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Prazos (mínimo e máximo) das medidas de segurança

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04/04/2008 às 00:00
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4. PRAZO MÍNIMO

Como visto, além de ter sido bastante explorado pela doutrina, o precedente do Supremo Tribunal Federal parece ter sedimentado o entendimento acerca do assunto atinente ao prazo máximo de execução das medidas de segurança, muito embora tópicas dissensões doutrinárias grassem na seara penal.

Todavia, não se debruçaram os penalistas com o mesmo empenho à questão relativa ao prazo mínimo de cumprimento da medida de segurança. Como visto, dispõe o Código Penal que o prazo mínimo da medida de segurança será de 1 (um) a 3 (três) anos. Significa dizer que, ao sentenciar, o magistrado deverá absolver o inimputável (que não pode ser condenado) e cominar-lhe a medida de segurança, fixando-lhe, desde já, um prazo mínimo, entre os parâmetros mencionados.

A despeito de permanecer tal disposição incólume, impassível de críticas mais contundentes, sufragamos o entendimento de que estabelecer-se previamente este prazo mínimo de cumprimento colide com os fundamentos e objetivos almejados pela medida de segurança.

Basta lembrar que é a periculosidade o fundamento da manutenção das medidas de segurança. Esta periculosidade encontra-se umbilicalmente associada à patologia psíquica (doença ou perturbação da saúde mental) que aflige o inimputável. Ocorre que, ao proferir sua sentença (absolutória imprópria), o magistrado, de regra, não possui elementos de cognição idôneos a aferir a possível manutenção da patologia em comento pelo prazo em que se comina a medida de segurança. Neste sentido, basta destacar que os laudos periciais produzidos no incidente de insanidade mental, deflagrado no curso da instrução, adstringem-se a confirmar a inimputabilidade do agente, sem que haja maiores alusões ao lapso temporal necessário ou indicado à cura da enfermidade.

Em resumo, na prática, pode ocorrer de o magistrado fixar período mínimo de 3 (três) anos de cumprimento da medida de segurança e, ao cabo de menos de 1 (um) ano, haver sanado a doença ou perturbação da saúde mental que originava a periculosidade do agente, única razão para a subsistência da medida de segurança. A despeito disto, assevera a legislação em apreço que as perícias periódicas, destinadas a averiguar a cessação da periculosidade do inimputável apenas poderão ser levadas a cabo ao término do prazo mínimo fixado.

Nestes termos, a manutenção da medida de segurança sem que haja enfermidade mental e periculosidade a serem tratadas constitui resquício de uma anacrônica concepção retributiva, dissociada, por completo, dos paradigmas a serem observados quando da implementação do instituto.

Demais disso, não se pode olvidar que, na prática, estes prazos mínimos são fixados pelo julgador com supedâneo na gravidade abstrata do delito cometido, o que, como visto, é equivocado.

Imperioso destacar, ainda, que, com o advento da reforma psiquiátrica, institucionalizada com a edição da Lei 10.216/2001, ganhou reforço a tese, ora defendida, de que não se pode conceber a fixação dos prazos mínimos das medidas de segurança – ou, ao menos, considerá-los óbices intransponíveis à determinação de perícia médica apta a aferir a insubsistência da periculosidade da pessoa submetida à medida de segurança, sobretudo a de internação.

De antemão, convém esclarecer que referida Lei – sob a influência do movimento antimanicomial, que, por seu turno, se pauta na antipsiquiatria – positivou a tese de que a medida de segurança de internação adstringe-se a casos excepcionais, consagrando a necessidade de aferição casuística, não apenas da periculosidade do inimputável, mas da viabilidade de sua recuperação mediante a adoção da internação, em qualquer circunstância [07].

No que concerne especificamente à medida de segurança de internação, mais relevante ainda é o fato de a Lei em apreço condicionar sua existência a uma utilidade terapêutica, determinando expressamente que se não realizará internação quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem suficientes (art. 4º. caput). Afigura-se razoável constatar, destarte, que estabelecer previamente um prazo mínimo a ser observado para o cumprimento da medida de segurança conflita com esta disposição, na medida em que, uma vez dissipada a doença ou perturbação da saúde mental, já não subsistem razões que legitimem a internação, porquanto inexistente qualquer utilidade terapêutica. Estabelecidas essas premissas, podemos reiterar que a medida de segurança, em casos que tais, está imbuída de um ranço retributivo.


5.CONCLUSÕES

Em conclusão do que foi exposto, podemos asseverar que: (i) as medidas de segurança, a par da sua natureza terapêutica possuem também atributos punitivos, constituindo verdadeiras modalidades de sanção penal; (ii) tendo em vista esta punitividade que lhe é subjacente, à medida de segurança há de ser aplicado um limite temporal máximo, sob pena de se consagrar uma pena de caráter perpétuo, vedada pela Constituição Federal; (iii) este limite temporal deve ser aquele fixado para o cumprimento das penas privativas de liberdade, 30 (trinta) anos, e não aquele cominado em abstrato para cada espécie delituosa, porquanto as medidas de segurança fundamentam-se na periculosidade do agente e não na gravidade do delito; (iv) ultrapassado o limite máximo para cumprimento da medida de segurança, e subsistentes razões que indiquem a imprescindibilidade do tratamento terapêutico, deve o magistrado determinar sua continuação em hospital especializado, cessada a tutela penal sobre o inimputável; (v) o mesmo tratamento há de ser aplicado ao semi-imputável; (vi) a existência de prazo mínimo para o cumprimento das medidas de segurança encontra-se em descompasso com a resposta estatal almejada aos atos praticados pelos inimputáveis, consagrando resquício retributivo, não albergado pelos princípios que orientaram a reforma psiquiátrica, positivada pela Lei 10.216/2001.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAÚJO, Fábio Roque da Silva. Medida de segurança: caráter residual da internação. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1494, 4 ago. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/10216>. Acesso em: 10 set. 2007.

BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. Tradução: Juarez Cirino dos Santos. 3 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002.

BENTHAM, Jeremy. Teoria das penas legais e tratado dos sofismas políticos. Tradução: Roselene C. S. Oliveira. São Paulo: Edijur, 2002.

BRANDÃO, Cláudio. Teoria jurídica do crime. 2 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução: Ana Paula Zomer Sica et al. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

FERRI, Enrico. Princípios de direito criminal: o criminoso e o crime. Tradução: Luiz de Lemos D´Oliveira. Campinas: Russell, 2003.

FOUCAULT, Michel. História da loucura. Tradução: José Teixeira Coelho. 4.ed. São Paulo:Perspectiva, 1995

JACOBINA, Paulo. Direito penal da loucura: medida de segurança e reforma psiquiátrica. Artigo publicado no Boletim dos Procuradores da República nº. 70. Disponível em http://www.anpr.org.br/boletim/. Acesso em: 24 jul 2007.

QUEIROZ, Paulo. Direito penal: parte geral. 3ed., São Paulo: Saraiva, 2006.

TASSE, Adel El. Medida de segurança: reflexões sobre o sistema adotado no Brasil. In_____. CUNHA, Rogério Sanches (org.). Leituras Complementares de Execução Penal. Salvador: JusPodivm, 2006.


Notas

01"Quero dizer que a pena não serve apenas para prevenir os delitos injustos, mas, igualmente, as injustas punições. Vem ameaçada e infligida não apenas ne peccetur, mas também ne punietur. Tutela não apenas a pessoa do ofendido, mas, do mesmo modo, o delinqüente contra reações informais, públicas ou privadas. Nesta perspectiva a pena ''mínima necessária'' de que falavam os iluministas – compreendido ''pena'' no sentido genérico de reação aflitiva a uma ofensa – não apenas um meio, constituindo, ela própria, um fim, qual seja aquele da minimização da reação violenta ao delito." (Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução: Ana Paula Zomer Sica et. Alii. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 309).

02Assevera, contudo, Paulo Queiroz: "Tampouco cabe dizer que as penas têm natureza retributivo-preventiva e as medidas de segurança têm natureza só preventiva. Primeiro, porque, pelo que já se disse, tanto as penas quanto as medidas de segurança pressupõem fato típico, ilícito, culpável e punível, de modo que, desse ponto de vista, as medidas de segurança constituem, também, uma retribuição a uma infração punível. Segundo, porque no essencial, as medidas de segurança perseguem os mesmos fins assinalados à pena: prevenir reações públicas ou privadas arbitrárias contra o criminoso inimputável (prevenção geral) e prevenir a reiteração de crimes (prevenção especial)." (Direito penal: parte geral. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 422).

03Não é demasiado ressaltar, todavia, que militam em favor do inimputável as causas excludentes da culpabilidade, que não estejam diretamente ligadas à imputabilidade penal, tais como a coação moral irresistível, a obediência à ordem hierárquica, a embriaguez completa decorrente do fortuito ou da força maior, etc. Caso assim não fosse, o inimputável estaria sujeito a tratamento assaz gravoso, em relação aos detentores da plena imputabilidade penal.

04 A despeito da literalidade do art. 97 do Código Penal ["Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial"], sufragamos o entendimento de que a cominação da medida de segurança não deve levar em consideração a gravidade em abstrato do delito, senão a periculosidade do agente e, sobretudo, a eficácia do tratamento, devendo a internação ser utilizada residualmente, quando laudo médico circunstanciado a indicar como melhor tratamento a ser utilizado ao inimputável (cf. nosso Medida de segurança: caráter residual da internação. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1494, 4 ago. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/10216>. Acesso em: 28 nov. 2007).

05 "Para Garofalo, o criminoso tem a própria natureza degenerada, apresenta deturpação psicológica, a qual nominou anomalia moral. Fundamental, e inserido na idéia de anomalia moral, é o fato de o critério para a fixação da pena ser o proposto com a nomenclatura de temibilidade. A temibilidade constitui o grau de perversidade, ou mal, existente no criminoso. É de se observar que a concepção, que demanda a consideração do estado de perigo apresentado pelo delinqüente, influenciou o Direito Penal contemporâneo, sendo desenvolvida com o nome de periculosidade". (Adel El Tasse. Medida de Segurança: reflexões sobre o sistema adotado no Brasil. in Rogério Sanches Cunha (org.). Leituras Complementares de Execução Penal. Salvador: JusPodivm, 2006. p.44).

06 HC 84219/SP, Rel. Min. Marco Aurélio.

07 ARAÚJO, Fábio Roque da Silva. Medida de segurança: caráter residual da internação. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1494, 4 ago. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/10216>. Acesso em: 28 nov. 2007.

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Sobre o autor
Fábio Roque da Silva Araújo

Juiz Federal e professor na Bahia. Mestrando pela UFBA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Fábio Roque Silva. Prazos (mínimo e máximo) das medidas de segurança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1738, 4 abr. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11119. Acesso em: 27 dez. 2024.

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