Descomplicando os Terrenos de Marinha: Breves Considerações sobre sua Utilização

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Resumo: O capítulo aborda, de forma descomplicada, os terrenos de marinha no Brasil, com foco em sua utilização, regulamentação e implicações jurídicas, seguindo os passos adequados para obter legalmente a ocupação ou até mesmo a posse plena (domínio), evitando a ilegalidade e suas consequências negativas. Discute a classificação dos bens públicos, destacando os bens dominicais e as complexidades envolvidas na administração desses imóveis pela União. A obra oferece um panorama histórico dos terrenos de marinha, desde as Ordenações Filipinas até as legislações mais recentes, como as Leis nº 13.240/2015 e 14.474/2022. Essas leis trouxeram alterações significativas nos processos de ocupação, aforamento e alienação dos imóveis da União, buscando compatibilizar o uso dessas áreas com o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental. O livro explora os procedimentos de regularização fundiária junto à Secretaria do Patrimônio da União (SPU), destacando as dificuldades encontradas pelos ocupantes e foreiros desses terrenos. Além disso, a obra discute as propostas de alteração legislativa, incluindo a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 3/22, que visa extinguir os terrenos de marinha. Ressaltando a necessidade de uma revisão legislativa para modernizar a gestão e demarcação dessas áreas, promovendo um equilíbrio entre os interesses públicos e privados, com foco na segurança jurídica e na sustentabilidade.

Palavras-chave: Terrenos de marinha; Bens dominicais; Regularização fundiária; Aforamento; Ocupação; Desenvolvimento sustentável.


1 INTRODUÇÃO

Antes de abordarmos as especificidades dos terrenos de marinha, é fundamental esclarecer o conceito de bens públicos conforme estipulado no art. 99 do Código Civil de 20021. Os bens públicos são classificados em três categorias: os de uso comum do povo, os de uso especial e os bens dominicais. Este capítulo foca especialmente nos bens dominicais, que são considerados patrimônio do Estado, que é o proprietário desses bens. 

A palavra "dominical" origina-se do latim "dominus", que se traduz como "senhor" ou "proprietário". Os bens classificados como dominicais estão sob a jurisdição do direito privado, o que significa que a Administração Pública os trata de maneira semelhante a um proprietário particular. Contudo, a natureza desses bens vai além de uma mera questão patrimonial, uma vez que a administração pode utilizar esses bens para atingir objetivos de interesse público. Embora seja possível alienar bens dominicais, eles não estão sujeitos a usucapião.

O regime jurídico dos bens dominicais é um campo que mistura as regras de direito privado e de direito público. Apesar de administrados principalmente sob as normas do direito privado, os bens dominicais estão sujeitos a restrições impostas pelo direito público para garantir a proteção do interesse coletivo. Esses bens são caracterizados por serem imprescritíveis, inalienáveis, impenhoráveis ​​e não oneráveis, atributos que garantem sua preservação.

Dentre os bens dominicais, estão os terrenos de marinha, que abordaremos com mais detalhes devido às suas particularidades e à importância que possuem no Brasil, o que justifica um exame mais aprofundado. As interpretações e regulamentações desses terrenos ao longo do tempo geraram uma série de controvérsias e desafios na gestão, reforçando a necessidade de uma compreensão detalhada e atualizada sobre as mudanças legislativas e suas implicações. Este estudo visa esclarecer essas questões, proporcionando uma base sólida para futuros debates sobre a administração e utilização dos terrenos de marinha.


2 BENS DA UNIÃO

Bens públicos, estão definidos no art. 99 do Código Civil de 2002. Dentre eles, os dominicais, que são propriedades do Estado, mas não estão destinados a um uso específico, permitindo sua disponibilidade observados certos requisitos, previstos em lei.

Art. 99. São bens públicos:

I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;

II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;

III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.2

Dessa forma, ao nos aprofundarmos no estudo dos bens dominicais, podemos entender melhor as implicações jurídicas e administrativas que envolvem gestão e disposição desses ativos estatais.

