Resumo: Este artigo examina a superexposição de menores como uma violação ao direito da personalidade, destacando sua relevância no contexto do direito civil e da dignidade humana, através de uma revisão da literatura e análise de casos, o artigo explora as implicações dessa violação.
Palavras-chave: Direito de Família; Superexposição infantil; Direitos da Personalidade; Plataformas Digitais.
Sumário: Introdução. 1. Superexposição Digital de Menores. 2. Análise de Casos. 3. O Direito à Imagem e a Privacidade dos Filhos nas Redes Sociais. 3.1. Violação ao Direito de Imagem. 3.2. Tratamento de Dados de Menores. 3.3. Direito de Indenização. 3.4. Direito ao Esquecimento. 4. Avanços Legislativos. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O aumento significativo do uso das plataformas digitais no Brasil tem gerado preocupações sobre as atitudes de pais e responsáveis que compartilham excessivamente e de maneira irresponsável imagens de menores. Muitos pais utilizam essas plataformas de várias formas, inclusive visando obter lucro com as imagens de seus filhos. Nesse contexto, surge um fenômeno emergente e preocupante conhecido como "oversharenting", termo que descreve o compartilhamento excessivo de informações sobre menores por parte dos próprios pais ou responsáveis, em especial nas redes sociais.
O estudo aborda o direito à imagem como um direito da personalidade, referindo-se a como os próprios pais podem violar o direito à imagem de crianças e adolescentes por meio das plataformas digitais A pesquisa se justifica pela necessidade de avaliar se os pais têm sido cautelosos na orientação de seus filhos sobre o uso das redes sociais, considerando que a exposição pública pode configurar ato ilícito e influenciar negativamente o desenvolvimento da personalidade das crianças.
O artigo adota uma abordagem indutiva e qualitativa, utilizando a técnica de pesquisa bibliográfica. Nele, será analisado o fenômeno da superexposição digital de menores nas redes sociais, conhecido como sharenting ou oversharenting, e suas implicações jurídicas, sociais, psicológicas e de segurança, para proteger os direitos das crianças e dos adolescentes no ambiente digital.
1. SUPEREXPOSIÇÃO DIGITAL DE MENORES
Vivemos em uma era em que a informação é chave para avanços significativos em diversos setores, como saúde, educação, justiça e segurança, possibilitados pelas tecnologias digitais que permeiam quase todos os aspectos de nossas vidas; no entanto, essas mesmas tecnologias também trazem desafios e riscos. Assim, em uma economia impulsionada por dados, onde a cultura do algoritmo é predominante, a informação digital tornou-se um dos ativos mais valiosos, capaz de revelar detalhes importantes como o perfil comportamental de um indivíduo, suas informações pessoais, histórico de saúde, localização e hobbies.1
A digitalização da vida cotidiana, particularmente evidente nas redes sociais e em outras plataformas online, revolucionou a maneira como nos comunicamos, nos relacionamos e administramos nosso tempo. Dentro desse cenário, a busca por aprovação social, manifestada em “curtidas”, tornou-se o foco principal de muitas pessoas, o que pode ter implicações profundas na dinâmica familiar.
Um fenômeno emergente que ganhou notoriedade é o “sharenting”, um termo em inglês derivado da combinação de “share” (compartilhar) e “parenting” (paternidade). Este fenômeno refere-se ao compartilhamento excessivo de informações sobre menores de idade, realizado pelos próprios pais ou pessoas próximas, especialmente nas redes sociais. Isso pode incluir fotos, hábitos, conquistas, rotinas e até mesmo dados pessoais de crianças e adolescentes. Tal prática pode resultar em uma série de implicações nos âmbitos jurídico, familiar e até mesmo na saúde do menor.2
É importante observar que embora o fenômeno da superexposição infantil tenha se intensificado com a chegada da internet e das redes sociais, ele já era perceptível muito antes, como nascimento de Sasha Meneghel, filha da famosa apresentadora Xuxa, que foi amplamente divulgado em 1998 no Jornal Nacional, evidenciando o interesse do público na vida de Sasha, desde seu nascimento, demonstrando que a gestão da imagem e da privacidade de crianças por figuras públicas é uma prática que antecede a era digital.
