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Ideologia, Constituição e cinema.

Dominação e encobrimento no final da modernidade

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Procuramos desenvolver algumas reflexões sobre os mecanismos ideológicos utilizados pelo poder para dominar, encobrindo os reais interesses que motivam as ações políticas e econômicas, assim como a construção do discurso jurídico.

1- Introdução

Neste texto, procuramos desenvolver algumas reflexões sobre os mecanismos ideológicos utilizados pelo poder para dominar, encobrindo os reais interesses que motivam as ações políticas e econômicas, assim como a construção do discurso jurídico. Começando pela análise da formação do Estado constitucional em suas linhas gerais, vamos ressaltar as contradições entre o discurso oficial e como se mostrou a realidade das relações sociais e econômicas.

As teorias, enquanto simplificações coerentes sistematizadas do real observado, constroem códigos próprios, que passam a ser instrumentos não só de compreensão mas também de limitação do campo de compreensão e muitas vezes como exercício de poder de grupos sobre outros grupos. Ou seja, se o conhecimento pode ter o condão de libertar, o conhecimento elitizado, escondido em códigos secretos ou labirintos lingüísticos torna-se fator de dominação ideológica, dominação esta fundamental para a legitimação de poderes excludentes.

Simplificando e procurando simplificar a saída do labirinto, podemos pensar que o conhecimento científico, organizado e sistemático, construído sobre bases metodológicas, explica e reorganiza práticas que têm seu método e coerência própria, ou em outras palavras: o conhecimento popular e as práticas sociais não se resumem às manifestações tradicionais não reflexivas, fundamentos religiosos e preconceitos, da mesma forma que a ciência moderna impregnou-se de preconceitos, novas sacralizações e verdades formais arrogantes e prepotentes. Sem negar um e outro, ou sem escolher um ou o outro, a história pode nos ensinar que, por meio de uma racionalização, podemos organizar a produção de um conhecimento construído no cotidiano, retirando os preconceitos e tradições não reflexivas do que chamamos "senso comum", desde que a ciência também não construa preconceitos sofisticados e novas sacralizações para uma nova prática religiosa.

Ou: muitas pessoas em muitos momentos da história acharam que inventaram a roda, e outras ainda continuam inventando.

Um outro problema decorre destas reflexões e se refletem diretamente no Direito moderno: a crença no indivíduo como unidade desconectada do entorno, como uma pretensão de soberania de vontade que permanece no tempo e como uma pessoa que permanece essencialmente a mesma. Em outras palavras, uma identidade individual permanente. Esta ficção liberal pretende atribuir aos indivíduos criações, construções, invenções, inovações que são construções permanentes. Assim, em algum momento, a partir de uma construção histórica coletiva, alguém chega a um resultado, uma nova teoria, uma descoberta científica, uma inovação tecnológica, uma obra artística, etc. A lógica individualista leva a que esta pessoa se aproprie de anos, décadas, séculos de construção. Assim, aprendemos que fulano inventou isto, cicrano descobriu aquilo outro e assim por diante. Essa pretensão nos retira a nossa compreensão de pessoas singulares e coletivas que somos, sempre fruto da vivencia com os outros, assim como recorta processos criativos. Marx não produziu sua teoria do nada, assim como Santos Dumont não partiu do zero para a construção de seu 14-Bis, e assim por diante. Tudo é fruto de processos coletivos de construção permanente, inclusive nós mesmos. A genialidade de alguns de nós, humanos, nos faz visualizar uma espécie de pescador: alguém que sem esforço encontra melodias, pesca sinfonias, e como que uma antena aberta ao universo é capaz de visualizar obras magistrais. Outros de nós são sistematizadores, capazes de captar séculos de construção e sintetizá-los em uma criação útil. Mas o que é fundamental para compreensão do complexo processo de transformação por que passamos, é a percepção de uma dinâmica e complexa unidade de uma história que se constrói permanentemente.