Quanto à titularidade, os pertencentes à União (Art. 20 CF) são assim classificados, pois levam em conta a segurança nacional, a proteção à economia do País, o interesse público nacional e a extensão do bem. Ex. fronteiras, construções militares, os lagos e rios, as ilhas oceânicas, fluviais, o mar territorial e os terrenos de marinha, recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva, os recursos potenciais de energia hidráulica e os recursos minerais, vias federais de comunicação, terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, os lagos e rios que banham mais de um Estado, etc.

Já os bens públicos de titularidade dos estados estão classificados no Art. 26 da CF, quais sejam, as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes ou em depósito, às áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, às ilhas fluviais e lacustres, bem como às terras devolutas não pertencentes à União.

Desta forma, terrenos de marinha, são bens públicos, classificados como bens dominicais, de titularidade da União.

2.1 Características dos bens públicos — regime jurídico

O regime jurídico dos bens dominicais é, em grande parte, regido pelo direito privado. No entanto, eles também estão sujeitos a certas normas e restrições impostas pelo direito público, dado a propriedade é do Estado. Portanto, pode-se dizer que o regime jurídico dos bens dominicais é uma interseção entre o direito privado e o direito público, onde o direito privado prevalece, mas com restrições e diretrizes estabelecidas pelo direito público para assegurar que o interesse público seja protegido.

Os bens públicos possuem características distintas que os diferenciam dos bens privados. São imprescritíveis, o que significa que não podem ser adquiridos por usucapião, tanto os bens públicos rurais quanto os urbanos, móveis e imóveis, conforme previsto nos arts. 183, §3º e 191, parágrafo único da Constituição Federal3, e no art. 102 do Código Civil4.

Além disso, os bens públicos são inalienáveis, ou seja, não podem ser vendidos enquanto mantiverem essa qualificação. Também são impenhoráveis, o que impede que sejam dados como garantia para pagamento de dívidas, como precatórios judiciais, enquanto conservarem essa qualificação. Adicionalmente, são não oneráveis, o que significa que não podem ser gravados, mesmo em caso de descumprimento contratual ou outras condições, não podendo ser oferecidos como garantia para satisfazer um crédito, enquanto mantiverem essa qualificação.

Essas características são fundamentais para entender a natureza e a proteção dos bens públicos no ordenamento jurídico brasileiro.

Um bem dominical gigantesco e desejado chamado terrenos de marinha, muitas vezes subutilizados ou utilizados de forma equivocada pelo desconhecimento dos meandros desta temática ímpar.

A ideia de escrever um Capítulo sobre terrenos de marinha surge quando identificamos a vasta gama de interpretações e, por que não dizer, desinformação sobre o tema. A complexidade entre o permitido e o não permitido resulta em imprecisões nas tomadas de decisões e orientações quando se depara com a obscuridade do caminho, deixando muitos inertes numa encruzilhada.

Fonte: PADRÓN. Charge publicada no jornal santista A Tribuna, em 15 de março de 2012. Alexandre Administrativo Blog, 27 ago. 2013.

Conforme definido no Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 19465, os terrenos de marinha são aqueles situados até uma profundidade de 33 (trinta e três) metros horizontalmente a partir da linha do preamar-médio de 1831, tanto no continente como nas margens das costas marítimas, rios e lagoas, onde a influência das marés se faz sentir. Além disso, incluem-se os terrenos ao redor das ilhas sujeitas à influência das marés. Acrescidos de marinha são áreas formadas natural ou artificialmente ao longo do mar, rios ou lagoas, contíguas aos terrenos de marinha.

Antes dessa definição, existiram outros entendimentos envolvendo questões de distância e ao uso dessas áreas, desde a exploração de sal, pesca e comércio até questões de segurança nacional. Em virtude dessas considerações e da importância dos terrenos de marinha no Brasil, é crucial explorar as controvérsias e mudanças legislativas ao longo do tempo. Este estudo aprofundado nos permitirá entender melhor os eventos que moldaram a legislação atual e nos prepara para debates que envolvem diversos interesses da sociedade e da União.