O conceito de sharenting também abrange cenários em que os pais assumem o controle da presença digital de seus filhos, estabelecendo perfis em redes sociais em nome deles e compartilhando regularmente detalhes do seu cotidiano. Em muitas situações, essa prática se transforma em uma fonte de renda significativa para a família, graças ao grande volume de visualizações e anúncios vinculados ao conteúdo produzido pela criança.3
Insta mencionar que, segundo Filipe Medon, o termo "oversharenting" seria a definição mais precisa para descrever a prática de superexposição online de filhos pelos pais. Isto porque o termo "sharenting" pode dar a impressão de que toda forma de exposição online é prejudicial, o que não é necessariamente verdade, já que o compartilhamento de momentos familiares também possui seus aspectos positivos para os pais, a criança e a própria comunidade.4
Um exemplo é o caso do menino Gui, de 8 anos, que ficou nacionalmente conhecido após um vídeo de sua reação ao reencontrar a mãe, depois de 16 dias em coma, viralizar. Ele sofre de uma rara condição genética chamada epidermólise bolhosa, que não tem cura, não é transmissível, mas provoca graves ferimentos na pele. O vídeo proporcionou a Gui o carinho de milhares de internautas, a oportunidade de conhecer inúmeros jogadores de seu time, e impulsionou o projeto de lei n° 5435, de 2023, que pretende instituir o Programa Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Epidermólise Bolhosa no âmbito do Sistema Único de Saúde.5
Portanto, o termo oversharenting é mais apropriado para caracterizar a superexposição excessiva, que pode se manifestar de duas maneiras distintas: de forma quantitativa, quando o volume de postagens é extremamente alto, e de forma qualitativa, quando até mesmo um pequeno número de postagens expõe a criança a situações embaraçosas ou comprometedoras.6
2. ANÁLISE DE CASOS
Neste capítulo, exploraremos casos reais de oversharenting, começando com o controverso caso de Isabel Peres Magdalena, que ganhou destaque em 2020 quando internautas do Twitter iniciaram a hashtag #salvebelparameninas. Desde os oito anos, Isabel e sua mãe, Francinete Peres, com outros familiares, produziam vídeos no YouTube que incluíam brincadeiras, peças teatrais e novelas familiares. No entanto, críticas surgiram dos internautas acusando a mãe de pressionar Isabel a participar de conteúdos inadequados para sua idade, causando desconforto e constrangimento à criança..7
Um dos vídeos mais criticados foi o "smoothie challenge", no qual a mãe insistia para que Isabel consumisse uma mistura de ingredientes desagradáveis, mesmo após a menina demonstrar seu desagrado, resultando em um episódio de vômito. Outros vídeos também mostravam comportamentos questionáveis da mãe, como demonstrações de frustração quando Isabel resistia às propostas e situações constrangedoras, como no vídeo "Todo Mundo Riu da Bel no Primeiro Dia de Aula"..
Apesar dos pais negarem as acusações, o caso atraiu a atenção do Conselho Tutelar, que visitou a família e resultou em um parecer enviado ao Ministério Público, destacando a exposição vexatória e degradante da criança nos vídeos, o que culminou na remoção desses conteúdos das redes sociais pela família.
Outro caso emblemático é o da cantora mirim MC Melody, cujo nome verdadeiro é Gabriela Abreu. Aos oito anos, ela ganhou notoriedade online com vídeos promovidos por seu pai, que apresentavam músicas e roupas com forte carga de adultização e sexualização. Em 2015, após se tornar popular, os pais de Gabriela foram alvo de uma investigação do Ministério Público de São Paulo devido à hipersexualização em seus vídeos e imagens. O Ministério Público concluiu que houve violação dos direitos da criança, incluindo o direito ao respeito e à dignidade, devido ao conteúdo promovido pelos responsáveis legais. A exposição precoce à adultização poderia comprometer fases importantes de sua infância e prejudicar sua autoimagem, influenciada pelos comentários na internet. Como resultado, Gabriela deixou de se apresentar como MC e passou a usar roupas apropriadas para sua idade, além de cantar músicas sem conotação sexual.8
Por fim, o caso de Larissa Manoela, uma das maiores celebridades infantojuvenis do Brasil, também levanta questões sobre o oversharenting. Iniciando sua carreira aos quatro anos, Larissa acumulou milhões de seguidores nas redes sociais ao longo dos anos. No entanto, em 2023, veio à tona que, aos 22 anos, ela descobriu que não tinha conhecimento nem controle sobre os lucros de sua carreira, que foram administrados exclusivamente por seus pais. Esta falta de transparência financeira colocou Larissa em uma situação difícil ao tentar gerir seu patrimônio conquistado com seu trabalho ao longo dos anos.9
