Sumário: 1. O Constitucionalismo. 1.1. Regras formalmente constitucionais. 1.2. Regras materialmente constitucionais. 2. A constitucionalização dos direitos dos trabalhadores. 2.1. Relação com as normas infraconstitucionais: a supremacia da Constituição. 2.2. Relação com as emendas constitucionais: as "cláusulas pétreas". Conclusões. Referências bibliográficas.
1. O Constitucionalismo.
O Constitucionalismo é um processo histórico, que encontra antecedentes nos pactos, forais e cartas de franquia, dentre os quais se destacam a Magna Carta, de 1215, e a Petition of Rights, de 1628, nos contratos de colonização, típicos da histórias das colônias da América do Norte, nas leis fundamentais do Reino, criação dos legistas franceses e limitadoras da ação do Monarca e nas doutrinas do Pacto Social, dentre os quais se destacam Hobbes, Locke e Rousseau, e que culmina no pensamento iluminista do século XVIII, representado, entre outros, por Montesquieu, fundamento político-doutrinário da Revolução Francesa, de 1789 [01].
O fenômeno denominado Constituição escrita, pois, foi sendo construído paulatinamente, congregando elementos destes mais diversos antecedentes históricos e doutrinários, ilustrativos do próprio processo evolutivo social, marcado por revoltas, rebeliões, enfim, conflitos entre os homens, governantes e governados, no intuito de limitar o poder daqueles. Ao se atribuir a eventos históricos a força determinante para a formação da idéia de Constituição, não se está deixando de lado as forças sociais que para tanto contribuíram, sendo estas, ao menos em princípio, as maiores interessadas na limitação do poder arbitrário.
Os pactos, forais e cartas de franquia contribuem com a forma escrita e a matéria, que é a proteção de liberdades individuais. Os contratos de colonização induziram à idéia de fixação de normas advindas do mútuo consenso entre os que as produzem e os que as obedecem. Advém das leis fundamentais do Reino a noção de que, acima do soberano e fora do seu alcance, existiriam regras a definir o comportamento do corpo político, do que deriva a superioridade das normas constitucionais escritas. Já da doutrina do Pacto Social, especialmente de Rousseau, adviria o conceito de que o poder emana dos homens, exercido por meio das leis que, por serem expressão da vontade geral, seriam as únicas legitimadas a restringir o exercício das liberdades públicas [02].
A idéia de Constituição escrita nasceu, pois, com um propósito definido: limitar o poder arbitrário do Monarca. É esse propósito que definiu, por conseqüência, o que se entenderia por Constituição, conforme delineado no artigo 16 da Declaração francesa de 1789: "Toda sociedade na qual não está assegurada a garantia dos direitos nem determinada a separação de poderes, não tem Constituição".
Acreditava-se à época que a liberdade individual estaria preservada em face do arbítrio se se escrevesse a Constituição e se nela se inscrevessem os direitos individuais e a separação de poderes. Acredita-se que a causa de todo o arbítrio estava na concentração de todos os poderes nas mãos de uma única pessoa, que, na lição de Montesquieu, por ter o poder tenderia a usá-lo até que encontrasse limite.
Esta é a razão da separação de poderes, tal qual idealizada n’O Espírito das Leis: a divisão do exercício do poder, atribuindo-o a mais de uma pessoa, ou a mais de um órgão estatal, faria com que o exercício do poder por um deles encontrasse limite no exercício do poder pelo outro, acarretando o que se entendeu por "freios e contrapesos".
A essa limitação estrutural ao exercício do poder, soma-se uma esfera de liberdades individuais contra as quais o Estado não poderia interferir de maneira nenhuma. Essas liberdades deveriam ser declaradas pelo texto constitucional, a fim de resguardá-las. Declaradas, porque, na visão jusnaturalista predominante à época, tais direitos seriam inatos à natureza humana, não podendo ser desligados desta por motivo nenhum, muito menos em razão do arbítrio do Monarca.
Assim, a Constituição, advinda desse processo histórico, é o documento escrito definidor da organização política fundamental de determinado Estado. Trata-se da Lei Maior de todo o ordenamento jurídico; é, ao mesmo tempo, sua base e sua cúpula. É na Constituição que todos os demais atos normativos buscam seu fundamento de validade e é nela, também, que este mesmo ordenamento encontra limites.