3 ASPECTOS HISTÓRICOS

Durante a União Ibérica, entre 1580 e 1640, as Ordenações Filipinas de 1603 reafirmaram a importância das marinhas e salinas, reconhecendo a propriedade da Coroa sobre o sal produzido e as terras envolvidas nesse processo (Ordenação L. II, Tít. XXVI, §15). Essas áreas, estrategicamente localizadas e de grande valor econômico, eram protegidas e administradas diretamente pela Coroa, destacando o papel central do Estado na preservação e gestão de seus recursos naturais essenciais para a prosperidade do reino.6

No entanto, a definição do que é terrenos de marinha e seus acrescidos só foi estabelecida pela primeira vez na Ordem Régia de 18 de novembro de 1818. Essa ordem delimitou uma faixa territorial de quinze braças craveiras a partir da linha do mar, medida crucial para o serviço público e a defesa nacional na época. Uma braça craveira correspondia a aproximadamente 2,2 metros, totalizando 33 metros nas 15 braças craveiras medidas na preamar média de 1831. Essa medida permitia a movimentação de um pelotão militar ao longo da costa, essencial para a defesa nacional. Em 22 de fevereiro de 1868, o Decreto Lei nº 4.105 converteu essa medida de braças para metros, estabelecendo definitivamente os 33 metros como a faixa de terrenos de marinha.

As Constituições subsequentes, especialmente a de 18917, federalizaram os terrenos de marinha, reconhecendo-os como bens de domínio nacional essenciais para a defesa das fronteiras. Os estados da Bahia e do Espírito Santo contestaram essa federalização, pleiteando o domínio sobre essas áreas, mas o Supremo Tribunal Federal decidiu que os terrenos de marinha eram de domínio nacional, sob jurisdição da União.

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Ao longo das décadas, uma série de decretos e leis, como os de 1920, 1932, 1938, além do Código de Águas e o Decreto Lei nº 4.105 de 18688, consolidaram e ajustaram a regulamentação sobre os terrenos de marinha.

Em 1940, durante o governo de Getúlio Vargas, o Decreto-Lei nº 2.490 estabeleceu de forma detalhada o processo de aforamento de terrenos.9 Esse processo consiste em um ato pelo qual a União concede a terceiros o domínio útil de imóveis de sua propriedade, conferindo um direito real de uso limitado a brasileiros natos ou naturalizados e restringindo-o em áreas essenciais para a União. Em 1941, o Decreto-Lei nº 3.438 ampliou e detalhou o Decreto-Lei nº 2.490, precisando a definição de terrenos de marinha e seus acrescidos, e estabelecendo critérios para a demarcação, além de reforçar o regime de aforamento. Mais tarde, em 1946, o Decreto-Lei nº 9.76010 consolidou as disposições anteriores, definindo os terrenos de marinha como aqueles situados até 33 metros da linha do preamar médio de 1831. Esse decreto manteve o regime de aforamento e introduziu novas regras para a demarcação e uso dessas áreas.

Atualmente, a legislação continua a evoluir, com emendas e leis como a Lei 13.240 de 201511 e a Lei 14.474 de 202212, que ajustam e atualizam as disposições sobre os terrenos de marinha e seus acrescidos, mantendo sua importância estratégica e econômica para o Brasil. A Constituição Federal de 1988 foi pioneira ao explicitar que os terrenos de marinha e seus acrescidos são patrimônio da União, estabelecendo-os como parte integrante dos bens sob seu domínio, claramente delineados no artigo 20 da Constituição Federal.13

A Lei nº 9.636, de 1998, foi um marco legislativo subsequente que regulou a regularização, administração, aforamento e alienação dos imóveis da União, sem revogar expressamente a legislação anterior. Isso gerou um cenário normativo complexo que tem sido alvo de ajustes por leis posteriores, como as Leis nº 13.139/201514, 13.240/201515, 13.465/201716, 14.011/202017 e 14.474/202218. Essas legislações introduziram modificações significativas, visando desde a simplificação dos procedimentos administrativos até a inclusão de critérios específicos para ocupações de baixa renda e comunidades tradicionais.

