Capa da publicação Justiça restaurativa, conciliação e mediação penal
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A justiça restaurativa como sistema alternativo de resolução de conflitos criminais através da conciliação e mediação

25/09/2024 às 18:22
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A mediação e a conciliação surgem como uma forma alternativa de compreender e resolver conflitos para poder produzir graus diversos de satisfação nas partes envolvidas, evitando a demanda desnecessária ao Poder Judiciário.

Resumo: O presente artigo tem por finalidade realizar uma reflexão sobre a Justiça Restaurativa e sua inserção no âmbito do ordenamento jurídico penal brasileiro, apresentando-se como uma temática inovadora e controversa no território nacional. Ainda que em fase de construção enquanto política pública, essas temáticas vêm ganhando notoriedade, assumindo posicionamento líder como objetos de investigação, instrução e extensão, demonstrando meios alternativos para a resolução de conflitos no âmbito do Direito Penal Brasileiro. Neste diapasão, é importante salientar que o sistema carcerário brasileiro está sempre extrapolando a capacidade máxima, e o sistema judiciário não consegue dar vazão, tornando-se uma justiça estagnada e socialmente desgastada. Assim, para evitar a sobrecarga judicial, surge a mediação e conciliação como uma forma alternativa de compreender e resolver conflitos para poder produzir graus diversos de satisfação nas partes envolvidas, evitando a demanda desnecessária ao Poder Judiciário.

Palavra-chave: Meios Alternativos. Solução de Conflitos. Ressocialização.

SUMÁRIO

  1. APRESENTAÇÃO 1

  2. Titulo 2

  1. Resumo 2

  2. Introdução 5

  3. O conceito, alcances e características da Justiça Restaurativa 7

  4. A percepção do instituto da mediação e sua evolução através da visão doutrinária......... 10

  5. A Justiça mediadora no conceito penal 12

  6. A mediação penal nos JEC’s como auxílio da Justiça Restaurativa.........................................................................................................15

  7. A conciliação como possibilidade de pacificação de conflitos na esfera penal 20

  8. A composição civil dos danos e transação na conciliação penal 22

  9. CONCLUSÃO 24

  10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 25

1. Introdução

O presente artigo objetiva discutir a implementação dos sistemas alternativos de resolução de conflitos criminais: mediação e conciliação.

A promulgação da Lei n.º 13.140/2015, denominada como a legislação de mediação e conciliação, consolida essas instituições no âmbito do Direito Penal Brasileiro. Nesse contexto, ao abordar a questão da equidade, emergem os direitos e obrigações inerentes à pessoa humana, indivíduo que detém uma conduta singular de significativa relevância para a convivência em sociedade. No âmbito constitucional, esses indivíduos têm como cláusula imutável a salvaguarda de seus direitos e garantias, os quais são insuscetíveis de serem suprimidos ou restringidos.

Neste trabalho, será tratado a aplicação da lei no caso concreto, cuja aplicação das normas infraconstitucionais e legais está a cargo do Poder Judiciário. Contudo, este sistema de normas encontra-se desequilibrado, o que inviabiliza a melhor aplicação das normas jurídicas, neutralizando ou negando os preceitos constitucionais e legais garantidos. No entanto, é importante salientar que este sistema normativo e legislativo atual está sobrecarregado, impossibilitando a aplicação das normas jurídicas da melhor forma possível a cada caso e anulando ou negando princípios constitucionais e jurídicos garantidos. Assim, falar de justiça remete à ideia de reparação, que percorre um longo percurso dentro dessa estrutura, pois o sistema está pautado por excessos de prazos o que faz com que balança da justiça esteja totalmente desequilibrada.

A expansão do âmbito jurídico-penal no Brasil, por meio da contínua promulgação de legislações e da introdução de novas tipificações delitivas, conjugada ao aumento das penalidades aplicadas aos delitos como resposta ao aumento da atividade criminosa e à demanda social por sua contenção, culmina no excessivo acúmulo de processos penais em tramitação no Poder Judiciário. Tal situação resulta em uma crescente morosidade e ineficácia no sistema de justiça penal. Por conta deste sobrecarregamento da justiça, é preciso falar sobre os princípios orientadores da inovação por meios alternativos que conduzam a uma melhor aplicação das normas no domínio do crime.

Nesse contexto, destacaram os autores a importância de se conceber vários meios de administração de conflitos além dos mecanismos processuais tradicionais. A mais recente onda renovatória, conforme proposto por Cappelletti & Garth (1988), entra em consonância com a crescente tendência em prol dos chamados meios alternativos de resolução de disputas, expressão derivada do inglês: “Alternative Dispute Resolutions” (ADR) que contempla uma variedade de métodos de solução de conflitos distintos e substitutivos à sentença proferida em processo judicial, tais como a arbitragem, a mediação, a conciliação e a negociação. (Silva, 2013, p. 02)

Portanto, esta pesquisa visa desenvolver concepções no contexto da criminalidade brasileira, explorando e discutindo alternativas à mediação de conflitos como uma resposta para requisitos essenciais que abrangem tanto a execução de decisões judiciais quanto a implementação do Direito Penal. A oferta de medidas substitutivas que buscam a solução rápida e eficiente de conflitos na esfera administrativa, sem a necessidade de litígios, tornou-se uma realidade em nosso sistema jurídico, estabelecida pelo novo Código de Processo Civil de 2015, e deve ser mais detalhadamente explorada no âmbito do Direito Penal.