Para discutir o encobrimento do real como mecanismo ideológico de dominação, vamos nos valer do cinema, a sétima arte, especialmente de filmes recentes que, por meio de uma linguagem popular, discutem o tema aqui teorizado. Se o cinema, as histórias em quadrinhos, seriados de televisão e desenhos animados enquanto artes populares contemporâneas são utilizados para manipular, criar comportamentos, da mesma maneira têm servido para gerar reflexões críticas capazes de revelar um real encoberto por diversas formas de manifestação da ideologia hegemônica. Os quadrinhos criaram o mito do cidadão herói nacional como no Capitão América na Segunda Guerra mundial; ou do capitalista no Tio Patinhas. O cinema foi instrumento de penetração cultural e transferência de valores de um país para outro, mecanismo de aproximação cultural como Carmem Miranda na década de quarenta. Também os quadrinhos cumpriram esta função de aproximação e penetração no conhecido Zé Carioca de Walt Disney. Desde presidentes heróis que pilotam caças de combate contra extraterrestres até presidentes que lutam contra terroristas sacralizando a instituição presidencial norte-americana até estereótipos de bandidos morenos e bigodudos nos desenhos animados, a arte popular também, por meio do estranhamento nas formas de representação do real, pode libertar, revelando como funcionam os instrumentos de manipulação, de naturalização e sacralização a serviço de interesses específicos.


1- Do nascimento do constitucionalismo moderno proclamando liberdade e igualdade e outros mitos modernos.

O constitucionalismo moderno se afirmou com as revoluções burguesas na Inglaterra em 1688, nos Estados Unidos em 1776 e na França em 1789. Podemos, entretanto, encontrar o embrião desse constitucionalismo já na Magna Carta de 1215. Não que a Magna Carta seja a primeira Constituição moderna, mas nela já estão presentes os elementos essenciais deste moderno constitucionalismo como limitação do poder do Estado e a declaração dos Direitos fundamentais da pessoa humana, o que a tornou uma referencia histórica para alguns pesquisadores.

Podemos dizer que, desde o início do processo de afirmação do constitucionalismo moderno no século XVIII até os dias de hoje, toda e qualquer Constituição do mundo, seja qual for o seu tipo, liberal, social ou socialista, contém sempre como conteúdo de suas normas estes dois elementos: normas de organização e funcionamento do Estado, distribuição de competências e, portanto, limitação do poder do Estado e normas que declaram e posteriormente protegem e garantem os direitos fundamentais da pessoa humana. O que muda de Constituição para Constituição é a forma de tratamento constitucional oferecida a este conteúdo, ou seja, o grau de limitação ao poder do Estado, a forma como o poder do Estado está organizado e os meios existentes de participação popular e de respeito à liberdade de imprensa, de consciência e de expressão, o respeito às minorias e a diversidade cultural e étnica (regime e sistema político), a forma de distribuição de competência e de organização do território do Estado (forma de Estado), a relação entre os poderes do Estado (sistema de governo) e os direitos fundamentais declarados e garantidos pela Constituição (tipo de Estado).

Outro aspecto do constitucionalismo moderno diz respeito à sua essência. O nascimento desse constitucionalismo coincide com o nascimento do Estado liberal e a adoção do modelo econômico liberal. Portanto, a essência desse constitucionalismo está na construção do individualismo e de uma liberdade individual, construída sobre dois fundamentos básicos: a omissão estatal e a propriedade privada.

A idéia de liberdade no Estado liberal, inicialmente, está vinculada à idéia de propriedade privada e ao afastamento do Estado do que se convencionou chamar de esfera privada, protegendo-se as decisões individuais. Em outras palavras, há liberdade na medida em que não há a intervenção do Estado na esfera privada; em segundo lugar, podemos dizer, segundo o paradigma liberal, que os homens eram livres, pois eram proprietários (na primeira fase do liberalismo, as mulheres não tinham direitos e a democracia majoritária não existia). Esses dois aspectos são fundamentais para a compreensão do conceito de liberdade no paradigma liberal do século XVII e XVIII.

Embora este paradigma tenha sido superado na história do século XX, acompanhado pelas teorias que surgem de novas práticas e sustentam novas compreensões, ele retorna como farsa, como mecanismo de encobrimento do real, no final do século XX.

Por este motivo, é importante ressaltar a necessidade da inserção histórica desse pensamento para a sua adequada compreensão e do papel que este desempenha em cada momento histórico: revolução ou farsa. Em primeiro lugar, é importante lembrar contra qual Estado se insurgem os liberais. Não se pode dizer que os liberais revolucionários são contrários ao Estado social ou socialista ou qualquer outra formulação histórica posterior, justamente pelo fato de que o Estado que conheciam e contra o qual lutavam era o Estado absoluto. Portanto, a primeira constatação importante é de que os liberais se insurgem contra o Estado absoluto. Quando esses pensadores visualizam o Estado como o inimigo da liberdade, têm como referência o Estado absoluto, que eliminou diversas liberdades para grande parte da população, e transformou os posteriormente chamados direitos individuais em direitos de poucos privilegiados. Essa compreensão histórica da teoria liberal nos ajuda a entender por que os liberais compreendem os direitos individuais como direitos negativos, construídos contra o Estado, conquistados em face do Estado.