3. O DIREITO À IMAGEM E A PRIVACIDADE DOS FILHOS NA ERA DIGITAL
A Constituição de 1988 conferiu à família um papel de grande importância constitucional, reconhecendo-a como um núcleo essencial para o desenvolvimento da personalidade e dignidade de seus integrantes. Essa valorização incluiu a aceitação de diferentes tipos de estruturas familiares, como as uniões estáveis e famílias monoparentais, refletindo a diversidade e os princípios e direitos fundamentais nas relações privadas.10
Em relação aos filhos, o poder familiar ou autoridade parental é entendido como um conjunto de direitos, faculdades e deveres inalienáveis, personalíssimos e imprescritíveis atribuídos a ambos os pais, independentemente da estrutura familiar, conforme previsto no artigo 229 da Constituição Federal, no artigo 1.634 do Código Civil e no artigo 22 do ECA. O principal objetivo é o melhor interesse do menor, visando ao pleno desenvolvimento de sua personalidade.11
Portanto, questões relacionadas à administração de seus bens não devem comprometer este objetivo primordial. Como bem preconiza Pietro Perlingiere: "o pátrio poder dos genitores assume mais uma função educativa do que propriamente de gestão patrimonial, sendo seu ofício finalizado à promoção das potencialidades criativas dos filhos"12.
Muitas vezes, porém, os pais não se pautam nos direitos dos filhos e no que lhes trará melhores benefícios, acabando por expor excessivamente a imagem dos filhos nas redes sociais em busca de aceitação ou fama. Esse comportamento pode acarretar inúmeras implicações, como tornar a criança uma celebridade, riscos para a segurança, captação de imagens por pedófilos, bullying e cyberbullying, roubo de identidade, hipersexualização e adultização, coleta de dados e ausência de controle sobre a administração da renda obtida pelo menor.
3.1. VIOLAÇÃO AO DIREITO DE IMAGEM
A prática do oversharenting tem suscitado um debate crucial sobre o direito à imagem de crianças e adolescentes, em contraposição ao direito dos pais de compartilhar fotos e vídeos de seus filhos nas redes sociais. Isso ocorre porque a liberdade de expressão, um direito fundamental consagrado no artigo 5º da Constituição Federal, abrange uma variedade de formas e conteúdos, podendo ser examinada de três perspectivas distintas: a individual, que protege o direito de cada pessoa de se expressar livremente; a coletiva, que garante à sociedade o acesso à informação; e a liberdade de imprensa, que autoriza os meios de comunicação a informar e opinar sobre os eventos. Embora a liberdade de expressão seja considerada primordial, ela não é absoluta, havendo restrições para proteger outros direitos, como a privacidade, a honra e a imagem.13
Em relação ao direito de imagem, o Enunciado 274 das Jornadas de Direito Civil esclarece que este direito é uma expressão da personalidade, protegido pela cláusula geral de tutela da pessoa humana, como previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal. Desse modo, está fundamentado na própria Constituição e em diversas outras legislações federais, sendo inalienável e irrenunciável, não podendo ser limitado voluntariamente; no entanto, permite-se uma disponibilidade relativa.14
Somado a isso, o Enunciado 39 do IBDFAM trouxe uma inovação ao abordar a funcionalização da liberdade de expressão dos pais em função do melhor interesse dos filhos. De acordo com este enunciado, a liberdade de expressão dos pais deve ser exercida com o cuidado de proteger os direitos e o bem-estar das crianças, assegurando um ambiente online seguro e respeitoso para o seu desenvolvimento saudável e protegido, pois, como salientado:
A liberdade de expressão dos pais em relação à possibilidade de divulgação de dados e imagens dos filhos na internet deve ser funcionalizada ao melhor interesse da criança e do adolescente e ao respeito aos seus direitos fundamentais, observados os riscos associados à superexposição.15
Ademais, é relevante destacar que o artigo 20 do Código Civil não aborda a colisão entre o direito à imagem e a liberdade de expressão, exigindo que o julgador pondere sobre os modos de concessão, o potencial desvirtuamento dessa prática e a necessidade de não violar a dignidade da criança.16