Por exemplo, a Lei 14.011/2020 manteve e ajustou disposições anteriores, como aquelas relacionadas à regularização fundiária especial para assentamentos de baixa renda, ao mesmo tempo que transferiu responsabilidades administrativas para novos órgãos governamentais. A Lei 14.474/2022, por sua vez, introduziu alterações importantes, como o reajuste limitado das receitas patrimoniais e a simplificação dos procedimentos de alienação e registro de imóveis da União.

Além disso, a Lei 13.465/2017 trouxe inovações ao permitir o uso sustentável de áreas da União por comunidades tradicionais, destacando-se pela concessão de autorizações transitórias para ocupações destinadas à subsistência e à regularização fundiária.

3.1 Demarcação da Linha do Preamar Médio

Como a União não registrou esses dados no passado, a demarcação da Linha do Preamar Médio, necessária para identificar os terrenos de marinha, é atualmente realizada pela SPU19 através da análise de documentos históricos, e é um processo bastante laborioso. Apesar dessas áreas serem de propriedade da União, muitas pessoas acabam adquirindo terrenos nelas através de títulos de posse ou propriedade justos, seja por meio de contratos particulares de compra e venda ou escrituras públicas registradas no cartório de imóveis competente. Por isso, ao descobrirem que seu imóvel está localizado em um terreno de marinha, os proprietários devem procurar a SPU para realizar a regularização, que envolve o registro e o pagamento das taxas correspondentes. É importante destacar que os particulares não são os proprietários plenos desses terrenos, mas sim detentores do domínio útil do imóvel.


4 Principais Possibilidades de utilização do Terreno De Marinha e Diferenças entre regimes de Ocupação e Aforamento

A utilização legal de Terrenos de Marinha depende do reconhecimento pela SPU, como dito anteriormente, por meio de um processo administrativo.

Interessados em regularizar sua ocupação devem iniciar uma demanda administrativa para garantir segurança jurídica. Não se pretende esgotar o tema, mas tão somente abordar as principais formas de utilizações reconhecidas pela SPU.

A classificação de um terreno como Terreno de Marinha não impede edificações, desde que estejam regularizadas junto à SPU e em conformidade com o Plano Diretor e o Zoneamento Urbano local. Em Florianópolis, uma recente alteração no Plano Diretor Municipal permitiu avanços significativos. Anteriormente, áreas costeiras eram classificadas como “non aedificandi”, mas agora a construção é permitida, desde que atenda às diretrizes de zoneamento urbano da macrorregião. Outro exemplo, é o Plano Diretor de Balneário Camboriú, que permite a construção de edifícios altos (os maiores da América Latina) em Terrenos de Marinha, demonstrando uma abordagem mais permissiva em seu planejamento urbano. Isso destaca a importância de uma regulamentação adaptada às necessidades e características específicas de cada munícipio, garantindo o desenvolvimento ordenado e sustentável das áreas costeiras.

4.1 Inscrição de Ocupação

É um ato administrativo precário, resolúvel a qualquer tempo, que pressupõe o efetivo aproveitamento do terreno pelo ocupante, nos termos do regulamento, outorgada pela administração depois de analisada a conveniência e oportunidade, e gera obrigação de pagamento anual da taxa de ocupação.

A inscrição de ocupação não gera direito real sobre o imóvel, sendo apenas para o reconhecimento de uma situação de fato, o que por si só dá segurança jurídica ao ocupante de terreno de marinha, vez que tem esta ocupação reconhecida pelo Poder Público, através da SPU.

Os ocupantes regularmente inscritos deverão recolher anualmente à União uma taxa de ocupação referente a 2% do valor do imóvel, excluídas as benfeitorias. A cada transação onerosa ou transferência de titularidade da ocupação será devido o laudêmio na monta de 5%. Importante destacar, o prazo para informar a SPU sobre eventual transação ou mudança de titularidade de RIP é de 60 dias.

