mesmo assim, diversas são as discussões sobre o assunto, apontando o desrespeito com a dignidade da pessoa humana, vida humana, serenidade familiar, com a justificativa de coisificação do homem.

Partindo do macro princípio, a dignidade da pessoa humana é um direito intrínseco a todos e acompanha cada pessoa desde a sua concepção, devendo ser respeitado devido à sua base mínima de convivência humana. Sendo assim, ele é considerado o princípio mais universal de todos, irradiando dele os demais princípios constitucionais.

O que foi citado não pode ser negado, haja vista que a dignidade humana é a essencialidade do homem. Contudo, não cabe em hipótese nenhuma desrespeitá-lo, ferindo, consequentemente, a Carta Magna.

Além disso, com o advento do estado democrático de direito, os princípios foram ganhando forças e repercussão, principalmente o princípio da dignidade da pessoa humana, se tornando, no entanto, referência para as interpretações e aplicações das normas jurídicas, seja nas relações sociais, morais ou pessoais.

Veemente, como bem cita Alexandre Moraes,

a dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se de um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos (MORAES, 2002, p.128/129).

Em vista disso, sendo a dignidade da pessoa humana, intrinsecamente pertencente a cada ser vivo, em seu valor espiritual e moral, manifestado pela autodeterminação consciente, a maternidade por substituição não estaria ferindo o princípio abarcado, pois em nada prejudicaria a criança, espiritual e moralmente, desde que, se tenha o devido tratamento jurídico sobre os meios de reprodução humana assistida.

Em relação à geratriz, aquela que gerará o bebê, não se encontra obrigada a participar do método de concepção, assim o faz, por solidariedade. Por regra, a geratriz tem um grau de parentesco com a família cessante, o que facilita o acompanhamento da gravidez.

Se deve ter em mente que a falta de previsão jurídica não impede a realização ilícita do procedimento, não o impedindo de ser judicialmente discutido no futuro. Com isso, é inevitável que a lacuna legislativa gere conflitos jurídicos.

Nessa perspectiva, nos alegares de Maria Helena Diniz,

diversas são as complicações que surgem quanto às possibilidades de gestação, seja com relação à verdadeira maternidade/paternidade, seja de natureza patrimonial, inclusive situações prejudiciais à própria criança, de modo que são necessárias normas que regulamentam os casos em que os bebês não são, geneticamente, filhos do casal que quis seu nascimento (DINIZ, 2012, p. 488/504).

Nesse percurso, com a possibilidade e viabilidade da barriga de “aluguel”, chegasse ao ponto em que a melhor solução é a regulamentação da cessão temporária do útero, demonstrando a melhor forma de seguir o procedimento, tanto em seu estágio inicial, quanto após, afastando a má-fé ou qualquer conflito de filiação, ou problema futuro para com a geratriz.

Tem-se por essencial e de máxima importância a efetivação do procedimento das técnicas de reprodução humana pelo ordenamento jurídico, alcançando os passos medicinais e evitando lides futuras por falta de lacuna legislativa de procedimentos práticos.

4 Anteprojeto de lei para revisão e atualização do código civil

De acordo com o parecer da comissão de juristas responsável pela revisão e atualização da lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, e da legislação correlata, o objetivo principal do anteprojeto é versar as questões contemporâneas não promulgadas pelo atual código civil.

Nota-se que a ideia de atualização está para o atendimento das inovações originadas no decorrer dos mais de vinte anos do código civil de 2002, de modo a inserir dispositivos mais adequados aos casos fáticos, como a cessão temporária de útero, que até então não encontra respaldo jurídico.

Em justificação, a subcomissão responsável, especificamente relacionada à parte geral da lei, corrobora com o fato do direito privado ser “(...) guiado pela Constituição e pelos direitos humanos, que têm aplicação imediata a todas as relações. A constitucionalização do direito civil, cada vez mais estruturada pela doutrina e jurisprudência, não é necessariamente acompanhada pelo ordenamento civil” (BRASIL, 2024).