É, pois, o mandamento supremo de todo o ordenamento, não podendo ser contrariado por nenhum ato normativo infraconstitucional, nem ser alterado, a não ser pelo procedimento previsto em seu próprio texto, obedecidos os limites igualmente expressos no art. 60 da Constituição. Tal supremacia constitucional, no entanto, de nada serviria se não fosse resguardada pelo controle de constitucionalidade, em aplicação ao princípio da compatibilidade vertical dos atos normativos [03].
Mas, o que diz respeito à organização jurídica fundamental de um Estado? Ou seja, quais as matérias dignas de estarem em um texto constitucional? Esta questão leva a duas possíveis classificações, presentes da doutrina constitucionalista das normas formal e materialmente constitucionais, que serão analisadas nos dois tópicos seguintes.
1.1. Normas materialmente constitucionais.
Normas materialmente constitucionais são as normas definidoras da organização política fundamental de determinado Estado; dizem respeito de forma imediata ao modus vivendi estatal. São normas, tidas pelo Constitucionalismo, em razão de seu conteúdo, realmente dignas de compor o texto constitucional.
A doutrina constitucionalista, por vezes, diverge com relação a quais conteúdos normativos seriam dignos de pertencer ao texto constitucional. Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho [04], seriam estes os que "se referem diretamente à forma de Estado (p. ex., as que o definem como Estado federal), forma de governo (p. ex., democracia), ao modo de aquisição (p. ex., sistema eleitoral) e exercício do poder (p. ex., atribuições de seus órgãos), estruturação dos órgãos de poder (p. ex., do Legislativo ou do Executivo), aos limites de sua ação (p. ex., os traçados pelos direitos fundamentais do homem)".
Assim, normas jurídicas que apresentem quaisquer dos conteúdos acima enumerados, ainda que não presentes no texto escrito da Constituição, devem ser consideradas como materialmente constitucionais. São os casos, entre outros, no ordenamento jurídico brasileiro, do Código Eleitoral, que traz normas que regulam a aquisição do poder, e do direito fundamental ao nome, garantido pelo Código Civil.
No entanto, não obstante terem essas normas conteúdo materialmente constitucional, pelo fato de não comporem o texto constitucional e, por conseqüência, por não terem sido aprovadas por um procedimento "especial", podem elas ser alteradas, ou mesmo revogadas, por lei ordinária posterior. Não gozam essas normas, enfim, do atributo característico das normas formalmente constitucionais que é o da supremacia constitucional, consubstanciado em sua rigidez, garantido pelo controle de constitucionalidade.
Por fim, resta observar que, entre as normas entendidas como materialmente constitucionais, estão as referentes aos direitos humanos fundamentais, por serem ilustrativas das mais claras limitações ao arbítrio estatal, conforme demonstra o processo de sua formação histórica. Sendo os direitos dos trabalhadores típicos direitos sociais, denominados direitos humanos fundamentais de segunda geração, ou de segunda dimensão, devem ser, por conseqüência, as normas garantidoras desses direitos consideradas materialmente constitucionais, o que terá repercussões na prática constitucional, como se verá adiante.
1.2. Normas formalmente constitucionais.
Se, por um lado, há normas que, em razão de sua matéria, são tidas como constitucionais, ainda que não integrantes do texto da Constituição, há normas integrantes deste texto que, ainda que não tenham conteúdo constitucional propriamente dito, devem ser tratadas como tal, justamente pelo simples fato de comporem o seu texto.
Normas formalmente constitucionais são, assim, todas as normas integrantes da Constituição orgânica, independente de seu conteúdo. Dizem respeito, pois, àquelas normas jurídicas editadas pelo procedimento previsto para aprovação de uma lei constitucional, sendo este, por sua natureza, mais complexo, com quorum de aprovação mais difícil de ser alcançado.
A garantia do texto constitucional se dá em dois sentidos: o primeiro deles com relação aos atos normativos inferiores, os denominados atos normativos infraconstitucionais, não podendo estes contraria a Constituição de maneira nenhuma, sob pena de serem declarados inconstitucionais; em um segundo sentido, com relação às emendas constitucionais, que somente podem alterar o texto constitucional se obedecidos o procedimento e os limites do artigo 60 da Constituição, também sob pena de serem declaradas inconstitucionais.