Como consequência dessa assertiva, almeja-se conferir ao instituto uma abordagem concisa no âmbito do crime, com o propósito de uma resolução mais expedita, e possivelmente, da reabilitação desse infrator, além de visar ao interesse comum da sociedade brasileira. Portanto, esses institutos tornam o procedimento mais informal e acessível, aproximando grupos historicamente excluídos do sistema formal de justiça, a condução de conflitos por meio de ADR (Métodos Alternativos de Resolução de Disputas) pode ser identificada como um método facilitador do acesso à justiça (Asperti; Souza, 2018; Dakolias, 1995).

Assim, em maio de 2016 o Conselho Nacional de Justiça1 promulga a resolução 225 que dispõe sobre a política nacional de justiça restaurativa no âmbito do Poder Judiciário, estabelecendo marco fundamental para a implantação da justiça restaurativa como política pública de tratamento penal.

2. O conceito, alcances e características da Justiça Restaurativa.

A justiça restaurativa se mostra como um método independente de administração de desacordos e situações conflituosas, sendo uma opção à crise do atual sistema punitivo e prisional do Estado. Com essa abordagem alternativa, além de desaprovar e combater as infrações, reforça a relevância da subjetividade humana ao resolver as divergências de maneira consensual, considerando as necessidades individuais de cada uma das partes envolvidas, fundamentando-se em um procedimento de consenso.

Para (Pinto, 2005), Trata-se de um processo estritamente voluntário, relativamente informal, a ter lugar preferencialmente em espaços comunitários, sem o peso e o ritual solene da arquitetura do cenário judiciário, intervindo um ou mais mediadores ou facilitadores, e podendo ser utilizadas técnicas de mediação, conciliação e transação para se alcançar o resultado restaurativo, ou seja, um acordo objetivando suprir as necessidades individuais e coletivas das partes e se lograr a reintegração social da vítima e do infrator”. (p. 20)

“Trata-se de uma abordagem do delito que envolve a vítima, o delinquente e a comunidade – sociedade – visando estabelecer relações sadias e restruturação da paz social, além de reparar os danos materiais e imateriais causados pela transgressão”. (Bianchini, 2012, p. 99)

Outro elemento da teoria da justiça restaurativa é denominado "atribuições das partes envolvidas", atuando com três perspectivas: da vítima, do transgressor e da comunidade, estabelecendo uma correlação entre o dano causado e as necessidades específicas de cada parte, assim como as medidas restaurativas essenciais para satisfazer as demandas de ambas. Essa estrutura diferencia os interesses das partes envolvidas principais, ou seja, as pessoas mais impactadas por uma infração específica, das pessoas indiretamente afetadas.

Nesse contexto, as partes interessadas primárias compreendem predominantemente as vítimas e os infratores, considerando que são os mais impactados pela ruptura na relação social. Contudo, aqueles indivíduos que mantêm laços afetivos com a vítima ou o infrator, como pais, cônjuges, irmãos e amigos, também estão abrangidos pela perspectiva restaurativa, uma vez que são afetados e constituem as comunidades de apoio das vítimas ou infratores.

As partes interessadas secundárias referem-se às pessoas que não possuem vínculos emocionais com o ofendido e o infrator, e, por conseguinte, carecem de legitimidade para intervir no processo de reconciliação. O papel das partes secundárias consistiria, efetivamente, em apoiar e facilitar os procedimentos que conduzam ao resultado acordado de maneira consensual pelas partes interessadas primárias. Essa colaboração fortalece a sociedade civil, promovendo a coesão social e capacitando os cidadãos na resolução autônoma de seus próprios conflitos.

Para Azevedo, (2005) a justiça restaurativa como uma proposição metodológica por intermédio da qual se busca, por adequadas intervenções técnicas, a reparação moral e material do dano, por meio de comunicações efetivas entre vítimas, ofensores e representantes da comunidade voltadas a estimular: i) a adequada responsabilização por atos lesivos; ii) a assistência material e moral de vítimas; iii) a inclusão de ofensores na comunidade; iv) o empoderamento das partes; v) a humanização das relações processuais em lides penais; e viii) a manutenção ou restauração das relações sociais subjacentes eventualmente preexistentes ao conflito. (p. 140)

Evidencia-se que a restauração do dano causado requer a participação não apenas das partes envolvidas diretamente no conflito, mas também da sociedade em geral. Tal participação visa proporcionar uma rede de apoio e acolhimento para ambos os envolvidos, possibilitando a reconstrução das relações sociais rompidas. O consenso, a confidencialidade e a voluntariedade dos envolvidos no processo são os pilares da justiça restaurativa.

Assim, ressalta (Pinto, 2005) que o “modelo restaurativo baseia-se em valores, procedimentos e resultados definidos, mas pressupõe a concordância de ambas as partes (réu e vítima), concordância essa que pode ser revogada unilateralmente, sendo que os acordos devem ser razoáveis e as obrigações propostas devem atender ao princípio da proporcionalidade. A aceitação do programa não deve, em nenhuma hipótese, ser usada como indício ou prova no processo penal, seja o original seja em um outro. (p. 22).

Uma das características no processo da Justiça Restaurativa é a voluntariedade, que marca a expressa concordância dos interessados. Ele é um princípio essencial para a efetivação da prática restaurativa, podendo tal anuência ser revogada a qualquer momento durante o procedimento de mediação.

Pinto (2005), define que: “este processo é totalmente voluntário e realizada em ambientes mais informais, sem o peso ritualístico do tribunal, intervindo um ou mais mediadores, e podendo ser utilizadas técnicas de mediação, conciliação e transação para se alcançar o resultado restaurativo, ou seja, um acordo objetivando suprir as necessidades individuais e coletivas das partes e se lograr a reintegração social da vítima e do infrator”. (p. 20).

