4. AVANÇOS LEGISLATIVOS
A Comissão de Juristas encarregada de reformular o Código Civil de 2002, propôs em seu relatório final, a inclusão do inciso X ao artigo 1.634 do CC, que trata da autoridade parental O objetivo é fortalecer e reiterar o poder-dever dos pais de proteger os filhos contra a superexposição em fotos, vídeos e na divulgação de informações pessoais nas redes sociais, visando a salvaguarda do melhor interesse da criança e do adolescente.
Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a situação conjugal: X - evitar a exposição de fotos, vídeos ou informações nas redes sociais que possam comprometer a imagem, segurança, intimidade e vida privada dos filhos.31
Adicionalmente, no contexto do Direito Civil Digital, foi introduzido o direito à desindexação, assegurando aos indivíduos o direito de solicitar a remoção de links em mecanismos de busca que levem a informações pessoais inadequadas, desatualizadas, irrelevantes, abusivas ou excessivamente prejudiciais. Esse direito visa proteger a privacidade, a reputação e os dados pessoais das pessoas na internet, o que pode caracterizar um verdadeiro efeito backlash, que, em sua concepção atual, consiste em uma reversão legislativa do papel desempenhado pelas Cortes, principalmente em temas delicados como o direito ao esquecimento, julgado no tema 786 pelo STF.32
No âmbito legislativo, ainda, o Projeto de Lei n.º 3919/2023, conhecido como Lei Larissa Manoela, assume grande relevância ao regulamentar a gestão do patrimônio de menores envolvidos em atividades artísticas. O projeto estabelece a necessidade de autorização judicial para menores de 16 anos participarem de trabalhos artísticos, após consulta ao Ministério Público. Além disso, reforça a responsabilidade do gestor do patrimônio, priorizando sempre o melhor interesse do menor, conforme os seguintes dispositivos:
Art. 7º O gestor que, por culpa ou dolo, praticar atos que prejudiquem o patrimônio do menor será responsável por reparar integralmente os danos causados.
Art. 8º O gestor que se apropriar, desviar ou utilizar indevidamente o patrimônio para fins diferentes da sustentação e manutenção do menor responderá pelo crime previsto no art. 168, § 1º, II, do Código Penal.33
No cenário internacional, a superexposição de menores tem sido amplamente discutida e regulamentada em legislações como a Lei nº 2024-120 da França, que visa proteger os direitos de imagem das crianças. O artigo 373-2-6 do Código Civil Francês, por exemplo, permite ao juiz proibir um dos pais de divulgar conteúdo relacionado à criança sem a autorização do outro em caso de discordância sobre o direito à imagem do filho.34
Em síntese, tanto o ordenamento jurídico brasileiro quanto o internacional estão se adaptando às novas realidades digitais para garantir a proteção dos direitos das crianças e adolescentes, especialmente no que se refere à sua imagem e privacidade, já que essas medidas são cruciais para promover um ambiente online mais seguro e respeitoso, prevenindo abusos e priorizando sempre o interesse superior da criança.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das discussões abordadas ao longo deste artigo, o fenômeno do sharenting, especialmente o oversharenting, destaca-se como um desafio contemporâneo significativo na era digital, em razão da prevalência das redes sociais e a crescente integração da tecnologia em nossas vidas, a linha entre a vida pública e privada tornou-se cada vez mais tênue. Essa nova dinâmica exige uma reflexão profunda e uma abordagem cuidadosa para garantir que os direitos fundamentais das crianças e adolescentes sejam plenamente respeitados.
A análise de casos reais demonstra como a exposição excessiva pode ter consequências graves, tanto a curto quanto a longo prazo, já que pode resultar na violação de inúmeros direitos, ameaçando a segurança, a dignidade e o bem-estar das crianças. Essas violações não apenas contrariam os princípios legais estabelecidos pela Constituição Federal, pelo Código Civil e pelo ECA, mas também têm o potencial de causar danos emocionais e psicológicos duradouros.
Por outro lado, é importante reconhecer que nem todo compartilhamento de informações e imagens de filhos nas redes sociais é inerentemente prejudicial. Quando realizado com discernimento e respeito aos direitos das crianças, o compartilhamento pode fortalecer os laços familiares e comunitários, além de contribuir para a conscientização sobre diversas causas importantes.
Os pais e responsáveis devem ser educados e conscientizados sobre os riscos e as responsabilidades associados ao oversharenting, porquanto é imperativo compreenderem a importância de proteger a privacidade e a dignidade de seus filhos, adotando práticas responsáveis e ponderadas ao compartilhar informações online. Isso inclui considerar o consentimento das crianças, quando apropriado, e avaliar cuidadosamente o impacto potencial de cada postagem.