Apropriadamente, exterioriza os passos lentos do ordenamento civil frente à veracidade social, o que não é permissível já que guiado por princípios e direitos basilares em prol do cidadão e de seus direitos humanos, consubstanciado em importantes dispositivos, especialmente, na mantedora das demais normas, a Constituição da República Federativa.

No âmbito de Direito de Família, a intenção é relativa à desburocratização da vida dos brasileiros, logo, havendo como destinatária a sociedade brasileira, os quais julgam clamar “(...) por uma indispensável - e já tardia - atualização das normas de Direitos de Família” (BRASIL, 2024).

A subcomissão de Direito de Família informa que,

o trabalho foi resultado das pesquisas feitas pelos membros da Comissão perante a sociedade civil, a comunidade jurídica, a jurisprudência, os enunciados das Jornadas promovidas pelo Conselho da Justiça Federal e as experiências legislativas de outros países, tudo com a preocupação de atualizar o Código Civil brasileiro às transformações sociais recentes (BRASIL, 2024).

Evidente, mais uma vez, que as mudanças foram baseadas nas transformações da sociedade, justificativa plausível para cada parte do código civil. Embora algumas mudanças sejam negativas, o que não é um assunto do texto, a legalização da maternidade por substituição, interligada ao Direito de Família, é um passo importante.

4.1 A legalização da barriga de “aluguel” pelo novo código civil

Para atender à significativa da reprodução humana assistida, a técnica contar somente com o valor ético do Conselho Federal de Medicina não é o suficiente. Mesmo que o Conselho já estabeleça alguns requisitos básicos, como idade, forma procedimental, gratuidade, entre outros, as formalidades para valor legal são inexistentes.

Não deixando a técnica de ser realizada devido ao vácuo jurídico, a utilização da má-fé, por tal lacuna, é cada vez mais propicia por parte da cessionária, um exemplo, seria o afastamento por longo período, o que pode acarretar um vínculo afetivo entre a cessionária e a criança, obstando o cumprimento pós-procedimento, mesmo havendo vínculo sanguíneo com os autores da cessão temporária de útero, como a inseminação homóloga.

Embora o fator de consanguinidade seja de relevância, o que tende a prevalecer é o melhor interesse da criança, que, pela afetividade, beneficiaria, conjuntamente, a “mãe” substituta.

Nesse percurso, parece melhor a decisão de regulamentação da maternidade por substituição, demonstrando, legalmente, a melhor forma de prosseguir o procedimento, antes, durante e após.

Pela via legislativa, é possível garantir a guarda do recém-nascido aos autores da implantação, com a simples formalização de documento hábil levado a registro civil, rechaçando conflito judicial nesse sentido.

Grosso modo, a existência da norma reguladora é medida inescusável para estabelecer diretrizes para quem opta realizar o sonho maternal e paternal pela cessão temporária uterina. Tal escolha, como bem diz, é uma escolha, no entanto, subjetiva, assim como quem decide por outras vias, como a adoção. Uma escolha que também precisa de segurança, não somente procedimental, mas também jurídica.

Neste itinerário, depois de uma longa espera, entre as inovações do código civil, este tem por finalidade sanar a omissão em comento. Dentre tantas catástrofes tragas no anteprojeto que busca atualizar o código, ao menos a regulamentação da cessão temporária de útero soa como um acerto.

Em primeiro momento, dentro do capítulo II, denominado “Das Pessoas na Família”, a cessão temporária de útero passaria a ter reconhecimento legal, ao considerar o nascimento por cessão uma vinculação de parentesco natural.

Em seção específica, a saber, seção III, titulada “Da Cessão Temporária de Útero”, a técnica reprodutiva ganharia tratamento próprio, sendo permitida pela ineficácia natural gravídica ou contraindicação médica.

Ao objetivar a regulamentação da maternidade por substituição, o “novo código civil” deixa de legislar sobre diversos pontos essenciais, mas permanecem algumas questões abordadas na baila.