Em relação ao consenso, para alcançar o propósito almejado pelo sistema restaurativo, é imperativo que as partes estejam ajustadas, plenamente conscientes e em acordo com seus direitos e deveres. Quanto à confidencialidade, assegura-se o sigilo absoluto de todas as situações vivenciadas durante o processo, vedando-se, inclusive, o uso dessas informações como evidências em procedimentos judiciais.

Como outra opção, a abordagem restaurativa não só crítica e pune crimes, mas também destaca como é importante entender a perspectiva das pessoas envolvidas para resolver os conflitos de maneira que atenda às necessidades de cada um.

Assim, “a denominada Justiça Restaurativa aos poucos ingressa no sistema jurídico brasileiro, essencialmente no processo penal, iniciando pelas mudanças de enfoques e com a relativização dos interesses, transformando-os em individuais típicos, logo, disponíveis, garantindo assim a possibilidade de uma conciliação do agressor com o agredido, e possivelmente até o perdão, garantindo assim a restauração da paz sem a necessidade do instrumento penal coercitivo e utilizado pelo Estado”. (Nucci, 2013, p.232).

3. A percepção do instituto da mediação e sua evolução através da visão doutrinária

Em primeiro lugar, é importante conceituar mediação:

A Lei 13.140/2015 descreve em seu texto original o conceito de mediação como sendo uma “técnica de negociação na qual um terceiro, indicado ou aceito pelas partes, as ajuda a encontrar uma solução que atenda a ambos os lados”. (República Federativa do Brasil, 2015).

Pode-se considerar que a mediação consiste em um procedimento cooperativo, em que a aparente oposição de interesses deve ser trabalhada de modo a alcançar um objetivo comum, como se fosse um mecanismo para a obtenção da autocomposição, caracterizado pela participação de um terceiro imparcial e neutro, sem qualquer poder de decisão.

“A mediação é a inclusão informal ou formal de terceiro imparcial na negociação, ou na disputa, dá-se o nome mediação, que é, pois, um mecanismo para a obtenção da autocomposição caracterizado pela participação de terceiro imparcial que auxilia, facilita e incentiva os envolvidos. Em outras palavras, mediação é a intervenção de um terceiro imparcial e neutro, sem qualquer poder de decisão, para ajudar os envolvidos em um conflito a alcançar voluntariamente uma solução mutuamente aceitável. A mediação se faz mediante um procedimento voluntário e confidencial, estabelecido em método próprio, informal, porém coordenado. (Calmon, 2008, p.119).

Para Souza (2009), é “um processo em que cada uma das partes tem oportunidade de expor seus interesses e necessidades e descobrir assim um caminho que atenda, tanto quanto possível, aos legítimos interesses e necessidades de ambas” (p.70)

A origem da mediação através da sociedade, desde o início da vida já existiam conflitos por demarcação de território, pela alimentação, dentre outras, onde a forma predominante de resolução destes conflitos era a luta física, guerra, ou qualquer outro meio pudesse contemplar a vitória à aquele litígio, conforme ensina Faleck & Tartuce (2014 apud Kovack, 2004, p.28).

Através da evolução histórica, pode-se perceber que à medida que a sociedade se formava, foram criando as figuras representativas da comunidade ao qual era incumbido de solucionar qualquer problema ou conflito, dando-se o nome desta figura de mediador.

A mediação é a essência humana, pois o homem é um ser social por natureza. Muito embora alguns pareçam que adoram um conflito, é notório também que há pessoas que gozam desta qualidade aperfeiçoada, sendo mais hábeis como mediadores.

Na sociedade oriental, a mediação vem de uma tradição milenar entre os povos originários. A mediação é intrínseca nos costumes e a figura do mediador alcança poderes institucionais decorrente de uma hierarquia organizada no exercício da cidadania, instrumentalizando assim o poder mediador.

A palavra mediação evoca a significância de centro, meio, equilíbrio, formando a concepção de um terceiro elemento que se encontra entre as duas partes, não acima delas, mas entre elas.

Nesse contexto, Haynes (1993), explica que a mediação é considerada como “um procedimento em decorrência do qual um terceiro (o mediador) auxilia os participantes em uma situação conflituosa a abordá-la, resultando em uma solução aceitável e estruturada de modo a possibilitar a continuidade das relações entre as pessoas envolvidas no conflito”. (p.114)

Isso constitui uma administração ativa de conflitos por meio da catalisação de um terceiro, mediante uma técnica na qual são as próprias partes imersas no conflito que buscam alcançar um acordo com a assistência do mediador, um terceiro imparcial desprovido de prerrogativas decisórias.

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Assim, Junior (2009) destaca que é: “através da mediação, que desenvolvem-se a autonomia, a comunicação e a cooperação entre os atores, configurando um instrumento eficaz para resolução de conflitos intersubjetivos, especialmente daqueles cujos protagonistas apresentem percepções diferentes quanto à mais justa decisão para o caso”. (p. 533)

4. A Justiça Mediadora no Contexto Penal

A introdução de um sistema de justiça mediadora no contexto penal representa, de fato, uma inovação de grande relevância para a reformulação do sistema penal brasileiro. No entanto, essa abordagem inovadora pode suscitar preocupações quanto à sua viabilidade em um ambiente de aceitação e adoção da ideia. Essa questão não está tão distante da realidade observada em Portugal, onde a mediação penal foi estabelecida ao nível nacional por meio da Lei n.º 21/2007. Ao longo de sua implementação, demonstrou eficácia ao apresentar dados sobre casos submetidos à mediação penal. No entanto, enfrentou considerável resistência por parte do Ministério Público e do Ministério da Justiça em relação à aplicação efetiva dessa lei, resultando em uma tentativa de retroceder nas inovações do sistema penal. Essas resistências dificultaram o trabalho dos mediadores penais, levando ao abandono gradual desse instituto, com sua utilização encerrada em 2017, sem esclarecimentos sobre os motivos, pois não foram divulgados. (Silva & Verzelloni, 2020, p. 81-104).