Com base nessas considerações, torna-se essencial analisar o caso decidido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, em que um pai ajuizou uma ação contra o Facebook para solicitar a remoção de uma postagem feita pela mãe de seu filho. Argumentando, em síntese, que a publicação, que continha uma foto do filho em um balanço e um relato sobre seu diagnóstico de autismo, expunha o menor de forma inadequada. Contudo, o Tribunal de Justiça julgou os pedidos do pai como improcedentes, pois entendeu que a liberdade de expressão da mãe não infringiu os direitos do menor. Além disso, reconheceu que a postagem foi feita com carinho e preocupação, em total conformidade com a lei e o princípio da proporcionalidade.17
Em outro caso relacionado ao tema, foi avaliado um recurso contra uma decisão interlocutória que ordenou, por meio de tutela antecipada, que a mãe de um menor se abstivesse de compartilhar a imagem da criança em sua conta comercial no Instagram sem a autorização prévia do pai. A alegação era de que o menor estava apresentando comportamentos irritados e agressivos devido à exposição excessiva na conta comercial da mãe, que é uma influenciadora digital. Diante disso, o tribunal concluiu que é necessário prevenir a superexposição de crianças nas redes sociais, especialmente em situações que infrinjam a legislação sobre os direitos da criança, a proteção da imagem e privacidade, ou que as exponham a situações de risco ou constrangimento, devido à sua vulnerabilidade.18
3.2. TRATAMENTO DE DADOS DE MENORES
A Emenda Constitucional nº 115 de 2022 acrescentou o inciso LXXIX ao rol de Direitos Fundamentais da Constituição, estabelecendo o direito à proteção de dados pessoais. Em consonância, a Lei Geral de Proteção de Dados, inspirada na GDPR europeia, reforça a importância dessa proteção, estabelecendo diretrizes claras e abrangentes para o tratamento de dados pessoais, a fim de resguardar os direitos fundamentais de privacidade e liberdade dos indivíduos.
Nesse contexto, é essencial distinguir entre dados pessoais e dados sensíveis. Dados pessoais são informações que permitem a identificação direta ou indireta de um indivíduo, como endereço, registros de identificação civil, fotos e vídeos. Já os dados sensíveis são aqueles que revelam informações sobre origem religiosa, racial, étnica, biométrica e de saúde. A proteção desses dados visa evitar discriminações prejudiciais e ilícitas, assegurando que sejam tratados com restrições adicionais para garantir os direitos e liberdades fundamentais.19
A Seção III, artigo 14, da LGPD, ao regulamentar a base legal para o tratamento de dados de crianças e adolescentes, determina que esses dados sejam tratados no melhor interesse dos indivíduos, conforme a Lei Maior e o Estatuto da Criança e do Adolescente. No entanto, as mesmas pessoas responsáveis por proteger o melhor interesse da criança, com o direito e o dever de decidir sobre o uso dos dados em consonância com a lei, muitas vezes, voluntária ou involuntariamente, podem praticar a superexposição, fornecendo esses dados de forma excessiva. Essa prática, embora comum, é inadequada, pois não inclui a participação ativa da criança ou do adolescente nas decisões, forçando-os a aceitar passivamente as decisões impostas pelos responsáveis.20
Para crianças, aquelas definidas como pessoas de até doze anos incompletos, o tratamento de seus dados pessoais deve ser realizado mediante consentimento específico e destacado, dado por pelo menos um dos pais ou pelo responsável legal, quando a base legal for o consentimento. No caso dos adolescentes, definidos como pessoas entre doze e dezoito anos, a lei não esclarece se o consentimento dado pelo adolescente sem assistência ou representação é válido, ou se o legislador decidiu não abordar o tema, deixando para a legislação civil existente a regulação desse aspecto.21
Assim sendo, é fundamental considerar a capacidade evolutiva das crianças ao abordar questões de proteção de dados e privacidade online. Embora as leis, como a LGPD, exijam frequentemente o consentimento dos pais, é importante equilibrar essa exigência com a necessidade de permitir que as crianças participem ativamente das decisões que as afetam. Restringir excessivamente o acesso à informação e a liberdade de expressão das crianças pode prejudicar seu desenvolvimento digital e sua capacidade de exercer plenamente seus direitos. Portanto, medidas que protejam a privacidade das crianças online devem também capacitá-las, garantindo que elas possam participar ativamente da sociedade digital de maneira segura e informada.22
3.3. DIREITO DE INDENIZAÇÃO
No que diz respeito à indenização, é importante observar que o Direito de Família e a Responsabilidade Civil têm permitido uma abordagem mais ampla, estendendo o alcance da responsabilidade civil além do patrimônio, para incluir a proteção dos interesses existenciais nas relações familiares.