A partir do constitucionalismo liberal, o cidadão pode afirmar que é livre para expressar o seu pensamento, uma vez que o Estado não censura sua palavra; o cidadão é livre para se locomover, uma vez que o Estado não o prende arbitrariamente; o cidadão é livre, uma vez que o Estado não invade sua liberdade; a economia é livre, uma vez que o Estado não regula ou exerce atividade econômica. Lembramos que o Estado que os liberais combatiam era o Estado absoluto.

Um aspecto fundamental para a correta compreensão do constitucionalismo liberal e de qualquer idéia ou teoria é a necessidade de inserção desta no contexto histórico em que ela surge. O pesquisador, o leitor interessado em compreender o pensamento de determinado autor deve conhecer o autor, sua historia e para qual realidade esse autor escreveu ou escreve. Isso evitará muitos erros de compreensão comuns e recorrentes na análise e compreensão de textos históricos. Não se pode compreender o pensamento de Hobbes sem conhecer sua história e o momento histórico que inspirou seu pensamento. Isso vale para qualquer outro pensador, e as grandes incompreensões das teorias decorrem justamente da falta de conhecimento do contexto histórico no qual elas foram pensadas e construídas, e mais, por quem essas teorias foram pensadas. Não se pode, por exemplo, ler Nietzsche (um dos pensadores mais incompreendidos) sem conhecer sua história; o risco que se corre é compreendê-lo pelo avesso ou, na verdade, não compreendê-lo. Portanto, para entender a defesa que os liberais fazem da propriedade privada, a confusão que fazem entre economia livre e omissão estatal, desregulamentação e propriedade privada dos meios de produção, é importante compreender o contexto histórico e a idéia de Estado que esses liberais tinham no momento da construção de suas teorias. Ao estudarmos a história da realidade econômica (e não do pensamento econômico) desde então, perceberemos, com clareza, que esses fatores só trouxeram opressão e exclusão, portanto, falta de liberdade para grande parte dos cidadãos.

Outro obstáculo que ocorre com freqüência são as traduções. Sejam as traduções publicadas, sejam as traduções ou leituras diretas feitas pelo pesquisador e estudioso leitor. Devemos lembrar que os idiomas são sistemas complexos que relacionam significados a significantes, assim como as, muitas vezes, estreitas regras linguísticas, condicionam compreensões, vinculam palavras, limitam o pensar. As palavras e seus significados são condicionados por contextos históricos os mais distintos, assim como a gramática. Não se lê uma obra complexa com o dicionário na mão. É necessário recorrer à discussão e a busca histórica do contexto em que a obra foi escrita, traduzida, e de que forma as palavras eram compreendidas e limitadas ou ampliadas nos seus significados no momento em que foi escrita. Trata-se de um trabalho de inserção cultural. Daí nos parecer muito estranho quando alguns autores que se dizem interpretes oficiais de determinados pensadores, se qualificarem como donos da verdade dos autores estudados. Por mais que se estude um determinado autor, o máximo que teremos é a nossa compreensão, construída coletivamente ou não, daquele autor. E isto se mostra com mais intensidade quanto maior a complexidade da obra, da idéia, da linguagem, da distancia no tempo, da distância cultural e das barreiras idiomáticas.

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Assim, podemos pensar que a defesa do Estado forte defendido por Hobbes ocorre em uma realidade de caos decorrente da fragmentação de poder não coordenada, que trouxe constantes guerras e destruição. O Estado absoluto surge com a necessidade de se colocar ordem no caos, surge da necessidade de segurança, e daí decorre a construção de uma única vontade estatal encarnada no soberano e no conceito antigo de soberania una, indivisível, imprescritível e inalienável, já estudado no volume 2 do nosso Curso de Direito Constitucional. Do poder permanentemente negociado, da existência de diversos espaços quase soberanos, da negociação de fidelidade dos exércitos dos senhores feudais, característica final do feudalismo, surge o Estado absoluto, com um único foco de poder, uma única vontade soberana e um único exército. Isso é garantia de segurança. O Estado moderno, na sua versão absolutista, surge da afirmação do poder do rei perante os impérios e a igreja (soberania externa) e perante os senhores feudais (nobres) que fragmentavam o poder do Estado, cada um possuindo seu próprio exército e poder quase soberano sobre o seu feudo. As vitórias dos reis sobre os impérios e a Igreja, de um lado, e sobre os senhores feudais, de outro lado, são a base para o surgimento do Estado moderno, que é um Estado territorial, nacional, centralizador de todos os poderes e soberano em duas dimensões, a externa e a interna. [01]