O fenômeno de descentralização da execução do poder jurisdicional, no âmbito do processo penal no Brasil, é normatizado pela Lei n.º 9.099/1995, a qual trata dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, sem prejuízo das legislações pertinentes ao âmbito cível.

Sica (2007) apresenta um cenário de implementação da mediação penal como ferramenta de administração de conflitos em diversas situações, tais como em casos envolvendo vizinhança/bairro (violência, vandalismo, perturbação de sossego); justiça/criminalidade (conflitos em prisões, atividades policiais); confrontos étnico-raciais (disputas entre neonazistas e judeus, combate à segregação racial), entre outros. (p.233)

A finalidade da mediação penal é "instaurar a comunicação entre as partes, com foco na restauração da vítima e na aceitação da responsabilidade pelo infrator". Além disso, permite que este "narre as circunstâncias e consequências do delito sob sua perspectiva, assim como na reparação das perdas morais, patrimoniais e afetivas".

No paradigma convencional adotado pelo sistema judiciário, a vítima e o infrator não participam do próprio julgamento, resultando frequentemente em uma insatisfação mútuo envolvidas com o desfecho do processo. A ausência de pacificação social impede a abordagem das necessidades relacionadas à punição, proteção e reeducação, as quais, de certa forma, poderiam contribuir de maneira significativa para uma sociedade mais equilibrada e pacífica. “Os conflitos direcionados para a mediação penal podem resultar num acordo, porém seus objetivos principais são a restauração do diálogo e o desenvolvimento da empatia, evitando a reincidência do crime” (Spengler, 2010, p. 65).

O método restaurativo para imputação penal é um procedimento voluntário, informal e caracterizado pela celebração de acordos. A voluntariedade é absoluta, uma vez que os membros da comunidade desempenham um papel central nesse modelo alternativo de justiça, fazendo escolhas livremente para democratizar a resolução de conflitos. Nesse contexto, abrangem-se inclusive situações envolvendo delitos mais complexos, pois após sua ocorrência, torna-se essencial alcançar um desfecho positivo em relação aos eventos na vida tanto do ofendido quanto do infrator.

Assim como explicita Tiago: A mediação penal conta com a “participação direta dos principais envolvidos no ato ofensivo, a restauração da vítima e/ou comunidade vitimada”; objetiva a “responsabilização direta do ofensor pelo dano causado e o envolvimento de toda a comunidade na restauração tanto da vítima quanto do ofensor, suprindo algumas falhas do processo judicial e complementando o sistema de justiça criminal” (Tiago, 2007, p. 210).

A informalidade implica que o procedimento adotado deve se desvincular do formalismo típico do processo penal, considerando que, no sistema judiciário tradicional, o Estado impõe a vontade da lei e cria um distanciamento dos envolvidos na disputa legal, renegando-lhes apenas um papel secundário.

No Código de Processo Penal brasileiro, essa lacuna é evidente, dado que a vítima recebe um tratamento secundário no desenrolar do processo. Neste processo, o Estado tornou-se o principal ofendido, relegando à vítima um papel de simples observadora, ou de testemunha cuja responsabilidade é narrar os acontecimentos. Saliba bem pontua com maestria este aspecto: “O papel da vítima é relegado a segundo plano ou terceiro plano, não mais interferindo no procedimento do sistema penal. Há positivação da vontade da vítima, ou seja: a lei supre a manifestação de vontade, presumindo-a quando necessário. Seu interesse não mais é seu e, mesmo que seja contrária ao caminho ou desfecho tomado, nada pode fazer. Até mesmo interesses estritamente pessoais e patrimoniais, disponíveis e transacionáveis, foram esbulhados pelo Estado.”

No entanto, no método restaurativo, a vítima assume um papel de destaque, onde é facultado conceder perdão ou participar de um diálogo elucidativo sobre os motivos e circunstâncias dos atos criminosos, contudo, mediante autorização legal e análise do Poder Judiciário e do Ministério Público.

Para Sica (2008): […] “no âmbito penal, a mediação deverá ser submetida a controle jurisdicional, seja na decisão de enviar o caso à mediação, seja na aceitação de seu resultado como forma de exclusão da intervenção penal. Assim, é necessário definir parâmetros de regulação legal, para que não se torne um procedimento privado de garantias ou uma forma de privatização do conflito, cuja gerência seria conferida ao Estado, como espécie de “administração pública de interesses privados. Pelo contrário, o controle jurisdicional preserva o caráter público da demanda, reconhecendo, apenas, a possibilidade de intervenção direta das partes em sua solução e, ainda, garante o envolvimento comunitário, ao qual já se fez várias referências, pois é, justamente, o elemento que diferencia a mediação penal de outras mediações”.(p.30)

Quanto à metodologia adotada para haver a mediação, de acordo com Sica (2007), há quatro fases. Na primeira fase, a autoridade, juiz, promotor ou polícia encaminha o caso para a sessão de mediação. A segunda fase é preparatória, onde os mediadores entram em contato com as partes envolvidas no conflito, colhendo informações necessárias, questionando em relação à participação, com base no princípio da voluntariedade. A terceira fase é a sessão de mediação em si, sua prática. E, na quarta fase, ocorre o monitoramento, onde se observa o êxito ou não quanto ao acordado na mediação, para posterior reenvio à autoridade que solicitou o desenvolvimento do procedimento. Ao adotar esta metodologia, a mediação penal ainda pode ocorrer de forma direta ou indireta. (p.58)