Nesse mesmo sentido, a sua alteração ou revogação somente poderá ser efetivada se obedecido esse mesmo procedimento complexo, denominado emenda ou revisão constitucional, previsto pelo próprio texto constitucional, desde que respeitados determinados limites, igualmente expressos. Ao tratar da Constituição, Hans Kelsen afirma que as "normas contidas nesse documento, a lei constitucional, não podem ser revogadas ou alteradas pela mesma forma que as leis simples, mas somente através de processo especial submetido a requisitos mais severos" [05]. Nesse mesmo diapasão, José Afonso da Silva discorre que esta rigidez constitucional "decorre da maior dificuldade para sua modificação do que para a alteração das demais normas jurídicas da ordenação estatal" [06].
Gozam, portanto, as normas formalmente constitucionais, pelo simples fato de estarem presentes no texto da Constituição, do atributo da supremacia, consubstanciado na rigidez constitucional, garantido pelo controle de constitucionalidade. Assim, encontram-se nesta situação todos os direitos dos trabalhadores positivados nos diversos incisos do art. 7º da Constituição.
Há, como visto, uma coincidência de ambos os atributos em relação a essas normas garantidoras dos direitos dos trabalhadores. São elas, a um só tempo, material e formalmente constitucionais.
2. A constitucionalização dos direitos dos trabalhadores.
Viu-se, nos tópicos anteriores, que as normas relativas aos direitos dos trabalhadores, por serem normas garantidoras de direitos humanos fundamentais, os direitos sociais, devem ser consideradas materialmente constitucionais. Da mesma forma, por estarem previstas no texto constitucional, mais especificamente nos incisos de seu artigo 7º, devem ser igualmente consideradas formalmente constitucionais.
Decorrência desse processo de constitucionalização dos direitos dos trabalhadores é o gozo, por parte dessas normas, de todas as garantias decorrentes de sua posição hierárquica constitucional. Nos dois tópicos seguintes, serão analisadas as suas duas principais interações, a primeira com relação às normas infraconstitucionais e, a segunda, com relação às emendas constitucionais.
2.1. Relação com as normas infraconstitucionais: a supremacia da Constituição.
O principal atributo da Constituição formal, como herdado de seu processo de formação histórico, é o da supremacia. Este primado, conforme ensina José Afonso da Silva, "significa que a constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos" [07]. Devem todos os atos normativos estar conformes à Constituição, acarretando a sua não conformidade o vício de inconstitucionalidade, devendo este mesmo ato normativo ser excluído do ordenamento jurídico.
No que diz respeito às normas garantidoras dos direitos trabalhistas na Constituição de 1988, dispõe o caput do artigo 7º: "são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social".
Consagra, assim, a Constituição, nos diversos incisos de seu art. 7º, garantias mínimas tanto para o trabalhador urbano quanto para o trabalhador rural. Consagra, insista-se, garantias mínimas para o trabalhador.
Dessarte, por um lado, qualquer ato normativo infraconstitucional que disponha de maneira a reduzir de maneira desproporcional o âmbito material dessas garantias estabelecidas pelo texto constitucional deve ser fulminado do ordenamento jurídico, em razão de sua inconstitucionalidade, mas, por outro lado, nada impede que seja atribuída maior amplitude de proteção dos trabalhadores pela legislação infraconstitucional. Assim deve ser, uma vez que o próprio texto constitucional não exclui a possibilidade de outros direitos, que não os expressos em seus incisos, que visem à melhoria das condições sociais do trabalhador, seja ele urbano ou rural.
Quanto a esta segunda hipótese – a de ampliação das garantias do trabalhador por força de ato normativo infraconstitucional –, podem surgir algumas indagações, por exemplo, com relação ao inciso XXVIII da Constituição que atribui ao trabalhador "seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa" (grifo nosso).
Garante o texto, como se pode extrair de sua interpretação textual, o direito do trabalhador à indenização, no caso de acidente de trabalho, quando concorrer o empregador com dolo ou culpa; há, pois, uma clara previsão de responsabilização subjetiva por parte do empregador.
Acontece que o Código Civil, em seu art. 927, parágrafo único, ao tratar do dever de indenizar na responsabilidade civil, dispõe que "haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem" (grifo nosso).
A lei civil, infraconstitucional, enfim, prevê a possibilidade de responsabilidade objetiva, sem necessidade de existência e, por conseqüência, de comprovação de dolo ou de culpa por parte de quem concorreu com o dano, bastando a comprovação do dano e do nexo causal entre este e a atividade.