Nesse passo, Ruy Rosado de Aguiar destaca:
Toda ofensa à dignidade da pessoa, por constituir um fato ilícito, pode ser objeto de responsabilização do agressor, não importando o ramo do direito em que tal relação seja regulada, no direito das obrigações ou no de família, no direito privado ou no direito público. Mesmo o direito de família não é infenso à indenização por descumprimento de seus preceitos.23
Diante disso, é possível que os pais sejam civilmente responsabilizados quando postarem imagens ou vídeos que exponham seus filhos em situações vexatórias, humilhantes ou degradantes; revelem dados sensíveis; explorem a imagem dos filhos em situações de trabalho infantil ou sob ameaça; promovam situações discriminatórias, preconceituosas, eróticas ou inapropriadas para a idade dos filhos; ou contrariem os princípios da proteção integral e do melhor interesse do menor. Tais comportamentos devem ser analisados considerando os interesses em conflito no caso concreto, ponderando os princípios da integridade física e psíquica, da liberdade, da igualdade e da solidariedade dos filhos em relação ao seu fundamento, que é a dignidade humana.24
Isso não significa, contudo, que a indenização dos pais deva ser necessariamente pecuniária. A indenização por danos morais, diferentemente da indenização material, não restitui plenamente a vítima à situação anterior. Quem sofre o dano moral raramente é plenamente reparado, sendo apenas compensado, especialmente devido aos valores ínfimos fixados pelo Judiciário. Consequentemente, isso falha em exercer um papel pedagógico, não desencorajando efetivamente condutas lesivas nem promovendo a reconstrução das relações familiares. Além disso, transmite mensagens erradas, podendo reafirmar uma posição de superioridade de quem paga e sugerir, erroneamente, que o pagamento encerra os efeitos da falha.25
Nesse contexto, Anderson Schreiber destaca a importância de uma reavaliação fundamental das características individualistas e patrimoniais da responsabilidade civil nesse âmbito. Isso deve ser feito com o objetivo de criar um Direito de Danos mais adequado e eficaz, que evite novos danos e fomente reparações mais completas. Isso implica a adoção de medidas de reparação não financeiras, como a imposição de obrigações comportamentais específicas para melhorar as relações familiares, em vez de apenas pagamentos monetários.26
3.4. DIREITO AO ESQUECIMENTO
Sem dúvida, a superexposição de menores desencadeia um conflito de interesses jurídicos e pode levar a uma miríade de circunstâncias prejudiciais. Entre essas circunstâncias, a exposição a situações constrangedoras que podem culminar em bullying, cyberbullying, hipersexualização e adultização são particularmente prejudiciais, pois podem assombrar o indivíduo ao longo da vida, resultando em danos psicológicos e potenciais obstáculos para entrar no mercado de trabalho.
Discorrendo a respeito do tema, Gustavo Tepedino e Filipe Medon destacam de modo esclarecedor:
Especificamente com relação a superexposição de dados de crianças, há de ser assegurado ao indivíduo o direito de exercer o controle sobre a história de sua própria vida, como parte de uma construção da sua própria autodeterminação. Por vezes, esse processo de reconstrução depende do apagamento de dados e imagens que foram divulgados por genitores ou terceiros sem o consentimento da criança ou do adolescente.27
Nesse panorama, o direito ao esquecimento emerge como uma solução viável para esse dilema contemporâneo, buscando prevenir que o indivíduo seja perpetuamente associado a eventos passados desagradáveis ou prejudiciais à sua reputação.28 Conforme enfatizado no Enunciado 531 do CJF, “A proteção da dignidade humana na era da informação engloba o direito ao esquecimento.”29
Todavia, o STF entendeu no julgamento do tema 786, que não existe um direito genérico ao esquecimento que permita às pessoas impedir a divulgação de fatos verídicos e licitamente obtidos, mesmo que esses fatos tenham sido publicados em meios de comunicação social, sejam analógicos ou digitais. Logo, eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, levando em consideração os parâmetros constitucionais, especialmente aqueles relacionados à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral.30