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Análise da legalidade da aquisição de veículos para utilização por desembargadores de Tribunais Regionais e ministros de Tribunais Superiores

27/03/2008 às 00:00
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NORMAS APLICÁVEIS: Lei nº 11.439/06 (LDO); Lei nº 1.081/50; Decreto nº 99.188/1990, que teve seu texto posteriormente modificado pelos Decretos nº 99.214/1990 e nº 1.375/1995; Instrução Normativa SLTI/MPOG nº 01, de 21 de junho de 2007.


I - INTRODUÇÃO

Inicialmente, antes mesmo de adentrarmos na análise da juridicidade da aquisição em epígrafe, faz-se mister abordarmos a classificação das categorias de veículos automotores utilizados na Administração Pública Federal, como veremos a seguir.

Em verdade, é ainda o vetusto Decreto nº 99.188/1990 (modificado pelos Decretos nos 99.214/1990 e 1.375/1995) e a Instrução Normativa SLTI nº 01/2007 [01], do Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão – MPOG, que regem não só a classificação dos veículos da Administração Pública Federal, mas também a respectiva identificação, aquisição, cadastramento, utilização, reaproveitamento, transferência, cessão, alienação e definição do quantitativo.

Com efeito, interessa-nos principalmente a diferenciação entre duas categorias de veículos, diretamente relacionadas à matéria abordada, quais sejam a de SERVIÇO (transporte de servidores a serviço) e a de REPRESENTAÇÃO, porquanto, como veremos mais à frente, é sobre esta última categoria de veículo que existem restrições em relação à aquisição, conforme dispositivos da LDO - Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Assim, consoante a IN SLTI no 01/2007, os veículos de REPRESENTAÇÃO são aqueles de luxo, destinados ao Presidente da República, ao Vice-Presidente da República e aos Ministros de Estado, bem como aos Titulares dos Órgãos Essenciais da Presidência da República. Já os veículos de SERVIÇO devem, além de configurar um modelo básico, de capacidade e motor compatíveis com o serviço a realizar, ser utilizado pelo servidor público no desempenho de atividades externas, para efetuar seus deslocamentos, desde que comprovadamente em objeto de serviço, devendo para tanto ser mantido rigoroso controle com indicação expressa da natureza da saída, com hora e chegada.

É de se ressaltar que a jurisprudência do TCU assenta-se na vedação à utilização desses veículos (DE SERVIÇO) para o transporte de dirigentes ou servidores de suas residências para o local de trabalho e vice-versa, bem como nas demais situações não caracterizadas como em serviço (v.g.: Acórdão no 1352/2004 – 2ª Câmara, Decisão nº 1522/2002 – Plenário, Acórdão nº 320/2003 – Plenário, Acórdão nº 1037/2006 – 1ª Câmara, Acórdão 1085/2007 [02] – 1ª Câmara).


II – DESENVOLVIMENTO

Agora sim, travejada a matéria, temos que a Lei nº 11.439/06 (Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO), no Capítulo Das Vedações e Das Transferências para o Setor Privado, artigo 31, inciso III [03], determina que "não poderão ser destinados recursos para atender despesas com aquisição de automóveis de representação", ressalvando as hipóteses de exceção para alguns cargos e funções [04], sendo que, no âmbito do Poder Judiciário, é permitida a aquisição desses veículos de representação para Ministros do Supremo Tribunal Federal e para os Presidentes dos Tribunais Superiores, e tão só.

Está, pois, proibida a aquisição de veículos de representação destinada a desembargadores de Tribunais Regionais (quer Eleitorais, do Trabalho, Federais e Militares), mesmo quando no exercício da presidência desses Órgãos, o que se passa de forma idêntica em relação aos Ministros de Tribunais Superiores (Superior Tribunal de Justiça, Superior Tribunal Militar, Tribunal Superior Eleitoral e Tribunal Superior do Trabalho), excetuado os respectivos Presidentes.

De modo igual, as Leis de Diretrizes Orçamentárias antecessoras estabeleceram, reiteradamente, a vedação acima relatada.

De forma a contornar essa vedação contida no Regime Jurídico Publicístico, alguns gestores públicos do país desenvolveram suas próprias "medicinas", que vêm sendo aplicadas de modo a manter a utilização de veículos de REPRESENTAÇÃO, quais sejam: a primeira delas é efetuar a compra de veículos como se de serviço fossem, quando na realidade dos fatos alguns desses veículos comprados são de luxo - o que é proibido pela Lei nº 1.081/50 [05] - e destinados ao uso exclusivo por desembargadores como carros de representação; o segundo meio é proceder ao aceite de doação de veículos feitas por algum parceiro, tal como bancos.