A não lucratividade com o feito é abordada no anteprojeto, assim como a preferência da linha de parentesco, o que chamam de projeto parental. Em reforma, quanto às formalidades, a cessão temporária de útero haveria de ser documentada, em modalidade escrita, em documento público ou particular, antes mesmo do procedimento implantacional.

Como prevenção às lides, sobre principalmente a maternidade, o documento atribui o vínculo de filiação como um ato obrigatório. Segundo o anteprojeto, “(...) o registro de nascimento da criança nascida em gestação de substituição será levado a efeito em nome dos autores do projeto parental, assim reconhecidos pelo oficial do Registro Civil” (BRASIL, 2024).

Ainda, o código civil passaria a prever a DNV, o que os legisladores entendem como Declaração de Nascido Vivo, como um dos documentos hábeis ao registro civil. Além deste, o termo de consentimento firmado na clínica responsável pela implantação.

Quanto ao termo de consentimento informado, “(...) a assinatura será precedida de todas as informações necessárias para propiciar o esclarecimento indispensável de modo a garantir a liberdade de escolha e adesão ao tratamento e às técnicas indicadas” (BRASIL, 2024).

Em relação às “(...) informações quanto aos riscos conhecidos do procedimento escolhido serão fornecidas por escrito, juntamente com implicações suas éticas, sociais e jurídicas” (BRASIL, 2024).

Para mais,

(...) no termo de consentimento deve, ainda, constar o destino a ser dado ao material genético criopreservado em caso de rompimento da sociedade conjugal ou convivencial, de doença grave ou de falecimento de um ou de ambos os autores do projeto parental, bem como em caso de desistência do tratamento proposto (BRASIL, 2024).

Nesse caso, “os embriões criopreservados poderão ser destinados à pesquisa ou entregues para outras pessoas que busquem tratamento e precisem de material genético de terceiros; e não poderão ser descartados” (BRASIL, 2024).

Preservando o casamento e a união estável,

(....) no termo de consentimento informado, se os pacientes forem casados ou viverem em união estável, é necessária a manifestação do cônjuge ou convivente, concordando expressamente com o procedimento indicado e com o uso ou não de material genético de doador (BRASIL, 2024).

Enaltecendo a filiação socioafetiva, “(...) em caso de vício de consentimento quanto ao uso de qualquer uma das técnicas de reprodução assistida heteróloga, será admitida ação negatória de parentalidade, mas subsistirá a relação parental se comprovada a socioafetividade” (BRASIL, 2024).

Vale acentuar que o ordenamento jurídico condena a utilização das técnicas de reprodução como meio cujo fim é a criação de embriões geneticamente modificados, escolha de sexo, raça e investigação científica de modo a coisificar.

Foi destacada em momento oportuno a gratuidade do feito, o qual deve ser prestado de forma solidária pela cessionária, desacolhendo a comercialização. Portanto, a denominação barriga de aluguel não é a mais conveniente, por isso, a palavra aluguel esteve sempre entre aspas no decorrer do trabalho.

Nesses termos, a nomenclatura mais apresentável está para barriga solidária, já que aluguel pressupõe pagamento. Falando em barriga solidária, como visto, a lei predispõe preferência a uma cessionária parental, mas não é uma obrigação, diferentemente do recomendado pelo Conselho Federal de Medicina.

Pelo expresso no contexto do artigo, através das possibilidades jurídicas da barriga solidária, mais cedo ou mais tarde os tribunais enfrentarão, cada vez em maior número, os conflitos gerados pela falta de regras legais para a realização da técnica. Pautando meramente na analogia, nos costumes e princípios norteadores do Direito, a falta de previsão legal é capaz de ferir a razoabilidade do processo, tornando a previsão normativa uma medida indispensável.

Com o fulcro jurídico, de jeito a manejar os rumos da barriga solidária, como o que se pode ou não fazer, é um passo para maior confiança e garantia ao fim do procedimento. Mesmo que não restaram claras outras questões importantes, como sanções administrativas e penais, a simples regularização dos atos civis, dentre estes, a filiação da criança nascida, afasta a maior preocupação judicial da prática, que é justamente a judicialização de casos de maternidade por substituição. Em arremate, ao menos nessa questão, frisa-se a oportuna marcha dos legisladores.