Essa hipótese, prevista pelo Código Civil, se compreender a reparação de dano, nos casos de atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, em situação de risco, sofrido pelo trabalhador, beneficiaria este último, por determinar o seu direito à indenização sem a necessidade, por muitas vezes penosa, de comprovação de concorrência de dolo ou culpa por parte do empregador. A dúvida que surge é se seria esta interpretação constitucional.
A resposta, em nosso entendimento, deve ser positiva, uma vez que a Constituição, como visto, determina uma série de garantias mínimas para o trabalhador, podendo o legislador ordinário, por força do próprio comando constitucional, estabelecer direitos outros que visem à melhoria das condições sociais do trabalhador, o que é exatamente o caso da indenização em razão de acidente de trabalho.
Em síntese, a supremacia constitucional atribuída aos direitos dos trabalhadores do artigo 7º protege-os, por meio do controle de constitucionalidade, contra normas infraconstitucionais que porventura venham a diminuir seu âmbito de aplicação, mas nada impede, por outro lado, que o legislador ordinário prescreva atos normativos que tragam melhores condições sociais.
2.2. Relação com as emendas constitucionais: as "cláusulas pétreas".
A questão que se pretende, neste tópico, responder diz respeito à possibilidade, ou não, de modificação ou exclusão, por emenda constitucional, de algum direito do trabalhador previsto em um dos incisos do artigo 7º da Constituição.
A Constituição federal, em seu artigo 60, prevê o procedimento, com seus limites, de alteração constitucional, que, como analisado anteriormente, é mais complexo e mais difícil de ser efetivado do que o dos demais atos normativos.
Segundo o texto constitucional, a Constituição pode ser emendada mediante proposta de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, do Presidente da República ou de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros, por aprovação de três quintos das duas Casas do Congresso, em dois turnos (artigo 60, I, II, III e § 2º, da Constituição).
Deixando de lado os aspectos procedimentais de aprovação de qualquer emenda constitucional, que, se descumpridos, acarretam a sua inconstitucionalidade formal, passa-se à análise das limitações materiais à alteração constitucional, as denominadas "cláusulas pétreas".
Determina o artigo 60, § 4º, I a IV, in verbis:
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I – a forma federativa de Estado;
II – o voto direto, secreto, universal e periódico;
III – a separação de poderes;
IV – os direitos e garantias individuais.
Uma primeira leitura do dispositivo constitucional poderia levar o intérprete a afirmar que estariam protegidos pelas denominadas "cláusulas pétreas" tão somente os "direitos e garantias individuais", ou seja, as liberdades públicas, previstas no artigo 5º da Constituição de 1988.
No entanto, deve-se interpretar o texto constitucional atribuindo-lhe abrangência maior, interpretando-o como protetor dos "direitos e garantias fundamentais", acobertando-se, deste modo, os direitos sociais previstos, nos artigos 6º e 7º da Constituição. Nesse sentido, preleciona Manoel Gonçalves Ferreira Filho:
A Constituição em vigor, como se sabe, no seu Título I – "Dos Direitos e Garantias Fundamentais", tem o Capítulo I, que é dedicado aos "direitos e deveres individuais e coletivos", e o Capítulo II, aos "direitos sociais".
Em face do exposto, é forte o argumento de que, na tradição brasileira, "direitos e garantias individuais" é expressão que abrange somente as liberdades clássicas. Esses direitos não poderiam ser abolidos pela revisão. O mesmo não ocorreria com os direitos sociais.
Entretanto, não é despropositado afirmar ser a expressão "direitos e garantias individuais" equivalente a "direitos e garantias fundamentais". Ora, esta última designa todo o título e abrange os direitos sociais, que assim não poderiam ser eliminados. Certamente, esta última interpretação parece mais condizente com o espírito da Constituição em vigor, incontestavelmente uma "Constituição social". Ademais, ubi eadem ratio eadem dispositio. Se os direitos sociais, como as liberdades clássicas, são reconhecidos como direitos fundamentais, por que somente estes seriam intocáveis? [08].
Acompanhamos, pois, incontestavelmente, o constitucionalista, no sentido de incluir os direitos sociais, mais especificamente os direitos dos trabalhadores, previstos no artigo 7º da Constituição, no âmbito de proteção das denominadas "cláusulas pétreas", o que confirma o entendimento de considerá-los normas materialmente constitucionais.