O Estado nacional é uma construção histórica complexa, realizada com a força dessa única vontade e desse único exército. A criação dos Estados nacionais, como Espanha e França, é um exercício de imposição de um valor comum, uma história comum, um idioma comum, uma religião comum, capaz de criar um elo entre os habitantes desse Estado que os faça sentirem-se parte da vontade nacional, parte do Estado nacional. O sentimento de pertinência ao Estado nacional é elemento fundamental para sua formação e permanência. Este é um passo fundamental para que o poder do Estado encarnado no Rei fosse reconhecido pelos súditos: criar valores e ressaltar aspectos comuns de identificação dos súditos entre si para que estes reconheçam o poder do soberano.

Entretanto esse Estado absoluto elimina cada vez mais a individualidade (o liberalismo não inventa o indivíduo, reinventa-o de uma maneira egoísta, monolítica e hoje, propositalmente descontextualizada), eliminando a vontade pessoal e o espaço de seu exercício. É nesse contexto que o pensamento liberal surge e as revoluções liberais ocorrem. Elas representam um resgate de uma liberdade perdida (ou de algo que certamente se perdeu mas não se sabe mais o que foi) há muito tempo, uma vez que a opressão do Estado absoluto tornou insuportável a vida pessoal. O Estado liberal não inventa o individuo, ele sistematiza e ideologiza o individualismo, mas, acima de tudo, o Estado liberal representa a vitória da burguesia, e logo a vitória dos interesses desta classe. Quanto ao povo, resta o discurso de liberdade, em que muitos ainda acreditam hoje. Resta a liberdade liberal do sonho da riqueza por meio do trabalho ou, melhor dizendo, da "livre iniciativa" e da "livre concorrência".

Não nasce neste momento uma sociedade que corresponda ao discurso sempre interpretado. Não surge neste momento uma sociedade de homens livres e iguais. A liberdade e igualdade reinventadas permanecem para poucos e ainda hoje é assim na desigualdade de uma sociedade em que muitos passam à margem. Não só para poucos era a liberdade e igualdade mas para poucos também era a possibilidade de dizer o que era essa liberdade e igualdade e ainda hoje é assim na desigualdade de uma sociedade em que muitos passam à margem. Entretanto alguns contam uma outra história, encoberta, de um Estado liberal que não foi democrático, não foi livre e não foi igual. [02]

A essência do constitucionalismo liberal no seu momento inicial é a segurança nas relações jurídicas e a proteção do individuo (proprietário, homem e branco) contra o Estado. Não há uma conexão entre constitucionalismo e democracia. Se a democracia deve ser hoje elemento essencial para o constitucionalismo, no inicio do constitucionalismo liberal ela parecia incompatível com a essência deste. Como combinar a proteção da vontade de um com a democracia majoritária em que prevalece a vontade da maioria. A junção entre democracia e constitucionalismo liberal ocorre na segunda fase do Estado liberal, que estudamos no nosso livro Direito Constitucional, tomo I [03]. A idéia de que a vontade da maioria não pode tudo e que um governante não pode alegar o apoio da maioria para fazer o que bem entender decorre dessa junção importante para a teoria constitucional. O absolutismo da maioria é tão perverso quanto o absolutismo de um grupo, e a confusão entre opinião pública e democracia é sempre muito perigosa. Logo, a democracia constitucional liberal, construída no século XIX, entende que a vontade da maioria não pode ignorar os direitos da minoria e os direitos de um só. Os limites à vontade da maioria são impostos pelo núcleo duro, intocável dos direitos fundamentais, protegidos pela Constituição, e que na época do liberalismo eram reduzidos apenas aos direitos individuais, efetivamente de poucos. Isto à época é bastante complicado pois a maioria pode desde que não afete os interesses e direitos históricos de um elite proprietária, o que tornava os limites para a democracia representativa liberal muito largos.