Diga-se, ademais, que no espectro jurídico-doutrinário, constatou-se uma lacuna normativa sobre a superexposição de menores no direito brasileiro. Apesar de não estar expressamente previsto em lei, o fenômeno se manifesta como um corolário inescapável dos princípios do melhor interesse da criança e do adolescente e da própria dignidade da pessoa humana.
A este respeito, a legislação brasileira tem avançado para proteger os direitos das crianças e adolescentes, como, por exemplo, a inclusão do inciso X ao artigo 1.634 do Código Civil, que visa evitar a exposição de menores nas redes sociais, e o Projeto de Lei n.º 3919 de 2023, conhecido como Lei Larissa Manoela, que busca regulamentar a gestão do patrimônio de menores artistas, são exemplos de iniciativas nesse sentido.
Em última análise, a conclusão é que a era digital exige uma nova consciência e responsabilidade por parte dos pais e responsáveis, aliada a um marco legal robusto que proteja os direitos dos menores. A educação digital dos pais, a conscientização sobre os riscos e a implementação de políticas públicas eficazes são passos essenciais para garantir que as crianças possam se beneficiar das tecnologias modernas sem comprometer sua privacidade, dignidade e desenvolvimento saudável. Ao equilibrar o direito à liberdade de expressão com a proteção integral dos menores, podemos construir um ambiente online mais seguro e respeitoso, que promova o melhor interesse dos filhos.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (4ª Turma). Recurso Especial n.º 412.684/SP (2002/0003264-0). Responsabilidade civil. Dano moral. Marido enganado. Alimentos. Restituição. - A mulher não está obrigada a restituir ao marido os alimentos por ele pagos em favor da criança que, depois se soube, era filha de outro homem. A intervenção do Tribunal para rever o valor da indenização pelo dano moral somente ocorre quando evidente o equívoco, o que não acontece no caso dos autos. Recurso não conhecido. Recorrente: Antômio Luiz Blanco. Recorrido: Herminia Ferreira Blanco. Recurso Especial nº 412.684/SP. Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar. J. 20. de ago. 2002. Disponível: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao. Acesso em: 16 de abr. 2024.
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BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Agravo de Instrumento 20569000320228260000 SP. Obrigação de fazer. Agravado que alega exposição do filho menor pela genitora em suas redes sociais. Tutela de urgência concedida para determinar que a ré se abstenha de expor a imagem do infante em sua conta comercial da rede social Instagram, não podendo postar imagem da criança sem anuência paterna prévia, sob pena de multa. Insurgência da ré. Tutela recursal concedida para sustar os efeitos da decisão agravada. Presentes os requisitos legais que autorizam a concessão parcial da tutela de urgência. Art. 300, CPC. Probabilidade do direito do autor e perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo. Nova publicação da ré indicada nos autos principais, que coloca o menor em situação vexatória. Possibilidade de prejuízo ao infante. Proteção e interesse da criança. Decisão mantida, revogada a tutela recursal concedida. Recurso não provido. 5ª Câmara de Direito Privado. Relatora: Desembargadora Fernanda Gomes Camacho. Dj. 21. jun. 2022. Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/consultaCompleta.do?f=1. Acesso em: 15. jun. 2024
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Cível 1015089-03.2019.8.26.0577 SP. Ilegitimidade de parte. Provedor de conteúdo. Facebook. Postagem em rede social. Conforme o marco civil da internet, o provedor de aplicação não é responsável pelo conteúdo gerado por terceiros, somente respondendo civilmente quando, após ordem judicial, deixar de remover o conteúdo. Ilegitimidade reconhecida. Recurso desprovido. Direito de imagem. Postagem, pela mãe, em rede social, acerca da doença de seu filho (autismo). Contrariedade do pai. Não cabimento. Embora se deva evitar a superexposição dos filhos em redes sociais, privilegiando a proteção à imagem e à intimidade do incapaz, necessário balizar tais direitos fundamentais com a liberdade de expressão da genitora. Postagem que não ofende ou desmoraliza o infante. Teor do texto publicado que demonstra preocupação e afeto com o menor. Sentença mantida. Recurso desprovido. 6ª Câmara de Direito Privado. Relator: Desembargadora Vito Guglielmi. J. 09. set. 2020. Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/consultaCompleta.do?f=1. Acesso em: 15 jun. 2024.
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