Esta definição é dada pela vítima, pois deve ser respeitado o receio em estar com o ofensor no mesmo ambiente. Na mediação indireta, as sessões ocorrem de forma isolada e cabe ao mediador transmitir as impressões e pretensões dos envolvidos. Mesmo não sendo o ideal, ainda é possível bons resultados adotando esta técnica. Já a mediação direta, se mostra mais adequada e produtiva, podendo ser desenvolvida em seis etapas: exposição introdutória realizada pelo mediador; narrativa pela vítima da experiência vivida, assim como a reconstrução do fato pelo autor; esclarecimento dos fatos ocorridos e incentivo à adoção da técnica inversão de papéis, visando compreender as emoções provocadas pela ação criminosa; percepção dos danos sofridos pela vítima; desenvolvimento de um acordo escrito; e por fim as considerações finais do mediador em relação à sessão de mediação. Haja vista, a mediação independe da técnica a ser adotada, pois como se vê, ela é um instrumento importante para auxiliar a justiça, ampliar o espaço de democracia e de interação social, para que assim, prevaleça a paz e a harmonia entre os indivíduos em onde precise haver justiça. A mediação penal tem sua contribuição relevante na busca por uma solução autocompositiva dos conflitos, ainda que no âmbito da esfera criminal.

Assim, a legislação referente ao processo penal deve estabelecer os parâmetros para sua implementação, levando em conta que, ao término do processo, caso as partes concordem com a alternativa de resolução, esta deve estar conforme a normativa legal do ordenamento jurídico.

5. A mediação penal nos Juizados Especiais Criminais como auxílio da Justiça Restaurativa.

A Mediação Penal é, essencialmente, uma eficaz estratégia de harmonização de conflitos. Através deste método autocompositivo no contexto penal, propicia-se um encontro entre a vítima, o transgressor e a comunidade. Adicionalmente, aponta para a abordagem mais apropriada na resolução de dissensões latentes, pois viabiliza a exposição de questões de outras esferas, fomentando, dessa forma, a cultura da paz nas relações sociais.

A interpretação equivocada da responsabilidade exclusiva do Estado em um sistema punitivo-retributivo vem aos poucos sendo reconsiderada. Nordenstahl1, em suas dissertações, assevera que "o Estado criou uma máquina para reproduzir o sofrimento moral e físico em relação ao condenado e à própria vítima.” Nesse contexto, pode-se afirmar que o quadro mais desfavorável é agregar aflição e sofrimento à vítima no âmbito judicial, que, por vezes, enfrenta novos traumas, prejuízos sociais, psicológicos e econômicos, somados aos já causados pelo próprio delito.

A revitimização é comum no processo penal tradicional em suas várias fases, entretanto, é algo que necessita ser reavaliado. O sucesso da mediação penal ocorre quando há uma legítima preocupação com o bem-estar dos envolvidos, convidando-os à reflexão, promovendo a responsabilização por parte do transgressor e a reparação pelos danos causados à vítima.

Neste sentido, Roxin (2002), afirma que “a importância da reparação do dano está na consideração dos interesses do ofendido, pois somente assim as necessidades da vítima seriam atendidas de forma satisfatória e não, somente, com a simples imposição de uma pena que, na vida prática do agredido, não traz qualquer consequência imediata. Sendo assim, Roxin, propõe a terceira via, que busca um modelo que vá além da aplicação de punições formais, enfatizando a reparação e a atenção aos interesses da vítima como parte integrante do processo penal. Essa abordagem procura equilibrar a responsabilidade do ofensor com a necessidade de restaurar os danos causados à vítima, minimizando as consequências práticas do crime”. (p.08)

Dentro do Código Processual Penal Brasileiro, a resposta do Estado ao delito se propõe uma solução para o infrator e uma resposta à sociedade, com o intuito de evitar que esta, insatisfeita, busque vingança privada. A função da pena é compreendida principalmente de maneira retributiva, deixando a vítima completamente desconsiderada, em um processo conhecido como neutralização da vítima.

Neuman (1994), caminha no mesmo sentido, e afirma que: “o Estado centra as suas atividades na materialidade do delito e na busca da verdade objetiva, interessando-se muito mais pelo delito e pela chamada segurança social - que muitos juízes afirmam por ela direcionar-se – em vez de se preocuparem com os atores do drama penal, a vítima e o infrator.” (p.24)

Para tentar minimizar esse drama penal, parte-se do pressuposto de que é necessária uma mudança de cultura para poder ocorrer a evolução no processo penal:

Conforme elucida Cica (2007) “Não é possível progredir em direção a uma justiça penal mais humanizada, mais legitimada e mais democrática enquanto o atual modelo permanecer inalterado em seus aspectos mais distintivos: o processo penal visto como expressão de autoridade, o direito penal como exercício de domínio. Tudo isso respaldado por pretextos considerados “nobres”, como a prevenção geral, a reintegração social ou, agora com maior ênfase, a segurança pública e a tranquilidade dos "cidadãos de bem". (p. 119)

Porém, dentro da proposta de justiça restaurativa, alguns países latinos já têm avançado neste sentido de colocarem as vítimas como protagonistas.

No presente momento, evidenciamos diversas legislações que incluíram em seus dispositivos normativos medidas voltadas para a resguarda dos direitos das vítimas de transgressões. Nesse cenário, Fernandes (1995) ressalta que:

Recentes normativas na Argentina têm sublinhado a necessidade de conferir à vítima um tratamento mais humanizado, através do Código de Tucuman, Córdoba e da Nação, para isso, estipulam direitos e preveem providências: informação sobre as faculdades que pode exercer no processo e, ainda, ciência das resoluções a respeito da situação do imputado; necessidade de acompanhamento de vítimas menores e incapazes por pessoas de sua confiança durante os atos processuais [...] (p.222).