Desde então, o constitucionalismo evoluiu, transformou-se, regrediu nos últimos tempos e hoje se encontra em grave crise, quando o discurso econômico, de forma ideológica e autoritária, submete o Direito a seus pseudo-imperativos matemáticos. Entretanto podemos dizer que em todas as constituições modernas (sejam liberais, sociais ou socialistas) vamos encontrar sempre os dois tipos de conteúdos comuns em suas normas: organização e funcionamento do Estado com a sua conseqüente limitação do poder e a declaração e proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana.

A evolução do constitucionalismo moderno coincide com a evolução do Estado moderno, o que foi estudado no capítulo 1 e 2 do tomo I do livro Direito Constitucional e revisto com outro enfoque no capítulo 2 do tomo II. Portanto não cabe aqui retomarmos este tema e remetemos o leitor à leitura daqueles capítulos.

As constituições modernas que representam o início desse longo processo de construção do constitucionalismo são a da Inglaterra (a partir da Magna Carta de 1215 e em constante processo de construção até os dias de hoje), a Constituição norte-americana de 1787 e as constituições francesas do período revolucionário de 1791, 1793, 1795, 1799 e 1804. No Brasil, a nossa primeira Constituição de 1824 (no Império) e a de 1891 (primeira republicana) são liberais e representam a primeira e segunda fase do constitucionalismo. A fase de transição para o constitucionalismo liberal no Brasil ocorre na década de 1920 e a nossa primeira Constituição social é a de 1934. A Constituição de 1937 representa a influência do social-fascismo no Brasil. Essa Constituição traz os elementos característicos dessa ideologia (ultranacionalista, antiliberal, anti-socialista, anticomunista, antidemocrática, anti-operariado e autoritária). Em 1946, temos o retorno do Estado social e democrático (democracia representativa) com nova interrupção autoritária em 1964.

A ditadura do empresariado e dos generais, apoiada pelos Estados Unidos, tentou se legitimar com as constituições autoritárias (e desrespeitadas pelo próprio governo ditatorial) de 1967 e 1969. Essas constituições têm caráter autoritário e permanecem até a Constituição de 1988, típica Constituição social que introduz, entretanto, o novo conceito de Estado Social e Democrático de Direito, interpretado de maneira diversa pelos autores contemporâneos.

Em toda a história do constitucionalismo moderno, entretanto, a democracia foi uma exceção apenas tolerada pela elite econômica. A historia da América Latina nos mostrou no século XX como, quando o povo de forma organizada, e seguindo os mecanismos legais e constitucionais que estabelecem as regras do jogo da democracia representativa majoritária, afetam interesses econômicos desta elite, imediatamente ocorre uma ruptura com a ordem constitucional, numa aliança comum, entre empresários e militares, no decorrer das décadas de 60. 70 e 80.

No final da década de noventa e nesta primeira década do século XXI a história se mostrou diferente. A aliança entre a elite empresarial e os militares de alta patente contra a democracia popular falhou pela primeira vez na Venezuela, o que abriu espaço para mudanças populares e democrático-participativas na Bolívia e Equador com repercussão em diversos outros Estados latino-americanos. Mudanças lentas e negociadas com muita dificuldade também começam a ocorrer na Argentina, Chile, Uruguai e Brasil, mudanças estas sempre combatidas pela mídia concentrada controlada pelas corporações capitalistas. A mudança social tem sido difícil, especialmente diante de mecanismos ideológicos cada vez mais sofisticados e concentrados, insistentes em criar um mundo artificial, propositalmente encobridor do real. A Busca do real, as revelações das reais intenções, dos reais jogos de poder, torna-se uma tarefa revolucionaria, pois somente quando as pessoas forem capazes e tiverem a coragem de buscar o real, podemos efetivamente promover uma mudança permanente, em direção a um outro lugar, a um outro mundo possível.

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Sobre o autor
José Luiz Quadros de Magalhães

Especialista, mestre e doutor em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais<br>Professor da UFMG, PUC-MG e Faculdades Santo Agostinho de Montes Claros.<br>Professor Visitante no mestrado na Universidad Libre de Colombia; no doutorado daUniversidad de Buenos Aires e mestrado na Universidad de la Habana. Pesquisador do Projeto PAPIIT da Universidade Nacional Autonoma do México

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAGALHÃES, José Luiz Quadros. Ideologia, Constituição e cinema.: Dominação e encobrimento no final da modernidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1733, 30 mar. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11103. Acesso em: 22 nov. 2024.

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