5 Conclusão

O presente trabalho buscou elencar informações em relação à técnica de cessão temporária de útero, também denominada como maternidade por substituição ou, popularmente, a chamada barriga de “aluguel”.

Para relatar o desenvolvimento da técnica e a sua necessidade humana, o artigo contou com um simplório contexto do que levou ao surgimento das técnicas de concepção.

A saber, a cessão temporária uterina, embora haja sua previsão ética por resolução do Conselho Federal de Medicina, ainda não há força de lei, assim, o artigo abordou especificamente sobre a cessão temporária de útero no ordenamento jurídico, como forma de demonstrar a essencialidade de sua normatização.

Considerando a falta de norma regulamentadora da barriga solidária e a expectativa de previsão legal com o advento do novo código civil de 2024, falar sobre o anteprojeto, cuja finalidade está na atualização da lei conforme a realidade social, foi imprescindível.

A legalização da maternidade por substituição é um evento necessário para o direito de família e para as famílias, de modo a oportunizar a perpetuação da vida e a continuação da linha descendente.

Com o reconhecimento jurídico, os casos de cessão temporária de útero deixam de pautar meramente na analogia, nos costumes e princípios norteadores do direito, de jeito que esses tendem a complementar.

Em síntese, a destacar, a simples regularização dos atos civis, dentre estes, a filiação da criança nascida, afasta a maior preocupação judicial da prática, que é justamente a judicialização de casos de maternidade por substituição.

6 Referências Bibliográficas

BRASIL. Projeto Lei 115 de 2015. Institui o Estatuto da Reprodução Assistida, para regular a aplicação e utilização das técnicas de reprodução humana assistida e seus efeitos no âmbito das relações civis sociais.

BRASIL. Senado Federal. Parecer nº 1, de 2024. Da comissão de juristas responsável pela revisão e atualização do código civil, sobre o Ato do Presidente do Senado Federal nº 11, de 2023, que Institui Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do código civil. Presidente Luis Felipe Salomão. Disponível em: <https://legis.senado.leg.br/comissoes/txtmat?codmat=159721>. Acesso em: 28 ago. 2024.

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução CFM n. 2.121/2015. Adota as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida – sempre em defesa do aperfeiçoamento das práticas e da observância aos princípios éticos e bioéticos que ajudarão a trazer a maior segurança e eficácia a tratamentos e procedimentos médicos – tornando-se o dispositivo deontológico a ser seguido pelos médicos brasileiros e revogando a Resolução CFM nº 2.013/2013, publicada no D.O.U. de 9 de maio de 2013, Seção I, p. 119. Disponível em: < http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2015/2121_2015.pdf>. Acesso em: 17 out. 17.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, volume 5. Direito de Família. 27ª Ed. São Paulo. Saraiva, 2012.

FINI, Paulo; DA MOTA, Eduardo Leme Alves. Útero de Substituição. In: SCHEFFER, Brum Bruno et alli. Reprodução Humana Assistida. São Paulo: Atheneu, 2003.

MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2002.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direito de família, 2007. São Paulo: Atlas, 7ª edição.

Sobre os autores
Aluer Baptista Freire Júnior

Pós-Doutor em Direito Privado-PUC-MG.Doutor em Direito Privado e Mestre em Direito Privado pela PUC-Minas. MBA em Direito Empresarial, Pós Graduado em Direito Público, Penal/Processo Penal, Direito Privado e Processo Civil. Professor de Graduação e Pós Graduação. Coordenador do Curso de Direito da Fadileste. Editor-Chefe da Revista REMAS - Faculdade do Futuro. Advogado. Autor de Livros e artigos.

Lorrainne Andrade Batista

Especialista em Direito de Família e Sucessões; Direito do Trabalho e Processo do Trabalho; Autora de Artigos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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