Sobre a vítima no processo penal da Bolivia, Caballero (2003) retrata: [...] “la víctima podrá intervir em el processo penal conforme a lo establecido en este Código, tendrá derecho a ser escuchada antes de cada decisión que implique la extinción o suspensión de la acción penal y, em su caso, a impugnarla”. [...] (p.118)

No Brasil, sem dúvida, os direitos da vítima foram reconhecidos no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal brasileira, sendo a dignidade da pessoa humana um dos seus fundamentos. Assim, quando a nossa Carta Magna incluiu a dignidade da pessoa humana como um de seus fundamentos, fez no sentido de que as demais normas do direito interno com ele fossem congruentes.

No território brasileiro, mediante a promulgação da Lei 9099/95, conhecida como Lei dos Juizados Especiais Criminais, a figura da vítima foi reconhecida no âmbito do procedimento criminal por meio da disposição legal que prevê sua participação na relação processual. Embora de maneira incipiente, o legislador ordinário anteviu a imperatividade de sua inclusão no processo de resolução de conflitos.

Streck (1999) é taxativo quando diz que: “Com o advento da Lei 9.099/95, o Estado “lava as mãos” para os conflitos reputados de menor potencial ofensivo. Seria o neoliberalismo do Direito, e isto, sem dúvidas, atrapalha a defesa dos interesses da vítima” p.20)

Para quem entende que os interesses da vítima obtiveram maior consideração, o art. 74 (composição civil dos danos) é a chance que a vítima tem de ver restituído o prejuízo sofrido, além da possibilidade de uma indenização.

É imperativo destacar que os princípios fundamentais que norteiam o início do procedimento da Mediação Penal incluem o "princípio da autonomia das partes". A neutralidade do mediador é de suma importância, sendo sua ausência prejudicial ao processo, uma vez que é essencial para estabelecer um ambiente de confiança, especialmente em situações mais delicadas.

Nesse sentido, é crucial atentar para o ambiente dentro do Juizado Especial Criminal, pois ambientes formais e burocráticos nos tribunais não favorecem o diálogo. Assim, o mediador deve desempenhar um papel essencial na facilitação da comunicação entre as partes envolvidas no conflito, e o ambiente também deve ser configurado de maneira a contribuir para o bem-estar, diálogo, conciliação, acolhimento e resolução de conflitos.

A implementação da Mediação Penal como parte da Justiça Restaurativa inicia-se efetivamente quando o caso é encaminhado ao núcleo responsável. Após a avaliação de sua adequação para a mediação, a vítima é contatada, seguida pelo contato com o infrator. Caso todas as condições e pressupostos necessários estejam presentes para um encontro construtivo, a pré-conciliação é agendada, visando, assim, explorar alternativas em busca de uma efetiva administração da justiça.

O êxito da mediação criminal é notório, uma vez que representa uma das principais ferramentas de resolução alternativa de disputas no contexto penal, empregada pela Justiça Restaurativa para implementação de suas práticas restauradoras. Tal abordagem proporciona ao sistema jurídico penal a oportunidade de adotar maior celeridade, compaixão, personalização e informalidade, resultando, por conseguinte, em uma redução significativa da burocracia.

Ressalta-se a importância de relatar neste contexto o que transcreve Umbreit (2007):

“Vítimas e ofensores frequentemente falam da sua participação em um diálogo mediado como uma experiência poderosa e transformadora que os ajudou no seu processo de recuperação. Pais de crianças mortas expressaram seus sentimentos de alívio após encontrarem o ofensor/presidiário e dividirem sua dor. Eles também puderam reconstruir o que aconteceu e o porquê. Uma mãe cujo filho foi assassinado declarou: “ Eu apenas precisava deixá-lo ver a dor que ele causou na minha vida e descobrir por que ele puxou o gatilho.” Um professor que foi atacado e quase morto comentou, após encontrar com o jovem criminoso na cadeia: “Ajudou-me a acabar com esse ordálio...fez muita diferença na minha vida, apesar desse tipo de encontro não ser para todo mundo.” Um ofensor/presidiário que encontrou com a mãe do homem que havia matado declarou: “ Foi bom poder trazer algum alívio para ela e expressar o meu remorso.” Um médico na Califórnia cuja irmã foi morta por um motorista bêbado estava muito cético inicialmente quanto a encontrar com o ofensor. Após a sessão de mediação, ele declarou: “Eu não pude começar a me recuperar até que deixasse o ódio passar...após a sessão de mediação, eu sentei um grande alívio...eu agora estava pronto a encontrar alegria na vida novamente. Principal instrumento de solução alternativa de conflitos, no âmbito penal, usado pela Justiça restaurativa, para efetivação de suas práticas restauradoras, oferecendo ao ordenamento jurídico penal a oportunidade de revestir-se de mais celeridade, humanidade, individualidade e informalidade, gerando, em contrapartida, menos burocracia. p. 78)

A conscientização, oriunda desse encontro, proporciona a oportunidade de edificação, responsabilização e restauração. Da mesma forma, a compreensão de que a mera integração em uma comunidade sujeita o indivíduo à possibilidade de se envolver em conflitos, traz consigo a empatia, humanização e sensibilidade para a gestão dos litígios.

A dicotomia entre o bem e o mal se desenrola no interior de cada ente vivo, demandando ser objeto de trabalho a fim de que as virtudes humanas predominem. A conscientização da sociedade acerca da necessidade de assistência especializada para muitos indivíduos, visto que, isoladamente, sucumbem às adversidades mais nefastas, é crucial.