No primeiro caso, comprados como veículos de SERVIÇO, boa parte deles são, no dia-a-dia, destinados à utilização exclusiva por parte de desembargadores de Tribunais como veículos de REPRESENTAÇÃO, e só uma efetiva fiscalização pode comprovar isso, lembrando, uma vez mais, que se o veículo for de luxo, pela inteligência da Lei nº 1.081/50, ele jamais poderia ser classificado como de SERVIÇO.

Já no segundo caso, a despeito da doação de veículos não envolver o dispêndio direto de recursos públicos, é inegável que, consumando-se a mesma, incorre-se em despesas públicas relativas à utilização dos bens a serem doados, como v.g., o gasto mensal de combustível, seguro, manutenção etc, que não vemos como possa ter amparo legal. Desrespeitada, pois, a ratio da vedação contida na LDO, que ao tornar defesa a despesa relativa à compra do principal – o veículo de representação –, obviamente, também torna proibida a despesa em relação ao que lhe é acessório – despesas conexas.

Identificamos na jurisprudência do Tribunal de Contas da União algumas decisões de aplicação de penalidades aos gestores públicos que promoveram a compra de veículos de representação em desacordo com a Lei de Diretrizes Orçamentária, bem como com a Lei de nº 1.081/50, tais como o Acórdão nº 0154-53/95 [06] que fixou multa prevista no artigo 58 da Lei nº 8.443/92 c/c o inciso II do artigo 220 do Regimento Interno do TCU [07].

O mesmo Tribunal de Contas da União já se manifestou sobre aquisição de veículos de representação com a utilização de recursos públicos, em Acórdão proferido especificamente para o TRT da 1ª Região, de nº 1.730/03 - Plenário, dispondo na alínea "b" do item 3, verbis:

" a) abstenha-se de adquirir veículos de características luxuosas e destinados à representação de autoridades;"

De igual modo, é importante trazer à baila o Acórdão TCU 61/2003 [08] – Plenário, que repele, nos termos da Decisão nº 236/1993-1ª Câmara, o direito de uso de veículo de representação por parte de juízes de 2ª instância (desembargadores), uma vez que só permitido ao Presidente dos Tribunais Superiores, conforme inclusive subitem 9.2.1 daquele julgado.

Bem, até aqui esquadrinhamos o campo normativo sobre a matéria e a prática que vem sendo observada em parte dos órgãos públicos. Entretanto, faltou dizer que, a nosso juízo, é preciso que haja uma reflexão sobre essa questão junto ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ - com vistas à consecução, se for esse o caso, de uma maior flexibilidade nas vedações previstas na LDO em relação à aquisição de veículos de REPRESENTAÇÃO, com a sua respectiva alteração, via proposta à Presidência da República, a quem cabe a formulação do projeto de lei das diretrizes orçamentárias (art. 166 da CRFB/88), bem como para a produção de um ato administrativo regulamentador próprio sobre a matéria.

Como bem pontifica Maria Sylvia Zanella Di Pietro [09], "paradoxalmente, ao invés de procurar flexibilizar os meios de atuação Administrativa, pela alteração dos dispositivos legais e constitucionais que a emperram, prefere-se manter a rigidez do direito positivo e a procura de formas paralelas à margem desse mesmo direito. Por outras palavras, o direito positivo é bom como fachada, como norma escrita, como direito posto, mas ruim como direito aplicado. "


III – CONCLUSÃO

Diante do que até aqui se buscou vigar, ponderamos que a aquisição [10] de veículos, realizadas com ou sem dinheiro público, destinados à utilização em representação por parte desembargadores de Tribunais Regionais e Ministros de Tribunais Superiores [11], não tem juridicidade.

Lembramos que caberá ao administrador público - na tomada de decisão sobre a realização de compra de veículo de REPRESENTAÇÃO, aceite de doação, destinação e utilização dos mesmos -, examinar a situação com cautela tendo em vista a ortodoxia da linha evolutiva da jurisprudência do Tribunal de Contas da União, principalmente quando a ação implica aumento de gastos públicos, bem como uso de veículos oficiais a título de REPRESENTAÇÃO.

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Entendemos que o Judiciário não pode mais postergar a abertura de uma agenda que se dedique ao estudo e ação sobre o tema aqui tratado, porquanto o que está em jogo é a preservação do princípio da legalidade.

Não se deve, por óbvio, simplesmente ignorar o regime jurídico administrativo, sem que se promovam as alterações legislativas necessárias.

Como uma vez mais nos leciona a doutrinadora DI PIETRO [12], "o regime jurídico administrativo a que se submete a Administração Pública, se, de um lado, implica a outorga de prerrogativas e privilégios de que não dispõe o particular, por outro, impõe restrições a que o particular não se submete".