Para obter a inscrição de ocupação é necessário a manifestação do órgão ambiental, bem como comprovação do efetivo aproveitamento da área antes de 10/06/2014.

4.2 Aforamento

É um ato pelo qual a União atribui a terceiros o domínio útil de imóvel de sua propriedade, ou seja, trata-se de um direito real de uso, o que gera maiores possibilidades relacionadas ao imóvel, tais como: financiamento bancário, inclusive de unidades autônomas; incorporação (em algumas cidades aceita-se incorporação também em Insc. De Ocup.); dação em pagamento e/ou garantia; penhora; etc.

O ocupante particular de terreno de marinha com aforamento, também chamado de foreiro, deve pagar à União uma taxa anual de 0,6%, denominada foro, do valor do domínio pleno do terreno.

Quando o foreiro não realizar o pagamento do foro durante três anos consecutivos ou quatro intercalados resultará na caducidade do aforamento conforme e, assim como na inscrição de ocupação, a cada transação onerosa ou transferência de titularidade do aforamento será devido o laudêmio na monta de 5%. Importante destacar, o prazo para informar a SPU sobre eventual transação ou mudança de titularidade de RIP é de 60 dias.

Não é possível conceder aforamento em locais classificados como área de preservação permanente – APP.

Atenção! A constituição do aforamento pelos particulares pode ser gratuita ou onerosa (pago).

Transferência: Tanto na inscrição de ocupação, quanto no aforamento, para fazer a transferência da titularidade do imóvel, deverá ser solicitando a Certidão de Autorização para Transferência-CAT. Com a CAT em mãos, providenciar a Escritura Pública e protocolar o pedido em até 60 dias, sob pena de multa de transferência. O prazo para protocolar o pedido começa com a lavratura do título.

Como dito, sem a pretensão de esgotar o tema e após considerar as questões relativas às inscrições de ocupação e ao aforamento, é certo que todas as ocupações podem ser regularizadas, desde que seguidos os procedimentos jurídicos que se adequam à legislação vigente, atendendo tanto aos interesses do requerente quanto aos da União.

Certamente, mesmo “en passant”, notamos uma grande diferença entre a Inscrição de Ocupação e o Aforamento. O mais importante traço dessa diferença é a insegurança jurídica associada à pretensão de permanência no terreno ocupado. A Inscrição de Ocupação é precária, pois não há contrato entre as partes e pode ser revogada unilateralmente a qualquer momento, geralmente por iniciativa do interesse público.

Enquanto isso, o aforamento é um direito real, onde o domínio direto de 17% permanece com a União e o domínio útil de 83% do total da coisa alheia é atribuído ao particular.

Neste tipo de contrato, é possível a remissão do foro. Para consolidar o domínio pelo foreiro, é necessário realizar o pagamento correspondente a 17% do valor do domínio pleno do terreno. Durante essa transferência onerosa entre vivos, ocorre também o recolhimento do Laudêmio.

Dessa forma, nas terras de marinha, cada uma das hipóteses estará sujeita a requisitos e procedimentos específicos, definidos pela SPU conforme cada caso individual. É fundamental que o interessado em utilizar um imóvel localizado em terras de marinha atenda aos requisitos legais, evitando atrasos no processo de regularização junto à SPU.

Por se tratar de um tema complexo, é aconselhável consultar um especialista na área antes de decidir a melhor estratégia a ser adotada. A regularização é essencial para evitar penalidades por parte das autoridades competentes, como, por exemplo, possíveis demolições.

Continuando a análise dos diferentes tipos de uso de imóveis da União, abordaremos detalhadamente os principais instrumentos legais e administrativos envolvidos. A seguir, exploraremos as particularidades de cada tipo de cessão, concessão, alienação e uso, destacando suas regulamentações e aplicações práticas.

4.3 Uso de Espelho D’água

Os espelhos d’água, regulados pela Portaria da SPU/ME 5.629/202220, agora possuem novos parâmetros para a cessão de espaços físicos da União em águas públicas. A regulamentação fixa uma taxa de 2% sobre a receita bruta para exploração comercial e corrige distorções nos cálculos anteriores. Essas regras afetam atividades como portos, estaleiros, marinas e clubes náuticos, tornando os procedimentos mais equilibrados e objetivos. As novas diretrizes visam otimizar a utilização dos espelhos d’água, garantindo transparência e eficiência no processo de cessão.