Os resultados alcançados pelo método da Mediação Penal no contexto da Justiça Restaurativa seriam inatingíveis sem a presença de estrutura e equipe especializada. Portanto, justificam-se investimentos crescentes e a disseminação do conhecimento nesse âmbito.

Por derradeiro, torna-se incognoscível antecipar o desfecho de uma Mediação, contudo, permitir-se experimentar integralmente o procedimento com o desiderato supremo de conceber cada sujeito como integrante do corpo, é apreender que, à semelhança de ser impraticável manter um organismo salutar quando há um membro lesado, a coletividade não pode prosperar se os indivíduos que a integram não estiverem engajados em cooperação, sincronia e harmonia.

6. A possibilidade de conciliação e pacificação de conflitos na esfera penal

O artigo 98, inciso I da Carta Magna estabeleceu que a União e os Estados instituiriam juizados especiais competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de delitos de menor gravidade, através dos métodos oral e sumário. Por eles, são admitidos, nas situações determinadas por lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeira instância.

Desta maneira, no ano de 1995, foi promulgada a Lei n.º 9.099, que versa sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, que desempenha um papel crucial na abordagem da resolução benevolente de controvérsias, como evidenciado já em seu artigo 2º ao afirmar que "o processo seguirá os princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, visando, sempre que possível, a conciliação ou a transação". (Brasil, 1995)

O Juizado Especial Criminal, composto por magistrados togados ou por uma composição de togados e leigos, detém competência para a realização da conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, observando as normas de conexão e continência.

A conciliação objetiva dirimir as controvérsias penais de forma aceitável para as partes envolvidas, por intermédio de um conciliador que resolverá os conflitos específicos, tais como disputas domésticas, desentendimentos entre vizinhos e questões relacionadas ao consumo, utilizando o senso comum e promovendo a coesão social.

Para os adeptos da legislação, a conciliação representa o momento crucial para a vítima, uma vez que permite que ela seja indenizada pelos prejuízos sofridos. No entanto, os Juizados Especiais Criminais (JECs) possuem jurisdição para intervir em tais circunstâncias específicas, contando ainda com princípios orientadores próprios, estabelecidos no âmbito da Lei 9.099/95, tais como a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de “menor potencial ofensivo, os quais, para os propósitos da mencionada legislação, consideram-se as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, cumulada ou não com multa” (artigos 60, caput e 61, ambos da Lei n. 9.099/95) (Brasil, 1995).

O processo perante os JEC’s deve submeter-se à observância de alguns princípios específicos, estampados logo no art. 2º da Lei n. 9.099/95, in verbis:

“O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação” (Brasil, 1995).

Tais critérios também são citados no art. 62 do diploma legal no capítulo que trata, especificadamente, dos Juizados Especiais Criminais. Destaca-se que a redação do referido dispositivo foi recentemente alterada pela Lei n. 13.603, de 9 de janeiro de 2017, a fim de incluir, ainda, a simplicidade como critério orientador do processo perante os JEC’s. (Brasil, 2018).

Por conta do princípio da oralidade, os atos processuais devem ser praticados, em regra, oralmente, dando-se preferência à palavra falada sobre a escrita.

A observância de tal princípio resulta em alguns efeitos, também chamados de subprincípios, quais sejam: os princípios da concentração, do imediatismo, da irrecorribilidade das decisões interlocutórias e da identidade física do juiz (Lima, 2017, p. 379).

De acordo com Lima (2017), “pelo princípio da concentração, busca-se que os atos do procedimento sejam realizados em uma única audiência, para abreviar o espaço de tempo entre a data do fato e o julgamento e, consequentemente, favorecer o alcance da verdade. De outro lado, o princípio do imediatismo está atrelado à colheita de provas pelo juiz em contato direto com os envolvidos” (p. 379).

Já o princípio da irrecorribilidade das decisões interlocutórias, por sua vez, objetiva que as “decisões tomadas pelo juiz durante o curso do processo, em regra, não sejam impugnadas de imediato, a fim de evitar interrupções causadas pela interposição de recursos. Finalmente, traduz-se o princípio da identidade física do juiz no fato de que deve proferir a sentença o mesmo magistrado que procedeu à colheita de provas no feito e, por conseguinte, teve contato com as partes”. (p. 379).

O objetivo é adequar os princípios para facilitar a comunicação com foco na resolução dos conflitos penais de menor potencial ofensivo.

7. A composição civil dos danos e transação na conciliação penal

O Juizado Especial Criminal possui jurisdição para o trâmite das infrações penais de menor potencial ofensivo, compreendidas como aqueles referentes às contravenções penais e aos delitos para os quais a legislação estabeleça pena máxima não excedente a dois anos, seja de maneira cumulativa ou não, incluindo-se a possibilidade de imposição de multa.

Quando é mencionado infração penal de menor potencial ofensivo, referimo-nos a transgressões que não acarretam um prejuízo tão significativo quanto outras e que são cometidas por autores não tão perigosos. Tanto é assim que se viabiliza a oportunidade de conciliação para esses agentes que cometem tais infrações.

Conforme o dispositivo 62 da Lei nº 9.099/95, a fim de intensificar a simplicidade, o procedimento perante o Juizado Especial seguirá os critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que viável, a reparação dos danos experimentados pela vítima e a imposição de sanção não privativa de liberdade.