Notas

01 Norma revogadora da IN MARE 09/1994.

02 Consoante decisão do Acórdão 1085/2007 – 1ª Câmara, publicado no D.O.U em 27.04.07, O Tribunal de Contas da União determinou ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq que, no tocante ao uso e controle tanto de veículos oficiais quanto daqueles locados pela entidade, abstenha-se de utilizar esses automóveis em deslocamentos para aeroportos ou para residências/hotéis, em cumprimento às disposições contidas na Instrução Normativa/MARE n. 9/1994, sob pena de aplicação da multa prevista no art. 58, inciso IV, da Lei n. 8.443/1992, em caso de não-atendimento.

03 O jusdoutrinador Jorge Ulisses Jacoby Fernandes expôs, in Tomada de Contas Especial, Ed. Brasília Jurídica, 2ª ed., Brasília, DF, 1998, p. 137, que o Ministério Público junto ao TCU, representado pelo Dr. Francisco de Sales Mourão Branco, ateve-se à questão da constitucionalidade do dispositivo de norma idêntica, posicionando-se pela sua invalidade por vícios de competência e iniciativa, in Tomada de Contas Especial, Ed. Brasília Jurídica, 2ª ed., Brasília, DF, 1998, p. 137.

04 Dispõe o art. 31 da Lei nº 11.439/06: "Artigo 31. Não poderão ser destinados recursos para atender a despesas com:

(OMISSIS)

III – aquisição de automóveis de representação, ressalvadas aquelas referentes a automóveis de uso:

a)do Presidente, Vice-Presidente e ex-Presidentes da República;

b)dos Presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e dos Membros das Mesas Diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado Federal;

c)dos Ministros do Supremo Tribunal Federal e dos Presidentes dos Tribunais Superiores;

d)dos Ministros de Estado;

e)do Procurado-Geral da República; e

f)dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica;"

05 Esta Lei dispõe sobre o uso de carros oficiais, e reza assim o seu sexto dispositivo, litteris:

"Art 6º Os automóveis destinados ao serviço público federal, observadas as condições estabelecidas nesta Lei, serão dos tipos mais econômicos e não se permitirá a aquisição de carros de luxo, salvo na hipótese dos carros destinados à Presidência e Vice-Presidência da República, Presidência do Senado Federal, Presidência da Câmara da Deputados, Presidência do Supremo Tribunal Federal e Ministro de Estado."

06 Além deste, podemos citar: Acórdão/TCU nº 84/97, Acórdão/TCU nº 98/96, Decisão/TCU nº 60/95, Acórdão/TCU nº 98/96, Acórdão/TCU nº 94/97, Acórdão/TCU nº 539/99.

07 Cf. art. 1º da Portaria-TCU 32/2007, está fixado em R$ 31.481,60 (trinta e um mil, quatrocentos e oitenta e um reais e sessenta centavos), para o exercício de 2007, o valor máximo da multa a que se refere o art. 58, caput, da Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992.

08 Inspeção realizada no Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região/ES.

09 In "Parcerias na Administração Pública", 3ª Edição, Editora Atlas, São Paulo, 1999, p. 227.

10 Lembramos que "doação" é espécie do gênero "aquisição", ou melhor ainda, AQUISIÇÃO A TÍTULO GRATUITO, uma vez que esta é definida como a que se opera pela doação, ato de liberalidade do doador, que transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o patrimônio do donatário (...)." in Silva, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, ed. Forense, RJ, 18ª ed., 2001, p. 74. Embora não proibida de forma expressa na legislação pátria, a doação de veículos, com a finalidade e destinação aqui retratadas, não tem juridicidade, posto que os futuros gastos com combustíveis, seguros etc não tem qualquer amparo normativo. Assim, esse tipo de doação, realizada via de regra por instituições privadas (e.g.:bancos), não tem legalidade e tampouco legitimidade.

11 Excetuado os carros destinados às respectivas Presidências dos Tribunais Superiores, como já dissemos alhures.

12 Maria Sylvia Zanella Di Pietro, op. cit., p. 225.

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Sobre o autor
Marcelo José das Neves

Mestre em Direito pela Universidade Cândido Mendes UCAM, Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UniRio. Graduado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Graduando em Filosofia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro -UniRio. Pós-graduado em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas - FGV/RJ. Articulista e Especialista em Direito Administrativo. Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região TRT/RJ.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NEVES, Marcelo José. Análise da legalidade da aquisição de veículos para utilização por desembargadores de Tribunais Regionais e ministros de Tribunais Superiores. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1730, 27 mar. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11096. Acesso em: 26 dez. 2024.

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