4.4 Alienação de Imóveis

A alienação de imóveis da União envolve a venda, permuta ou doação de propriedades que não têm vocação para outras destinações de interesse público. A alienação pode ser realizada para beneficiários que não considerados de baixa renda ou para atividades comerciais. A Lei nº 13.465/2017 permite a venda direta a ocupantes no âmbito da Regularização Fundiária Urbana de Interesse Específico. A permuta envolve a troca de imóveis de interesse público com valores equivalentes. A doação com encargos pode ser destinada à provisão habitacional, regularização fundiária ou empreendimentos sociais. A alienação de imóveis da União é um instrumento fundamental para a destinação eficiente de propriedades públicas, com diversos mecanismos para atender a diferentes necessidades sociais e comerciais.

4.5 Autorização de Uso

A MP nº 2.220/200121 permite a concessão de autorização de uso gratuita para fins comerciais, que pode evoluir para outras modalidades de concessão conforme necessário. Essa autorização pode evoluir para uma Concessão de Direito Real de Uso (CDRU) ou para uma doação, caso a ocupação esteja consolidada. Os requisitos e procedimentos são os mesmos da Concessão de Uso Especial para fins de Moradia (CUEM). A autorização de uso é uma ferramenta flexível que permite a regularização e eventual doação de imóveis ocupados, facilitando o desenvolvimento econômico e social do país.

4.6 Cessão de Uso Gratuita

A Cessão de Uso Gratuita permite o uso de imóveis da União em condições definidas em contrato, sem transferência de domínio. Essa cessão é utilizada quando há interesse público comprovado, mantendo o domínio da União sobre o imóvel. É regulamentada pelo Decreto-Lei nº 9.760/1946 e outras leis complementares. A cessão gratuita é essencial para permitir que entidades públicas ou de interesse público utilizem imóveis da União de forma eficiente e regulamentada.

4.7 Cessão de Uso Onerosa

A Cessão de Uso Onerosa aplica-se a imóveis destinados a atividades lucrativas ou de apoio ao desenvolvimento local. Essa cessão envolve um processo licitatório conforme a Lei 14.133/202122, garantindo condições competitivas e legais para o uso do bem. A cessão onerosa é um mecanismo que assegura a utilização adequada e remunerada de imóveis públicos, promovendo o desenvolvimento econômico local.

4.8 Outros Instrumentos de Cessão e Concessão

Existem diversos outros instrumentos para a gestão de imóveis da União, cada um com suas especificidades legais e operacionais, tais como:

  • Cessão em Condições Especiais: Para estabelecer encargos contratuais específicos;

  • Cessão Provisória: Para situações de urgência ou inconsistência documental.

  • Concessão de Direito Real de Uso (CDRU): Pode ser gratuita ou onerosa, transferindo direitos reais de propriedade;

  • Concessão de Uso Especial para fins de Moradia (CUEM): Regulariza ocupações de imóveis públicos urbanos;

  • Declaração de Interesse do Serviço Público: Reserva áreas para atividades ou programas de interesse público;

  • Guarda Provisória: Concedida em casos de risco iminente aos imóveis.

Esses variados instrumentos de cessão e concessão de imóveis da União são fundamentais para a gestão adequada e eficiente do patrimônio público, atendendo a diferentes necessidades e objetivos.

A gestão dos imóveis da União através de diversos instrumentos legais garante a otimização do uso dessas propriedades, promovendo tanto o desenvolvimento econômico quanto o atendimento às necessidades sociais. Com a correta aplicação das leis e regulamentações, é possível alcançar uma gestão equilibrada e eficiente dos recursos públicos.

Sobre os autores
Giovani Abreu de Souza

bacharel em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). É associado e fundador do Instituto Brasileiro de Terrenos de Marinha.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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