Dessa maneira, percebe-se uma valorização do papel da vítima, que deixa de ser simples colaboradora do sistema judiciário para assumir o protagonismo: seus interesses, incluindo os de natureza civil, são considerados pelo legislador penal. No que tange ao acusado, almeja-se constantemente a imposição da menor gravosidade possível, isto é, a aplicação de uma pena não privativa de liberdade, enaltecendo, desse modo, o princípio da liberdade.

Dispõe o artigo 72, da Lei n° 9.099/95 que na audiência preliminar, estarão presentes o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, sendo que o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade. (Brasil, 1995)

Ao antever um procedimento mais simplificado e informal, as partes, geralmente ainda exaltadas após o ocorrido, experimentam uma sensação de maior liberdade e menos tensão durante a audiência preliminar. Isso facilita a obtenção da reparação dos danos sofridos pela vítima e, em muitos casos, até mesmo a composição entre as partes, frequentemente limitada a um pedido formal de desculpas, um acordo de convivência pacífica e tolerância para o futuro.

A transação penal, por sua vez, é a conciliação entre o autor dos fatos e o Ministério Público, ocorrendo nas situações de ação penal pública condicionada ou incondicionada. Essa conciliação, denominada transação penal, é a proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade oferecida pelo representante do Ministério Público ao autor dos fatos, sempre que não houver a possibilidade de composição civil dos danos entre a vítima e o acusado, quando o acordo for infrutífero e a vítima expressar o desejo de representar, quando a natureza do delito se sujeitar à ação penal pública incondicionada e quando o acusado atender aos requisitos do artigo 76, §2º.

Segundo Filho (2009), em relação à conciliação e à transação no âmbito penal, ocorre "a conciliação quanto à satisfação do dano e a transação quanto à aplicação da multa ou medida restritiva. A transação diz respeito à sanção criminal a ser negociada e a conciliação, ao acordo referente à satisfação dos danos" (p. 75). No entanto, entende-se que tanto a satisfação do dano quanto a transação são formas de conciliação, cada uma com suas particularidades.

O artigo 74 da Lei nº 9.099/95 estabelece que a composição dos danos civis será reduzida a escrito e homologada pelo Juiz por meio de sentença irrecorrível, tendo eficácia de título a ser executado no juízo civil competente. Quando se trata de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado resulta na renúncia ao direito de queixa ou representação.

Dessa maneira, a conciliação bem-sucedida entre as partes, homologada pelo magistrado, torna incontestável o assunto tratado, impedindo que as partes recorram para reabrir a questão. Como consequência lógica, a vítima renuncia ao seu direito de apresentar queixa-crime ou representar ao Ministério Público para oferecer denúncia.

8. Conclusão

O artigo teve como objetivo primordial analisar as práticas de justiça restaurativa no contexto brasileiro, ainda fortemente ligado ao modelo tradicional, mesmo diante da sua crescente ineficácia no combate à criminalidade, evidenciada pela superlotação dos presídios. Nesse sentido, conclui-se que a Justiça Restaurativa surge como uma alternativa inovadora e eficaz frente às lacunas e desafios enfrentados pelo atual sistema punitivo e prisional do Estado.

A abordagem independente e consensual da Justiça Restaurativa não apenas rejeita e enfrenta as infrações, mas também destaca a importância da subjetividade humana na resolução de conflitos. Ao adotar um processo estritamente voluntário, informal e preferencialmente realizado em espaços comunitários, destaca-se por sua natureza menos solene e pela intervenção de mediadores ou facilitadores.

A participação voluntária das partes envolvidas, sejam vítimas, transgressores ou membros da comunidade, é um princípio fundamental. A busca por consenso, confidencialidade e atenção às necessidades individuais e coletivas são elementos cruciais na obtenção de acordos restaurativos. Metas como a reparação moral e material do dano, responsabilização adequada por atos lesivos, assistência às vítimas, inclusão dos ofensores na comunidade, empoderamento das partes e humanização das relações processuais são buscadas pela Justiça Restaurativa, conforme ressaltado por diversos autores.

A distinção entre partes interessadas primárias e secundárias destaca a importância de considerar não apenas as vítimas e infratores diretos, mas também as comunidades de apoio, fortalecendo a coesão social e promovendo a autonomia na resolução de conflitos. A voluntariedade, consenso e confidencialidade, como fundamentos dessa abordagem, contribuem para a eficácia do processo restaurativo.

Ao focar não apenas na crítica e punição de crimes, mas também na compreensão das perspectivas das partes envolvidas, a Justiça Restaurativa sinaliza uma transformação no sistema jurídico brasileiro. Ao relativizar interesses e priorizar abordagens individuais típicas, ela favorece a conciliação entre agressor e agredido, podendo culminar até mesmo no perdão. Nesse contexto, a Justiça Restaurativa emerge como um instrumento capaz de restabelecer a paz sem recorrer à coação penal estatal, representando uma evolução significativa no âmbito jurídico e social.

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  1. Resolução 225 CNJ https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2289

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Sobre o autor
Thelson Takeshi Iseki Kumagai

Graduado em Matemática pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (2008) Graduado em Segurança Pública pela Universidade Estadual da Paraíba -Policia Militar da Paraíba (2011); Graduação em Direito pela Universidade Cruzeiro do Sul - São Paulo (2013); Major da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul; Pós-Graduado Latu Sensu em Ciências Jurídicas pela Universidade Cruzeiro do Sul - São Paulo (2013); Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Escola de Direito do Ministério Público (2019). Doutorando em Ciências Jurídicas - Universidad del Museo Social Argentino (UMSA) -Buenos Aires (2021)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KUMAGAI, Thelson Takeshi Iseki. A justiça restaurativa como sistema alternativo de resolução de conflitos criminais através da conciliação e mediação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7756, 25 set. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/111047. Acesso em: 26 set. 2024.

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