Por fim, admitida a inclusão dos direitos dos trabalhadores no âmbito de proteção do artigo 60, § 4º, IV, da Constituição, resta analisar como se dá tal proteção. O texto, transcrito anteriormente, fala, claramente, que não será admitida proposta de emenda constitucional "tendente a abolir" o que se encontra apontado em seus incisos.
O termo "tendente a abolir" é, com certeza, bastante vago, comportando diversas interpretações de acordo com o que se apresenta no mundo fático, mas, ao menos, duas conclusões podem ser dele extraídas: a primeira delas, e a mais óbvia, é que o mandamento constitucional não proíbe nenhum tipo de modificação que "promova" os direitos e garantias fundamentais protegidos, pois, "promover", certamente, anda no sentido inverso de "abolir"; a segunda delas é que o mandamento constitucional não proíbe, em absoluto, a modificação ou alteração do seu regime constitucional, mas, sim, proíbe qualquer modificação ou alteração "tendente a abolir" tais direitos.
O que se passa, porém, é que, e aqui se pretende extrair outra regra geral da expressão "tendente a abolir", qualquer modificação redutiva da abrangência dos direitos dos trabalhadores consagrados constitucionalmente é, em princípio, inconstitucional. Se se pode estabelecer uma presunção é a de que alterações constitucionais redutoras do regime jurídico desses direitos dos trabalhadores do artigo 7º da Constituição, por andarem na direção de serem consideradas como "tendentes" a aboli-los, são inconstitucionais, até que se demonstre que assim não devem ser consideradas. Deve haver, pois, presunção relativa de inconstitucionalidade de alterações que diminuam o âmbito material dos direitos dos trabalhadores.
Nesse sentido, promulgada emenda constitucional modificadora do regime jurídico dos direitos dos trabalhadores garantidos no artigo 7º da Constituição e questionada a sua constitucionalidade, seja pelo sistema difuso, em qualquer juízo singular ou tribunal, seja por ação direta, de competência do Supremo Tribunal Federal, devem os julgadores se manifestar, em regra, pela inconstitucionalidade do dispositivo, a não ser que, excepcionalíssimamente, seja demonstrada a sua constitucionalidade.
Conclusões.
A constitucionalização dos direitos dos trabalhadores traz, para estes direitos humanos fundamentais, posição de destaque no ordenamento jurídico: passam eles a gozar do principal atributo decorrente do processo histórico do Constitucionalismo, qual seja o da supremacia constitucional.
São esses direitos considerados material e formalmente constitucionais e, imbuídos desse atributo constitucional, garante-lhes o Poder Judiciário, por meio do controle de constitucionalidade, força normativa necessária para serem verdadeiramente respeitados e implementados nas mais diversas relações do mundo fático. Devem, pois, ter o máximo de efetividade.
As principais decorrências dessa posição hierárquica privilegiada são a sua proteção com relação a qualquer ato normativo infraconstitucional que contra esses direitos milite, bem como com relação às denominadas emendas constitucionais, por estarem abrangidos pelo manto de proteção das "cláusulas pétreas".
Com relação a esta última questão, reconhece-se uma regra que deve ser seguida na apreciação da inconstitucionalidade de qualquer dispositivo redutor do âmbito de atuação dos direitos dos trabalhadores, criando-se uma presunção relativa de sua inconstitucionalidade, no caso de ser o dispositivo questionado, invertendo-se, com isso, a lógica dessa verificação de compatibilidade entre o ato normativo e a Constituição, que seria o da sua constitucionalidade, em regra, e da sua inconstitucionalidade, excepcionalmente.
Referências bibliográficas.
Ferreira Filho, Manoel Gonçalves. Aspectos do direito constitucional contemporâneo. São Paulo, Saraiva, 2003.
____________________. Curso de direito constitucional. 26ª ed., São Paulo, Saraiva, 1999.
____________________. Estado de direito e Constituição. 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 1999.
Kelsen, Hans. Teoria pura do Direito. 6ª ed., São Paulo, Martins Fontes, 2003.
Silva, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18ª ed., São Paulo, Malheiros, 2000.
Notas
01 Cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso, p. 3-9.
02 Cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso, p. 3-9. Sobre o culto à lei, marcante do Estado de Direito, cf., do mesmo autor, Estado de direito, p.20.
03 Cf. José Afonso da Silva, Curso, p. 47-49.
04Curso, p.11-12.
05Teoria pura, p. 247-248.
06Curso, p.47.
07Curso, p.47.
08Aspectos, p. 291.